Dias depois
Donna Reid
Eu já não tinha lágrimas, havia chorado por horas a fio. Quando Vick esteve aqui em casa na manhã seguinte à minha chegada, me recusei a sair da cama. Ela, muito paciente, me abraçou e acolheu meu choro que saia de forma lamuriosa e foi se acalmando até virar alguns soluços.
Ela não disse nada e eu amava isso nela. Não era preciso palavras para ela saber que eu precisava do seu colo, do seu abraço e do seu carinho. Porém, um tempo depois, acabei contando o que vivi com Charlie nos últimos dias. Não omiti um único detalhe. Falei do Kevin e da tolice que cometi por covardia. Em nenhum momento vi julgamento em seu rosto, apenas compreensão.
Horas depois de sua partida, tudo o que eu queria era dormir e esquecer. Mas nem que eu me esforçasse muito, eu conseguiria esse feito. Charlie estava entranhado em mim. Sob a minha pele, na minha alma. E o que eu sentia por ele, não tinha volta.
Charlie MacAleese “A situação na Guatemala continua caótica, sem previsão de resolução. Porém, agora estão sob o comando do governo que foi instituídoprovisoriamente, uma vez que o anterior foi dizimado pelas forças rebeldes. Os danos são muitos, principalmente no fornecimento de gás, o qual vinha tendo grande desenvolvimento no país. Segundo algumas reportagens, a Guatemala quebrou e conta mais do que nunca com ajuda humanitária para conseguir se reerguer. Alguns países tem unido forças nesse sentido.” A voz metálica soava de um rádio que estava em algum lugar, passando as informações caóticas do país. As lembranças me atingiram em cheio. Donna! Tento me mover e sinto uma dor no meu braço esquerdo, puxando para o meu peito e se espalhando pelas minhas costas. — Bem-vindo de volta, meu amigo — Phillipe. Reconheço de imediato sua voz. Ele me olha com a testa franzida, parece preocupa
Donna ReidTodos esses dias haviam sido um suplício. Cheguei à conclusão de que Vick tinha razão, mas aquela garota inconsequente e destemida que fui durante muito tempo, deu lugar a outra completamente insegura.Eu não deixava de pensar nele. Sabia que tinha que esclarecer as coisas, mesmo que ele não me aceitasse mais, eu tinha que contar os motivos que me fizeram ter aquele comportamento. Mas para isso, tinha que ir até ele. Porém, por mais que quisesse ir vê-lo, eu não conseguia dar esse passo.Dois dias depois daquela conversa com minha amiga, tentei falar com Pitter, mas por covardia, acabei desistindo. Hoje acordei disposta a tentar mais uma vez.— Quando Gertrudes disse que você tinha descido para o desjejum, não acreditei... — fui arrancada dos meus devaneios pela voz do meu tio. Como não digo nada, ele continua. &md
Donna Reid Num primeiro momento, não entendo nada, tem muitas caixas em um canto, mas é uma fotografia, em cima de um móvel que chama minha atenção. Nela está minha mãe e meu tio, jovens, abraçados e se olhando de forma apaixonada. — O que é isso? — pergunto me virando. — Vou contar do início, será melhor para você entender. — Eu quero entender que droga é essa aqui... — digo balançando a fotografia em sua frente. — Sente-se, Donna — diz, a pegando de mim. Se eu quiser saber de tudo, me exaltar não vai ajudar. Preciso me manter calma, por isso, aceito sua sugestão e me sento num sofá perto das caixas. Ele começa a andar pelo lugar, pensativo, com a foto nas mãos. — Conheci sua mãe quando eu estava no último ano da faculdade, ela entrando e eu saindo. Nos aproximamos e ficamos amigos, eu estava fascinado por ela, tão espontânea e atrevida. Um tempo depois, viramos namorados, foi um ano incrível e
Donna Reid Senti minha garganta se fechar com a pergunta que se formou em minha mente, e ela saiu antes que eu pudesse processar. — Você é meu pai? Disse que mamãe voltou grávida, meses depois. — Eu queria muito ser. Queria demais. Mas não! — Como pode ter certeza? — Nós não tínhamos esse tipo de relação. Não éramos íntimos. Não tinha como você ser minha, embora eu quisesse muito. — Entendo... — Naquele dia vi meu irmão depois de anos, e sua mãe também. Mas me mantive afastado da vida de vocês e como deve lembrar, eu era o tio que aparecia nas festas e datas especiais, mas apenas isso. Eu não queria forçar minha presença. Naquela noite... — ele fecha os olhos franzindo um pouco à testa e limpa a garganta com um pigarro. — Naquela noite, após muitos anos, conversamos francamente sobre tudo, os três. Seu pai também estava lá, ele se manteve calado a maior parte do tempo. Quando sua mãe terminou de
Charlie MacAleese Era bom finalmente estar em casa. — Espero que não se importe. Miuki pediu para Sarah passar aqui e dar um jeito na bagunça, limpar e abastecer a dispensa — Phillipe diz colocando as mãos nos bolsos. Não gosto de pessoas na minha casa, moro afastado para ficar longe das pessoas. Mas não vou brigar depois de terem sido tão legais cuidando de mim. — Tudo bem, desde que não vire um hábito. — Precisa socializar mais, amigo. Viver isolado por muito tempo não é bom — penso justamente o contrário. Quanto mais pessoas, mais problemas. Eu sabia bem disso. Sem responder, vou até uma bancada, pego um cheque e coloco um valor, assino e estendo para ele. — O que é isso? — Para cobrir todas as despesas que tiveram comigo esses dias e por encherem a dispensa. — Não precisa disso tudo, está maluco? Ele tenta me devolver, mas não aceito. — Vocês fizeram por mim mu
Donna Reid Desde o momento que meu tio me deu aquele envelope, eu não conseguia parar de olhar para ele. Um misto de medo e ansiedade, excitação e dúvida, se apoderou de mim. Passei o restante do dia quieta, pensativa. Voltei aquele quarto e olhei as coisas com mais calma, voltei a me emocionar com tudo aquilo. Acabei encontrando o vestido de noiva que tinha sido devolvido por minha mãe. Como meu tio deve ter sofrido e eu adicionei mais carga ao seu sofrimento com minha rebeldia. — Desculpe, não sabia que estava aí, querida — me virei para a senhora Gertrudes que estava parada na porta. — Por que ele guardou tudo isso? Por que simplesmente não jogou fora? — levantei o vestido nas mãos. — Seu tio deve ter os motivos dele. Mas ele jamais faria isso com o vestido, ele foi da sua avó e da mãe dela antes... Olhei para a peça belíssima em minhas mãos e voltei a olhar para ela. — Você esteve aqu
Donna Reid Estava tão atordoada, me sentia tão estúpida. Cruzei a sala na velocidade da luz e naquele instante outro pensamento me ocorreu. E se ele já tinha um relacionamento e mesmo assim se declarou a mim? Não! Ele não faria isso, é um homem de caráter. Mas não quer dizer que não tenha seguido em frente, afinal, eu o dispensei. Oh, droga! Voltei para perto da escada para pegar minha bolsa, me abaixei debilmente pegando a alça na mão para sair dali. Mas como faria isso, não sabia, tinha mandado o carro embora. Nada demais, só mais uma das minhas idiotices. O ouvi me chamar, mas não parei. Perdida em divagações, voltei por onde tinha entrado e ao descer as escadas da entrada, esbarrei em alguém. — Moça, você está bem? Pensei ter ouvido um carro, mas não tinha certeza... — Eu... Oh... — senti meu corpo oscilar. — Por favor, por favor, não se mexa outra vez. Estou enjoada como se estivesse no mar
Donna Reid Joguei o cabelo para trás, reuni a pouca coragem que possuía e falei. — Eu estou aqui porque eu me encantei por você no momento em que te vi. Porque acho que você fica lindo todo marrento e estressado — esperava que ele sorrisse, mas ele não fez isso. — Eu quero você, Charlie. Eu disse em nosso último encontro o que eu pensava. Agora quero dizer o que sinto. Eu amo você. Eu sei, Eu sei... Eu nunca disse isso antes por medo ou covardia. Estava com receio e talvez, eu não quisesse sofrer, o que não mudou em nada, já que sofri todos os dias longe de você. O fato é que eu não sei mais viver sem você. Era tão improvável amor surgir entre nós, quanto água e óleo de se misturarem, mas aconteceu — ele continua me olhando, o maxilar travado como se fizesse muito esforço para se segurar. — Não vai dizer nada? — E o rapaz que estava com você no hospital? — fico sem entender e ele continua. — Eu os vi juntos. Vi tudo...