Fôlego - Entre o Céu e o Inferno
Fôlego - Entre o Céu e o Inferno
Por: Luna Shanti
De Outros Carnavais

AVISO

Essa é a parte 1 do livro Fôlego - Entre o Céu e o Inferno. O restante da obra ainda se encontra em processo de edição. Em breve será publicada a segunda parte. Fôlego é o primeiro da trilogia Entre o Céu e o Inferno.

- Que fantasia massa doido, só falta a auréola - comentou o Lampião encarando-o com olho esquerdo de cima a baixo.

No clima do carnaval seu vestuário era uma camisa branca com uma calça da mesma cor, pequenas asas brancas presas às costas e o restante do visual parecia mais despojado.

- Cortesia da Troça - disse o Lampião estendendo-lhe uma garrafa de Axé piscando com o único olho aberto e largo sorriso brincalhão.

- Obrigado - respondeu o Anjo com timidez.

Seguir uma troça carnavalesca não estava dentro de seus planos. Ainda mais com aquele enorme calor Olindense.

Corpos suados de pessoas fantasiadas e outras seminuas, todas amontoadas umas às outras ignorando a existência de qualquer espaço pessoal (se é que essas pessoas sabiam o que era espaço pessoal) entre fortes amassos regados ao cheiro de bebida alcoólica e música alta em toda a parte.

Definitivamente não era seu programa preferido.

Não podia negar a cultura e beleza das fantasias e dos passistas, mas aglomerações em geral o sufocavam.

Eliel olhou para a garrafa de Axé em sua mão, abriu, cheirou e fez uma careta.

Ainda assim deu um pequeno gole para confirmar se o sabor daquilo era tão ruim assim.

Argh!

Apesar do gosto doce remeter a mel e ervas, o teor de aguardente o fez torcer a os lábios e tremer a pálpebra esquerda involuntariamente. Além de sentir uma serpente em chamas querer lançar fogo por sua boca e suas narinas.

Olhou ao redor em busca de uma lixeira.

Encontrando, mirou à sua frente e lançou a garrafa ainda cheia.

Um som de poc se fez quando a garrafa atingiu o destino almejado.

Cesta!

Espremendo-se entre os foliões desavisados, ele se movia em sua direção.

Só sabia que ela estava ali perto, no meio da multidão.

Precisava encontrá-la depressa. Estivera distante por muitas horas.

Um Visconde de Sabugosa esbarrou em Eliel.

- Sai do meio, galalau! Parece um boneco de Olinda - disse o sabugo de milho fazendo cara feia por um segundo, mas logo estava dançando e sorrindo ao ritmo de Me Segura Senão Eu Caio do Alceu Valença.

Eliel sorriu atentando para o quanto as músicas ali eram boas. Apesar do volume mais alto que o necessário em sua opinião, eram excelentes melodias conduzidas ao ritmo de frevo, maracatu e marchinhas.

Conseguia separar muito bem na sua mente os instrumentos usados naquelas melodias. Trompete, trombone, saxofone, teclado, pandeiro...

Enquanto distinguia um instrumento do outro sentia em suas mãos um desejo de reproduzi-las, tocando de forma contida versões invisíveis dos mesmos instrumentos.

O frevo tinha o poder de desabrochar alegria, energia e calor. Combinando muito bem com o sol das dezesseis horas que ainda banhava com seus raios o Alto da Sé.

Gostava do sol da tarde, mas certamente o apreciaria muito mais sem gente empilhada disputando sua atenção.

Aproveitou o momento em que a troça centralizou sua marcha na Praça da Sé para tentar encontrá-la, antes de ser levado pela maré de pessoas em um direção contrária.

Esticou o pescoço olhando para um canto mais afastado e finalmente viu os cachos ruivos balançando ao vento, sob... uma criatura de pele vermelha, cavanhaque pontudo, um par de chifres, capa preta e uma cauda em forma de seta se arrastando pelo chão!

Maior ainda foi seu choque ao ouvir a própria ruiva dizer para o tinhoso:

- Me possua!

Ele iria puxar aquele chifrudo pela cauda e mostrar como se deve fazer uma vaquejada!

Apressou os passos em direção ao casal, e eis que uma diaba o tomou de assalto.

Era uma invasão coletiva?

De fato, aquele era um momento muito propício para o arrebatamento...

Com longos cabelos platinados sob um par de chifres, a diaba exibia um corpo delgado de curvas acentuadas. Uma típica modelo.

Eliel não podia deixar de reparar também nos olhos cor de mel que transbordavam sensualidade e ousadia com um vestido vermelho justíssimo que deixavam as longas pernas torneadas de fora calçando um par de saltos com presilhas até as panturrilhas.

Distraído com a beleza da oponente, Eliel foi entrelaçado pelas mãos com longas unhas em seu pescoço.

Jogando a cabeça para trás, sentiu o forte hálito de álcool cantarolar com um sorriso sedutor:

- Me segura senão eu caio... me segura senão eu caio!

Ele realmente a segurou evitando sua queda. Baixou o rosto para reparar melhor nela.

Era enorme!

Quase 1.80 cm de pura tentação.

A bela moça cambaleava de um lado para o outro completamente embriagada enquanto fazia um bico, certa de acertar os seus lábios.

Eliel riu, soltando as mãos da diaba com muita delicadeza, pegou-a pela cintura e - com um impulso - tirou-a do chão e a pousou ao seu lado.

Em resposta, a diaba foi embora tropeçando e gargalhando. Alcoolizada como um timbu.

Eliel concentrou de novo sua atenção no outro diabo e o safado estava puxando as pernas dela, enlaçando-as na cintura dele.

Que nojo!

Bem ali, em uma parede imunda?

Ah, Não!

Pisou duro na direção deles e, com um safanão, puxou o demônio pelos chifres arrancando-o do meio das pernas dela.

Não era ela!

A moça quase caiu no chão tamanha a velocidade do puxão, mas com o outro braço Eliel segurou firme os ombros dela e a manteve de pé.

Olhou de um para o outro um tanto constrangido e então soltou o demônio e sua companheira.

- Perdão... eu me confundi - disse coçando a cabeça envergonhado.

O diabo, como o cavalheiro que não era, mostrou o dedo do meio e voltou a engolir a ruiva.

Tolo!

Não podia agir assim por impulso. Ultimamente vinha tomando decisões sem pensar. Precisava se controlar ou as coisas poderiam desandar de uma vez.

Voltou a se mover agora pelo meio da praça e de repente, um banho de cerveja.

- Pô velho! Foi mau... - pediu uma pequena palhacinha.

Com sua saia de tule amarela decorada com flores de chita, um redondo narigão vermelho e uma expressão aturdida no rosto, a palhacinha tentava sem sucesso enxugar com as próprias mãos a camisa dele ensopada de cerveja.

- Tudo bem. Foi um acidente. - disse ele.

Afastou a mão delicada com um sorriso agradecido. Logo secaria com aquele enorme calor.

Continuou andando pelo meio da multidão de volta à sua busca.

Como era difícil encontrar aquela menina festeira... Estava sempre assim, rodeada de gente, enfiada em festas, sempre atrevida, bêbada e linda.

Nesse momento certamente estava frevando, cheia de alegria como a troça que tocava o Hino do Elefante de Reginaldo Pessoa.

Ele riu imaginando a cena: Sua pele mista numa constelação de sardas que formavam um mosaico armorial, vivo e incandescente pelo efeito conjunto com as labaredas em forma de madeixas cacheadas, como que em eterna erupção.

Era impossível não reparar nos rebeldes cachos de fogo daquela figura que sempre transbordava tanta energia, como se a própria chama da vida brotasse de dentro de si. Equilibrado apenas pelo contraste do ônix que saltava de seus penetrantes olhos negros os quais pareciam enxergar além das almas daqueles que os miravam.

E lá estavam eles!

Os olhos arrebatadores dançavam bem ali no meio da praça.

Exatamente como ele havia imaginado.

Não.

Ela estava ainda mais linda.

Cachos volumosos balançando no ritmo da música.

Ela apontou um dedo para o alto, cerrando os olhos, os quadris balançando para um lado e para o outro, com um largo sorriso enquanto cantava com toda a força dos seus pulmões:

Olinda! Quero cantar a ti esta canção

Teus coqueirais, o teu sol, o teu mar

Faz vibrar meu coração, de amor a sonhar

Minha Olinda sem igual

Salve o teu Carnaval!

O sorriso mais deslumbrante do mundo todo.

Eliel sentiu um sorriso espontâneo também surgir em seu próprio rosto. A satisfação diante daquela cena tão... estonteante.

Maria usava um chapéu pontudo na cabeça; um vestido muito, muito curto, roxo decotado, meia arrastão e all star preto.

Em uma mão segurava uma lata de cerveja espalhando gotas e molhando as pessoas ao redor que pareciam não se importar em meio ao calor olindense.

Na outra mão, uma pequena vassoura completava sua fantasia.

Eliel encostou o corpo em uma árvore próxima, de onde podia vê-la por completo.

Seu coração batia acelerado seus olhos estavam vidrados, nela.

Céus! Ele precisava se controlar.

Quando estava perto dela perdia a noção do tempo e de si mesmo.

Era arrastado por aquela beleza exótica e aquela alegria intensa.

A música acabou e a troça começou a se mover de novo, descendo a ladeira e se afastando da Praça da Sé, seguida por seus foliões animados.

Eliel se preparou para seguir a danada da Maria que certamente acompanharia a troça com todo o fogo em suas veias.

Mas não.

Ela estava parada no mesmo lugar.

Com os olhos penetrantes voltados na direção dele.

Ele olhou para os dois lados. Queria ter certeza de ser ele o centro da atenção.

Quando voltou-se para ela novamente, viu Maria caminhar em sua direção.

Ela estava realmente... o encarando.

Deveria fugir, sem olhar para trás antes de ser tarde demais, mas não conseguia se mover.

Quanto mais ela se aproximava, mais aumentava a vontade dele de estar perto.

Maria jogou a lata de cerveja no lixo falando sem emitir som: Cesta!

E continuou andando com um sorriso travesso no rosto.

Todo o ar fugiu dos pulmões dele.

Ela pisava forte, coluna reta, quadril rebolando ao ritmo de um andar confiante.

Ela chegou a poucos palmos de distância e ergueu o queixo para olhá-lo.

- Quer dançar?

- O q-quê? - balbuciou como um bobo.

- Oxe... Dançar. Balançar o esqueleto no ritmo da música - simulou sacudindo o corpo para enfatizar, no canto da boca um sorriso debochado.

Ela estendeu a mão em um convite e o sorriso se ampliou pelo rosto repleto de sardas.

Os pêlos do braço de Eliel se arrepiaram diante daquele sorriso radiante como o sol que espalhava seus últimos raios por toda a praça, colorindo os foliões em busca de uma troça para seguir.

Quando segurou a mão estendida ela apertou de forma firme e quente.

Não foi isso que fez os olhos dele se arregalarem, mas a vibração passando de um para o outro.

Uma vibração que nunca antes sentira, mas ao mesmo tempo, tão conhecida.

Maria olhou para as mãos unidas por alguns segundos, como se sentisse o mesmo.

Ele não tinha certeza se era recíproco.

Deixou-a puxá-lo para uma pequena ponte acima de uma escada.

Ao lado dessa ponte uma casa tocava uma música que se destacava do frevo ao redor.

Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos de Roberto Carlos na voz do Caetano Veloso.

Com muita tranquilidade Maria mexeu os pés no ritmo da música, fechando os olhos e encaixando as mãos nos ombros dele.

Eliel estremeceu e logo enlaçou a cintura dela descansando o queixo no topo da cabecinha dura, sentindo o cheiro de hortelã vindo dos cabelos cor de cobre.

- Eu amo essa música - disse ela balançando a cabeça no ritmo - Debaixo dos caracóis dos seus cabelos, uma história pra contar de um mundo tão distante...

- Debaixo dos caracóis dos seus cabelos, um soluço e a vontade de ficar mais um instante... - completou ele apertando-a para si só um pouco mais forte.

Eles continuaram dançando, como se a multidão ao redor não existisse.

Como se só eles dois estivessem ali numa bolha alheia ao carnaval.

Olhos fixos um no outro, sorrisos e toques curiosos.

Até perceberem, depois de um tempo, que a música tinha mudado para a agitada Frevo de Bolso do Maestro Forró.

Eles deram risada de sua dança fora de ritmo e caminharam em um acordo silencioso para a murada da praça, onde era possível assistir ao pôr do sol que se formava no horizonte, pintando o céu com tons de laranja e rosa, lançando sombras por sobre o mar.

A brisa do fim de tarde bagunçava os cabelos de Maria, jogando cachos pelo rosto de Eliel que fingia não se importar, abraçando-a por trás.

Ele só queria tocá-la e sentir aquele cheiro tão bom de hortelã.

- Eu amo esse lugar - ela comentou, suspirando e virando de frente para ele perguntou - Qual é o teu nome?

- Eliel - respondeu apoiando as mãos na murada, aproximando-se mais dela com uma intimidade que não conhecia, como se tivesse feito aquilo milhões de vezes antes.

- O meu é Maria. Mas todo mundo me chama de Mari.

- É lindo. Significa soberana. Combina com você.

Ela sorriu passando os braços pela cintura dele e encostando a bochecha em seu peito definido.

Eliel não sabia até aquele momento, ser possível um coração bater mais forte.

Não resistiu e a abraçou de volta.

Ficaram ali por vários minutos, sentindo os corações se alinharem em um batimento uníssono.

- Eu moro aqui perto na Rua de São Bento, casa lilás. bem pertinho de Alceu. Quer ir pra minha casa? - ela quebrou o silêncio.

Mesmo se quisesse não conseguiria rejeitar o convite, principalmente depois de tê-la aninhada em seu peito.

Muros de jaspe e cidades de ouro puro, como vidros transparentes, não se comparavam a tamanho esplendor em seus braços.

- Eu... não posso...

- Só um chá. Prometo não te lançar um feitiço - ela disse erguendo uma sobrancelha com um risinho.

A verdade é que o feitiço já havia sido lançado.

Eliel não tinha a mínima ideia de como desfazê-lo e, sinceramente, não o queria.

- Tudo bem. Apenas um chá. Mas por favor, não me enfeitice mais.

Maria o tomou pela mão e o puxou em direção à Ladeira da Misericórdia que levava até sua casa.

Durante a caminhada eles trocavam olhares e se apoiavam um no outro mantendo o equilíbrio para não cair na ladeira íngreme.

Desviavam de um ou outro folião animado.

Soltavam gargalhadas ruidosas e paravam para abraços carinhosos antes de retomarem a caminhada.

- Quantos anos tu tem? - ela perguntou.

- Sou bem velho e na minha época... - ele inclinou o corpo tomando a mão de Maria e, com uma elegante mesura como faria um homem antigo, beijou sua mão e sorriu erguendo o olhar - os homens não visitavam as casas de moças desconhecidas.

Maria soltou uma risada baixa olhando-o bem nos olhos, completamente alheia àquele comportamento tão retrógrado.

Eliel percebeu que ela não carregava mais a vassoura, com certeza devia ter descartado em alguma lixeira no caminho. Não era o tipo de mulher que gostava de carregar objetos ou bolsas.

Ela nunca foi comum.

Logo estavam diante de uma casa antiga de paredes lilás, porta e janelas de madeira pintadas de amarelo.

Pendurado no lampião do alto da casa havia um filtro dos sonhos amarelo feito de lã e grandes penas brancas presas à base.

Eliel observou a ausência de postes de iluminação pública na rua, tudo foi substituído por lampiões presos às casas, a fiação também não era visível, deixando tudo ainda mais bonito.

Acima da casa uma murada pintada num tom mais claro de lilás, cercando uma espécie de laje.

Maria deu duas voltas com a chave e andou até o meio da sala, por onde deu um giro completo com os braços erguidos, fazendo o seu vestido rodar com o movimento.

- Bem vindo, à toca da bruxa! - falou com um risinho sapeca - Fica à vontade que vou preparar o chá da gente.

Eliel caminhou pela sala, passando os olhos pelo ambiente.

Encostado na parede um sofá púrpura, no meio da sala um centro de pallets, pintado de amarelo sob um jarro de flores brancas de origami.

Um hack também amarelo de pallets sob uma TV e vários livros na parte de baixo.

Ele passou os olhos pelos livros. Alguns sobre usos de ervas, óleos essenciais, florais e um livro grosso de receitas vegetarianas.

Nas paredes algumas pinturas assinadas pela própria Maria. Uma grande mandala que parecia um sol com tons diferentes de amarelo.

Em uma prancha vários porta retratos contavam histórias da vida de Maria.

Em uma foto ela pequena vermelha de tanto rir, pernas cruzadas, usando uma fantasia de bruxa, com o chapéu caindo sobre os olhos deixando a mostra apenas o sorriso largo.

Em outra foto, Maria por volta dos dez anos de idade dando um beijo na bochecha de uma idosa com cabelos em tons de ruivo e prata. A senhorinha estava com os olhos apertados de tanto gargalhar.

Outra foto da idosa, agora sozinha, soltando um beijo para a câmera, sentada no sofá púrpura.

Maria adolescente, abraçada com três meninas, todas sorrindo. Os pés de Maria afastados do chão enquanto ela soltava todo o peso do corpo sobre os ombros das amigas, que claramente davam gritinhos.

Uma foto de Maria mordendo a bochecha de um rapaz bonito, alto e com um black power, inclinado para ela fazendo uma careta divertida emulando nojo.

Duas fotos com um homem mais velho e sério. O pai dela. Fotos diversas de Maria em todas as idades e aniversários diferentes.

Eliel olhou para uma janela onde penduradas estavam garrafas de plástico, recicladas em vasos e dentro continham diversos tipos de plantas. Identificou algumas pelo o aspecto: Um tomateiro, um pé de alface, alecrim, coentro, rúculas e... hortelã.

Sentou no sofá para esperar, enquanto admirava o teto onde estavam adesivadas várias estrelas das que brilham no escuro.

Poucos minutos depois, Maria apareceu sem o chapéu e descalça, segurando duas garrafas térmicas e mantas grossas.

Ela empurrou com o quadril uma espessa e pesada cortina lilás que dava acesso a uma escada, provavelmente para a laje acima da casa.

Eliel a seguiu e logo estavam em uma varanda aconchegante, ideal para um evento em família ou entre amigos .

Uma parte era coberta e à frente uma parede bloqueava a visão externa de curiosos, formando um pequeno refúgio escondido a céu aberto.

No chão havia almofadas em diferentes tons de roxo.

Ela gostava mesmo daquela cor!

Maria estendeu as mantas no chão e entregou a ele uma garrafa térmica a qual ele prontamente abriu e provou um gole. Era chá de gengibre.

Sentaram lado a lado sobre a manta, diante de um céu repleto de estrelas e uma lua nova.

Ao longe músicas de carnaval, fogos e celebrações.

Todo o Recife estava em festa!

- Você decorou a casa sozinha?

- Eu e minha vó. Essa casa era dela e ela deixou pra mim. Boa parte da decoração fiz com ela, como o centro e o hack. A gente escolheu o sofá juntas. Mas as telas fui eu que pintei e a horta também é recente - respondeu encostando o corpo nas almofadas.

- É tudo muito bonito.

Eles trocaram olhares e o vento bagunçou os cabelos de Maria, jogando alguns cachos para frente.

Eliel pegou um com as pontas dos dedos indicador e polegar, esticou até o limite, quase na altura do umbigo dela e soltou. O cacho enrolou de volta, como uma mola laranja.

- Tóin! - Maria disse sorrindo, assistindo ao movimento, então estendeu a mão pegando um cacho dourado que estava sobre a testa dele. Repetindo a ação, ela esticou o cacho até o limite - o queixo dele - e depois soltou, rindo enquanto o cacho enrolava de volta - "Tóin". - ela repetiu. Voltando seus olhos negros para Eliel. - Tu parece um anjo de verdade, sabia?

- E você, parece uma bruxa de verdade.

- Eu sou. De verdade. Faço feitiços, entendo de ervas e dou risadas maquiavélicas. Só me falta o gato preto e a vassoura. - ela riu diante da própria descrição - Um dia, eu vou voar bem alto e conquistar a lua - fechou os olhos e suspirou com emoção.

Tomado pela admiração, ele lhe deu um beijo meigo na testa e acariciou sua bochecha. Assim de perto, os hálitos deles se misturavam, a expiração de um se tornava a inspiração do outro.

- E terá um gato pra que ele brinque e role por toda a sua casa.

Maria fez uma careta diante da visão de um gato em sua casa, mas logo descartou a imagem.

Fechando os olhos, ela encostou os lábios nos dele com um beijo lento e suave.

Eliel sentiu de novo aquela vibração que fazia os pêlos de seu braço arrepiarem.

Não era nem um pouco doloroso.

Na verdade... era bom.

Ele segurou o queixo dela com gentileza e ambos se beijaram mais intensamente.

Lábios macios e calmos se tocando, línguas se encontravam, quentes e curiosas bailando em um ritmo exclusivo deles. Como se conhecessem um ao outro há muito tempo.

Maria deitou de costas sobre os travesseiros sem afastar a boca, ele a seguiu, apoiando os braços um em cada lado do corpo dela, para equilibrar o próprio peso.

Com um sobressalto ele se afastou, sentando nas almofadas, a respiração entrecortada.

- Desculpe. Não deveríamos... Eu não deveria... - balbuciou.

Maria segurou o rosto dele com as duas mãos, puxando-o de volta para cima dela.

- Relaxa... Hoje em dia, as moças podem decidir quem levar pra casa - ela o beijou novamente e, dessa vez, ele não resistiu.

Aquela emoção era mais forte do que qualquer coisa que já havia sentido em toda a sua existência.

E muito mais instigante do que poderia prever.

Impelido por essa emoção, beijou-a na orelha fazendo um caminho de beijos molhados até o local entre o ombro e o pescoço.

Ela suspirou encaixando as mãos no peito dele.

Os beijos agora desciam do ombro até a clavícula e o esterno.

Por baixo do vestido estava um sutiã rendado lilás, ele sorriu diante da cor. Definitivamente ela amava lilás.

Com um olhar sério Eliel perguntou:

- Você... tem certeza?

- Tenho. Só... seja gentil. Eu nunca... - ela deixou o restante da frase no ar.

- Eu também. Nunca.

Maria arregalou os olhos e aquele pequeno sorriso travesso surgiu no canto esquerdo do rosto dela.

Ah... como Eliel adorava aquele sorriso!

E aquelas sardas que se espalhavam por toda a pele bronzeada.

Ele sempre se perguntou até onde elas iam.

De joelhos, ele passeou os olhos semicerrados pelo corpo de Maria.

- Céus... Você é linda! - disse

Com um sorriso contemplativo sentiu o corpo sob ele e as estrelas de prata tremendo de paixão.

Lá de longe ouvia-se a música Eu Vou Fazer Você Voar do Alceu Valença e juntos, atingiram o clímax, sob o romance e o aconchego da lua.

Mais tarde ainda naquela madrugada, depois de muito chá, risadas e beijos, Maria encaixou a cabeça na curva do ombro de Eliel e ele beijou o topo da sua cabeça, apertando-a em seus braços.

- Essa é a hora que eu mais amo.

- Você tem uma música que ama, um local e um horário que ama... Você ama muito! - comentou ele sorrindo.

- São dádivas. - disse bocejando.

- Dádivas?

- Sim. Dançar na chuva. Rir com os amigos. Um abraço caloroso. O nascer do sol. O agora é uma dádiva. Mas às vezes, a gente esquece porque estamos preocupados demais com o futuro ou presos no passado - ela suspirou voltando os olhos para o céu estrelado - minha avó sempre me lembrava disso... Você só pode viver o agora. E ela tinha razão. O futuro é improvável e o passado já foi, só temos o agora.

Eliel sentou contra as almofadas e a puxou para si com força dando beijos nos cabelos encaracolados.

Maria bocejou mais uma vez, sentindo a brisa tocar sua pele nua, como um cobertor acalentando seu corpo junto com o sono que lentamente a tomava.

Sentiu um beijo suave em seus lábios e ouviu um sussurro rouco:

- Amo você.

Ela abriu um sorriso fraco, de olhos fechados e disse em meio ao sono:

- Ainda é cedo pra me amar.

- Pra mim é fácil demais amar você. - falou inalando o cheiro de hortelã dos cachos bagunçados e o sono a levou.

Ele passou um braço sob os joelhos dela, e outro pelas costas. Enchendo o rosto sonolento de beijos carinhosos e com muita delicadeza deitou o corpo pequeno sobre os travesseiros, cobrindo-o com a manta.

Ainda sorria, admirando a mulher incrível diante dele, dormindo com a boca levemente aberta.

Quando, de repente, sentiu um súbito vento forte soprando pela varanda. O que há pouco era suave agora rugia alto. Mas aquilo não era predição de uma chuva.

Eliel arregalou os olhos dourados para o alto.

Por favor... não!

Baixou o queixo, afastando um cacho rebelde do rosto de Maria. Com delicadeza beijou os lábios de hortelã, contornou o maxilar dela com o dedo e, por fim, sussurrou em seu ouvido:

- ...um soluço e a vontade de ficar mais um instante...

Com o coração apertado de um homem ferido que sente a vida se esvair, Eliel se foi.

Deixando Maria sob os cuidados da lua nova.

Nota: Playlist da obra disponível no Spotify. L**k: h**p://bit.ly/FolegoECI

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