❀ Capítulo 05 ❀
Os grilos cantavam pela noite que já se estendia pela grandiosa cidade de Noord'Laren, as lâmpadas do atalho estavam apagadas.
— Aqui, eu te ajudo.
Kiadorov Ras teve medo que sua preciosa Beleza das Neves, Benent Nah, caísse. Por isso, segurou suas mãos em cada descida de pedra, trazendo o guarda-chuva branco de papel engomado e penas coladas preso em suas costas junto à sua espada.
— Os pés de minha Ey-Nah são cautelosos com as pedras em que pisa e por isso andamos devagar, mas estou feliz que passo mais tempo com minha bela senhorita. — Acrescentou como um bobo.
— ...
A figura de branco, tão frágil e indefesa, não protestou de suas palavras, mas sentiu-se mal em certo ponto e resolveu que era hora de acabar com a farsa.
Segurou na mão grande e de pele grossa de Kiadorov Ras e desceu os últimos degraus do atalho, chegando então na rua que cortava o Refúgio das Neves. Ali uma lamparina oval com desenhos de pássaros já estava acesa, tremeluzindo com a força das brisas gélidas.
— Jovem cavalheiro, eu sinto muito!
— Não, não se desculpe, sua companhia me agrada!
— Há algo que preciso te contar.
— Estou ouvindo, bela princesa. — O loiro lançou mais um daqueles sorrisos.
— Eu não sou...
Não teve tempo, ouviram um barulho e um farfalhar. Lâminas desembainharam espadas. Guardas de uniforme azul pálido cercaram Kiadorov Ras e forçaram Benent Nah a dar um passo para trás, afastando-se do jovem de cabelos loiros.
— Achamos eles!
— Prendam esse sequestrador!
Sem entender o que estava acontecendo, Kiadorov Ras recebeu um tranco nas pernas e caiu de joelhos no chão. Aterrorizado com tantas armas, apenas colocou as mãos para a cabeça e se sentiu confuso. Por que o estavam cercando? Que crime cometeu?!
— Nel Nah! — Uma voz grossa soou e o general da guarda aproximou-se do mais delicado filho de Benent Haude-Are. — O que diabos?!
— Pegamos ele senhor! O sequestrador! — Um dos guardas avisou.
— Se-sequestrador? — Kiadorov Ras quase desfaleceu.
— Benent Uren-Issu! Tio! Pare! — Benent Nah suplicou.
Foi nesse momento que o general olhou para as duas crianças na sua frente. A mancha vermelha no braço da figura de branco e no canto dos lábios. Viu a mesma mancha vermelha nos lábios do outro e entendeu que os acontecimentos se sucederam do seu jeito:
— O que vou dizer ao seu pai?! Todos os guardas estão procurando você, esse salafrário ousou perturbar a Ala Norte e tirar você de lá! E o que é isso na sua boca? Por acaso esse navegante, ele... ele... Forçou você?
— Não, não... — Benent Nah arregalou os olhos em espanto pelas acusações.
Agora estavam os dois encrencados e teria que se explicar, ou acabaria trazendo problemas para o jovem cavalheiro Kiadorov Ras.
— Foram frutinhas secas.
— Frutinhas secas? — O general arregalou os olhos.
— Silvestres.
— Que palhaçada é essa?! O Senhor General solte o meu inocente e bem intencionado filhinho! — A voz poderosa de Kiadorov Dano-Are retumbou pelas nuvens da noite, a ventania se tornou mais intensa e seus guardas, que vestiam roupas de marinheiro azul e mantos de raposa vermelha cercaram os guardas de azul pálido. — Benent Uren-Issu, explique-se!
— Esse... é seu filho? — O homem de armadura reluzente, general da cidade das neves, olhou mais uma vez para o loiro ajoelhado e depois, para o Rei de Cahyst. — Kiadorov Dano-Are, eu sinto muito, mas... — E depois, para a figura de branco e cabelos escuros como a noite. — Acho bom você se explicar, Nel Nah.
— Por favor, solte-o, tio! — Solicitou com a voz murcha. — É tudo culpa minha.
Com um olhar ardido, o general Benent Uren-Issu fez um sinal para seus guardas, estes soltaram imediatamente Kiadorov Ras e o colocaram de pé, batendo as mãos em suas roupas limpando os poucos flocos de neve que se apegaram em seus joelhos e pernas.
— Nel Ras! — O Rei de Cahyst se aproximou do filho como um pai preocupado, mas antes de abraçá-lo, acrescentou baixinho. — O que você andou aprontando, seu moleque?! Olha a situação em que nos meteu!
— Eu juro que... Eu só... — As palavras seriam simples, se não engasgasse apenas com o olhar duro e de reprovação do seu pai. Era sempre assim: Kiadorov Ras perdia as forças diante do seu progenitor.
— É culpa minha, Kiadorov Dano-Are, eu peço perdão. — Benent Nah interferiu e fez o Ato de Boa Fé como se fosse um plebeu, abaixando a cabeça coberta pelos cabelos bem escuros como a noite.
O homem robusto apenas olhou para aquela criança insolente de branco e sentiu pena. A aparência frágil, os olhos avermelhados nos cantos e a boca ressecada eram o prenúncio da morte. Suavizou sua face.
— Acho que deve uma explicação, Vossa Alteza. — O tio de armadura guardou sua espada reluzente na bainha e cruzou os braços.
— Sim, é que... Eu quis sair para ver o pôr do sol...
E um grande "ahhhh" se seguiu entre os guardas, incluindo a boca de seu tio.
— Eu... fugi da Ala Norte.
Agora o "ahh" dos guardas soou tenso, como uma má notícia.
— Jovem cavalheiro Kiadorov Ras me interceptou e não quis me deixar, com medo dos perigos da cidade. — Benent Nah era o tipo de pessoa que falava pouco e sempre a verdade, portanto, ninguém ousou duvidar das intenções de Kiadorov Ras naquele momento. — Então me fez companhia pelo resto da tarde, quando dividiu um saco de frutas silvestres secas. O que eu agradeço muito. Por favor, Uren-Issu, eu imploro, perdoe seus atos.
— Nel Nah... — O tio apenas revirou os olhos escuros e soltou um suspiro tardio. Seus olhos que eram normalmente severos aos assuntos do reino, assumiram um ar maleável e quase carinhoso. Quem a belezinha não conseguia dobrar? — Eu devia saber melhor. Você fugiu da Ala Norte, o que farei com você?
— Por favor, me castigue. — Curvou-se, ajoelhando-se no chão esperando alguma punição, mas era astuto: sabia que seu tio não desferiria um tapa em sua face e nem que levaria palmadas nas costas.
— Caminhou por pedras, entre folhas e galhos... Se ajoelhou... Não preciso castigar você agora. Sua punição virá amanhã bem cedo. Guardas! — A voz do general soou severa, mas com traços de dor. — Acompanhem Benent Nah de volta a Ala Norte e fechem bem seus aposentos.
— Eu agradeço, tio!
Os guardas esperaram a figura de branco se levantar e sair. Kiadorov Ras ficou apenas observando longe, triste por não poder se despedir.
Com a mão no rosto, morto de vergonha por apontar espadas para um nobre, o general virou-se para o Rei de Cahyst.
— Eu peço perdão por esse mal entendido em nome do Clã Benent! — E se curvou em um ato de Boa Fé para Kiadorov Dano-Are.
— Não se preocupe, Benent Uren-Issu. Crianças são assim mesmo. Desobedientes. — O rei de Cahyst suspirou e olhou para o filho, seu maior exemplo em casa. Seu desgosto. — Não queria me intrometer, achei que foi brando na punição entretanto disse algo que me deixou intrigado! O que quis dizer com o castigo virá? Por acaso existem mestres de castigo aqui nessa cidade? Eu poderia fazer uso de um, meu filho não deveria estar perambulando pelo castelo!
— Não, não. Kiadorov Dano-Are talvez não saiba, mas Benent Nah nasceu com uma condição de saúde muito peculiar. É uma marca de maldição.
— Ah, a Maldição do Existir. — Kiadorov Dano-Are era um homem versado, já adulto e com conhecimento suficiente para saber o que significava, mas também conhecia a ignorância de seu filho no assunto e explicou: — Vez ou outra uma mãe amaldiçoa seus filhos por existir, mas poucas levavam o processo tão a sério ao ponto de sofrerem as consequências.
— Exatamente. Pobre criança. — O tio suspirou, com um ar chateado. — Nem mesmo as vestes elaboradas com a mais pura seda a jovem criança aguenta usar, sua pele racha em feridas até a carne viva se qualquer coisa mundana encosta. Apenas o ato de caminhar pelas ruas de pedregulhos deste humilde castelo ferem a sola de seus pés. Tenha certeza que pagará com a imprudência logo pela manhã, não preciso dar nenhum castigo.
— Oh. — O rei de Cahyst ficou sem voz. Ao ouvir aquilo, Kiadorov Ras entretanto, se sentiu mal. — Bem, nesse caso, concordo. Não precisa de mais nenhuma punição. Uma pessoa com esse mal estar... Esqueça, melhor não falarmos mais nisso.
— Muito bem, dada a situação estar resolvida, pedirei aos guardas que acompanhem vocês, ilustres convidados, para a Ala Leste.
— Não precisa, eu estou com os meus. — O Rei de Cahyst sorriu cordialmente. — Tenha uma boa noite, General.
Ambos fizeram o Ato de Boa Fé um para o outro em sinal de respeito. Kiadorov Ras seguiu logo, fazendo o mesmo. Quando o general se afastou com os guardas, ele simplesmente virou-se para o pai, esperando duras palavras.
— Castigaria você, Nel Ras, mas como fez companhia para Benent Nah e se preocupou em acompanhar até a Ala Norte, farei vistas grossas. É a primeira vez que demonstra se importar com os outros. Ficou mesmo com a Beleza das Neves preocupado com sua proteção?
— Hm. — Concordou com um aceno de cabeça, feliz demais por ter ouvido elogios. não que Kiadorov Ras tenha acompanhado sua Beleza das Neves por qualquer outro motivo que não fosse pessoal e íntimo, talvez até egoísta, mas não ia dizer nada ao pai. — Assim que a vi soube que era descendente de Benent Haude-Are e notei que não haviam guardas ao redor quando me aproximei, o que chamou minha atenção. Percebi que estava desprotegida.
— Muito bom. — Um elogio finalmente rolou da língua daquele pai exigente. — Vamos para a Ala Leste.
— Pai... — Kiadorov Ras chamou. Ele teve uma ideia tola em sua cabeça, inflamada pelas batidas piedosas de seu coração. — Sei que veio para Noord'Laren para firmar um casamento entre minha irmã e Benent Ji, mas eu gostaria de lhe perguntar se haveria chances de que eu fizesse uma proposta ao Rei dessa cidade no lugar de minha irmã...
— É mesmo? — O pai quase tropeçou nos passos enquanto caminhavam pela estrada, descendo pela escadaria que levava a Ala Leste. — Estou surpreso, meu filho finalmente resolveu assumir todas as responsabilidades de uma vida adulta! Terei prazer em mencionar que você quer a mão da bela Benent Tol em casamento.
— Benent Tol? Não, nem pensar! Eu estava mesmo interessado na Beleza das Neves, a frágil e doce Benent Nah, minha Ey-Nah. — Falou com um sorriso bobo nos lábios manchados de fruta.
O pai então parou de andar, e se virou. Esquadrinhou o rosto do filho minuciosamente. Também notou as marcas de fruta em Benent Nah. Claro que era comum se sujar com frutas silvestres, mãos e bocas, mas não aquele tipo de borrão.
Além disso, não podia deixar de notar o olhar apaixonado na face de Nel Ras que lembrava de si mesmo no dia em que conheceu sua atual esposa, Lelei-Are a quem era extremamente devoto e respeitável. Se seu querido filho já estava chamando pelo prefixo amoroso de "Ey", então provavelmente era um relacionamento firmado e consensual.
Sem saber que estava completamente enganado em seus pensamentos, Kiadorov Dano-Are apenas pigarreou, preparando a voz como um rei prestes a discursar:
— É o que dizem: "o desejo do coração apaixonado não deve ser ignorado, ou a pura catástrofe atingirá os céus e os mares". — Ponderou. — Você tem certeza dessa escolha, criança?
— Sim, Au-Dano, tenho certeza. — Mãos firmes na lateral do corpo e punhos fechados. Determinação atravessando sua postura.
— Hm. — O pai resmungou. — Farei a proposta e se for aceita, o casamento ocorrerá dois anos depois do Pontífice. Se você conquistar o título de u-Ayan.
— Obrigado, pai. — Fez o Ato de Boa Fé, selando aquele acordo.
Eles voltaram para a Ala Leste normalmente.
(continua)
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Notas da Autora:
Obrigada pela leitura, meus amorzinhos!
Quero só ver o que o Nah vai pensar quando ficar sabendo dessa palhaçada de casamento!
[ Pessoal, eu desisti de desenhar na história, os desenhos não estão ficando do jeito que eu gostaria -- meu traço é bem infantil, desculpe decepcionar nesse aspecto. Quando eu aperfeiçoar meu traço volto a desenhar... Mas por enquanto eu vou usar ilustrações e fotos que achar na internet]
Explicações
A frutinha vermelha que Nah e Ras comem é baseada nisso aqui:
(que são groselhas)
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Teatrinho mode on:
O que os personagens têm a dizer sobre CASAMENTO.
Ras: "Se for com minha bela Ey-Nah, eu topo na hora!"
Nah: "..." -- quer dizer: Preciso meditar ou vou espancar alguém
[Ele tem votos de não violência com os Sacerdotes da Tempestade, coitado]Nin: *com os braços cruzados e fazendo cara de nojo* "As pessoas não conseguem fazer nada sozinhas? Eu não quero me casar com ninguém! Dá licença, vou polir minha espada"
Ji: *olhando para Nin* "Será que se meu irmão se casar eu consigo me livrar dessa chata?" *tramando*
Tol: "Tô ocupada demais criando uma nova invenção para me preocupar com casamento, desculpa"
Vor: "Casamento? Hahahah! A noiva teria que ser muito perfeita assim como eu e tirando eu, não tem ninguém perfeito nesse mundo".
Brum: "Eu me sentiria muito honrado se alguma bela mulher quisesse se casar comigo, mas a verdade é que todo mundo prefere meu irmão..."
Lux (o irmão): *afiando a faca* "Nessa encarnação eu vim acertar meus pecados e não me casar..."
Nian: *olhando para Cnoll Lux* "Mas e se acertar seus pecados incluísse a devocão completa a uma só pessoa?"
*sorrisos*
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E por hoje é só pessoal! <3 Até a próxima!
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❀Capítulo 07❀Tempo livre para fazer o que quiser com ele era algo capaz de fazer Benent Nah sorrir, mas estava com tantas dores pelo corpo que não conseguiu. Ainda assim, sentiu animação: era senão a primeira vez, desde que podia se lembrar, de que tinha autorização oficial para sair da Ala Norte e perambular livremente pela cidade.Era de seu maior interesse ser capaz de conhecer tudo o que apenas leu em livros. Imaginando ser esse o caso, conhecedor de sua história, Kiadorov Ras logo se propôs:— Querido cunhado, Benent
❀Capítulo 08❀— Vamos logo, Su-Nah, ou nos atrasaremos para o primeiro dia no Pontífice! — Benent Ji estava com os cabelos volumosos presos em um rabo de cavalo ornamentado por uma presilha de ouro.O uniforme cinzento era obrigatório para a semana de doutrinação. Cobria as vestes internas azuis bordadas com fios de prata. Segurava as escrituras em dobro pelos braços, pois queria ajudar o irmão, porém, se irritava fácil quando as coisas saiam de seu controle e Benent Nah estava mais lento que o normal.Benent Nah par
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