Capítulo 1.1

— Como Donatel consegue ser tão horrível e asqueroso? — Pergunta com desdém. 

— Ele não queria filhos Ivi, queria soldados e fez de tudo para conseguir isso. 

— Parte do objetivo aquele velho asqueroso concluiu, pois ele realmente criou soldados fortes e blindados, mas se esqueceu que bem no fundo de cada um de vocês ainda bate um coração. — Ela apoia a mão no peito sorrindo.    

— Talvez você tenha razão, mas nem sempre consigo proteger a todos como gostaria. — Falo com pesar.  

— Por que diz isso? 

— Jack passou a me odiar depois do acordo assinado por Donatel e Edgar, mas não há nada que eu possa fazer, já tentei de tudo e foi em vão. 

— Você mesmo disse para dar um crédito a Royal, então dê um a Jack. Sei que é normal esse tipo de acordo entre máfias, mas ele só está perdido e assustado, tenha calma. — Eva tenta me confortar, mas não surtiu muito efeito.  

— Normal quando somos pequenos Ivi, assim crescemos sabendo que aquela pessoa é nossa prometida, mas no caso de Jack ele já passou dessa idade, achei que somente eu teria que lidar com uma situação como essas, agora vejo Jack se desfazendo por culpa das atitudes daquele velho desgraçado e juro que queria matá-lo com minhas próprias mãos… — Eva apoia os dedos em meus lábios e sorri. 

— Tenho um pouco de fé que tudo se resolverá, Jack é cabeça dura eu sei, mas pelo pouco que conheço dele vai entender toda a situação. — Desliza seus dedos do meu peito para meu rosto e me permito sentir a suavidade de sua pele em contato com a minha. 

— Espero que esteja certa. — Falo com sinceridade, pois realmente esperava que Jack saísse do limbo de seu desespero e enxergasse a verdade diante dos seus olhos, pois ao meu ver o objetivo de Donatel é tentar nos separar, fragmentar nossa lealdade para ter a vantagem de controlar cada um de nós separadamente, mas não permitirei isso.   

— Vamos, precisamos esclarecer tudo para eles. — Gira a maçaneta da porta e concordo entrando no quarto. 

Max que está sentado sobre a cama volta seu olhar curioso para nós enquanto Royal continua sentado na poltrona mexendo em seu celular.

— Max, como você está? — Eva se aproxima da cama.

— Bem na medida do possível, mas essa coisa incômoda. – Indica a tipoia no braço.  

— Em breve você estará melhor — fala e ele concorda com sorrindo como sempre. 

— Jack ainda não chegou? — Questiono observando Royal que me observa com indiferença, mas era tão natural dele aquela expressão que para mim já não é mais uma novidade. 

— Acredito que estará aqui em breve — Guarda o celular no bolso da calça para estudar Eva que conversava com Max. 

— E aqui estamos nós. — Ouço a voz de Jack e volto minha atenção para a porta. 

E confesso que não esperava ver meu irmão caçula se desfazendo em álcool e cigarros, pois o cheiro que ele exala é exatamente esse e sua aparência deplorável me preocupa. Queria iniciar uma discussão sobre suas atitudes, enfiar na sua cabeça o que Donatel estava fazendo, mas não adiantaria nada fazer isso agora, pois só o deixará ainda pior, então procuro focar no que era realmente relevante para agora. 

— Com todos presentes vou contar como Eva e eu chegamos até aqui — Volto meu olhar para ela que continuava sentada ao lado de Max na cama. 

— Eu gostaria de começar por favor. — Pede educadamente e concordo com um aceno de cabeça sentando na poltrona livre próximo a ela.  

***

Eva parecia um pouco incomodada com a situação, suas mãos cruzadas sobre as pernas estavam inquietas, seu corpo apesar de demonstrar uma postura ereta e centrada era tensa, e consigo compreender suas ressalvas dada as circunstâncias, afinal meus irmãos a observavam fixamente esperando respostas para as últimas semanas e apesar de Jack saber parte de tudo ele não sabe de todos os detalhes, por isso exige sua presença assim como os demais.

— Acredito que antes de começarmos devo desculpas a cada um de vocês. — Eva fixa seu olhar no meu e logo em seguida volta sua atenção para sua mãos apoiadas sobre seu colo. — Meu verdadeiro nome não é Dana Trion como vocês já perceberam, mas sim Eva Becker, além disso, não sou irmã de Robert Trion, ele na verdade foi incumbido pelos meus pais de me proteger e me criar caso algo acontecesse com eles e desde então ele é a pessoa que mais se aproxima de uma família para mim, já todos foram mortos a onze anos atrás — fala com sinceridade e aquilo não me agrada nem um pouco, pois eu odeio Trion e mesmo que Eva afirme que ele é só um irmão nada me tira da mente que ele queria ser muito mais do que isso. 

— Por que mentiu ser outra pessoa? — Royal volta sua atenção para Eva que contrai os lábios encolhendo os ombros e resolvo tomar a frente.

— Porque Eva Becker foi morta há onze anos atrás por mim. — Vejo surpresa na expressão de Max, mas Royal continuava impassível tentando compreender toda a situação desastrosa, já Jack se mostrava entediado, mas mantinha o respeito em ouvir tudo em silêncio. 

— Você a matou? — Max franze as sobrancelhas confuso. — Não estou entendendo nada. 

— Exatamente... — Explico com calma tudo que envolve nosso passado e, nesse momento, todos fazem silêncio prestando atenção em cada palavra que digo.  

— Vindo de Donatel isso não me surpreende. — Royal diz e Max concorda.

— A única finalidade dele era criar máquinas sem sentimentos, por isso ele tomou de nós tudo aquilo que considerávamos mais importante do que a máfia.  — Max se ajeita na cama e logo em seguida apoia a mão no ombro fazendo uma careta. 

— E ainda somos obrigados a deixá-lo vivo para evitar maiores conflitos. Eu juro que quero matar aquele velho com minhas próprias mãos. — Jack se manifesta e compreendo seu ódio, pois o sentimento é mútuo.

— Assim como vocês desejam a morte de Donatel, esse também era meu objetivo, mas como não sabia de exatamente nada sobre meu passado, queria entender o porquê de tudo. Sempre achei que Dante fosse filho único e confesso que chegar aqui e descobrir mais três Voyaller de brinde foi um choque e tanto, entretanto em nenhum momento vocês fizeram parte do meu desejo de vingança. Meu ódio era destinado apenas a Dante e Donatel, e custou para eu entender que os únicos culpados eram nossos pais.

— Você estava no seu direito Eva, veio em busca da verdade e de vingança, em seu lugar acredito que faria a mesma coisa, porém erraria em um sentido, não esperaria a verdade, apenas mataria sem olhar para trás. — Royal diz observando Eva com seriedade. 

— Vocês não conheceram Eva quando pequenos, pois era o desejo de Donatel e Frank que somente eu tivesse contato com ela, assim evitávamos conflitos internos. Nenhum de vocês podia se apaixonar e se aproximar já que ela estava destinada a mim — Explico e retiro o papel dobrado em formato de carta de dentro do bolso interno do terno entregando para Eva. Seus olhos receosos observam o envelope com atenção e com a mão trêmula ela segura o envelope. — Esse é o nosso verdadeiro contrato de casamento. Quando você completou dezesseis anos se tornou oficialmente minha esposa já que seus pais assinaram para isso. 

Vejo Eva abrir o papel correndo os olhos rapidamente pela escritura, seus dedos trêmulos tocam a assinatura dos pais no fim da folha e a emoção toma seu semblante fazendo meu peito se apertar.  

— Ivi... —Sussurro e ela volta seus olhos para os meus enxugando rapidamente algumas lágrimas que escapam.   

— Desculpa. — Sorri envergonhada passando as mãos pelas bochechas. 

— Quem lhe deve desculpas sou eu Ivi, pois mesmo recusando matar sua família, Donatel não me deu muitas opções ou seguia suas ordens ou meus irmãos pagaria no lugar. Não me importava em pagar com meu próprio corpo, mas desta vez ele usou meus irmãos e se eu não concordasse com seus planos, ele mataria cada uma deles na minha frente e logo em seguida torturaria você. Não quis acreditar, recusei achando que ele não seria capaz de matar os próprios filhos sendo que era benéfico para ele quatro homens no poder, mas estava enganado. Ele nunca se importou conosco de verdade, só se importou com o poder e com o nome que tinha a zelar. Para provar que não estava brincando torturou os meus irmãos na minha frente sem que eu nada pudesse fazer e quando percebi que ele realmente mataria os três, aceitei a proposta com uma única condição, que ele não encostasse em você e a deixasse livre, mas meu erro foi acreditar no diabo de olhos fechados. 

— Não posso acreditar. — Max arregala os olhos surpreso. — Naquele dia você não moveu um único músculo em nosso favor. — Max nega com a cabeça decepcionado. — Eu te culpei por anos irmão, me perguntei por que você não nos defendeu, por que não interferiu por Jack que ainda era tão pequeno e não tinha idade para passar por aquilo, mas agora compreendo tudo. 

— Naquele momento estava sendo forçado e usado, não queria ceder às vontades de Donatel, mas se eu continuasse em silêncio ele mataria vocês e naquela época a morte de familiares não era uma regra a ser seguida. 

— Essa regra só favorece quem está no poder, nos forçando a abaixar a cabeça para nossos superiores e segui-los em silêncio. Somos forçados a não matar um superior e esperar a vontade dele em entregar o trono. — A expressão sombria de Royal faz jus a cada sentimento obscuro dentro de nós.

O sentimento de raiva, incompreensão, vazio e solidão, de ódio, rancor, ira e fúria que só crescia ainda mais em nosso interior.  

— Royal tem razão Dante, mesmo você estando no poder não pode ir contra as ordens de Donatel por ele ainda ser nosso superior e mesmo suas palavras tendo o mesmo peso que a dele, se ele discordar de algo que você faz ou fez, a decisão dele se sobrepõe a sua por ser mais velho e ainda estar vivo. Essa regras feitas pelos nossos avôs são patéticas. — Max não esconde o ódio e ressentimento dos nossos familiares.   

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