O sol penetrava pelas frestas das cortinas pesadas de veludo, tingindo o quarto de um dourado suave. Ela abriu os olhos lentamente, sentindo a cabeça latejar como se mil martelos batessem em uníssono. O gosto amargo e a sensação de boca seca a fizeram gemer. Era uma ressaca daquelas, a primeira de sua vida. Com esforço, ela se sentou na cama, sentindo a suavidade dos lençóis de seda contra sua pele nua.
O quarto ao seu redor exalava riqueza. Ela observou, ainda confusa, um enorme tapete peludo ao pé de uma lareira! “Uau, uma lareira” se espantou. Ela sentiu o quarto tão quentinho, apesar de estarem em pleno inverno… Olhou então para a grande janela e espiou pelas frestas da cortina o sol recém nascido e uma vista panorâmica da cidade.
"Onde estou?" Começou a observar tudo em volta. Uma enorme televisão de tela plana pendia na parede oposta à cama, ao lado de uma poltrona de couro branco e uma mesa de vidro com pés de metal. Ao notar a poltrona ficou vermelha com lembranças que não pareciam pertencer a ela.
Tentando focar, flashes da noite anterior começaram a emergir de sua mente enevoada. Aquela poltrona... Teria sido sonho ou ela havia beijado e se deixado beijar profundamente na noite anterior? Corou com o que lembrou e com o que poderia ter acontecido depois. Ela finalmente lembrou-se de quem era, mas ainda não fazia idéia de onde estava. Se esforçando muito, conseguiu recordar de ter ido à uma festa, um local barulhento e cheio de luzes piscantes. Havia ido por insistência de sua melhor amiga. Era a despedida de solteiro dela, e, apesar de ter uma natureza bastante reservada, não podia recusar o pedido da melhor amiga. Era uma despedida de solteira, afinal. E ambas as amigas esperavam que fosse a única.
Ela não era acostumada a beber, mas as incessantes comemorações e brindes fizeram-na baixar a guarda.
Logo, estava se sentindo leve e um pouco atordoada, mas ainda conseguia se lembrar dos lindos olhos de um homem que a observava com intensidade. Quem era ele? Como ela havia terminado ali?
"Acho que me empolguei... céus... o que era aquela batida colorida que estávamos brindando... docinha e deliciosa... acho que perdi a conta depois do terceiro copo"
Ao notar sua nudez, sentiu um misto de vergonha e surpresa. Será que...? A cabeça doía demais para que ela pudesse pensar com clareza. Precisava de um banho para se recompor e entender o que estava acontecendo. Com um esforço considerável, ela se levantou e se dirigiu ao banheiro. Seu corpo estava inteiro dolorido. Ela sentia como se tivesse corrido uma maratona.
O banheiro era um oásis de luxo moderno. Mármore branco do chão ao teto, uma banheira redonda e espaçosa e uma ducha de vidro temperado. Um luxo com o qual ela jamais havia sonhado. Ela entrou na ducha, deixando a água quente correr por seu corpo, tentando lavar não só a sujeira, mas também a confusão e a ansiedade que sentia. A água ajudou a clarear um pouco seus pensamentos, embora as memórias ainda estivessem fragmentadas.
Uma vez limpa, olhou para aquela banheira redonda, tão convidativa e pensou: "bem, já que estou aqui, porque não aproveitar ao menos um pouco"
Apesar da cabeça rodando, escolheu alguns sais de banho que estavam na bancada ao lado da banheira e imergiu em uma água quentinha e perfumada, coberta de espuma. O prazer foi reconfortante.
"Ai, que delicia, poderia me acostumar com isso... mas nossa, o que foi que aconteceu, minha cabeça parece estar explodindo...."
Depois do banho, ela se enxugou com as maiores e mais macias toalhas que já havia visto.
Secou com prazer cada cantinho dolorido do seu corpo. Envolta na toalha, dirigiu-se ao closet, onde encontrou suas roupas dobradas e dispostas cuidadosamente. Vestiu-se rapidamente, imaginando quem teria guardado suas roupas... e corou novamente, lembrando que havia acordado nua...
Enquanto se vestia, tentava juntar as peças do quebra-cabeça. Lembrou-se das risadas, das danças, dos drinks... e daqueles olhos penetrantes que a observavam com interesse. Mas, quem era ele? E por que ela estava naquele quarto?
Reparou então em uma bandeja colocada na mesinha da antesala da suíte. Água de coco, suco de laranja e um café da manhã reforçado com pães, queijo, ovos, bacon.
"bacon no café da manhã é um hábito que nunca vou achar normal" pensou torcendo o nariz por causa do cheiro forte. Seu estômago embrulhou devido à ressaca e ela não quis tocar na comida, mas a água de coco ela sorveu com vontade, sentindo sua garganta ressecada recebendo aquele líquido dos deuses com gratidão.
Com problemas mais sérios para resolver, decidiu sair logo dali e voltar para sua casa. Esse mistério teria que ficar pra depois. A vida urge e esse era um dia muito importante. Pegou suas coisas e deixou o quarto. Descendo pelo elevador espelhado, notou que estava no último andar do hotel... O elevador levava direto à antesala e só poderia ser acionado, por fora, através de uma senha. Mas para sair bastava apertar o botão, e assim ela fez.
Ela viu seu reflexo e pensou abatida em como isso poderia ter acontecido, logo com ela que era sempre tão reservada e nunca foi de sair para festas ou ficar com desconhecidos. Até hoje Rafa só tinha tido um namorado, que a abandonou depois de conseguir dela o que queria. Ela nunca se recuperou dessa traição e tinha grande dificuldade de confiar nas pessoas, principalmente do sexo oposto.
No saguão, o porteiro a cumprimentou com um sorriso educado, como se fosse uma cliente habitual. Ela retribuiu o sorriso, bastante sem graça, mas fingindo costume, ainda tentando processar tudo o que havia acontecido. Achou melhor não fazer nenhuma pergunta e apenas sair o quanto antes dali. Chamou um carro pelo aplicativo, ansiosa para deixar aquela manhã estranha para trás e tentar entender como sua vida havia virado de cabeça para baixo em uma única noite.