Foi em uma tarde ensolarada de sexta-feira, após dois dias de chuva torrencial, enquanto Lidia ajudava a cunhada no jardim, que chegou o convite para um chá na casa dos Hardy.
Selene trouxe o convite com cara de quem já conhecia a reação que se seguiria. As duas jovens que cuidavam do jardim, sentaram-se sob a pérgola decorada com flores de jasmim, Kat leu a invitação.
– Ela quer que nos juntemos a ela no chá das 17h00, amanhã…
Kat ergueu a sobrancelha e torceu os lábios com desagrado. Uma suada Lidia, lutava com a franja grudada na testa, enquanto expressava sua indignação para com o convite.
– Mas que absurdo, depois de tudo! É claro que você… - Sorriu de repente.
– Ah, sábado temos o convite de Victor e Matilda – Kat olhou com surpresa para Lidia – Você sabe, para vermos a sede da futura escola?
– Sim, temos. Mas temo que não possa acompanhá-los no sábado, são quase duas horas a cavalo ate a aldeia e… - Kat apontou para a barriga crescente.
– Eu sei – Lidia respondeu desanimada – Eles estão tao empolgados com a reforma para a nova escola… mas sei que não é apropriado para você – Completou sorrindo para Kat.
Piscando para a cunhada, Kat se levantou e caminhou até as roseiras floridas.
– Ao menos, posso usar esse mesmo argumento como desculpas para não precisar me juntar ao chá da tarde da senhora Hardy.
Lidia soltou uma risada, caminhando até a cunhada.
– Venha Lidia, façamos dois arranjos, um para nos desculpar pela ausência no chá, outro para decorar a futura escola.
Lidia atendeu prontamente o chamado da cunhada, indo buscar os instrumentos de jardinagem.
– Lidia? - Uma intrigada Kat olhava para a jovem.
– Sim? - Por um minuto Lidia achou que a cunhada não se sentia bem, caminhando mais rápido em sua direção, notou que a ruga na testa se transformava em um sorriso malicioso.
– Desde quando você chama ao doutor Bysshe de Victor?
Aquela era nova, uma Lidia de rosto corado, abriu e fechou a boca algumas vezes antes de articular uma resposta apropriadamente.
– No… no jantar! - a voz saíra mais fina que planejara, limpando a garganta Lidia seguiu sob o olhar divertido de Kat – No jantar ele pediu que eu o chamasse assim.
– Que intrigante – Kat falou divertida.
– Mesmo? Você considera inapropriado? - Uma Lidia que aparentava preocupação, perguntou.
– Você se importaria realmente se fosse? - Kat riu do jeito da garota, deixando-a ainda mais vermelha.
– Não é inapropriado, eu mesma o chamo assim, é um amigo da família. Mas…
– Tem sempre um mas, não é? - Lidia parecia mais relaxada.
– Sim, infelizmente, para nós tem sempre um mas… Victor é um homem solteiro e ainda jovem, se de alguma forma perceberem uma amizade crescente entre vocês e se seus pais forem avisados disso…
– Eu sei, eu sei – Lidia fitava os próprios pés – Me mandarão buscar. Mas não tem nada de errado, certo? Quer dizer, somos amigos, como eu e Peter…
Katherinne pegou a cunhada pela mão, levando-a até o banco onde estiveram sentadas antes.
– Lidia, o doutor Bysshe nunca agiu daquela maneira antes…
– Você está se referindo ao jantar?
– Sim… Ele, é claro sempre esteve ao lado de Peter e Matilda, na verdade ele se sente responsável de certa forma por ela, por ela e pelo irmão…
– Sim, Travis comentou que o pai de Matilda foi o primeiro amigo que o doutor fez na ilha, e que teria até salvo a vida dele em certa ocasião.
– Exatamente, quando os pais de Matilda e Nuno morreram, Victor se responsabilizou por ambos, ele inclusive ajudou o irmão de Matilda a ingressar na escola de medicina…
Lidia ouvia atentamente…
– Pois bem, ele sempre esteve ao lado deles e também do povo… há muito os Hardy parecem não concordar com isso, ou melhor a senhora Hardy. Mas, nunca haviam chegado a um embate antes.
– Ah… – Lidia franziu o cenho enquanto escutava a cunhada.
– Victor Bysshe nunca nos pareceu um homem de debates, ele agiu sempre com muita ponderação, a estratégia de ação dele, era incluir aqueles que, pessoas como os Hardy tentam menosprezar…
– Entendo, ele apenas os inclui mas nunca os defendeu de fato – Disse Lidia um tanto irônica.
– Lidia – Kat chamou-a como quem pede atenção – Na Ilha Sul, aqueles que podem, fazem o possível… Mas a questão é, percebo agora ainda mais, na verdade eu e Travis conversamos sobre isso, Victor parece um tanto mais audaz.
– Isso é bom! - Lidia parecia feliz ao ouvir a análise da cunhada – Você sabe, “a sorte favorece os audazes”.
Kat riu da atitude quase ingênua de Lidia, continuou a compartilhar sua percepção.
– É possível que favoreça, o ponto é que notamos essa atitude do doutor, justo no momento de sua chegada…
Lidia ficou pálida. O que Kat estava tentando dizer era mesmo o que ela entendia? Uma estranha sensação cresceu na boca de seu estômago, Kat continuo falando.
– Aliado a informação que acaba de me passar, sobre o pedido de chamá-lo pelo primeiro nome…
– Eu entendo – Lidia falou em um sussurro. Recebendo de sua cunhada, um afago na bochecha e um sorriso compreensivo.
– Pode não ser nada, entenda, só deve tomar cuidado com o nível de intimidade que poça vir a se estabelecer entre vocês. Apenas para que não tenhamos uma intervenção de seus pais, você sabe que eles devem ter plantado olhos na Ilha Sul desde que chegamos aqui.
– Sim, eu sei… obrigada.
Kat sorriu para a jovem.
– Vamos Li, não é o fim do mundo ter um homem tao charmoso quanto o doutor Bysshe interessado.
Lidia pegou a mão da cunhada, lutando contra a gama de sentimentos que cresciam dentro dela. As duas caminharam até a casa, Selene estava na porta, o chá logo seria servido.
Enquanto se refrescava antes de descer para o chá, Lidia pensou no que Kat havia lhe falado. Ela tivera interessados em casa, jovens de, ditas, boas famílias que iam e vinham com galanteios, e flores entediantes, mas aquilo era coisa de sua mãe.
Lidia nunca conhecera ninguém por autonomia, e nunca se julgara capaz de provocar tais sentimentos sem que o nome e a fortuna da família não estivessem envolvidos. Não que fosse feia, na verdade se considerava apenas comum – Muito magra e alta para um bom casamento, segundo a tia Berth – Riu em frente ao espelho.
Um amalgama de pensamentos turbilhonavam a mente de Lidia.
– Victor era velho – Que idade teria? Provavelmente quase a idade de papai… - Não, ele é bem mais jovem…
– Não – Disse em voz alta na frente do espelho, encarando o próprio reflexo acalmou a mente, estava decidido.
– Nada desses devaneios românticos de donzelas inglesas. - Pensou consigo – Victor Bysshe seria tratado como um bom amigo e nada mais. Ele perceberia, caso estivesse realmente interessado, que Lidia não estava disponível para investidas românticas e galanteios de solteirões, mesmo dos charmosos, como Kat se referira ao doutor.
O sábado amanheceu adorável, ensolarado e úmido como apenas a Ilha Sul conseguia produzir, Lidia gostava do clima da Ilha, nunca se dera muito bem com os frios de sua terra natal, casacos e narizes vermelhos.
Quando desceu para o café da manhã Travis já estava na porta aguardando.
– Então, você não virá?
– Por que não me chamou? - Respondeu carrancuda.
– Por que não acordou? - O irmão também não estava em seu melhor humor.
– Travis!
– Hei vocês dois – Kat tomava o café da manha tranquilamente na cabeceira da grande mesa – Você perdeu a hora – Piscou para Lidia – E você não vai levá-la sem que ela esteja devidamente alimentada.
Lidia sorriu para a cunhada e sentou-se ao seu lado esquerdo, Travis dando-se por vencido, sentou-se na outra ponta da mesa.
Assim que Lidia terminou o café, saíram apressados sob avisos de atenção e cuidados em sua aventura pela selva da Ilha Sul. Enquanto pegava o chapéu ouviu o irmão e a cunhada se despedindo.
– Não gosto de deixá-la aqui sozinha…
– Não estarei sozinha – Kat tranquilizava o marido.
– Tenho Selene, Allen e Diana… - Travis revirou os olhos – Ora vamos, eu e Diana amamos o mesmo homem, temos muito para compartilhar.
– Nem brinque com isso… nem brinque – Respondeu um risonho Travis.
Marido e mulher beijaram-se e logo os dois irmãos estavam em suas respectivas montarias.
Tomaram caminho até o consultório do doutor Bysshe, Travis montava Noturno, enquanto Lidia reencontrou a amiga Filosofia. Os demais já os aguardavam quando chegaram ao local de encontro, sem nada dizer, Travis lançou um olhar de ‘eu avisei’ para Lidia. Bufando ela respondeu ao irmão.
– Eu sei, eu sei…
Aguardando em frente ao consultório, Victor e Peter seguiam montados enquanto Matilda guiaria a carroça. Seguiriam para a última aldeia nativa de Ilha Sul. Almoçariam com os locais, na carroça, alguns remédios e provisões para a aldeia, além de algumas peças de tecido como presente para o líder.
Ao dobrarem a esquina em direção ao caminhou que seguiriam, qual não foi a surpresa de Lidia ao avistar um cavaleiro se aproximar do grupo, era Karl Hardy, o governador o recepcionou.
– Senhor Hardy, que bom que pode se juntar a nós.
– Governador, senhoras, senhores – Karl Hardy parecia misteriosamente sorridente aquela manhã – Fico feliz em poder ajudar nesse projeto.
Notando a cara séria e os olhares de Lidia, Travis virou-se para irmã e explicou.
– O senhor Hardy é um talentoso engenheiro, avaliará a estrutura onde pretendemos montar a escola.
Lidia não disse nada, fazendo um gesto de concordância, alinhou seu cavalo ao lado da carroça que Matilda guiava e se afastou dos dois homens.
Enquanto seguiam, a jovem observou o grupo, Travis e Peter conversando e cantarolando pela estrada, ainda se pareciam aos jovens de sua infância. De cada lado da dupla um homem em total silêncio, senhor Hardy e doutor Bysshe.
Cravou os olhos nas costas de senhor Hardy, tinha a idade do irmão, mas usava uma barba tão densa que parecia anos mais velho, era um homem comum, não fosse a crespa cabeleira que ele domava através de um rabo de cavalo baixo, nada teria de exótico nele.
Pousou os olhos em Victor, torcendo para que este não a visse observar, fosse pela conversa de ontem com Kat ou por uma coincidência, trágica nos conceitos de Lidia, ela flagrara o doutor Bysshe olhando para ela mais de uma vez naquela manha.
Victor não tinha nada de comum, teve de admitir, mesmo que o preço que tenha pago fossem bochechas vermelhas. Olhou para todos os lados, ninguém prestava atenção nela, seguiu suas observações. O doutor Bysshe era mais alto e largo que Travis, seu irmao sempre fora usado como exemplo de Adônis pelas jovens da alta sociedade inglesa, riu alto com a lembrança e recebeu olhares curiosos dos companheiros de viagem.
Usando o irmao como ponto de referência para não se perder com a resposta que daria, explicou para que todos escutassem.
– Estou muito feliz por conhecer a Ilha Sul.
Quando, novamente, as atenções haviam sido desviadas dela, Lidia continuou a perfurar a nuca de Victor. Talvez não fosse tao velho quanto julgara, seus cabelos castanho claro, usados na altura dos ombros, começavam a pratear em certos pontos, mas mantinha o rosto escanhoado e por suas andanças pela ilha, em auxílio dos pacientes, adquirira um bronzeado que lhe caia bem com a cor do cabelo.
– Talvez seja realmente um homem charmoso, conforme disse Kat – Pensou consigo. Quando se deu conta do absurdo que acabara de falar para si, mordeu o lábio e desviou o olhar.
– Lidia… Lidia… você não é assim - censurou-se em pensamento.
Ouviu chamarem seu nome.
– Lidia – era Matilda que observava-a e sorria – Tudo bem? Eu a chamei algumas vezes antes que me escutasse.
– Oh Matilda, sinto muito – Lidia corara outra vez – Eu realmente não a escutei…
– Tudo bem, você parecia distante. Já está com saudades de casa? - Matilda sorriu com compreensão para Lidia.
– Sinto falta dos meus pais, algumas coisas – Sorriu – Mas realmente tenho apreciado estar na Ilha Sul, mais do que na gelada Londres – Lidia riu com o próprio comentário fazendo com que a amiga também a acompanhasse.
– Então, eu a estava chamando exatamente para indicar que agora começaremos nossa aventura.
Lidia olhou intrigada para a amiga, que continuou…
– Depois daquela curva, começa o caminho entre a selva, passam apenas dois cavaleiros por vez e a carroça sozinha, se conduzida com atenção.
Lidia sorria de antecipação, seria a primeira vez que estaria na natureza selvagem. E quem sabe quanto de tudo que vira inerte no Museu Natural, estaria lá, a espreita, com pulmões cheios de ar e olhos atentos. Não contendo a empolgação comentou, fazendo Matilda rir.
– Oh imagine Matilda, quantos seres maravilhosos se escondem entre a densidade das folhas!
Assim que terminou de falar notou o olhar de Victor Bysshe sobre ela, ele esboçava um sorriso, mas Lidia não reagiu. Ao ver o médico lhe olhando, se deu conta que aquela paisagem não era novidade para ninguém ali, e que ela estava agindo como uma grande deslumbrada garota da capital, irritou-se consigo.
Não teve tempo para, mais uma, auto censura, o grupo já se organizava para entrar na mata fechada, os cavaleiros se alinharam. Travis veio até ela e cavalgou ao seu lado, seguiam Peter que ia na frente sozinho. Atrás da carroça, para garantir a segurança das provisões, doutor Bysshe e senhor Hardy.
Era magnífico, para Lidia o momento que entraram no corredor de plantas exóticas e árvores de milhares de anos, tinha sido mais sagrado do que entrar na própria Catedral de Westminster. Todos os cavaleiros pareciam fazer um silêncio respeitoso, não fosse o ranger das rodas da carroça e do couro das celas, ainda assim era devocional, como se aqueles pequenos barulhos que o grupo produzia, fossem os murmúrios de orações.
Lidia seguia atenta a todos os sons que a selva produzia, havia muito para observar e sentir. A luz quase não penetrava pelas folhas gigantescas e o cheiro era de terra molhada e frutas maduras. A terra sob os cascos era macia e o sussurro do vento fazia restolhar pacificamente as folhas milenares. Havia também uma melodia infinita de pássaros e alguns outros barulhos que Lidia não conseguiu reconhecer, mas não tivera coragem de quebrar o silêncio e encher seus companheiros de viagem com perguntas.
Ouviram barulho de água, Lidia olhou rapidamente para o irmão. Sussurrando Travis perguntou.
– Quer ver? - Sem dizer uma palavra, Lidia bastante empolgada balançou a cabeça afirmativamente, lembrando uma garotinha a quem oferecem um doce.
Travis cavalgou até o lado de Peter, logo o capitão deu um aviso em voz clara para que a caravana parasse. Quando Lidia recobrou a atenção devido a excitação do momento, Victor e o senhor Hardy já estavam junto a Peter e Travis, enquanto uma sorridente Matilda estendia a mão para ajudar Lidia a descer de Filosofia.
Ficou decidido que senhor Hardy ficaria para vigiar os cavalos e provisões, não demorariam além de alguns minutos, Travis dissera com um olhar especialmente significativo a irmã. Não era muito, mas Lidia não via a hora de pôr os pés na água refrescante.
O grupo entrou na mata densa, Peter, facão em mãos, abria uma picada para que passassem, de mãos dadas com o irmão, Lidia não continha o sorriso.
Ao chegaram no local, o barulho era agradavelmente alto, como mar agitado, Lidia sentia o coração bater acelerado de empolgação. Sem cerimonia sentou-se nas pedras e começou a desamarrar as botas quando Travis a impediu segurando suas mãos sobre o sapato.
– Melhor não senhorita Lidia – Ela olhou-o espantada, Travis sorriu para a irmã, com suavidade explicou-lhe.
– Existe uma proibição, vinda da cede da igreja no continente, e vigiada de perto por padre Maugham…
– Uma proibição de refrescar-se em dias quentes? - Lidia riu em um bufo pouco feminino, arrancando de Travis uma risadinha.
– Não Lidia – Travis voltou a ficar sério – Entrar em locais onde nativos possam ter se banhado.
Lidia não soube o que dizer, arregalou os olhos para o irmão, boquiaberta, sentiu a raiva borbulhar dentro de si.
– E o que padre Maugham fará se eu quebrar sua regra?
Lidia tinha as bochechas vermelhas e um olhar assassino, se desvencilhou da mão do irmão e continuou a desamarrar as botas.
– Lidia! - Travis a advertiu com mais veemência.
Um turbilhão de pensamentos passou pela cabeça de Lidia naquele momento, o mais importante foi a honra do governador. Não que se orgulhasse em priorizar algo tao pessoal, mas vira nos olhos do irmão o que significaria caso entrasse na cachoeira.
O resto do caminhou foi seguido em silêncio, Lidia não desejava nem levantar a cabeça, para, se não por sua sorte, por seu conforto evitar os olhares do restante do grupo. Logo chegaram a aldeia.
A aldeia de Ilha Sul era um misto de cores, aromas e sons, como na floresta, mas feito por gente. Crianças corriam rodeando-os, senhoras sorriam e cumprimentavam, homens sacudiam a cabeça respeitosamente.
Lidia notou que tanto Travis, quanto Victor eram extremamente estimados pelos locais, enquanto Peter e Matilda eram tratados como se fossem da família, aquilo encheu seu ser de orgulho, pelos dois irmãos e os laços que construíam com os verdadeiros donos de Ilha Sul.
O grupo se dividiu, Travis, Hardy e Peter foram levados para falar com o líder local, doutor Victor entrara em uma tenda que em seguida foi rodeada por pessoas, principalmente mulheres com crianças e anciões. Matilda pediu que Lidia a acompanhasse.
As duas se encaminharam para uma grande cabana feita de sapé, quase no centro do povoado, lá dentro um grupo de mulheres desempacotava as provisões trazidas, enquanto outro grupo preparava o almoço.
Um delicioso aroma de coco e pescado invadiu os sentidos de Lidia, apesar de não entender uma só palavra que lhe dirigissem, notou o quanto aquelas mulheres sorriam para ela. Sorriu em retorno. Uma anciã falou com ela, em auxílio para traduzir o que a mulher dizia, Matilda parou ao lado de Lidia.
– Ela diz que você vem de longe… - Matilda franziu as sobrancelhas – Eu não entendo muito bem.
– Como assim? - Lidia também franziu as sobrancelhas, intrigada.
– Longe no tempo e no espaço…
– Oh – Lidia sorriu, mas tao pouco ela entendera o significado de misteriosas palavras.
Julgando serem palavras de uma mulher senil, a jovem apenas sorriu ternamente. Logo a velha senhora se entreteve em seus afazeres culinários e as duas jovens saíram da cabana. Lidia observando a movimentação em torno da tenda do médico comentou.
– Você não deveria ajudar Vi… o doutor?
– Está tudo bem, não temos doentes graves, se ele precisar de algo me chamará, hoje estou aqui para te mostrar a aldeia e tirar qualquer dúvida que você tenha – Lidia sorriu para a amiga.
O almoço foi servido em uma grande mesa, do lado externo da cabana onde ficava a cozinha. Lidia observou a alegria que aquele povo expressava em compartilhar, dando grandes honras ao chefe branco que lhes fora imposto. Travis sorria para a irmã sempre que podia, orgulhoso por trazer paz a Ilha Sul.
Lidia e Matilda foram roteadas pelas crianças, mesmo não entendendo tudo que diziam, Lidia observou que crianças são crianças em qualquer lugar do mundo, com chistes e gracejos.
Após o almoço, o grupo foi levado pelo chefe tribal até o lugar onde seria implantada a escola. Era uma antiga casa, no estilo inglês, Peter explicara que pertencera a um missionário que morrera de febre cerca de dois anos atrás.
Desde a morte, o líder vetara a entrada de qualquer um, julgando que o lugar estava amaldiçoado. Agora, segundo Peter, o chefe tivera um sonho com uma cotovia que disse-lhe para reabrir a escola, pois teria alguém para cuidar de suas crianças.
Lidia sorriu para o amigo e imaginou o quão belo devia ser conversar com uma cotovia, riu para si mesma, quando notou, Victor a observava e sorria também.
A jovem visitante, buscando sair dos olhares do doutor, deu a volta na casa se afastando momentaneamente do grupo, ao ver uma porta aberta entrou.
– Oh… - Lidia se assustou dando um passo para trás – Senhor Hardy, me desculpe, não esperava vê-lo aqui.
Karl Hardy sorriu para Lidia. Estava em mangas de camisa e erguera o cabelo para que o suor não o grudasse no pescoço, Lidia riu para si ao perceber que o penteado lembrava-lhe os coques feitos por avós inglesas.
– Peco desculpas, senhorita, por meu estado lastimável – Hardy apontou para a sujeira que o cobria – Estive testando as vigas e o teto.
– Não ha problema algum – Lidia respondeu sorridente – Na verdade, se eu puder ajudar em algo…
– Oh não se preocupe senhorita, estou quase acabando – Hardy respondeu com um sorriso brilhante, Lidia achou impressionante a diferença do senhor Hardy que vira até então e do senhor Hardy que estava a sua frente.
Seus pensamentos foram interrompidos com a chegada do restante do grupo.
– O que acha? - O irmão caminhou até ela, envolvendo-lhe os ombros com um braço.
– Ficara incrível… É um belo lugar – Lidia sorriu para Travis.
Com um olhar para o senhor Hardy o governador pediu um relatório prévio.
– Diga Hardy, temos boas perspectivas?
– Boa madeira – O homem coberto de poeira confirmou – A estrutura está sólida, é claro que precisaremos de reparos e materiais. Farei um relatório por escrito até amanhã.
– Perfeito – Travis sorridente respondeu, se virando para o líder local traduziu o que o engenheiro acabara de falar.
Feliz, Lidia observou o irmao, talvez Kat esteja certa…
– Nós vamos melhorar as coisas aqui – Repetiu mentalmente as exatas palavras da cunhada, mas um pensamento transpassara-lhe a observação.
– Ou aquilo era apenas megalomania de homem branco da cidade?
Passaram-se dez dias desde a ida a aldeia, Lidia mantivera-se ocupada, fosse ajudando a cunhada com os preparativos para chegada do sobrinho, fosse em conversas sobre a politica e história locais com Peter e Travis ou com os agradáveis passeios ao fim do dia com Matilda, cada dia mais próximas as novas amigas se tornavam. Também havia algo que ocupava bastante seu tempo livre, Lidia tentava processar o fato do aumento entusiasmado das visitas do doutor Bysshe a casa do governador, fato observado até mesmo por Allen, certa tarde, quando Lidia saia para um de seus passeios com Filosofia.Em uma manhã, Lidia descia para o desjejum, quando escutou o piano, não uma melodia, apenas acordes soltos. Caminhou até a sala, julgou ser o irmao que ainda não saíra para a sede do governo, qual não foi sua surpresa.Em pé ao lado do piano, dedilhando algumas teclas, um alinhado senhor Hardy parecia distraído e relaxado. Lidia se aproximou, limpando a garganta com o objetiv
Alguns dias antes do Festival de Verão, dois encontros intrigantes aconteceram na vida de Lidia, deixando-a ainda mais ansiosa para a tão prometida festa.O primeiro, se deu ao entardecer de uma sexta-feira, Lidia e Diana caminhavam pela rua principal da cidade, observando a movimentação da população organizando-se para o festival que viria em alguns dias. No exato momento em que passavam pela igreja, padre Maugham abriu a porta do local, sorridente Lidia o cumprimentou.– Padre Maugham! Como vai o senhor? - Assim que viu as duas mulheres o pároco fez menção em voltar para dentro da igreja, mas devido ao cumprimento da irmã do governador, não teve escapatória.– Senhorita Lidia – O reverendo fez um meneio de cabeça cortês – Senhora Elliot-Crowford… Como estão?Foi Lidia quem respondeu, era sabido por todos o total despreza que Diana nutria por clérigos e instituições normativas, como a Igreja.– Estamos bem, obrigada. Ansiosas para o ev
As jovens sentaram-se cada uma de um lado de Victor, sorrindo para as duas, o médico as saudou. Lidia ouviu o motivo de Travis chamar Peter, já era hora de começar os ritos do povo e Travis achou por bem, que Peter e alguns homens observassem as organizações.Aquele ano, o festival recebera muitas pessoas de fora, aliado ao fato dos tripulantes do Tifão não estarem muito felizes por sua retenção, Travis temia que alguma confusão pudesse surgir em meio a multidão.Victor observou Lidia, seu perfume doce e o contraste das flores contra seu cabelo, não pode evitar reparar no desenho que o vestido ajustado fazia em seu decote e cintura. Victor mexeu-se desconfortável na cadeira, censurando-se por ter pesamentos de tal espécie, mas a garota sentara-se ao seu lado e foi como se seu sangue fervesse lentamente.Ignorando os sentimentos que despertava, Lidia observou entusiasmada o verdadeiro Festival de Verão ter início. Rapidamente um espaço foi abert
Lidia e Selene chegaram a casa de Matilde próximo ao horário do almoço, a porta estava aberta e na casa não se ouvia um único ruido. Caminhando até a sala, Lidia deu de cara com a amiga em frente a escada que levava aos quartos.– Lidia! - Matilda suspirou aliviada ao ver a amiga, abraçando-a carinhosamente, perguntou.– Como está? - Matilda tentou sorrir, esta dando de ombros, respondeu-lhe com outra pergunta e um sorriso amargurado.– Como Cinthia está?Matilda nada disse, com sobrancelhas franzidas, fez sinal para que Lidia a seguisse escada a cima. A dona da casa abriu a porta do quarto de hóspedess suavemente, Lidia escutou quando ela disse que a amiga tinha vindo ver Cinthia, ouviu passos, era Nadia.Assim que Nadia viu Lidia, correu para abraçá-la, mas a visitante apenas pode dizer em voz sufocada.– Sinto muito…Nadia pegou a mão de Lidia e fazendo-a entrar no cômodo, em um sussurro disse-lhe.– Ela es
Naquela tarde, assim que Lidia ouviu a carruagem da senhora Elliot-Crowford se aproximar, desceu correndo as escadarias da mansão e aguardou na porta, como fizera anteriormente com Matilda e Peter.A mulher desceu sorridente, aceitando a mão que Lidia estendia, esta ansiosa demais não se conteve.– Então?Diana riu da garota, pegando em seu braço disse-lhe.– Ajude esta velha a sair do sol e ofereça um refresco, então falaremos…Lidia quase arrastou a senhora Elliot-Crowford para dentro da casa, gritando por Selene e um refresco. Diana sentou-se em uma das grandes poltronas da sala de estar, Lidia a seus pés encarava-a como se dela dependesse o ar em seus pulmões.– Confortável senhora? – Disse Lidia, que notara o sorriso incontido de sua amiga. Apesar do mistério feito pela senhora, Lidia pressentiu boas notícias.Selene chegou com os refrescos e logo Katherinne se juntou a elas. Ouviram a história de Diana at
Observava tudo, compreendia tudo, guardando para si o que julgava impróprio ao mundo e mais ainda sabia seu lugar em tal mundo. Assim fora educada e assim julgou que seria durante muito tempo. Lembrava-se de quando era menina, todas as coisas que fora proibida de fazer por não convirem a uma dama de sua fortuna.Amargava no fundo da garganta as brincadeiras que perdera por não poder se juntar as outras crianças, por ter que seguir as regras, regras que ela não tinha criado para uma vida que ela não escolhera.Na terça-feira quando ouviu o barulho dos cavalos no lado externo de sua casa, correu a janela, ouviu o riso do marido e pensou que desfaleceria ao ver com quem Karl confraternizava tao animadamente, a irmã do governador e Matilda.Paula Hardy, sentiu vontade de correr até a porta e falar umas verdades para aquelas garotas tao inapropriadas e rebeldes. Explicar-lhes que haviam condutas a serem seguidas e que tais coisas existiam, para que
Passaram-se vinte dias desde que Lidia vira Arthur pela última vez, a expressão distante do rapaz e todo o constrangimento que os cercou naquele último encontro não a abandonou durante certo tempo, ainda assim, decidira que existiam coisas mais importantes para priorizar. Muito para sobreviver aquele sentimento de vazio, muito mais porque fazia parte de seu modo de ser, nunca ser a vítima, quando tantas vítimas existiam no mundo.Nestes poucos dias em Ilha Sul, vira o que era satisfação e real sofrimento, com a diferença que a satisfação sentira na pele enquanto o sofrimento estivera apenas diante de seus olhos, sentiu-o por empatia, mas não realmente em sua alma. Tudo isso fazia-a pensar, que um engano romântico não era nada, perto de toda dor que estava tão perto dela, e da qual sempre estivera protegida.Foi com essas ponderações, após muito se perguntar, não encontrando o motivo para a rejeição de Arthur, que Lidia decidira que havia muito no mundo para
Do vapor avistou as pessoas que aguardavam no porto, ainda sem poder distingui-las, ouviu alguém se aproximar. Era Diana, sua companheira na viagem até a Ilha Sul. Sorriu para a amiga.– Lidia, vê aquelas pessoas esperando? - Diana parou ao lado dela no deque.– Creio que seja meu irmão e minha cunhada… - Lidia avistou meia dúzia de pessoas que aguardavam no cais.– São as únicas pessoas brancas que encontrará na ilha, sedentas por novidades, e você querida Lidia, será essa novidade – Diana lhe sorriu de forma maliciosa.Lidia nada disse, sabia o que fazia ali, de fato, a cunhada escrevera que daria a luz no fim de julho, não solicitara explicitamente a ajuda de Lidia, mas ela entendera que precisavam dela. Recordou a ocasião da vinda do irmão para a ilha.Quando o irmão fora designado para administrar a Ilha Sul, a família não aprovou, estava recém-casado, e o pai queria que ele tomasse conhecimento sobre os negócios da família. Mas na