Vicêncio desvia o olhar para o chão, mas seu tom não perde firmeza ao responder:
—O senhor Carlos sabe disso, senhora. —A resposta é pesada, carregada de acusação, e rapidamente ele levanta os olhos para encarar Carlos novamente—. Eu me cansei de chamá-lo para dizer isso, mas ele não acreditou em mim e não tirou a menina daquele inferno. Lúcia se vira com uma rapidez feroz em direção ao marido, com o rosto contorcido por uma raiva crescente e o terror pelo desconhecido. —Do que ele está falando, Carlos? O que ele te disse? O que fizeram com minha filha naquele lugar, Carlos?! —pergunta cheia de fúria, enquanto o encara completamente. Suas mãos tremem, não de medo, mas de uma raiva contida durante anos. Carlos tenta recuar, mas o peso de suas decisões o persegue implacavelmente, como lobos nE, no entanto, isso apenas alimenta sua convicção. Se Coral o defende com tanto fervor, deve haver muito mais nessa história do que ele está disposto a admitir. —Saia do meio, Coral! —grita, levantando novamente sua arma como se, ao fazer isso, pudesse impor sua autoridade ferida. —Não ouse machucar Vicêncio! Ele é meu, papai, ninguém pode tocá-lo! —A voz de Coral, carregada de uma intensidade feroz, eleva-se sobre o eco da ordem de seu pai e rasga o ar como um rugido que silencia todos os presentes. Por um momento, a força com que Coral o enfrenta o deixa desconcertado. A intensidade de sua filha o detém, até o admira, mas essa centelha de orgulho se afoga rapidamente sob uma onda de fúria que ameaça sair de controle. —O que você quer dizer com isso, Coral?! —ruge Carlos, quase tremendo pela carga
Não há mais palavras. Não há gritos. Lúcia simplesmente se afasta. A casa parece mais fria à medida que sua figura se perde em direção ao quarto de Coral, deixando Carlos sozinho com sua própria arma e o vazio que se remexe em sua mente. Ao chegar, encontra Coral discutindo com Vicêncio. Ele, firme, mas respeitoso, se recusa a deitar na cama dela. —Senhorita, eu posso ficar aqui, na cadeira ao seu lado —insiste Vicêncio, sua voz baixa, mas carregada de teimosia. —Vicêncio, você é como meu segundo pai, sempre cuidou de mim —diz Coral, tentando convencê-lo, seu tom mais caloroso, com até um leve tremor de vulnerabilidade que apenas ele parece notar—. Vou mandar colocar uma cama aqui amanhã, mas, por favor, durma comigo hoje. Eu me sinto muito mal, por favor. Lúcia para no batente da porta.
Quando amanhece, Maximiliano abre os olhos e sente como se estivesse sonhando. Ao seu lado, abraçada ao seu corpo e com uma delicada roupa de dormir, Coral repousa profundamente, alheia ao mundo. A visão o desconcerta; como é que está aqui? Como conseguiu entrar sem que ele percebesse? Então, com um lampejo de memória, lembra-se da mensagem que ela lhe enviou dias atrás, sua senha de acesso que pode ser a resposta para aquele mistério. Com cuidado, para não acordá-la, levanta-se devagar. Suas mãos se movem com uma reverente delicadeza enquanto se afasta dela, como se o menor ruído pudesse quebrar aquela paz. Olha para ela mais uma vez antes de sair do quarto, admirando a tranquilidade de seu rosto adormecido. A danada realmente é linda, pensa com um sorriso fugaz, quase culpado. Se não estivesse apaixonado por Fiorella, com certeza se perderia naqueles olhos que parecem guardar mil segredos quando estão acordados. Coloca os tênis, ajusta o relógio e sai para correr como todas as m
Ao descer, Coral viu Vicencio encostado no carro, vigilante e alerta como sempre. Ele mal virou o rosto ao vê-la, reconhecendo-a com um leve gesto de respeito. Sem dizer uma palavra, ela ocupou o banco do motorista, e ele rapidamente se posicionou no carro que costumava segui-la como uma sombra. Essa rotina, embora tranquilizadora, também a sufocava. Quando chegou em casa, estacionou na garagem e esperou pacientemente. Sabia que Vicencio não demoraria a aparecer atrás dela. Poucos minutos depois, ele finalmente desceu do carro e se aproximou com seu andar solene. Antes que pudesse dizer algo, Coral soltou um suspiro profundo, deixando escapar as emoções reprimidas. —Não quero que você volte a se ajoelhar diante do meu pai nunca mais, Vicencio. Você é como um segundo pai para mim, entendeu? —disse com sinceridade, olhando diretamente nos olhos dele. Sua voz estava carregada de sentimentos contraditórios, oscilando entre firmeza e vulnerabilidade. Antes que o homem pudesse respon
Lúcia olhou para ela desconcertada, semicerrando os olhos como se a informação não encaixasse totalmente na sua mente.—O que queres dizer com isso, filha? —interrompeu. —Não disseste que dormias com ele? —Sim, mamã, e é verdade —respondeu Coral com naturalidade, surpreendentemente tranquila, como se o assunto não tivesse grande relevância—. Mas ele nunca me viu de forma diferente de como se vê uma filha. Ele criou-me como se eu fosse sua filha. —Oh, graças a Deus! —exclamou Lúcia soltando um suspiro de alívio que parecia arrancar um grande peso do seu peito.Não esperou nem um segundo mais; virou-se para Vicencio, abraçou-o como se estivesse há anos à espera deste momento e depois encheu-o de beijos no rosto. A sua emoção não tinha limites. —Obrigada, Vicencio, muito obrigada —repetia sem soltá-lo. —Vou estar eternamente grata por cuidares da minha menina. Pede-me o que precisares, a partir de hoje podes contar comigo para tudo. Muito obrigada, muito obrigada. —De nada, senho
Passam vários dias envolvidos na sua fascinante bolha de amor, sem voltar a tocar no assunto da família de Cristal, mas a Gerónimo parece-lhe já ter escutado antes esse apelido que ela mencionou. Papadopulos, tenta lembrar-se, mas nada lhe vem à memória. Perguntou ao irmão, mas ele também não os conhece, pelo que mandou investigá-los para saber como lidar quando regressar. Estão deitados lado a lado numa cadeira de balanço no terraço, contemplando o pôr do sol. Não voltaram a receber notícias de Jarret, só sabem que ele está na cidade a investigar alguma coisa. Mantêm-no sob vigilância, seguindo cada movimento seu, como lobos em busca de uma presa. —Meu amor, já faz uma semana que estamos aqui, preciso voltar ao trabalho —disse Gerónimo calmamente, acariciando o cabelo de Cristal. —Queres que vamos agora? —perguntou Cristal imediatamente—. Assim estarás cedo no teu trabalho amanhã e eu ficarei no meu apartamento, digo, no nosso apartamento. —Não preferes a minha casa? —pergunt
Cristal olha para as duas jovens e solta todo o ar, aliviada ao ver que são, de facto, amigas do seu marido e não ex-namoradas. —Muito prazer —responde—. Quero comprar meias para o trabalho e alguma lingerie. —Então vem connosco e mostramos-te tudo o que temos —dizem as raparigas com um grande sorriso e muita amabilidade. A calorosa recepção faz com que se sinta como se a conhecessem desde sempre. O ambiente, apesar de ser uma loja, sente-se íntimo e acolhedor. —Querida, queres algo para beber? Estou com sede —pergunta Gerónimo. —Sim, uma água, por favor —responde Cristal, enquanto observa Mara começar a tirar conjuntos de renda de várias cores, cada um mais requintado do que o anterior. A suavidade dos tecidos parece sussurrar promessas de prazeres ocultos. Gerónimo acena com a cabeça e dirige-se para a pequena área de bebidas da loja, não sem antes lançar um olhar de aviso a um grupo de homens que acaba de entrar no local. Cristal nota a tensão nos seus ombros; essa
Cristal está muito assustada; olha constantemente com dissimulação na direção onde Gerónimo ainda não percebeu nada e continua a comprar as bebidas. A sua mãe, Stavri, não a larga e explica alegremente o quanto está feliz por a ter encontrado. —Convenci o teu pai de que precisas de muitas coisas; não trouxeste nada contigo quando vieste —enquanto fala, olha para o seu marido, que acena com a cabeça, olhando para a filha com amor—. E viemos comprá-las, filha; ainda bem que te encontrámos, assim és tu quem escolhe. Onde estavas? —A passear com o meu marido, mãe —responde Cristal com a verdade, decidida a que o seu pai se convença de que está casada e que não pode casá-la com outra pessoa. Ambos os pais ficam a observá-la por um momento em silêncio. Depois olham por toda a loja, procurando com o olhar o marido que ela mencionou, sem ainda saber como é e desejosos de o conhecer. —Onde está? Está aqui? Vais apresentá-lo, filha? —pergunta de imediato o pai—. Temos de falar para o