Minha mão pousou suavemente sobre o ventre, como se, por instinto, eu pudesse proteger a criança do mundo imundo que a aguardava. Meu filho jamais conheceria o lado sombrio da nossa família. Ele cresceria cercado apenas pelo carinho de tia Loretta e dos meus primos. Nunca sentiria o toque frio do meu pai, do meu avô… ou do marido de Loretta.— Nossa dor está no passado, Ryuu — minha voz era baixa, firme, mas não conseguia esconder o medo que escorria em cada palavra. — O que fizeram conosco não é culpa sua. Você não pode carregar esse fardo sozinho. Não me afaste. Não se retire para o seu silêncio. Não se consuma por uma culpa que não é sua.Ele manteve os olhos fechados, a cabeça afundada no travesseiro. Sabia que ele não acreditava em mim. Podia sentir a culpa que o corroía lentamente, arrastando-o de volta para o abismo da depressão. A escuridão que sempre pairou sobre ele, sempre silenciosa, agora o cercava mais uma vez. Não precisávamos de palavras para reconhecer essa sombra ent
Nitta Morunaga, o caçula da família, era de fato um Carbone de sangue. Meu meio-irmão. Mas a metade mal importava quando se tratava de Giacomo Carbone. Afinal, só tínhamos um pai, e ele era um monstro. Isso bastava para nos marcar. Os pecados de Giacomo ainda ecoavam, destruindo vidas. Não bastava eu ser arrastada para o inferno que ele criou, Nitta também tinha sido tragado. Era um ciclo sem fim.— Eu sinto muito. — Aquelas palavras escaparam de meus lábios antes que eu pudesse me conter.— Não sinta. — Nitta deu de ombros, mas o movimento era lento, hesitante, como se até isso doesse. — Isso não muda nada. Gojou provavelmente sempre soube. Ele sempre sabe, mas guarda tudo para si. Não foi tão mau como pai, se comparado a... outros.Giacomo. O nome queimou em minha mente, uma lembrança amarga que sempre retornava. Mas Gojou também não era o que eu chamaria de uma figura paterna exemplar. Ryuu nunca falava muito sobre a infância, mas o suficiente para deixar claro que faltava algo na
Odiava o quão rápido as lágrimas caíam, e, pior ainda, odiava que fossem por ele. Um velho que mal conhecia, mas que, de alguma forma, tinha deixado uma marca tão profunda em mim. Talvez porque ele fosse a última coisa parecida com uma figura paterna que eu tinha. O único que realmente foi bom para mim. Mais uma peça da minha vida destruída por Giorgio.Me afundei sob os lençóis, o travesseiro de Ryuu apertado contra o peito. Meu rosto se enterrou no tecido, buscando, desesperada, o conforto do cheiro dele. Mas já fazia tempo demais… não restava nada. Nem um traço de Ryuu para me consolar. Só a ausência.Queria gritar, soluçar até que minha garganta se rasgasse de dor, mas o som nunca veio. Fiquei ali, paralisada, agarrada ao travesseiro como se aquilo pudesse segurar os pedaços do que eu ainda tinha. As lágrimas escorriam silenciosas, molhando o tecido. Uma parte de mim se sentia completamente entorpecida, outra esmagada por uma dor que parecia impossível de suportar. Meu coração est
— Acho que essa é uma conversa que você deveria ter com ele quando tudo se acalmar — sugeriu Bion, levantando-se lentamente. — Quer que eu te deixe um tempo sozinha?Eu ainda estava escondida debaixo dos lençóis, mas senti meu lábio inferior começar a tremer. Era humilhante admitir o quanto me sentia fraca naquele momento.— Não… — minha voz saiu trêmula, quase um sussurro. Senti-me vulnerável ao fazer um pedido tão simples. — Pode ficar comigo? Por favor?Afastei os lençóis, abrindo espaço ao meu lado. Bion, sem dizer nada, se acomodou ao meu lado, me envolvendo com seus braços fortes e silenciosos. Encostei meu rosto molhado de lágrimas em seu peito, e os soluços vieram em uma torrente. No calor do abraço dele, senti uma pontada de conforto. ***Dias se passaram até que nos estacionamos em frente à igreja. Nenhum de nós fez qualquer movimento para sair do carro. Do lado de fora, uma multidão em preto se amontoava, participando do funeral. Não esperava ver tantas pessoas ali. Ainda
— Desculpe? — perguntei, sem entender direito o que acabara de ouvir.— Eu… prefiro mulheres mais magras que você — resmungou o homem, sua voz grossa e embriagada, como se lutasse para se manter ereto no banco. Ele sequer olhava para mim, oscilando de maneira quase patética, e ainda assim seu desdém era explícito. Desviei o olhar, sentindo uma onda de incredulidade — e, antes que percebesse, ajustei o tecido do vestido preto sobre a cintura, subitamente autoconsciente.— Como é? — Minha voz saiu firme, mais para mim mesma do que para ele, tentando digerir a audácia. Mas Sophia, até então absorta, ergueu-se bruscamente, o corpo vibrando de raiva como uma tempestade prestes a estourar. Seu olhar, antes perdido, agora queimava em uma fúria silenciosa.Vi Sebastian mover-se ao lado dela, uma mão firme pousando em seu ombro, talvez tentando segurá-la. Mas então senti uma presença sólida atrás de mim. Uma mão deslizou sobre meu quadril, firme e possessiva, e meu corpo foi puxado de encontro
Ryuu não disse nada quando me deitei ao seu lado, apenas estendeu a mão e me puxou para perto, pousando meus dedos suavemente sobre o peito. Eu tentava não me apoiar demais, temendo machucar seus ferimentos, mas a verdade é que precisava daquele contato. O silêncio entre nós parecia um abrigo, e por um momento, me permiti desmoronar. Os soluços vieram sem controle, afogados em seu ombro. Passei a próxima hora ali, minha cabeça contra o peito dele, sentindo seu coração pulsar, tentando acreditar que aquele espaço era meu refúgio. Saímos do quarto muito mais tarde, encontrando Nitta e Sophia, que nos lançaram olhares preocupados. Alguns primos de Ryuu também permaneciam, insistentes em permanecer aqui enquanto ele se recuperava, e às vezes, eu me pegava conversando com Bion para preencher o vazio que sentia ao seu lado. Ele me avisou que tia Loretta chegaria no final da semana, mas a emoção não se fez presente. Meus dias eram vazios, e só Ryuu parecia capaz de preenchê-los, mas ele pa
Levantei o olhar quando Dario entrou na sala da nova casa — a casa que, um dia, pertenceu a Espósito. Suas roupas estavam manchadas de sangue, e o rosto exibindo hematomas novos e escuros. Meus outros primos estavam em algum lugar na casa, provavelmente tramando entre si, enquanto minha tia havia chegado há poucos dias. Mas naquele momento era só eu e Bion na sala, quando Dario finalmente deu as caras. Quanto tempo fazia desde a última vez que o vi? Nem conseguia lembrar.— Seu imbecil — deixei escapar, com a raiva azedando minha voz antes mesmo que pudesse controlá-la. — Onde diabos você estava?Vi o leve arquear de sobrancelha de Bion, que, embora surpreso, guardava as reações para si, como sempre. Já Dario, pelo menos, teve a decência de parecer desconfortável, erguendo as mãos num gesto de rendição.— Beatrice…— Por que não respondeu minhas mensagens? Achei que você estivesse morto! A última notícia que tive foi de que tinha saído com Ryuu e os irmãos, e depois, nada. Desapareceu
— Quer conversar agora? — A voz grave de Bion ecoou atrás de mim, rompendo o silêncio. Virei-me lentamente, vendo-o parado na entrada da biblioteca. A sala, aquecida pelo crepitar da lareira, era o meu refúgio, um pequeno esconderijo onde eu vinha me perder em pensamentos. Estava ali para buscar alívio, não companhia.— Falar sobre o quê? — murmurei, recostando-me na poltrona de couro, minha poltrona. Foi a única coisa que fiz questão de trazer da mansão Morunaga, e agora me afundava nela, os olhos fechados, deixando a música preencher o vazio ao meu redor. O calor do fogo beijava o lado do meu rosto, e desejei que Bion sumisse tão rápido quanto havia surgido.— Sua mãe.Senti meu corpo endurecer. Apertei os lábios antes de responder, sabendo que minha reação entregava o que eu tentava suprimir.— Uma conversa inevitável, imagino.— Nem tanto — ele disse, aproximando-se com cautela. O sofá rangeu quando ele se sentou, o som como um peso extra sobre mim. — Podemos deixar isso no passad