Um mês depois...
— Você precisa sair dessa cama, Guilherme. — Minha mãe implorava mais uma vez.
Ela não entendia que eu só queria dormir e nada mais. Há trinta dias que minha vida foi lacrada naquele caixão junto com ela. Há trinta dias que não conseguia comer, sair, viver, não sem ela.
— Apague essa luz, mãe, e me deixe em paz!
Quarenta e cinco dias depois...
— Chega, Guilherme, sai dessa cama agora!
Helô era um furacão em forma de gente.
Entrou em meu quarto berrando, abrindo as cortinas e puxando as cobertas.
— Me deixe, Helô! – Rosnei e me assustei com a agressividade em minha voz.
— Não! Quarenta e cinco dias, são quarenta e cinco dias assim, quer matar a Fátima? Perder somente Bianca não foi o bastante?
Escutava a voz dele muito próxima ao meu rosto e por algum momento, me lembrou uma mãe repreendendo o filho.
— Vamos, meu amigo, sabe que ela irá ganhar no final. — A voz paciente do meu amigo ecoou no quarto, apaziguando a tempestade.
— Vou mesmo. — Senti as mãos de Helô puxando minha camiseta pelo pescoço, com uma brutalidade que não condizia com uma mulher tão pequena quanto ela. — Eu disse: levanta agora, Guilherme!
E não consegui ganhar aquela luta, Helô puxou sem a menor cerimônia a minha calça de moletom, deixando-me somente de cueca.
— Gustavo! – Gritei exasperado - Dá um jeito nela.
— Vai logo para o banho, Gui, antes que ela tire sua cueca e ainda te bata. — Deu de ombros, como se aquela atitude fosse a esperada.
Obedeci, estava cansado de brigar com todo mundo. Saí do quarto, após o banho e apareci na sala onde os três estavam sentados me olhando como se fosse um ET pousando na terra.
— Viu só? — Helô começou a dizer. — Está horrível e magrelo, mas ao menos está limpo.
Ela dizia como se a sua própria aparência estivesse muito diferente. Helô estava visivelmente mais magra, os cabelos curtos e pretos, estavam ralos e sem vida, no rosto, não existia um resquício sequer de maquiagem. Em nada lembrava aquela mulher alegre e cheia de vida.
Meus olhos enfim focaram um por um na sala, Gustavo estava com olheiras e a barba por fazer, visivelmente abatido; minha mãe torcia as mãos uma na outra e me olhava como se eu fosse me quebrar em mil pedaços bem na frente dela.
— Desculpa — disse sem conseguir conter as lágrimas e meu corpo cedeu a dor que a realidade trouxe. Caí de joelhos no chão e o choro explodiu do meu peito copiosamente.
Os três me cercaram, envolvendo meu corpo e juntos, caídos no chão, choramos a perda da noiva, amiga, pessoa maravilhosa que a vida nos entregou como presente. Choramos, liberando do nosso peito toda dor e revolta, choramos juntos por tudo o que teríamos vivido ao lado dela.
Três anos depois. — Dr. Guilherme, a consulta das quinze horas foi cancelada, não temos mais pacientes hoje. — Está bem, Judite, vamos para casa descansar então — disse já me levantando e pegando minha maleta. — Bom final de semana para vocês e diga ao Roberto que mandei um abraço.Judite estava comigo há muitos anos, essa senhora era um anjo em minha vida e minha mãe que não me ouça, mas não sei o que faria da minha vida profissional sem ela.Fechei a porta do consultório e segui andando para meu apartamento. Morava a poucas quadras dali e passaria na cafeteria da esquina antes, estava precisando de um copo grande de cafeína. <
Reli as duas linhas escritas com uma caligrafia perfeita e redondinha, não tive coragem de levantar os olhos e encontrar o seu olhar. Sem pedir e sem nem entender o porquê fazia aquilo, peguei o papel e dobrei-o com cuidado, abri a carteira e coloquei dentro, fechando-a e guardando-a no bolso novamente. — Acabou? — perguntei a olhando nos olhos, esquecendo minha vergonha.— Sim — respondeu já se levantando.— Vou te mostrar seu consultório. O Hospital Geral Medeiros foi criado e desenvolvido dentro dos padrões que meu pai acreditava ser o certo para os seres humanos. Não tínhamos ligação com o governo, éramos cem por cento filantrópicos e graças aos cheques gordos que
O curso do amor verdadeiro nunca flui suavemente.William Shakespeare— Bia, sinto falta da sua presença... — disse baixinho, sentado à beira da cama. — As coisas estão tão confusas aqui dentro... — E como se ela pudesse mesmo me ver, levei a mão ao meu coração. — Bruna é uma mulher legal, inteligente e muito bonita, e claro que poderia chamá-la para sair e deixar que a vida seguisse seu curso, mas não consigo. — Já não conseguia conter as lágrimas. — Tudo o que ela faz, comparo a você, como se de alguma forma ela não fosse o suficiente para estar no seu lugar.... Mas, Bia, não quero ninguém no seu lugar, a
Ela congelou.Ficamos parados somente nos olhando, não conseguia imaginar como a recém chegada Dra. Bruna poderia saber onde eu morava.— Olha, sei que vai parecer estranho... — Ela começou a explicar. — Mas eu perguntei à Regina.— Regina...? — Não fazia ideia de quem poderia ser.— A enfermeira da pediatria — disse, claramente envergonhada.— E por que foi perguntar onde eu morava para a enfermeira da pediatria? — A conversa estava ficando a cada minuto mais estranha.— Havia acabado de fazer um parto...— Sim.
Em mim, por timidez, fica omitido, O rito mais solene da paixão;E o meu amor eu vejo enfraquecido, Vergado pela própria dimensão.William ShakespeareDurante o curto caminho até meu apartamento não me permiti pensar no que poderia ter acontecido. Subi com as compras, guardei tudo e minha mente era um imenso vazio. Assim que me deitei, o caos tomou conta dos meus pensamentos. Meu lado racional sabia que aquilo era o natural, que já fazia quase quatro anos e que mesmo louca de ciúmes, Bia desejaria a minha felicidade. Mas meu lado emocional, ah, esse estava em pedaços. Um conflito imenso começava a se formar dentro de mim, um misto de sentimentos ruins borbulhavam como uma onda gigantesca se formando sobre a mi
Seja meu livro então minha eloquência,Arauto mudo do que diz meu peito,Que implora amor e busca recompensaWilliam ShakespeareTrês dias.Há três dias Bruna se escondia de mim. Desde que saiu do meu apartamento naquela noite, não nos encontramos mais. Por um lado sentia alívio, não queria sair da minha zona de conforto, de dor e solidão. De certa forma, ser assim era tudo o que me restava nos últimos quatro anos, mas por outro lado, aquele momento poderia ser a possibilidade de ao menos tentar seguir em frente.O sonho com Bianca me trazia paz, algo me d
Minha mãe ajudava o orfanato da cidade, mas confesso que ele não me despertava interesse. Claro que sempre ajudava financeiramente e até mesmo os médicos faziam atendimento gratuito para as crianças e adolescentes de lá, mas não estava em meus planos de visitas.— Helô, eu não quero sair de casa hoje e....Tum... tum...tum...Ela desligou na minha cara. Assunto encerrado.Levantei da minha sessão de vitamina D, me arrastando até o quarto e após uma chuveirada rápida, estava parado do lado de fora, esperando por eles, que chegaram logo em seguida.— Sabia que você viria — disse radiante.
Simples, exato, incomparável, inenarrável, incondicional, imensurável, e o único que atravessa as portas do infinito e se eterniza no pergaminho inviolável do tempo como poema divinal.Edna FrigatoHeloísa foi me buscar, dizendo que estavam precisando de ajuda. Me abaixei ao lado da pequena e estendi a mão para ela.— Prazer, sou o Guilherme. — Ela ficou me olhando alguns segundos, avaliando se eu valia a pena. Deve ter decidido que sim, pois esboçou um quase sorriso e segurou a minha mão.— Bia — respondeu.Meu mundo parou.Heloísa se aproximou rapidamente, ajoe