Naquela manhã, o sol mal havia nascido quando Eveline despertou, os olhos ainda inchados pela noite mal dormida. A discussão com Marcus no dia anterior a abalara mais do que gostaria de admitir. Apesar da reconciliação ardente que selou o fim do desentendimento, ela não conseguia deixar de sentir o peso da insegurança do marido sobre seus ombros.Enquanto ele dormia profundamente ao seu lado, com os traços tensos mesmo em repouso, Eveline se levantou em silêncio e foi até a varanda do quarto. Precisava respirar. A brisa fria da manhã acariciou sua pele, e com uma das mãos repousadas sobre a barriga ainda discreta, ela fechou os olhos. O coração de Marcus era seu lugar de abrigo, mas também uma fortaleza cercada por medos antigos.— Amor? — a voz de Marcus soou baixa e rouca, vindo de dentro do quarto. Ele se aproximou, abraçando-a por trás. — Você está bem?Eveline virou-se para ele, pousando a cabeça em seu peito.— Estou. Só... um pouco pensativa. Você sabe que hoje é um grande dia.
Os primeiros dias de recuperação de Marcus foram intensos. O pós-operatório exigia atenção constante, não apenas da equipe médica, mas também da família. Helena e Eduardo revezavam com Eveline no quarto, mas era ela quem não saía do lado do marido, mesmo quando o corpo pedia descanso.As feições de Marcus estavam cobertas por curativos, as dores eram controladas por medicações fortes e o cansaço deixava seu humor oscilante. Ainda assim, quando acordava e via Eveline ali, sentada, penteando os cabelos com delicadeza, murmurando palavras suaves, algo em seus olhos suavizava.— Você não precisa ficar aqui o tempo todo — ele murmurou em uma das tardes. — Vai descansar um pouco. Eu fico bem.Ela sorriu e segurou sua mão com carinho.— Não sei descansar longe de você.Ele fechou os olhos, apertando sua mão com mais força. Havia algo diferente nele. Como se o medo de antes estivesse sendo substituído por algo novo, sutil, mas presente: aceitação.Nos dias seguintes, Eveline passou a se comun
Dois dias se passaram desde a cirurgia, e a recuperação de Marcus começava a mostrar pequenos avanços. As dores ainda eram frequentes, mas controladas, e a equipe médica estava satisfeita com os primeiros resultados. Eveline não desgrudava do marido, mas agora dividia com mais tranquilidade os cuidados com Helena, o que lhe permitia espaços curtos para descansar ou respirar.Naquela manhã, Marcus acordou mais disposto. Os olhos estavam menos pesados, e seu humor, embora ainda sensível, tinha traços de leveza. Quando Eveline entrou no quarto com uma bandeja de café trazida pela enfermagem, ele esboçou um sorriso discreto.— Você parece melhor hoje — ela comentou, ajeitando os travesseiros para que ele se sentasse.— Estou me sentindo menos... destruído — ele brincou, com voz rouca. — Deve ser a sua presença. E esse café com cheiro de amor.Eveline riu, tocando suavemente seu rosto. Era bom vê-lo assim, mesmo que por instantes. Enquanto ele comia, conversaram sobre pequenos assuntos cot
Três dias depois, como previsto, Marcus recebeu alta do hospital. Ainda com os curativos em parte do rosto e orientações médicas rigorosas sobre o repouso, ele foi levado para casa com toda a discrição que a família Castelão sabia manter. Cláudio, o motorista de confiança, conduzia o carro com cautela, enquanto Eveline permanecia ao lado do marido, segurando sua mão e acariciando suavemente seus dedos durante todo o trajeto.Na chegada à mansão na capital, Helena e Eduardo aguardavam na entrada, acompanhados de alguns dos funcionários da casa. A governanta da mansão, Dona Beatriz, estava à frente, organizando os detalhes finais da recepção simples, mas acolhedora. Tudo havia sido preparado com cuidado: flores discretas, o aroma leve de lavanda preenchendo os corredores, e o quarto do casal impecável, com lençóis macios e cortinas abertas para permitir a entrada da luz natural.— Bem-vindo de volta, meu filho — disse Helena, emocionada, abraçando Marcus com carinho.— Estamos felizes q
Uma semana se passou desde que Marcus retornara à mansão na capital. A rotina, apesar de tranquila, estava recheada de cuidados. Eveline seguia com zelo absoluto nas orientações da equipe médica, que agora fazia visitas regulares à casa para acompanhar a evolução da cirurgia.Naquela manhã, dois profissionais compareceram à residência: o enfermeiro-chefe da clínica de reabilitação e a doutora Lorena Viana, uma cirurgiã plástica auxiliar conhecida não apenas pela competência, mas também pela beleza estonteante e jeito desinibido. Alta, de curvas marcantes e um sorriso marcante, Lorena não demorou a se destacar no ambiente.Durante o procedimento de retirada dos primeiros curativos, Eveline observava com atenção cada movimento. Lorena, no entanto, não parecia se importar com a presença da esposa ao lançar olhares longos para Marcus e falar com um tom que beirava a intimidade.— Marcus, você está cicatrizando incrivelmente bem. É um paciente exemplar... e muito forte. Confesso que poucos
Vinte dias haviam se passado desde a cirurgia e, enfim, Marcus estava de rosto novo. Ainda não podia sair ao sol nem fazer grandes esforços, mas a recuperação era considerada um sucesso. A equipe médica viera até a mansão para a avaliação final e autorizou seu retorno gradual ao trabalho, ao menos dentro do escritório de casa. Helena e Eduardo estavam presentes, emocionados com a transformação do filho.Naquela manhã, toda a família Castelão reuniu-se discretamente na sala de estar da mansão. A tensão era palpável quando Marcus apareceu, agora com o rosto parcialmente revelado, ainda sensível, mas visivelmente reconstruído. Os olhos marejados de Helena e o aperto de mão forte de Eduardo diziam tudo.— Meu filho... você está lindo — disse Helena, abraçando-o com delicadeza.— Um novo rosto para uma nova fase, não é? — respondeu ele, olhando para Eveline com ternura.Ela assentiu, o coração acelerado de emoção. A cada dia, sentia-se mais ligada a ele, orgulhosa de sua coragem e encantad
As semanas seguintes foram de celebração e avanços. Marcus, agora com seu novo rosto, retomava cada vez mais sua vida social e profissional. Seu carisma, já natural, agora se somava à autoconfiança restaurada. Com a nova linha gourmet das queijarias Castelão fazendo sucesso, os convites para eventos sociais da alta sociedade se tornaram inevitáveis.E foi num desses eventos — um baile exclusivo da elite empresarial e leilão de solidariedade — que os reencontros aconteceram.A noite estava impecável. O salão decorado com cristais, luzes suaves e música ao vivo recebia os maiores nomes do empresariado nacional. Helena e Eduardo chegaram acompanhando Marcus e Eveline, que estava deslumbrante em um vestido vinho de cetim que realçava suas curvas e sua elegância natural. Marcus vestia um terno sob medida, e seu novo rosto atraía olhares por onde passava.Entre brindes e cumprimentos, muitos comentavam sobre sua transformação.— Ele está irreconhecível! — sussurravam alguns.— Agora sim, um
A caneta escorregava entre os dedos finos de Eveline Rocha. O papel à sua frente tremia como se denunciasse o que ela não podia dizer em voz alta. Aquela não era uma assinatura de amor. Era um contrato de resgate. Resgate financeiro — não emocional.Sentada à mesa da sala de jantar, Eveline parecia pequena demais para a gravidade daquela decisão. A jovem de pele alva e cabelos negros como a noite encarava o documento com os olhos cor de mel marejados. Seu coração batia tão alto que podia jurar que os outros escutavam.Mas ninguém escutava nada naquela casa.Seu pai, Júlio Rocha, estava de pé ao lado da lareira, com os braços cruzados e a expressão fria como mármore. Desde que a fábrica da família — uma tradicional tecelagem herdada do avô de Eveline — começara a falir, ele já não a olhava como filha. Era uma moeda de troca, e nada mais.— Assine de uma vez, Eveline. Não temos o dia todo — disse ele com voz áspera, sem tirar os olhos do relógio de bolso que herdara como um troféu de te