Capítulo 0003
Quando cheguei no fim do corredor, perto da porta do banheiro, vi Liliane caída no chão, sendo empurrada e xingada por alguns meninos. Ela chorava descontrolada. No meio disso, Paulo estava lá, com uma expressão de raiva, ameaçou com uma voz de maldade:

— Já falei pra você parar de chamar qualquer um de papai. Hoje vou te ensinar uma lição!

Mal terminou de falar, deu um chute forte na barriga de Liliane. Ela gritou, o corpo se sacudiu com a dor, tentando se afastar, mas foi segurada por outro garoto atrás de Paulo.

— Filho de amante merece apanhar! — Disse o primeiro garoto, rindo de forma cruel.

— Minha mãe sempre diz que gente como você deveria ter morrido logo depois de nascer! — Completou outro, com um sorriso de desprezo.

Liliane, com todas as forças que ainda tinha, levantou as mãos para se defender e gritou, ofegante, entre os soluços:

— Mentira! Bruno é meu pai! Papai, mamãe, me ajudem! Estou com muita dor! Onde vocês estão?

A raiva que senti foi como um raio. Quando vi aquilo, tudo ao redor pareceu parar. Meu corpo reagia em puro instinto, meu coração batia forte, e eu quase perdi o controle. Era como se o mundo estivesse desmoronando e minha força estivesse se esvaindo.

Ao me verem, os meninos trocaram olhares assustados e, num piscar de olhos, começaram a correr.

Corri até Liliane e a abracei com força. Ela estava tremendo, seu corpo não conseguia se manter firme, estava gelada, como se tivesse sido atingida por um vento cortante. Com a voz trêmula, liguei para a emergência enquanto eu tentava acalmá-la:

— Calma, filha, mamãe está aqui, não tenha medo.

A ambulância chegou em poucos minutos, e os outros pais começaram a se aproximar, curiosos e julgadores. Eu, com Liliane nos braços, corri em direção à ambulância.

No caminho, vi Bruno sentado com Paulo, os dois brincando com os blocos, sorrindo como se nada tivesse acontecido. Milena estava ao lado, limpando o suor de Bruno com aquele sorriso que sempre usava quando queria dar a impressão de que estava controlando tudo. Pareciam uma família perfeita, alheia ao que havia acabado de ocorrer.

Bruno me viu, levantou a cabeça e franziu o cenho, visivelmente confuso:

— O que aconteceu? O que houve com a Liliane?

Antes que eu pudesse responder, Milena rapidamente segurou a mão dele e falou, com um tom suave e quase meloso:

— Bruno, você não prometeu que ia passar o dia todo com o Paulo? Eu falei pra ele ontem, ele ficou tão feliz com isso!

Bruno hesitou por um momento.

Já dentro da ambulância, com Liliane no meu colo, seu corpo estava gelado, os médicos começaram a trabalhar rápido. Ela respirava de forma fraca, e seus olhos estavam quase fechados, como se estivesse desmaiando.

A médica, ao retirar a roupa de Liliane, não conseguiu esconder o espanto:

— Como alguém pode ser tão cruel com uma criança tão pequena?

As lágrimas não pararam de cair. Meu coração parecia despedaçado. Liliane, com sua pele macia e branca, estava cheia de hematomas roxos e verdes. O hematoma na lateral do seu corpo era do tamanho de um punho. Ela tremia incessantemente, como se nem a dor fosse capaz de processar.

A médica, agora mais agitada, gritou para os enfermeiros:

— Rápido! Conectem os aparelhos nela!

A reanimação de Liliane durou duas horas, que pareceram uma eternidade. Cada segundo era uma mistura de raiva e desespero, consumindo minha razão, me deixando sem fôlego.

Minha mãe, sentada ao meu lado, chorava sem parar e se queixava:

— Como você não viu isso acontecer? Como a deixou sofrer assim?

Liliane, ainda fraca e sem forças, abriu os olhos lentamente. Seu olhar estava vazio, perdido, e a voz dela saiu quase inaudível:

— Mãe, por que eles dizem que meu pai não me quer? Eu tenho um pai! Por que ele não me protegeu?

Eu toquei suavemente a testa de Liliane e não pude evitar lhe dar um beijo. Eu expliquei com uma voz suave:

— Mamãe vai sempre te proteger, minha filha. Você é o meu maior tesouro. E quanto ao seu pai... Nós o abandonamos.

Quando finalmente voltei ao jardim de infância, a atividade já estava nos minutos finais. As famílias estavam reunidas, fazendo a tradicional foto de família.

Lá estavam Bruno e Paulo, tranquilos como se nada tivesse acontecido, ele colorindo o desenho com paciência e Paulo, quietinho, aninhado nos seus braços. Milena, ao lado, registrava tudo com um sorriso de plena satisfação, como se estivessem posando para um anúncio de felicidade eterna. O quadro perfeito: pai, filho e mãe... Todos em harmonia, como se o mundo fosse só paz e alegria.

Porém, enquanto via aquela cena, minha mente só conseguia imaginar Liliane, sozinha, sofrendo no hospital. O que estava acontecendo ali parecia um contraste cruel demais. Como essas pessoas podiam estar ali, sorrindo, enquanto a minha filha estava sofrendo?

Meu corpo se encheu de raiva e não consegui me controlar. Corri até Milena, e sem pensar duas vezes, dei um tapa no rosto a ela, forte e impiedoso. O som do impacto cortou o ar, deixando todos ao redor em silêncio.

Bruno se virou rapidamente, com os olhos cheios de fúria.

— Cibele, o que você está fazendo? — Ele foi até Milena, a abraçou e, com um olhar protetor, perguntou. — Milena, você está bem? Dói muito?

Milena, com os olhos marejados, tentou disfarçar, balançando a cabeça e dizendo, com um tom falso de arrependimento:

— Cibele, deve estar havendo algum mal-entendido. Me desculpe, de verdade.

Eu não consegui segurar o riso, mas era um riso amargo.

— Desculpa? Só isso? Não tem mais nada pra fazer, é?

Eu levantei a mão novamente, pronta para continuar o que havia começado. Mas Bruno, com o rosto contorcido de raiva, se colocou entre nós, me impedindo.

Eu, fora de mim, virei para ele e, com toda a força, lhe acertei um tapa no rosto. A marca da minha mão ficou vermelha, como uma tatuagem viva na pele dele.

Ele, atordoado, levou a mão à face e, depois de um longo silêncio, gritou:

— Cibele, você enlouqueceu? Você acha que estou brincando com isso?

Naquele momento, a professora se aproximou, visivelmente preocupada, e perguntou, com a voz urgente:

— O que está acontecendo aqui?

Eu apontei para Paulo, com a raiva tomando conta de mim, quase sussurrando, de tão apertada que estava a garganta:

— Esse moleque, aproveitando que ninguém estava olhando, trouxe uns amiguinhos e cercaram minha filha para bater nela!

Milena, desesperada, tentou negar tudo de forma agressiva:

— Não, Paulo não faria isso! Ele é um menino bonzinho! Bruno, você precisa acreditar em mim!

Eu não cedi. Olhei firme nos olhos de Milena, quase a desafiando.

— Bonzinho? Então me explica, por que a ambulância apareceu, hein?

Bruno, mais uma vez, se colocou na frente de Milena e Paulo, como se estivesse os blindando de tudo ao redor.

— A briga entre crianças é normal, Cibele. Você está exagerando. Agora, você já perdeu a razão. Bateu nos outros. Você está parecendo uma mulher histérica!

Sem me conter, meu ódio subiu à flor da pele, e em um impulso, Bruno me empurrou com toda a força. Eu caí no chão, com a mão batendo no piso e sentindo a dor atravessar meu corpo. Sangue começou a escorrer de minha palma.

Os outros pais começaram a cochichar, alguns rindo baixinho, outros tentando agradar a Bruno.

— Ah, ela deve estar tentando ganhar dinheiro em cima da família do Sr. Bruno.

— Ela deve ser daquelas que querem causar confusão, acharam que ele ia pagar pra sumir.

— Vai ver que essa é daquelas que tenta de tudo para ficar com o Sr. Bruno e agora não sabe o que fazer.

— Tá na cara, é amante querendo causar.

Foi então que, como se a situação não pudesse ficar mais surreal, algumas limusines de luxo chegaram, com o logo do Grupo Montemor estampado.

Logo, os olhares dos pais ao redor se voltaram para os carros, e alguns, visivelmente surpresos, sussurraram:

— São os advogados do Grupo Montemor!

Alguém, mais entusiasmado com a cena, exclamou:

— Viu só? O Sr. Bruno não perde tempo! Trouxe os advogados do grupo!

Mal terminou completar a frase, cuspiu no chão e, com um sorriso malicioso, disse:

— Essa amante está fodida. Quem não conhece os advogados do Grupo Montemor? Ela vai perder tudo, vai acabar atrás das grades!

Vários pais, como se estivessem aguardando por isso, começaram a filmar, ansiosos para espalhar o escândalo.

— Gente, olha isso! Nunca pensei que ia ver isso ao vivo. Isso vai bombar nas redes, com certeza!

Milena, finalmente, percebeu o que estava acontecendo. Olhou para Bruno com um sorriso de alívio e, ao mesmo tempo, uma expressão de completa entrega. Paulo, ao lado deles, parecia um pequeno vencedor, orgulhoso de todo o circo que tinha sido armado.
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