Capítulo IV

ALYCIA

            O papel em minhas mãos queima, como se este ardesse ao entrar em contato com minha pele. Eu me pergunto como é que uma palavra, apenas uma única palavra, pode mudar a vida de uma pessoa de uma hora para outra dessa maneira.

            Com a outra mão seguro com força o pingente pendurado em meu pescoço, que traz a imagem da Virgem de Guadalupe, tentando buscar forças através dele. Essa correntinha foi presente de minha mãezinha que era devota dela e que no seu leito de morte me pediu para usá-la e quando estivesse sozinha, desamparada, rezasse a ela pedindo a sua interseção junto a Jesus e que Ele olharia por mim.

            -Virgenzinha, por favor, leve minha aflição e pedido a Jesus para que Ele me ajude, porque já não sei se conseguirei levar mais alguma rasteira da vida. Não suporto mais tantas coisas sobre mim. Eu estou tentando ser forte, mas está difícil, o fardo está cada vez mais pesado sobre meus ombros. –Rezo em voz baixa, com olhos marejados pela dor.

            Ainda em estado de torpor me vem à mente as palavras do médico essa manhã, assim que lhe entreguei os resultados dos exames.

            -Parabéns, senhorita. O resultado do teste de gravidez deu positivo.- Congelo no assento a sua frente com suas palavras, tendo a certeza de que meu rosto está pálido, pois sinto que o sangue me fugiu do meu rosto ao ouvir a palavra “positivo”.

            -Não pode ser, doutor! Esse resultado deve estar errado, porque eu tomo anticoncepcional e antes disso fazia uso de preservativos. –Tento a todo custo buscar uma saída, mas tendo noção de que o resultado está,sim, correto.

-Se a senhorita quiser pode m****r refazer o teste em qualquer outro laboratório, é um direito seu como paciente buscar uma segunda opinião, mas de antemão devo-lhe informar que este tipo de exame tem 99,9 por cento de acerto.

            -E quanto às dores de cabeça? Pensei que o mal-estar fosse em decorrência das noites insones.

            -Os outros exames que solicitei estão com os resultados bons, senhorita Hernández, exceto por sua pressão que está bastante alta, o que não deve acontecer em decorrência de seu estado, por isso peço que procure urgentemente um obstetra para fazer o seu acompanhamento gestacional e principalmente da sua pressão arterial para prevenir o aborto espontâneo ou aeclampsia, entre outras complicações. Essas dores de cabeça frequentes podem ser em decorrência da pressão alta. Por isso vou lhe passar o nome e telefone de uma amiga minha que é ginecologista e obstetra, ela é uma excelente profissional e atende aqui na clínica mesmo. Sugiro que marque um horário imediatamente para fazer o acompanhamento da sua gravidez desde já. –Ele me passa o cartão com o nome e telefone da obstetra.

            Pego o cartão e saio de lá ainda atordoada com tudo que foi dito pelo médico, porque, além de estar grávida de quem eu não poderia estar, ainda por cima, pelo que tudo indica, a gravidez é de risco.

            Deus, como se o mundo não estivesse desmoronando sobre minha cabeça, ainda corro o risco de perder o bebê se não me cuidar, penso desolada.

            Mas como posso fazer isso se tudo está vindo para cima de mim como se fosse um tsunami, devastando e arrastando por onde passa? Não tenho um minuto de paz e como se não bastasse tudo o que está acontecendo, Josh aparece aqui no escritório e, além disso, tenho que servir de babá para o príncipe mimado.

            Suspiro e encosto a cabeça sobre o encosto da cadeira, fechando os olhos no processo.

            Passo uns bons minutos assim, até o telefone sobre a mesa começar a tocar me afastando de meus pensamentos.

            -Oi, Helen. –Atendo no segundo toque.

            -Senhorita Hernández, o senhor Kent está aqui para vê-la. –Suspiro mais uma vez. Sinto uma enorme vontade de pedir para que minha secretária o dispense, mas me contenho porque o pedido para ficar à sua disposição veio de uma ordem superior, então não me resta outra alternativa a não ser acatar resignadamente. Mas se Josh pensa que vou ceder a ele de novo ele está muito enganado. Não sei qual o seu intuito de estar aqui me impondo sua presença, só sei que comigo ele não conseguirá nada além de desprezo.

            -Espere uns cincos minutos e pode mandá-lo entrar, Helen.

            - Está certo, doutora.

            Desligo o telefone e tento me recompor para recebê-lo. Tenho que ter forças e não fraquejar, porque apesar de tudo que eles me fizeram, principalmente ele, ainda o amo. Não da maneira cega de antes, mas ainda assim o amo.

            -Pode entrar. – Autorizo após ouvir uma batida na porta.

            -Bom dia, Alycia. – Ele entra em minha sala e eu me contenho quando seu perfume adentra o ambiente junto com sua presença imponente.

            -Bom dia, sr. Kent. Sente-se, por favor. –Vejo seu olhar mudar completamente ao notar minha postura séria.

            -Então voltamos às formalidades novamente? – Questiona ao se sentar na cadeira a minha frente. Ele achava o que? Que eu iria implorar para ser sua novamente e que mendigasse por seu amor como tantas vezes fiz? Não. Nunca mais serei tola outra vez.

            -Não vejo motivo para ser diferente. –Desafio.

            -Alycia, precisamos conversar. Preciso falar com você e explicar tudo o que aconteceu.

            -Não sei ao que o senhor se refere, doutor Kent. Se o que tiver que conversar comigo tem a ver com trabalho conversaremos, mas se não, peço que me deixe trabalhar, pois estou atolada de trabalho e daqui a pouco tenho um almoço de negócios. Portanto, se isso é tudo, tenha um bom dia. –Ignoro-o e me inclino sobre o computador, fingindo estar concentrada ao que está na tela, mas na verdade tudo o que faço é tentar acalmar meu coração e estômago, ambos agitados em igual proporção.

            -Porra, Aly! –Levanto da cadeira no susto com o tapa que ele desfere sobre a mesa. –Eu não aguento mais ficar sem você, sem sentir seu cheiro toda noite, não consigo viver depois que você me deixou, por favor, só me dê uma chance, uma única chance de me explicar, é tudo o que te peço. Sei que não tenho direito nenhum de exigir qualquer coisa de você, mas te imploro. Ouça-me, por favor.

            -Saia da minha sala. –Digo friamente, deixando-o surpreso.

            -Abelhinha, por favor. –Vejo seu rosto mudar para mais cauteloso ao contornar a mesa na tentativa de chegar até mim.

            -Não ouse me tocar, sequer chegar até mim, ouviu?–Ele para a alguns centímetros de mim. –Nós não temos nada para falar, sabe por quê? Porque tudo o que sair de sua boca, para mim, só serão mentiras. O que eu vi e ouvi aquele dia em sua sala foram suficientes para entender tudo, não sou tão tola a ponto de não ter entendido seu plano sórdido de me enganar, enredar, trair e humilhar para conseguir o dinheiro, que segundo vocês, lhes pertencem. Na verdade, se você tivesse me pedido para te dar aquele dinheiro, eu tinha lhe dado, sem pensar duas vezes. Patético, não é? – Rio sem humor. – Eu era patética, como sua namoradinha me acusou tantas vezes de ser, porque para mim você era mais importante que tudo. Tudo! Eu te idolatrava! – Vejo-o baixar a cabeça com minha declaração. Então continuo. -Você sabe o que é uma pessoa idolatrar outra? Idolatrar vai além de amar alguém, Josh, é devoção, amor incondicional. Mas, enfim, eu percebi que a quem eu amava e idolatrava não existia, então enxerguei que meu amor não era real, pois amava alguém que eu idealizei em minha cabeça de menina e cresci sem ver que você não era quem eu pensava que era, pois, seu verdadeiro eu, finalmente consegui enxergar há uns meses atrás.

            -Alycia, por favor...eu te amo. –Rio de sua tentativa de me enredar novamente.

            -Engraçado... quis tanto ouvir isso da sua boca. Lembro que sonhava as vezes que você dizia que me amava e que eu seria sua esposa. Mas como é a vida, não é? Agora que ouvi, não faz nenhuma diferença para mim. Nenhuma. –Caminho até a janela, ficando de costas para ele, na tentativa de esconder os olhos marejados.

            -Eu não estou mentindo, Alycia. O que digo é a mais pura verdade. Admito que no começo fui um canalha e adorei te seduzir, mas eu me apaixonei perdidamente por você. –Vejo pelo reflexo do vidro, ele passar a mão pelo cabelo em frustração.

            Com certeza por perceber que nada que disser me fará acreditar mais em nenhuma palavra sua.

            -Mesmo que seja verdade, o que duvido, agora não importa mais. Você matou o sentimento bonito que eu tinha por você, Josh. –Viro para olhar bem dentro de seus olhos sem me importar com as lágrimas rolando por meu rosto. –Você matou tudo dentro de mim, acabou com minha autoestima, com minha confiança e principalmente com meu amor por você.

            -Não! Não diz isso, por favor. –Ele vem até mim, me abraçando fortemente contra seu peito. –Eu vou consertar tudo, abelhinha, e você vai me amar de novo, eu prometo - sinto seu peito subir e descer em uma respiração agitada, como se ele estivesse em desespero.Desvencilho-me de seus braços no intuito de pôr espaço entre nossos corpos.

            -Esqueça de mim. –Sentencio. -Não tente mais me seduzir, porque não irá acontecer novamente. Fui burra uma vez e pode ter certeza de que não voltará a acontecer.

            Dor cruza seu olhar com minhas palavras. Ou será fingimento? Já não duvido mais de nada que parta dele.

            Sinto uma forte tontura e náusea ao caminhar até minha cadeira.

            Por pouco não caí no chão, não fosse por Josh me amparar teria desmaiado em sua frente. Mas ele me pegou em seu colo e me colocou sobre o sofá.

            -Alycia, você está bem? – Seu tom é de pura preocupação ao falar.

            -Estou bem, só me deixe respirar um pouco. -Ele se afasta para me dar um pouco de espaço.

            -O que você tem? Quer que eu te leve para o hospital?

            -Deve ter sido uma queda de pressão. –Minto. -Tenho tido muitas delas ultimamente, mas ficarei bem. Você pode ir.

            -Não vou te deixar assim, doente.

            Abro os olhos lentamente e o encaro furiosa.

            -Foi por sua causa que fiquei dessa maneira, portanto, não venha me dizer que agora se importa com que acontece comigo, porque não acredito.

            Ele levanta-se imediatamente assim que disparo as palavras.

            -Eu me preocupo com você, apesar das minhas ações anteriores dizer o contrário. E posso lhe garantir que nem tudo o que vivemos foi fingimento, ao contrário, eu fui totalmente sincero toda vez que fazíamos amor e nas vezes em que dizia que você era minha, porque você ainda é. Não pense que vou desistir de nós dois, jamais isso acontecerá.

            Fico paralisada com seu discurso inflamado.

            -Eu vou te fazer me amar de novo, pode ter certeza disso.

            Josh cruza a sala com passos decididos se dirigindo até a porta e sai sem olhar para trás.

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