Cap 1 - Thaynara

Ouço ao longe o som animado de “Coldplay” com a música “Viva la vida”, porém, não consigo me desfazer da névoa que permeia minha mente, tento abrir os olhos, mas fecho-os novamente, uma vez que parece que um bumbo está tocando dentro da minha cabeça.

            Aos poucos, consigo me situar e percebo que a música vem do meu celular que se encontra ao meu lado na cama, no lugar que nunca foi ocupado por ninguém, já que durmo sozinha e nunca consegui terminar uma noite sequer, aqui com um homem.

- Se eu fosse você, não tentaria levantar-me de uma vez.

- É mesmo? – Pergunto para a voz do meu amigo que pelo tom, deve estar sorrindo da minha cara. – O que me sugere, senhor entendido em ressaca?

            É isso mesmo, estou de ressaca e da brava, daquelas que você não sabe como foi parar em sua cama na noite passada.

            Soltando um suspiro pela boca, levanto-me vagarosamente e desligo a música que todos os dias me anima para levantar e ir trabalhar, porém, hoje está, na verdade, incomodando meu cérebro. Sento-me na cama e percebo que estou apenas de calcinha e sutiã. Olho ao meu redor e percebo o vestido branco que usei ontem dobrado na poltrona que mantenho ao lado da janela, para poder apreciar a vista do parque lá embaixo.

            Volto-me para o dono da voz e vejo meu amigo Felipe olhando-me com pena, pois sabe que não sou de beber da forma como o fiz e assim todos os acontecimentos da noite passada voltam para minha mente. Levo um baque com o que me recordo e arregalo os olhos.

- Sim, você bebeu além da conta, - ergue um dedo, - não, você não tentou me beijar dessa vez, - outro dedo, - sim, você descontou sua frustração sexual na bebida, - outro dedo, - e Thay, o que foi tudo aquilo com o moreno de cinema?

            A verdade é que a última vez que bebi desse jeito, foi porque estava frustrada sexualmente. Tinha ido a um encontro com um dos clientes da construtora em que eu trabalhava. Ronaldo era galanteador e sempre que ia na empresa, resolver alguma coisa com Edgar, tentava me ganhar na conversa.

Uma vez resolvi e aceitei ter um encontro com ele, porém no fim da noite estava tão frustrada por não sentir nada, que comprei uma garrafa de gin e dois litros de refrigerante de limão, na distribuidora que fica na esquina em frente ao prédio onde moramos, bebi além da conta e para provar que não era frígida, tentei beijar meu amigo.

- George Felipe, você pode me deixar respirar? – Passo a mão pelo rosto e sinto minha pele pegajosa. – Estou com cara de panda deformado?

- Bem... – Inclina levemente a cabeça e abre um sorriso. – Está com cara de panda atropelado.

            Solto um grito e corro para o banheiro da suíte, já me livrando da lingerie no caminho, entro no box e tomo um banho demorado. Ao sair, seco o rosto com um lenço de papel e com um humedecido, próprio para isso, retiro o restante da maquiagem da noite anterior, escovo os dentes e visto a roupa que meu amigo, quase irmão, deixou na bancada.

            Ele sempre escolhe as minhas roupas, inclusive vai sempre as compras comigo e faz questão de escolher minhas lingeries combinando com o restante. Me pergunto para quê tanto trabalho, já que eu nunca as mostrei para ninguém.

            Mas, é divertido ver a cara das vendedoras, quando chego com o homão da porra que é o Felipe e ele começa a escolher minhas roupas. No início ficam espantadas e a maioria sorri de forma maliciosa, mas quando percebem o dom que meu amigo possui, passam a olhá-lo com o devido respeito.

            Para hoje, ele escolheu um conjunto de lingerie branco com detalhes em lilás, incrustado por brilhantes artificiais, uma calça de tecido de alfaiataria e cintura alta com uma blusa de mangas divididas com detalhes em pérolas, até o cotovelo, com caimento solto até a cintura, onde tem um elástico a firmando rente à cintura da calça, dando a sensação de que é colocada por dentro.

            Prendo meus cabelos em um rabo de cavalo frouxo, fazendo com que o iluminado recém adquirido fique em evidência. Como estou com olheiras fundas, aplico uma generosa camada de corretivo e base, optando por usar apenas rímel nos olhos, batom nude e um blush rosa clarinho nas bochechas.

            Vou até a cama e me sento respirando fundo para que a sensação de náusea no estomago não me atrapalhe, calço meus scarpins com salto baixinho, na cor nude, pego minha bolsa e me dirijo a cozinha onde o homem da casa me aguarda com um comprimido, um copo de água e uma xícara de café.

- O que seria de mim sem você, bicha dollface? – Pergunto já tomando a aspirina com a água.

- Você não seria nada, rosa do deserto2! – Fala enquanto toma o seu próprio café. – Espere um pouquinho e coma uma fruta, não pode ficar com o estômago vazio.

- Tudo bem! – Faço uma careta para seu apetite, pois ele dá uma enorme mordida em um pão francês recheado com hamburguer, queijo cheddar e ovo. – Está de folga hoje?

- Sim e vou te levar no trabalho.

- Vocês não estão exagerando, não?

- Não Rosa, não estamos. – Abaixa o pão e limpa a boca com um guardanapo descartável. – Aquelas pessoas que estão atrás da Carolina, são realmente perigosas, já te contei do que são capazes.

- Tudo bem, isso te deixa mais confortável? – Falo de maneira resignada.

- Deixa sim e você sabe que estou certo. Todos os dias vemos coisas desse tipo, levarem a morte de mulheres, por elas acreditarem que é insignificante a preocupação. – Volta a comer.

- Mas, eles querem a ela, não a mim. – Vejo um lampejo diferente perpassar seu rosto e olhar, mas é tão rápido que penso ter imaginado.

- Você ficaria surpresa com a quantidade de pessoas que são usadas, no caso quero dizer mortas ou torturadas, - levanta uma sobrancelha, - apenas para chegar em outras.

- Tudo bem, entendi. – Levanto as mãos na defensiva. – Vou obedecer a você sargento.

- Engraçadinha. – Fala batendo o indicador no meu nariz. – Agora me conta, que treta foi aquela que me meti ontem, sem saber?

            Solto um suspiro e me preparo para contar ao meu amigo sobre minha interação com o amigo do namorado da Carolina. Abaixo a cabeça, pois não sei como contar ao meu amigo que pela primeira vez em 28 anos senti um tesão desregrado por alguém, que descobri, sentindo na pele, que como dito nos romances, o clitóris pulsa igual ao coração, quando nos excitamos.

- Rosa, você está corando? – Pergunta com os olhos arregalados. – É mais sério do que pensei?

- Muito bem! – Vou para o sofá e me sento, como ele vai me levar, tenho tempo. – Vou contar tudo desde o começo. – Aponto o outro sofá para ele.

            Ele se acomoda e em uma postura máscula, das tantas que meu sargento preferido possui, equilibra os cotovelos nos joelhos e me olha seriamente, cara como que alguém vai imaginar que esse espécime, gosta do mesmo que eu? A verdade é que ninguém nunca vai desconfiar, apenas olhando sua postura e suas atitudes.

- Eu tive uma reunião com um cliente das meninas no hotel Garibaldi, na semana passada. – Tiro os sapatos e me aconchego no sofá de forma a não amarrotar minha roupa. – Quando cheguei, dei meu nome na recepção e me encaminharam para a lanchonete que fica no térreo, onde o cliente me aguardava. – Fecho os olhos e é como se estivesse novamente naquele dia e dessa forma vou narrando o ocorrido.

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