Enquanto Enrico perambulava à procura da esposa, a governanta passou pela sala de estar devagar quando avistou o olhar medonho do chefe.— O senhor deseja alguma bebida? — Não! — Exclamou grosseiramente. — Eu quero que me diga onde está o seu neto? — A voz máscula berrou ao questionar a governanta.As pupilas da idosa estavam dilatadas, pondo a mão no lado esquerdo do peito, ela recuou. Naquela altura do campeonato, o rapaz já devia estar em um trem partindo para a França. Ela já havia combinado tudo com um de seus parentes que daria abrigo ao jovem numa cidadezinha no interior da França. Fez tudo o que estava ao seu alcance para tirar o neto desta vida criminosa.— Eu realmente não a vi, senhor Bianchi! — gaguejou.— Por que continua mentindo? — O olhar inquisidor examinou as atitudes suspeitas da governanta. Tirando a pistola da cintura, ele apontou para o pé de sua funcionária. A atmosfera ficou ainda mais tensa quando Enrico percebeu que ela estava mentindo.— O senhor seria cap
Quando saiu do automóvel, Enrico bateu a porta. As pontas dos dedos tamborilavam no teto do veículo enquanto ele preparava os ouvidos para ouvir as reclamações do tio.— O seu tio está te esperando, chefe!— Eu sei! — Os olhos azuis cintilavam enquanto olhava para a sede onde a gangue se reunia.Enrico demonstrava um distanciamento frio com os homens de seu meio. Ele seguiu sem pressa até a entrada, passou por alguns de seus subordinados que cumprimentaram o herdeiro do clã Bianchi. A maioria deles tinha bolsas em torno dos olhos, pois como todo gângster, eles faziam o turno da noite no submundo e encerravam ao amanhecer.Ao entrar, ele entregou o casaco preto a um dos homens e trocou amenidades com o conselheiro no meio do caminho.— Está atrasado, Enrico! — disse o consigliere.— Caso você não saiba, eu tenho uma vida pessoal, — Enrico retrucou.— Você deveria cuidar melhor dos assuntos da família.— O que você acha que eu estava fazendo!? — Enrico abriu mais os olhos ao inquiri-lo
Vez ou outra, o olhar de Enrico se centralizava em Lívia. Não era para hesitar daquela forma, se fosse em outro momento, já teria estourado os miolos daquela mulher e partido para outra missão; todavia, Enrico estava abalado, tinha algo especial que Lívia carregava.Ele tirou o blazer e pendurou num dos ganchos na parede do lado de fora. Ao retornar, ele tocou na pistola e retirou a semiautomática da cintura e colocou sobre o banquinho de cimento no lado esquerdo.Assustada, a médica sacolejou na cadeira, mas foi contida pelo tio de Enrico. A mão pesada de Don Bianchi ainda apertava os ombros de Lívia.— Você não pode fazer isso comigo, eu salvei a sua vida! — disse num ato desesperado para poupar a própria vida e a do embrião que crescia em seu ventre. — Já basta! A mão pesada de Don Bianchi a calou. O tio de Enrico continuou pressionando a palma contra a boca da médica, esperando que o sobrinho terminasse logo com aquilo.— Mate-a! — O capo ordenou por entre os dentes cerrados.Ap
A testa estava encostada contra a de Lívia, ambos estavam ofegantes depois do beijo apaixonado. Era tão bom aconchegar-se e encontrar abrigo nos braços fortes daquele homem que, por um momento, Lívia indagou a si mesma porque tinha confiado no amigo e fugido.A palma da mão passeou por seu rosto enxugando suas lágrimas. Ela lembrava tanto a sua mãe que Enrico não tinha coragem de matá-la.Naquele instante era tudo ou nada, Enrico tinha que tomar uma decisão ou o seu tio não teria ressalvas em usar de meios cruéis para torturá-la até a morte. — Espere aqui!— Por favor, não me deixe! Você prometeu que me protegeria.— Não dá para te levar agora. — Ele sussurrou ao olhar para trás. — O meu tio já deve ter avisado aos homens que estão de guarda..— Eles são leais a você!— Não, eles são os subordinados do meu tio! Don Bianchi é o capo e ainda manda nesse clã.Enrico colocou o indicador na frente de seus lábios, silenciando-a. A audição aguçada se atentou para os barulho de passos que vi
Estupefato, Mattia ainda contemplava a mulher que amava tentando se manter sentada. Através do olhar clínico, concluiu que Enrico usou algum tipo de truque para tapear o tio. Como médico, ele sabia que existiam sedativos capazes de fazer com que uma pessoa caísse em um sono profundo.Um homem abriu uma maleta, pela maneira como aferia a pressão e verificou o pulso de Lívia, aquele gângster que, em algum momento da vida, deve ter sido um enfermeiro ou cursado medicina. Mattia estava prestes a se questionar o motivo que leva um homem com um futuro promissor a se submeter a tal trabalho até que decidiu não julgar, afinal, ele era um médico e estava na mesma situação intrigante.De repente, atentou-se para a mulher que inclinou a cabeça e colocou tudo para fora depois que o cuidador a auxiliou com a lavagem estomacal para limpar o remédio. Como médico, Mattia sabia que tóxico ou veneno envolvia qualquer substância danosa que pudesse promover alterações nos sistemas fisiológicos.— Trapace
Após a visita ao túmulo, Enrico deixou as flores num jarro bem perto da lápide.— Seu pai está feliz por você ter cumprido a sua promessa! — Tocou os ombros do sobrinho. Enrico fechou os olhos, respirou profundamente. Não trocou amenidades com o tio e nem mesmo falou sobre negócios, apenas se despediu do tio com um breve abraço e seguiu para o lado oposto onde o carro estava parado. Ele se enfiou no rolls-royce. Ele ainda estava refletindo, ajeitou-se no banco do motorista.Don Bianchi acomodou-se no banco do passageiro. Abriu o botão do blazer enquanto o motorista corria para tomar o seu posto. Através do vidro fumê, ele viu o carro do sobrinho se afastando.Uma miríade de emoções perturbava o pensamento e tirava a paz de ambos.— E se ele ouviu? — pensou em voz alta.— Não compreendi, chefe!— Não estou falando com você, dirija! — Apontou para frente.Totalmente absorto em suas lucubrações profundas, Don Bianchi estava suspeitando que o sobrinho sabia de alguma coisa.Apesar da des
Por alguns dias, Lívia aproveitou a densa paisagem verde e floreada daquele lugar acolhedor. A Ilha de Elba tinha praias silenciosas, com encostas íngremes e arborizadas.Fazia anos que queria visitar aquele pedacinho do paraíso na terra, mas nunca tinha tempo. Após passar por um momento de quase morte, ela decidiu aproveitar o melhor da vida.O calor do sol aquecia a sua pele enquanto caminhava com os pés descalços pela areia fina e dourada. A água era tão azul quanto céu durante a manhã. Respirou o ar puro e passou a mão no tecido branco na altura da barriga e se permitiu observar as dunas repletas de flores brancas com um perfume intenso.Não podia negar que ainda pensava no pai do bebê que estava esperando e o quanto desejava que ele aproveitasse cada lugar daquele cenário paradisíaco ao lado dela, mas a realidade era outra. Ela não tinha como mudar o passado. Lívia acreditava piamente que Enrico sempre a odiaria por ser filha de seu inimigo.Certa tarde, enquanto comia num restau
Em meados de uma manhã primaveril, Lívia passou mal após a refeição de café da manhã. Escondeu-se no quarto e não quis comer as outras refeições. Preocupada com o sumiço da médica, a diretora foi procurá-la.— Você está bem, querida? — Tocou com o punho direito fechado na madeira branca três vezes.No quarto, Lívia jogou a bolsa dentro do guarda-roupa de madeira envernizada e logo depois de prender os cabelos num coque mal feito, ela abriu a porta.— Oi! — Lívia esboçou um sorriso contido.— Você não apareceu no almoço, — adentrou o quarto. —Trouxe isso para você! — Entregou a bandeja para Lívia.Reparou na cama de solteiro estava desarrumada e as cortinas ainda estavam fechadas, pelo que viu, Lívia passou a manhã deitada.— O que está acontecendo? — A voz serena perguntou.— Meu estômago está embrulhado, — Lívia olhou para o prato de macarronada com almôndegas e o copo de suco de laranja na bandeja que a senhora de rosto bondoso segurava. — Eu não sei se eu vou conseguir comer.— Voc