Rafa se recostou no banco do carro, observando a cidade acordar lentamente através da janela. O brilho suave do amanhecer banhava São Paulo, criando uma colcha de retalhos de luzes douradas e sombras compridas. O motorista dirigia em silêncio, deixando-a mergulhar em seus próprios pensamentos.
Seu primeiro dia de trabalho. A ansiedade misturava-se com o resquício da ressaca, formando um nó apertado em seu estômago. Rafa sempre fora tímida, uma característica que carregava desde a infância no orfanato de freiras em que cresceu. Ser órfã não havia sido fácil, mas ela tinha tido bastante sorte. As freiras eram bondosas e a criação não fora ruim, embora solitária. Claro que ela se ressentia por não ter uma família de sangue. Nunca era fácil, principalmente em datas comemorativas. Sem família, suas amigas do orfanato, Ana e Paulinha se tornaram seu alicerce. As três eram inseparáveis, cuidando uma da outra como verdadeiras irmãs. Com as duas, a vida no orfanato não foi tão ruim, e ela pode crescer rodeada de afeto e se tornar a mulher que ela era hoje.
Pensar em Ana trouxe um sorriso aos lábios de Rafa. Sua amiga estava prestes a se casar e sair do apartamento, uma mudança que traria saudades e alegria. As três amigas inseparáveis moravam juntas até hoje. Haviam feito faculdade juntas, cada uma em sua área, e, recém formadas, se mudaram pra São Paulo em busca de oportunidades. Rafa gostava de escrever, queria ser escritora, se formou em letras, mas vinha buscando emprego em uma editora, alguma revista ou jornal respeitado. Ana se formou em design, e Paulinha em publicidade. Foi uma trajetória desafiadora para as três órfãs, mas elas conseguiram cursar e concluir as faculdades, e agora estavam ali, encarando a nova etapa, tentando ingressar no mercado de trabalho.
Paulinha tinha alguns parentes distantes, dois idosos sem filhos, que moravam na capital, e acabou por herdar um apartamento na Santa Cecília. Assim que se formaram, convidou as amigas para irem morar com ela. E era lá onde as três conviviam e faziam muitos planos para o futuro. Era um apartamento de três quartos, bastante confortável, bem localizado, perto do metro, iluminado... Era muito melhor do que elas jamais poderiam imaginar, ainda mais pra uma primeira moradia fora dos alojamentos da universidade. Ali, juntas eram felizes e viviam em harmonia.
Foi Ana quem convencera Rafa a ir à despedida de solteira na noite anterior. Rafa não gostava de baladas, preferia a tranquilidade de um bom livro ou uma noite de filmes. No entanto, ela não podia recusar o pedido da amiga. Como perder a despedida de solteira da sua irmazinha? Agora, enquanto o motorista de aplicativo a levava para casa, prometia a si mesma que tentaria não pensar mais na estranha noite que passara e focaria exclusivamente em seu novo emprego.
"tudo não passou de um sonho estranho... o melhor que eu faço é focar na vida real e melhorar essa cara de anteontem pra não fazer feio no meu primeiro dia de trabalho" pensou resignada.
Ela tinha conseguido um estágio na "Revista Conexão", sua publicação favorita, conhecida por suas reportagens investigativas e análises culturais. Trabalhar no editorial era um sonho que mal podia acreditar estar se tornando realidade. Ainda não era sua carreira de escritora, mas era na sua área e ela estava animadíssima, com ressaca e tudo. Rafa suspirou, olhando o relógio e percebendo que ainda tinha tempo. Eram apenas 7h da manhã e ela só precisava se apresentar às 9h.
O motorista finalmente parou em frente ao prédio onde Rafa morava. Agradecendo rapidamente, ela pagou a corrida e saiu, sentindo o ar fresco da manhã em seu rosto. Subiu as escadas e entrou com cuidado, para não acordar as amigas. Para sua surpresa, ao abrir a porta, encontrou Ana e Paulinha na sala, tomando café e conversando animadamente. Elas a receberam com sorrisos largos e olhares curiosos.
"Rafa! Finalmente chegou! Como foi a noite?" perguntou Ana, os olhos brilhando de entusiasmo.
"Sim, conta pra gente! Você dançou a noite inteira com aquele homem absurdamente bonito. Um verdadeiro deus grego!" acrescentou Paulinha, piscando para Rafa.
Rafa corou intensamente, sentindo o calor subir pelo rosto. Escutava tudo aquilo sem nenhuma lembrança clara, como se estivessem contando uma fofoca sobre outra pessoa. "Eu... eu não lembro de nada," confessou, ainda mais envergonhada.
"Não lembra?" Ana riu. "Vocês pareciam tão entusiasmados juntos, conversaram e se divertiram a noite toda! Quando vimos você indo embora com ele, pensamos que estava tudo bem."
Rafa sentou-se, sentindo-se ainda mais confusa. "Ele era tão bonito assim?" perguntou, tentando disfarçar a vergonha.
"Bonito é pouco, amiga. Ele era deslumbrante!" Paulinha respondeu, rindo. "Eu não me espanto que você tenha se deixado levar."
Rafa suspirou, tentando processar todas aquelas informações. Sentia-se como se estivesse ouvindo a história de outra pessoa "Bom, acho que vou precisar de mais detalhes depois. Mas agora, preciso me preparar para o meu primeiro dia na revista."
Ana e Paulinha assentiram. "Boa sorte, Rafa! Você vai arrasar," disse Ana, oferecendo um abraço de apoio.
Paulinha sorriu. "Sim, boa sorte! E não se preocupe, você vai arrasar."
Com um último sorriso para suas amigas, Rafa se dirigiu ao seu quarto. Precisava se preparar para seu novo trabalho, uma oportunidade que não podia desperdiçar. Vestiu-se com cuidado, escolhendo um conjunto profissional, mas confortável. Observou seu reflexo no espelho, ajeitando os cabelos ondulados e aplicando uma maquiagem leve para disfarçar os sinais de cansaço.
Pronta para sair, Rafa olhou mais uma vez no relógio. Ainda tinha tempo, mas decidiu chegar cedo. Queria causar uma boa impressão em seu primeiro dia na "Revista Conexão". Pegou sua bolsa, deu uma última olhada no apartamento e saiu, sentindo uma mistura de nervosismo e excitação.