Capítulo 02

Isabela


— Tem certeza que lembram o caminho? — Ellie pergunta pela terceira vez, ela insiste em nos levar.

— Joguei migalhas pelo caminho. — ironizei e a vi contorcer o nariz em reprovação.

— Isa, não é esforço algum, estão com vergonha de mim é isso? — perguntou cruzando os braços. Ela é uma típica tia coruja que tenta fazer de tudo para parecer legal e morre de medo de bancar a careta. Qual é? Ela parece minha irmã mais velha, não tem com o que se preocupar, nem mesmo com seus cuidados redobrados, isso faz parte dela.

— Estamos!

— Não, claro que não! — repreendo Olívia com o olhar e Ellie finge estar ofendida, enquanto minha irmã ria das suas expressões.

— Não é isso boba, você trabalha do outro lado da cidade não faz sentido. — Olívia diz, pegando uma maça encima da mesa. — Além do mais, a Isa está precisando perder uns quilinhos.

Foi minha vez de encara-la, lá estava seu sorriso debochado outra vez. A baixinha sabe como me provocar, não que eu tenha algum problema com meu corpo, apenas ando descuidada demais em relação ao que era antes.

  Levava praticamente uma vida de atleta, hoje como falei, abracei a Isabela idosa de oitenta anos que habita meu corpo, a que prefere passar horas debaixo de uma coberta com um bom livro, do que sair rodopiando por ai. Pois sim, fiz muitos anos de dança, muitas delas, mas a mais progressora foi Ballet.

— Alguém acordou piadista hoje! — declaro entediada.

— Não é piada não maninha, você só está dedicada demais em conhecer o paladar canadense. — pega agora sua mochila e abre a porta nos incentivando a sair.

— Eu poderia dizer de quantas formas isso soa hipócrita, vindo de alguém que trocaria sua alma por comida, mas vou apenas te ignorar!

A sigo pegando minha mochila e deixando a casa.

— Você está ótima Isa, não precisa recusar minha carona. — Ellie tranca a porta e sorri em expectativa.

— Que eu saiba você já está atrasada, sério, não precisa! — insisto, acompanhando as duas para a rua.

— Eu desisto, já entendi, mesmo, as duas adolescentes querendo ser autônomas, eu deveria imaginar que isso iria acontecer mais cedo ou mais tarde, eu só não esperava que fosse agora, mas tudo bem. Eu sou só a velha tia caidinha quadrada, o que mais vocês usam para a definição mesmo? — dramatiza, fingindo estar ofendida novamente.

— Antiquada, careta, cafona, exagerada! — Olívia completa assustando a Ellie que esperava outra resposta.

— Você só tem e sete anos.— a observei, sua beleza não dizia o contrário.

Ellie cortou recentemente seu cabelo castanho escuro na altura dos ombros, em um liso escorrido diferente do restante da família, como o meu e da Olívia, já que herdamos um ondulado natural. Sem dúvidas os olhos dela é o que tem de mais encantador, duas bolas de gude em um verde amarelado que chamam atenção por onde passam.  

— Velha demais para fazer drama, nova demais pra falar desse jeito, agora temos que ir. — completei com um beijo em sua bochecha e peguei da sua mão uma rosquinha que não havia nem mordido.

— Ei!

— Tchau tia! — Olívia a provoca, Ellie odeia quando a chamamos de tia.

— Ellie pra você! Agora não levo nem se implorarem! — praticamente gritou, já que estávamos a uma boa distância.

— Tchau tia! — dissemos em coro, ela entrou no carro resmungando, mas seguimos caminho rindo. Após vinte minutos de caminhada, estávamos de frente para o colégio, e por incrível que pareça hoje tem o dobro de alunos.

— E eu que achei semana passada legal! — Olívia se animou quando passamos pelo portão.

— Provavelmente a maioria dos alunos deixam para vir na segunda semana de aula. — deduzi, avistando Anne e Vienna conversando com dois rapazes no corredor, elas ainda não tinham me visto, portanto passei direto.

— Claro, deveria ter me arrumado igual antes! — completa para si mesma. Pura ironia, se Olívia pudesse, viria para escola de pijama. Ela é facilmente confundida com um bicho preguiça. A única diferença é que eles não são tão irritantes.

— Isa!! — ouço uma das meninas gritarem, olhei para trás procurando Anne, que acenou para me aproximar.

— Quem são? — Olívia perguntou intrigada.

— Estão andando comigo faz uns dias. — dei ombros.

— Seu diário vai ter outro nome sem ser o meu? — perguntou boquiaberta. Diria até que enciumada, mas tudo encenação, pois para começo de conversa, eu não tenho um diário! — É provável que ele acrescente um "aleluia". — disse ela antes de sair, sem ao menos se despedir em direção ao seu pavilhão.

  Aproximo-me das meninas e antes que eu pudesse cumprimenta-las, Anne vem até mim, me puxando para um abraço apertado, fazendo-me recuar um pouco. Preciso me acostumar com seu jeito espontâneo.

— Seja bem vinda novamente. — declara sorridente, afastando-se para me analisar dos pés a cabeça. Não era como se estivesse julgando minha aparência, mas algo me fazia questionar se ela estava aprovando ou não minhas escolhas diárias.

  Algo entre confortável e casual. Meu guarda-roupa se resume em jeans, malha e moletom. Sem mencionar uma parte esquecida dentro dele, um buraco negro repleto de elastano, leggings e polainas.

— Você já me disse isso, umas dez vezes! — completo sem graça.

— Eu sei, mas é que hoje começa oficialmente as aulas por aqui, vou poder te apresentar todo mundo de uma vez.

— Você nem perguntou se ela quer ser apresentada Anne. — Vienna também me abraçou, todos gostam de abraços, entendi.

— Não posso dar o poder da escolha, e se ela for igual você? — Vienna arqueou uma sobrancelha.

— Defina "igual"!

— Anti-social. — respondeu a loira, sem se abalar com o olhar mortal.

— E vocês, parecem bem animadas?!

— É que hoje todos os alunos começam a frequentar. Primeira semana geralmente é só para apresentações e escolha das aulas complementares.

— É conhecido como a semana dos novatos, a maioria são! — completa Vienna.

— Então por que vocês vieram? —  pergunto curiosa, notando os corredores cada vez mais cheios.

— Gostamos de conhecer pessoas novas, e se deixarmos para o segundo dia elas formam panelinhas entre si e acabam se excluindo dos calouros. — anui, encantada com seu jeitinho natural.

— Vem, vou te apresentar os meninos, os únicos que prestam no nosso ciclo de amizades, aliás o único, o outro ali é caso negado com essa desmiolada. — Vienna me puxa em direção aos dois rapazes que estavam conversando antes.

— Eu... não discordo! — Anne pensa para falar e conclui nos arrancando uma risada. — Depois eu te conto tudo.

— Noah, essa é a Isabela que falamos.  — segura o braço do mais alto, loiro, porte atlético. Ele sorriu simpático  — Isa esse é meu namorado, Noah, nem veio antes, mas já ouviu a história.

Sinto meu rosto corar, fico desconfortável imaginando que proporções um simples acidente pode ter tomado.

— Mandou bem! — diz rindo. Estende a mão para um cumprimento e aceito.

— Esse é o Theo, dificilmente vai vê-lo com a gente, mas hoje em especial ele e a Anne não estão brigados, o que quase configura um milagre. — Theo, um pouco mais baixo que Noah, encara Vienna com tédio, seus olhos são incrivelmente azuis, um dos mais vividos que já vi na vida, cabelos castanhos escuros, quase preto.

— Oi Theo, que bom que não estão brigados. Eu acho. — não sabia o que dizer.

— É uma relação conturbada! — Noah cochicha de longe mesmo sabendo que todos ouviram.

— Não de ouvidos Isa, eles se acham os donos da razão. — Theo coloca suas mãos no bolso desconfortável com Anne ao seu lado, ainda encarando Vienna.

— Não se preocupe, sou do tipo que tira suas próprias conclusões. — tentei não parecer hostil.

— E eu não sou apresentado? — um garoto se junta a nós, ele cumprimentou Theo e Noah com um toque ensaiado e tornou sua atenção a mim. O que menos se parecia com um atleta entre eles, mais magro, porém muito carismático.

— Não Dave, sinto muito, prometi apresentar a ela somente quem vale a pena conhecer. — Anne diz sarcástica, mas o garoto não parece afetado com isso, na verdade até sorriu, seus olhos castanhos e o jeito meio moleque desajeitado me lembrou muito Andrew. 

— Isso quem decide é a... — me incentiva a falar.

— Isabela! — completei.

— Prazer Isabela, sou Dave, o único! — o garoto é o carisma em pessoa.

— O prazer é meu, único Dave. — ouço as meninas bufarem.

— Em breve ela se arrepende, pode ficar tranquila. — Noah comenta com sua namorada, que riu junto com os outros.

— Espera aí. — Dave olha para o Theo como se tivesse acabado de lembrar algo. — Ela é a Isabela que o Ethan falou? — perguntou apontando para mim. Os dois assentiram confirmando. Quem é Ethan? E por que ele falaria de mim?  — Lindinha, tem alguém que virou seu fã. O Ethan andava querendo deixar uns hematomas no Jony faz um bom tempo, se é que você me entende, briga de família nada que...

— Dave! — Anne chama sua atenção. — Informação demais. Ela não vai querer saber dos dramas escolares tão cedo.

  Dave concordou, reprimindo um sorriso. Eu já estava pronta para desmentir, quase corroída pela curiosidade, se Theo não mudasse de assunto.

— Falando nisso cadê ele? Não vieram juntos? — indagou, olhando para o Noah.

— Samantha puxou ele para algum canto assim que chegamos. — responde sem ânimo algum, então, Vienna e Anne se olharam, fizeram um gesto de vomito juntas, e eu ri balançando a cabeça negativamente. — Ele vai adorar te conhecer! — completa agora me fitando.

— Ah não!!!

— Não mesmo. — as duas falam juntas. — Dave foi falta de atenção nossa! Ethan já é demais querido. — Anne declara, um pouco grosseira.

  Dave bufou, desdenhando.

— A Isa agora é das nossas Dave, tire o cavalinho da chuva. E o asno também!

— Calma meninas! Assim eu fico ofendido, o que a Isa vai pensar da gente? Ethan só está curioso para conhecer a garota que bateu no Jony... me conta Isa, ele te deu um fora?

  Meus olhos quase saltaram para fora, eu teria me engasgado com a própria saliva, se minha garganta não estivesse tão seca.

— O quê? Não! Eu não bati nele, foi um acidente, a porta emperrou e... quando eu consegui abrir ele estava atrás dela. — ele ri, se divertindo com a situação.

  Me sentia patética.

— Calma lindinha! — sorriu.— Eu só estava brincando.

— Como, como essa história se espalhou desse jeito? Foi só um acidente! — pergunto horrorizada.

— Como se espalhou eu não sei, mas ontem o pai do Jony contou ao pai do Ethan que contou pra mim que estou contando pra você, que ele está sem carro por um mês porque o pai do Jony acha que ele se meteu em outra briga logo no primeiro dia de aula. — franzi a testa me sentindo culpada, além de surpresa por ter entendido o que ele falou, sem fazer a mínima ideia de como aquilo fez sentido na minha cabeça.

— E por que ele não disse a verdade?

— O que seria pior, falar ao pai que, por sinal é policial, apanhou de uma garota ou que brigou com alguém?

— A verdade?! — sugeri o óbvio.

— Relaxa, ele só deve ter pego punição por ter apanhado. No mínimo o Sr. John perguntou se o outro estava duas vezes pior. — Theo disse como se fosse algo normal.

— Ele mereceu Isa! Não se preocupe. — Anne diz ao meu lado.

— Questão de tempo para você entender. — Vienna completa.

— A questão é, eu não tenho nada contra ele. — apesar dele ter sido um grosso mal educado! — E não acho certo ele receber um castigo por minha causa, sendo que foi tudo um mal entendido. — Dave me encara por alguns segundos assim como os outros. Seria esse o momento em que eu seria deixada sozinha com meu excesso de moralidade?

— Tem razão meninas, ela é uma de vocês. — Dave constata como se isso fosse realmente relevante no momento.

— Eu tenho dedo bom para amizades. — Anne diz orgulhosa.

— Poderia ser assim para arrumar namorado. — Vienna ironizou, não perdendo a oportunidade de cutucar Theo, que revirou os olhos.

  Preciso ressaltar o quanto sua sinceridade ácida tem tudo a ver com sua personalidade. Vienna é durona, sarcástica e sensual. Não é à toa que o Noah pareça idolatrar tudo o que ela diz, eles formam um casal incrível! Mesmo o conhecendo há poucos minutos, consigo sentir a sintonia entre os dois.

— Vamos meninas — Anne nos chama quando o sinal toca.

— Nos vemos depois! — Vienna deixou um selinho estalado em Noah antes de caminhar ao nosso lado, me despedi deles com um aceno e segui em direção aos corredores.

— Não liga para o Dave, é um palhaço. Inofensivo na maioria das vezes, vou coloca-lo no lugar rapidinho. — anui sem me importar muito, não é como se eu precisasse da ajuda da Anne para me defender de garotos como ele, sei me virar bem, mas é claro que ela não precisa saber disso.

Era como se ela se orgulhasse dessa proteção.

  As aulas se passaram rapidamente, nas trocas de aula eu observava tudo a procura do tal Jony, não sei se ele quer falar comigo, mas precisava tentar. Me senti muito mal ao saber que por um mal entendido ele foi punido. Não o encontrei em nenhuma troca de aula, até ouvir da Vienna, que seu namorado Noah disse, que ele não veio, muito provavelmente por minha causa. Afinal, eu fiz dele uma piada.

— Isa, já escolheu suas aulas complementares? — Anne perguntou já de frente para seu armário, só falta ela guardar suas coisas para irmos comer. Ah sim, estamos almoçando juntas todos esses dias, elas simplesmente brotam do meu lado.

— Ainda não, os professores falaram algo sobre isso, mas está difícil.

— Tem tempo ainda, as aulas complementares só começam semana que vem, é extra curricular então você precisa escolher algo que se identifique pra te ajudar na sua profissão, ou ingressar na faculdade. — explica Vienna.

— Legal, me ajudou muito, já que não tenho a mínima ideia do que eu quero fazer em ambos.

— Sério? Deve ter alguma coisa que você goste de fazer ou que se identifique. Pode ser algum esporte também, tanto faz. — Anne tirou a atenção do celular para ouvir minha resposta.

— Até tem, só preciso tirar um tempo pra isso, sequer cheguei perto das listas. — dei ombros. Anne fechou seu armário, e começamos a caminhar para o refeitório.

— Você pode frequentar as aulas experimentais para ver se encontra algo. — Vienna apontou para um painel onde muitos alunos se aglomeravam em busca de um espaço para assinar, eu obviamente só chegarei perto quando estiver vazio.

— Pode começar qualquer uma e trocar depois. — Anne conclui e eu assenti, encerrando aquela conversa.

  Pegamos nossa bandeja e fomos para uma mesa vazia no meio do refeitório. Percebi que por todo lugar onde elas passavam, recebiam cumprimentos, presumi que as duas garotas que adotaram minha humilde companhia, fazem parte de um grupo destacado na escola, o porquê eu ainda não sei, mas essa atenção me fez lembrar dos meus meninos.

  Por causa deles, eu conhecia muitas pessoas, era paparicada, principalmente pelas meninas que só faltavam me subornar para conseguir o número do Declan, meu mais do que assumido amigo: galinha, canalha, cafajeste e Don Juan que o mundo já viu. Exagero? Eu acho que não.

  O dia estava muito agitado, havia muita euforia com os alunos voltando a se reencontrar ou se conhecendo. Aproveitei que Vienna e Anne estavam entretidas em uma conversa para observar o vai e vem de pessoas.

  Rostos completamente diferentes do que eu estava acostumada, e eu estava até que gostando disso, por mais que ainda estivesse bem deslocada.

  Uma pequena confusão se formou do outro lado do refeitório, não conseguia ver direito, mas parecia ser discussão feminina.

— ETHAN, VOLTA AQUI! — ouvimos um grito estridente e nos viramos no mesmo instante, a garota chamava atenção de todo o refeitório. Mesmo de longe, pude ver o quanto seu rosto ficou vermelho, ela ainda encarava uma porta que balançava, e então ela sai, deixando todos curiosos.

— Aff, mas já? — Anne resmungou, nenhum pouco surpresa ao revirar os olhos, me arrumei na cadeira e as encarei.

— Ethan sendo Ethan. —  Vienna comenta naturalmente, voltando a comer.

— Ele é o garoto que vocês não gostam? — pergunto casualmente.

— Não é que não gostamos, meu cunhado é legal quando quer. — Vienna me responde primeiro.

  Elas precisam entender, que eu estou totalmente por fora de tudo, então como vou saber quem é seu cunhado, ou Ethan, ou qualquer um dos que elas aparentam ter intimidade. É provável que nem o nome do seu namorado eu lembre mais.

— Adoro aquele garoto, mas não suporto essas coisas. É impossível ficar perto dele quando a pauta é garotas, logo, também é impossível socializar com as que chamamos de: segundas intenções. Elas acham que somos pombos correio ou pior, fanfiqueiras de plantão para ouvir milhares de versões absurdas que só existem na cabeça delas. — Anne realmente falava enojada, mas eu acabei rindo, sabendo exatamente como é estar nessa posição.

— Desculpa. — pedi assim que recebi seus olhares curiosos. — É patético. 

— Demais! Mas, quando eles ficam, corre, não vai ser só patético, é assustador! Elas se apaixonam real, ele mete o pé, e aí vem a cena que acabamos de ver aqui. Eu desisti de ser psicóloga por causa dele. — ri ainda mais, começava a me identificar com o jeitinho da Anne. Diferente da Vienna, ela era mais menininha, delicada e bonequinha. Como as duas se tornaram tão amigas sendo tão diferentes, era algo a ser questionado futuramente.

— Argh, nem me fale, meus ouvidos sangram só de lembrar. 

— É por isso que ele não pode te conhecer, vamos te proteger dele! Mais do que isso, vamos proteger você, de você mesma. — Anne declara solidaria, como se isso fosse um assunto de suma importância.

— Ela é traumatizada. — Vienna chama minha atenção. — Toda vez que conhecemos alguém, nova ou até antiga mesmo, que só não foi apresentada a ele ainda, os dois se conhecem e bom, no final só sobra eu e ela mesmo.

— Isso porque aquele canalha nos usa como filtro seletivo.

— Se ganhar sua amizade, ganha um vale encontro? — suspirei em um sorriso. Elas me olharam aterrorizadas.  — Sei bem como é isso. — pisquei tranquilizando-as.

— Sabe mesmo? Estamos falando de um playboyzinho, protagonista de fanfic, bad boy e atleta.

— Agora está fazendo propaganda dele pra mim, Anne! — Vienna e eu rimos da sua expressão. — Isso é nojento! — falo sincera. — E eu dizia isso na cara do meu amigo, como alguém se interessa por alguém, que se interessa por todas? E ele me respondia, não me interesso por todas, só pelas que você diz que não é para o meu bico.

  Também falei como se elas soubessem que é Declan Harris. Também seria bom se elas soubessem, que quem resiste a ele, resiste a qualquer um. Por isso me considero uma cobra criada, imune a qualquer cantada barata e sorrisos travessos.

Anne leva sua mão até a boca, fingindo estar emocionada.

— Eu sabia que não iria me decepcionar. — diz enxugando uma lágrima invisível.

— Ele não se interessa. São elas! — Vienna faz um sinal indicando as garotas no geral. — É assustador.

— Mas e aquela garota? Pelo jeito que falaram isso é comum, ela é namorada dele? — as duas riram forçadas.

— O Ethan não tem namorada, acho que essa palavra nem existe no vocabulário dele.

— A Sam é um caso complicado, ela se acha a dona dele, intimidava todas as garotas que se aproximavam. Tentou tirar satisfação com a Anne uma vez, mostrei a ela com quantos paus se faz uma canoa, e quantos segundos levam para conhecer uma Givens! — Vienna sorriu maleficamente. — Depois disso o Ethan nunca mais deu bola, é claro que ela nos culpa, mas foda-se, a vergonha quem passa é ela mesmo.

— Coitada. — as duas deram ombros.

— Não fede e nem cheira!

Presumi que Anne e esse tal Ethan tem uma forte amizade, talvez mais do que isso, mas só o tempo diria. Ou não, caso ela seja tão discreta quanto eu era.

— Anne, lembrei que já escolhi nosso filme de amanhã. — Vienna mudou o assunto completamente.

— Na verdade. — começa envergonhada. — Amanhã eu combinei de sair com o Theo.

— Está me trocando pelo Theo? O cara que até ontem você não queria ouvir o nome? — ela pergunta indignada.

— Eu esqueci que tinha marcado com você! — diz na defensiva.

— Não seja cínica, nós temos o dia do cinema uma vez por mês, você sabe e não trocamos por nada, nem por ninguém.

— Vih, daqui a pouco eu e o Theo brigaremos de novo e eu não te troco mais, é por pouco tempo você sabe.

Quanto otimismo!

— Vai ser a primeira vez da Isa na nossa tarde de cinema, e você não vai estar.

— Vai ser? — pergunto surpresa, alheia a conversa.

— Você está sendo cruel! — ignoram-me, concluo então que tenho meu primeiro compromisso.

  O que não seria má ideia, as duas são hilárias e a cada momento que passa, me identifico ainda mais com elas.   

Na saída, esperei um bom tempo até Olívia sair, tempo suficiente para começar a garoar. Quando ela apareceu me lançou um sorriso forçado, sabe que me deixou esperando.

— Era para estarmos chegando em casa já! Agora vamos pegar chuva por sua causa! — meu corpo já protestava, a cada dia que passa, a temperatura cai, me lembrando que em poucas semanas, estaremos com mínimas congelantes. Teria que estocar analgésicos, antibióticos e xaropes, além de muita bebida quente, eu realmente não estou preparada para isso, tampouco meu sistema imunológico.

— As meninas me seguraram.

  Caminhamos em passos largos, mas foi em vão, a garoa apertou e chegamos em casa encharcadas. Tomei um banho antes de comer alguma coisa, coloquei uma roupa quente já que o tempo esfriou e desci, encontrando com a Ellie que acabou de entrar em casa com uma caixa.

— Oi Isa, chegaram essas coisas pra vocês! — diz colocando a caixa encima de outras três.

— Pra gente? Não comprei nada! — Fecho a porta de entrada e aproximo-me, tem meu nome nelas.

— Eu sei, são pertences que vocês esqueceram no depósito do antigo colégio, a coordenadora me mandou um e-mail perguntando o que fazer e eu pedi que enviassem.

— Não faço a mínima ideia do que sejam! — Abri a menor caixa que estava por cima das outras, e dei de cara com livros velhos. — Deve ter sido um engano, essas coisas não são minhas!

  Retirei alguns deles, tendo a mais absoluta certeza que uma criança de oito anos não levaria livros como esses para a escola.

  Ellie também pega um dos livros na mão e o observa, tempo demais para eu ter certeza de que ela os reconhece.

— Bom, vocês foram novas demais pra lá, não devem se lembrar mesmo. — diz colocando de volta na caixa.

— Aham... depois eu dou uma olhada! — fecho a caixa desconfiada e vou para cozinha, Ellie ainda continuou parada pensativa, ignoro para evitar conversar sobre esse assunto. — Esta com fome? A Olívia fez janta, não sei por qual milagre, mas está gostoso.  — ela me olha desconfortável, fingindo não estar abalada.

— Eu senti o cheiro assim que entrei. — forçou um sorriso indo pegar um prato.

  Subi para o meu quarto todas as caixas, são cinco no total. Receosa, peguei a caixa já aberta e coloquei na minha cama. Olhei livro por livro sem reconhecer nenhum título, devem ser bem velhos mesmo.

  Um deles me chamou atenção por ser uma capa dura, preta e improvisada.

— É escrito a mão? — arregalei meus olhos ao notar a caligrafia excepcional. Além de todas as páginas estarem soltas, apenas encaixadas dentro da capa. Um diário talvez?

  Vencida pela curiosidade, deitei-me na cama e comecei folhear as primeiras páginas, mas acabei me interessando pela leitura e logo percebi que se trata de um livro, um romance para ser mais exata, escrito à mão. Sem título, prólogo, epigrafe, dedicatória... nada, este pode ser um rascunho apenas ou talvez nunca nem fora publicado.

  A história rica em detalhes e personagens me conquista, uma leitura leve e apaixonante com uma linguística que eu nunca vi igual. Não tenho ideia de quanto tempo fiquei aqui, viajando no romance de época, imaginando se é uma história real, para um autor escrever à mão com tanta delicadeza, paciência, e com o mesmo capricho da primeira página.

  Penso que todos os livros deveriam ser manuscritos, o sentimento que cada letra cursiva carrega torna a leitura muito mais intensa. Curvas perfeitas feitas com amor no ápice de um encontro emocionante, fortes e incertas em momentos de raiva, falhas em momentos de tristeza, por vezes até borradas como se fossem lágrimas pingadas.

Simplesmente fascinante!

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