Capítulo 3 .

Samira 


Samira — Você está bem? — Uma garota  de cabelos escuros e lindos olhos âmbar  perguntou quando abri os meus olhos. Levo alguns segundos para perceber que estou sobre uma cama enorme, confortável, macia e desconhecida. Desvio os meus olhos do olhar curioso da jovem e concentro-me nas últimas horas. O rosto enfurecido do meu pai, o olhar intenso e inescrutável daquele homem, vem como um golpe certeiro na minha cabeça. Não pode ser! Corro os meus olhos pelo quarto amplo e pouco iluminado. Confusão e pânico preenchem todo o meu corpo quando finalmente me dou conta que estou em um lugar que eu não quero estar. Pelas pequenas frestas entre as cortinas escuras vejo que ainda é  noite. Oh meu Deus! Será que estou na casa de Dimitri? — Onde eu estou? E cadê o meu pai? — As palavras saem com dificuldades através da minha garganta meio seca. O meu pai seria a última pessoa de quem eu deveria querer saber agora. Entretanto, de alguma maneira perguntar por ele é a única alternativa segura que  me resta. Irônico, não? — Eu não sei onde o seu pai está, mas não se preocupe, você está na casa de Dimitri Ferrari. — disse ela, em seguida ela sorriu amplamente Olho para o meu corpo para verificar se está tudo como antes. Tirando a dor latejante do meu tornozelo que está vermelho e inchado como um pão, corpo cansado, fome e sede, graças a Deus estou bem viva! Só então percebo que estou usando um pijama de seda de mangas compridas da cor lilás  que é exatamente o meu número. Como se a peça tivesse sido comprado especialmente para mim. — Trocamos as suas roupas quando chegou e tiramos todo aquele mato do seu cabelo. — A garota explica ao perceber o quanto estou nervosa. — Tiramos? — Pergunto, não disfarçando a minha irritação pela invasão sem permissão ao meu corpo. — Sim, eu e Tereza. Dimitri ordenou que cuidássemos de você. Ele ficou dolado de fora. Não viu você nua se é isso que está te incomodando. — Explica ela novamente. Isso suaviza um pouco os meus temores, só um pouco, porque ainda estou na casa do homem que tentei fugir sem sucesso. — Você pode por favor devolver as minhas roupas? Preciso ir para casa. — Digo ao tentar-me levantar, mas quando os meus pés se chocam contra o carpete felpudo, sinto uma fisgada forte no meu tornozelo. A dor levou-me de volta para a cama. Legal, agora além de ter que fugir vou ter que fazer isso mancando. — Desculpe-me, mas Dimitri deu ordens para eu não deixá-la sair  do quarto sem ele saber. — disse ela, soando nervosa ao dar-me a notícia. As suas palavras   são como brisa gelada, espalhando calafrios por toda a minha espinha. — Ordens? Dimitri não é meu dono! Não somos casados! Nem ao menos o conheço. É essa a intenção dele ,me tranformar em uma  prisioneira antes mesmo do nosso casamento ? — me exalto, mas assim que olho para a jovem e a vejo de olhos arregalados devido ao surto explosivo, me arrependo. — desculpe-me, sinto muito. Não tem nada a ver com isso. Perdoe-me. — digo, me sentindo horrível por estar descontando em quem não merece. Principalmente numa pessoa que já deu para notar que é gentil e simpática. — Tudo bem. Não tem problema. — respondeu ela, com um sorriso compreensivo e acolhedor que só fez eu me sentir mais culpada do que já estou. — Sinto muito, mesmo. Não quis ser rude. Ela sorri e balança a cabeça. — Não seja boba. Diante das circunstâncias que você se encontra é compreensível que esteja tão nervosa. Talvez  você  devesse  voltar a descansar. — Sugeriu ela, com um sorriso sincero.

Pense, Samira, pense. Respiro fundo tentando arquitetar alguma forma de sair daqui. E tudo indica que não posso contar com o meu pai  traidor. Ele deve estar comemorando agora pelo seu plano ter dado certo.


— Vou avisar Dimitri  que está acordada. — Avisou ela, se virando para sair. O meu coração disparou. — Será que antes de chamá-lo você pode-me trazer algo para eu comer e beber? Estou faminta e muito fraca. — Pedi, antes que ela chamasse a sombra escura. Eu não posso enfrentá-lo fraca como estou. Com ela fora do quarto, talvez eu consiga estudar uma maneira de escapar disso tudo. — Claro! Vou lhe trazer comida e também um remédio para dor. Está com dor, não está? — Perguntou ela apontando para o meu pé.— Fizemos uma compressa com ervas medicinais e pano quente. O médico foi chamado para verificar se não há nada mais grave, mas acho não quebrou nada. Concordei com um aceno. Ela me oferece um sorriso tímido e sai do quarto encostando a porta em seguida. Olho em volta a procura da minha mochila, mas nada dela. Tudo bem, se eu conseguir fugir, vou pedir asilo ao padre Simões até eu pensar em outra forma de sumir dessa cidade. Claro que agora tudo ficou mais difícil. Todo o dinheiro que juntei foi confiscado com a lata velha que o mecânico vendeu-me. Coitado. Espero que não tenham o castigado por minha causa. Padre Simões é o único que eles não suspeitariam e em quem posso confiar, mas para isso tenho que chegar até a igreja. Vou até à janela para poder ter alguma ideia de onde estou. Assim que os meus olhos batem no grande muro de pedras cercando a casa, penso o quanto sou uma pessoa inutilmente esperançosa. O lugar parece uma fortaleza. Há duas torres, uma de cada lado do muro da frente, de onde uma luz forte dança de um lado e de outro por toda parte. Certamente há atiradores vigiando lá de cima. Olho em volta e há mais homens. Decido inspecionar a casa antes que a jovem volte com a comida. Abro a porta e sigo pelo corredor comprido. Ouço vozes masculinas e exaltadas vindo do andar de baixo.


Quando me aproximo de uma escada. Reconheço umas das vozes. Ela pertence ao meu pai. Chego mais perto do topo da escada para poder escutar a conversa acalorada entre eles. De onde estou não só posso ouvi-los muito bem, como vejo os integrantes da conversa. O meu pai, um homem numa cadeira de rodas e  Dimitri. Dimitri  está  sem a  touca escura, mas uma vez que ele está de costas para a escada não tem como eu ver como o seu rosto se parece. Pergunto-me porque ele usa aquela touca. Será que é porque a sua aparência é tão assustadora como a sua reputação? Desço mais dois degraus tomando cuidado para não chamar a atenção. O meu pai ouve atentamente o que o homem diz. Penso eu chamá-lo, talvez ele esteja aqui para me buscar, mas quando ele respondeu para o homem, congelei no lugar. — Entendo Dario, sei exatamente como tudo funciona. Eu só não percebi que não era o que ela queria. O meu pai parece muito agitado e o seu rosto está pálido.— Se você não pode controlar a sua própria filha, como podemos confiar em você, Ramoz? — Disse o homem da cadeira de rodas. — Eu dou-lhe a minha palavra que ela não vai mais causar problemas. Agradeço a você por dar a minha filha mais uma chance — o meu pai diz com a voz trémula. Por que ele parecia tão nervoso? Sei que lhe dei motivos, mas sinto que tem mais coisa nisso e algo está me dizendo que não é nada bom. — Tem uma filha surpreendente e corajosa, Ramoz. É uma pena que ela não quer se tornar um membro da minha família e infelizmente tornou-se um perigo para todos nós. Que garantias temos que ela não está ligada a essas pessoas? A sua filha não tentaria fugir se não fosse culpada, não é?— O homem questiona o  meu pai com uma expressão implacável. — Peço que a perdoe, Dario. Samira deve ter feito tudo isso para chamar a minha atenção. Responsabilizo-me por qualqualquer transtorno e  prejuízo que ela causou. — o meu pai defendeu-me meio angustiado, mas eu não gosto da forma que a sua voz soa quando ele disse isso, ele parece extremamente magoado. De que tipo de  prejuízo eles estão  se referindo? Meu Deus! Eu só desisti de casar com Dimitri. Que pessoas são essas que o pai de Dimitri pensa que eu estou apoiando — Que seja! Regras são regras, meu amigo. Você quebrou a principal delas. A confiança. — O homem diz sem emoção. Dimitri o tempo todo se mantém calado, mas parece incomodado enquanto anda de um lado ao outro. O meu pai se levantou do sofá se esforçando para ficar de pé. Nunca o vi tão arrasado antes. É como se ele sentisse dores. Espero que essas dores sejam arrependimento pelo que me fez. — Vou dar a notícia para a minha filha. — O meu pai falou para o homem que o observa tranquilamente, mas seu olhar era frio e distante. Notícia? Que notícia ? 

Me buscar ele quis dizer ,né ?

Porque nada dessa conversa faz qualquer sentido para mim. — Vou levá-lo ao quarto dela. — disse Dimitri ao entrar na frente do meu pai. Reviro os meus olhos quando ouço ele dizer 'o meu quarto'. O meu pai não gosta da companhia, mas concorda. — Filho, deixe Ramoz e a sua filha sozinhos. Eles têm muito que conversar. — Prefiro não correr o risco. Vou ficar do lado de fora do quarto.— Respondeu Dimitri determinado. O seu comportamento fez-me lembrar de algumas horas atrás no penhasco quando ele me arrastou para longe e depois ficou na minha frente quando o meu pai estava furioso. Balanço a cabeça desviando os pensamentos imaginários que Dimitri poderia se importar com a segurança de alguém.  Principalmente com a minha segurança. Volto a olhar para ele, ansiando poder ver o seu rosto pela primeira vez. Ele vira-se e caminha na direção da escada, deixando o seu rosto livre para a minha visão. O  cabelo é curto e muito escuro. Os seus olhos azuis que eu já tinha visto antes se destacam sobre a pele do seu rosto levemente bronzeada. O seu rosto é um conjunto de contrastes perfeitos. Descarto todas as minhas suspeitas sobre ele ser feio ou assustador sem a touca escura de antes. Pelo contrário ele é lindo! Não há nada na sua aparência que o desqualifique com belo aos meus olhos. Um movimento do seu rosto para a direita foi o suficiente para eu ver as pequenas cicatrizes. Será que é por isso que ele escondeu o seu rosto? Se for, eu não consigo entender os motivos.




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