Tudo o que me foi permitido ter em Alvorada foi um dia. Ao chegar, Tharlion nos levou para seus aposentos privados, onde a mesa estava posta. Lorena não se juntou a nós porque preferia ficar de guarda e, apesar dos meus pedidos, ela apenas sorriu e disse que era sua função e que haveria tempo para conversarmos depois, deixando-me sozinha com meu pai e meu irmão. Me pai me ajudou a sentar com o mínimo de dano possível e ele e Kieran me ajudaram a tirar a comida para que eu me locomovesse o mínimo possível.
Então Tharlion quis saber de Guilherme. Não tivemos muito tempo para conversarmos da minha vida na Terra antes, mas, ao retornar, meu pai queria saber todos os detalhes. Comecei falando que Guilherme tinha perdido o pai há pouco tempo quando retornei e falei um pouco de Seu Silvério e como ele tinha sido bom para mim. Tharlion fez a gentileza de agradecê-lo por ter cuidado de mim com um brinde.
— Guilherme não estava nada bem, pior que eu aqui — contei. — Ele já tinha largado a faculdade... — ao ver que Kieran e Tharlion franziram a testa para o que eu dizia, corrigi-me. — Os estudos. Na Terra, quando você termina a educação básica, você pode se especializar em uma profissão através de um estudo, que a gente chama de faculdade.
Tharlion parecia impressionado enquanto Kieran tentava engolir a comida toda de uma vez.
— Interessante. Qual era a profissão que ele escolheu estudar? — perguntou, realmente interessado. Sorri, entendendo que estava avaliando Guilherme.
— Ele fazia faculdade de direito para se tornar advogado — respondi. Meu pai continuava interessado, mas percebi que não tinha entendido. — Advogados ajudam para que as injustiças sejam corrigidas. Guilherme quer ser juiz, que é a pessoa que tem que decidir qual é a coisa mais justa a se fazer — minha explicação estava ruim, eu sabia, mas ao menos Tharlion parecia entender. — Mas ele vai precisar estudar mais para isso. Por enquanto, apenas advogado.
— Então ele voltou a estudar?
— Sim. Precisei voltar a estudar também para incentivá-lo — expliquei. — Não tive tempo de terminar meus estudos, mas faltava pouco para Guilherme e ele se formou há um ano.
Entre uma garfada e outra, meu pai sorria e me incentivava a continuar. Kieran apenas ouvia, atento, mas ocupado demais em comer.
— Então você também fazia estudos especiais? — meu pai indagou.
Concordei com a cabeça de leve, movimentando-me devagar até mesmo para comer. Ali, parada, no calor dos aposentos pessoais do meu pai, me sentia melhor e com menos dores, embora soubesse que aquele incômodo perduraria por algum tempo mais.
— História — contei. Meu pai entendeu e sorriu mais abertamente. — Estudava a história humana para um dia ensinar. Sempre gostei da ideia de ser professora.
Meu pai desviou o olhar por um momento antes de levantar de volta, parecendo emocionado.
— Minha mãe foi professora de história élfica — contou-me. Senti meu coração se quebrar e se expandir ao mesmo tempo com a informação. — É uma pena que você não tenha conseguido. Tenho certeza que seria uma ótima professora.
Ao terminar de dizer, deu um peteleco na ponta da orelha do meu irmão, que estava debochando de eu querer ser professora, achando que só eu podia vê-lo.
Continuei a contar sobre minha vida com Guilherme, sobre sua formatura, seu trabalho e de como ele queria muito casar. Acabei chorando um pouquinho ao contar que eu também queria muito, mas sabia que teria que voltar e não queria que ele se prendesse a mim. Disse que deixei pistas sobre como me encontrar, mas que, ao mesmo tempo que eu queria muito que chegasse à Lammertia, não queria que ele deixasse a vida para trás por minha causa. Não tinha esse direito.
— Não, meu bem — Tharlion segurou minha mão. Nesse ponto da conversa, já tínhamos acabado de nos alimentar. — Se ele vier, será decisão dele. É o direito dele decidir o que fazer.
Concordei com a cabeça. Então, Tharlion contou um pouco sobre suas conversas com minha mãe e sobre como ela pareceu mais chateada por não saber sobre Guilherme do que com minha fuga para a Terra, enquanto Kieran concordava com a cabeça.
— Ela disse que as fadas abençoam amores humanos há milênios e que você deveria saber que ela poderia ser compreensiva com isso — Kieran relatou.
Como eu poderia quando ela sequer tinha se preocupado em me conhecer?
Tharlion continuou contando sobre como decidiram sobre o retiro élfico para acalmar a população sobre os meus poderes, esperando que eles voltassem menos instáveis, visto que meu emocional deveria estar melhor em meu retorno. Concordei com a cabeça em um aceno simples. Eu me sentia mais calma, mais preparada e até feliz em estar de volta naquele mundo que tinha aprendido a amar. Não era que não fosse sentir falta de Guilherme, mas, dentre as possibilidades que me deram, estava no melhor dos caminhos e conseguia conviver com isso.
— Por causa disso, filha, esperam que você tenha alguns conhecimentos élficos quando você retornar — levantou-se em um pulo e foi até sua cabeceira, retirando um pacote. Percebi ser um livro e mais um monte de anotações em folhas amareladas. — Se existisse um retiro élfico, essas são as informações que eu gostaria que você aprendesse — ele voltou até mim e ofereceu-me o conteúdo. — Há muita coisa útil nesse livro que eu quero que você leia antes de chegar em Asa Real. As anotações são minhas, são de coisas que aprendi e que acho que será útil, principalmente no seu domínio do fogo e te ajudará até que possamos ter um momento para isso. Sua mãe me garantiu que você poderá vir para mim após o período que passou fora, então... um ano e meio nas fadas e você passará um ano e meio aqui — sorri com a perspectiva. — Amanhã de manhã, antes de partirem, gostaria de um momento a sós para lhe passar algumas coisas. Por agora... Vão descansar, vocês dois.
Descansar foi a última coisa que eu fiz. Com a dor ainda latejando forte, não consegui relaxar o corpo por tempo suficiente para pegar no sono, então gastei minha noite para adiantar a leitura do livro, que tentaria ler até chegar em casa. Assim que o sol nasceu, eu estava de pé, com vitalidade nova. Não parecia ter perdido a noite inteira em claro, mas algo em recuperar minha magia tinha segurado a onda, ao menos por aquela manhã. Com mais da metade do livro lida, comecei a testar algumas coisas. Abri a janela do meu quarto que dava vista para o jardim e, com um pouco de esforço, curvei-me sobre ela. A terra era o elemento que menos respondia a mim, embora confessasse que talvez fosse por falta de esforço meu, então quando li algumas coisas que poderia fazer, fiquei ansiosa para tentar.
Concentrei-me na árvore que ficava à alguns passos da minha janela e tentei:
— Já é primavera, terra, nos deixe florescer — sussurrei. Entortei o lábio ao ver que nada tinha acontecido e quando estava quase retornando para dentro do quarto para verificar se tinha dito algo errado, a árvore se sacudiu inteira e deixou-se esverdear, com flores nascendo. Não se contendo, a grama ao redor dela também deixou-se nascer algumas flores. Estava sorrindo à visão quando dois guardas chegaram até a árvore para verificar o que tinha acontecido e me encontraram na janela do segundo andar, admirando.
— Bela manhã, princesa — um deles me disse, enquanto ambos me reverenciavam.
Acenei, contente por ter conseguido realizar minha magia de primeira.
— Bom dia! — cumprimentei-os. Ouvi uma batida na minha porta e acenei para eles mais uma vez, voltando minha atenção para meu quarto, vendo meu pai entrando com uma expressão curiosa. — Bom dia — repeti.
— Bela manhã, minha querida — seus olhos analisaram o quarto, o livro aberto, virado sobre a cama para marcar minha leitura, as anotações dele ao lado, um pouco espalhadas. — Conseguiu dormir?
Neguei com a cabeça e soltei um suspiro, para me arrepender no segundo seguinte, com uma careta.
— Não, mas tudo bem — sorri. — Adiantei a leitura. Quer ver o que eu fiz?
Minha animação o pegou desprevenido quando apontei pela janela. Curioso, caminhou até mim e acompanhou meu olhar para a árvore. Percebi-o franzir a testa enquanto os guardas atiravam lanças para pegar umas frutinhas que tinham acabado de brotar sem que eu percebesse.
— Achei que seu elemento fosse fogo — murmurou, confuso.
Pisquei algumas vezes, sem compreender.
— E é — concordei. — Kieran é melhor que eu com a terra. E com a água também. Mas acho que ele ainda não consegue fazer tudo o que pode.
Sob o meu olhar, meu pai engoliu a seco e virou-se para mim com dúvidas no olhar.
— Você não se dá bem com a terra e fez isso tudo? — questionou. — E é melhor com fogo.
Concordei com a cabeça, apertando minhas sobrancelhas, sem entender o que estava acontecendo.
— Sim, mas me sinto um pouco adormecida ainda — passei a mão pelo meu peito, sobre o coração. — Como se minha magia estivesse com medo de confiar em mim outra vez.
Tharlion passou a mão pelo meu rosto com um sorriso gracioso e cheio de amor. Seu carinho preenchia meu coração de uma forma que não conseguia explicar; era o amor que eu sempre tinha visto meus amigos receberem, até mesmo meu irmão adotivo, sem que eu conseguisse para mim. Agora eu tinha por inteiro.
— Filha, por favor, se sente — ele pediu. — Preste muita atenção — continuou dizendo, enquanto eu me aconchegava em minha cama. — Não é comum alguém florescer uma árvore inteira assim. Você tem mais poder do que eu imaginava e, pelo que me diz, seu irmão também. Precisa tomar cuidado e evitar essas exibições. Aqui nos elfos, uma magia da terra vai deixar todos alegres e impressionados com o seu poder, mas tente usar água ou ar para ver se a admiração que sentem será a mesma. Nas fadas, sinceramente, acredito que qualquer demonstração de poder, mesmo dos elementos fádicos, irá colocar vocês dois em maus lençóis.
Eu estava esperando elogios e acabei recebendo uma bronca. Confusa, abaixei minha cabeça, refletindo sobre o que estava dizendo.
— Desculpe, eu... eu não sabia — respondi. Tharlion sentou-se ao meu lado e se pausou antes de colocar a mão sobre meu ombro, levando-a para minha coxa, em seu lugar. — Eu fiz muito pouca magia da terra antes de ir, nem sabia como era. Não sei quanto de magia é normal, eu só...
— Calma, criança — Tharlion me cortou. — É claro que não é culpa sua. Se alguém tem culpa, somos eu e sua mãe, que não soubemos avaliar no que nossa mistura poderia fazer — ele sorriu. — Você é maravilhosa, será uma rainha incrível e a mais poderosa que jamais pisou em nossas terras, só não permita que saibam disso antes que possa fazer tudo, que possa se defender. Com tempo, peça para Lorena lhe mostrar o que ela é capaz e imite o limite dela. Ela é confiável e leal e irá te ajudar, com certeza.
Sorri e concordei com a cabeça, sem parar para pensar muito sobre a ironia: minha mãe dissera exatamente o contrário; pedira que eu tomasse cuidado com Lorena porque sua lealdade era questionável.
— Tudo bem — murmurei, ainda um pouco tímida pela bronca.
Tharlion riu.
— Eu mal consigo fazer uma planta saudável dar frutos — disse, ainda rindo. — Minha afiliação sempre foi o fogo, então a terra não me responde muito bem, embora ainda responda. A maioria dos elfos é o contrário, tem ótima relação com a terra, mas são muito poucos que sequer conseguem acender uma fogueira e menos ainda os que conseguem usar para cura — ele levou sua mão livre ao meu cabelo, colocando-o atrás de minha orelha, sendo ajudado pelo fato de que estava quase inteiramente liso, entregando que meu humor estava bom. — E você é filha do fogo, como eu. Se isso é o que você consegue fazer com a terra, preciso lhe passar o máximo que conseguir agora, então, por favor, preste muita atenção.
"O fogo é o elemento mais instável que há e, dentre todas as magias que temos em Lammertia, é o mais volátil e o que menos tem praticantes. Nesse momento, somos os únicos a quem ele aceita responder em um nível considerável. O fogo parece ser o elemento que mais tem personalidade. Sua mãe diz que a água é sempre doce ao atender os pedidos e sempre dá o que ela quer; o fogo não é assim. Se ele não te respeitar, ele vai lhe dar o que achar melhor e isso pode significar uma fagulha ou um incêndio. Você acabou de me dizer a palavra exata... Sua magia tem que confiar em você e isso é o fogo que te diz. Você vai precisar ter calma e paciência e entender as coisas básicas. Ele não é só a forma física, é isso que você tem que entender".
"O fogo é vida. É por isso que ele é usado para a cura, a vida é a energia do calor, do fogo. Porém, o fogo também é morte; sua ausência ou seu excesso acaba com qualquer coisa, mas, antes de qualquer coisa, o fogo é a luz nas trevas, é o que nos faz continuar em meio à escuridão. É por isso que estou como líder dos elfos hoje: minha mãe era professora, meu pai um representante regional de uma vila menor, mais próxima das terras da transição. Eu fui o primeiro filho do fogo a nascer em dois milênios e, assim que meus poderes afloraram, fui convidado a ser herdeiro, aclamado pelo povo. A luz que iluminaria o caminho."
"O fogo, minha filha, também é sabedoria. É o conhecimento. Quanto mais esperta você ficar, mais o fogo vai lhe respeitar e mais ele vai deixar você saber em forma de intuição. São coisas que você só sabe e não tem ideia de onde tirou, como saber que sua magia não está confiando em você, como ontem, quando entendemos que usar a cura não iria funcionar".
— Como eu sei que minha magia está me punindo por ter decidido tirar minhas asas — eu lhe disse, interrompendo.
Tharlion apertou seus lábios juntos com a informação e concordou com a cabeça.
— Isso é o fogo — ele me disse. — E significa que ele ainda respeita você, mas que está com ressalvas. Você precisa reconquistar sua confiança.
— Como faço isso? — perguntei-lhe, exasperada. — Como eu faço pra ele... Voltar a me amar?
As palavras saíram da minha boca sem que eu as tivesse escolhido.
— Sim. O fogo também é o amor. E talvez seja por isso que ele ainda te respeita, ele entende o que você fez — Tharlion respirou fundo. — Filha... o que eu posso te dizer é: tenha calma. A juventude faz com que a gente deseje tudo agora, mas sua vida será longa, minha criança, e nada precisa ser resolvido com pressa. Seja uma boa menina, estude, aprenda tudo o que você puder aprender; só isso ajudará o fogo a entender você. E, para não perder o controle e para aproximar a relação de vocês, use-o todos os dias. Há uma magia...
Tharlion juntou suas mãos em frente de seu corpo, em formato de garras. Em um franzir de sobrancelhas, um círculo avermelhado surgiu dentre elas e ele deixou-o flutuar em minha direção.
— Veja, é luz — demonstrou, jogando-o contra a minha cama, fazendo a luz dançar pelo lençol branco. — Não é o fogo, é só a luz — a centelha continuou dançando pelo quarto, sendo comandada pelo seu olhar, até pousar em meu colo e se dissipar. — É simples, não demanda muita energia e também não vai causar estrago. Acho que será o suficiente, por enquanto, para criar o vínculo e te manter em controle. Tente você, minha garota.
Concordei com a cabeça e juntei minhas mãos. Franzi a testa, mas nada consegui.
— Luz? — chamei.
O jato de luz cresceu entre minhas mãos e tive um pequeno trabalho para contê-lo sob o olhar atento e divertido do meu pai. Com um pouco de concentração, consegui fazê-lo subir até os meus olhos e percebi que parecia mais uma gota de fogo que uma redoma, como o dele.
— Você terá bastante tempo para melhorar isso — brincou, colocando outra mecha atrás de minha orelha.
Com um sorriso, deixei-me curvar e encostar minha cabeça em seu ombro, já sentindo saudades. Quando ele passou o braço pela minha cintura, extremamente cuidadoso, meus olhos marejaram, sentindo seu calor contra a minha pele, mais uma tentativa vazia de tentar me ajudar.
— Queria poder ficar mais tempo — confessei.
Tharlion riu baixinho.
— Tenha calma, minha criança, temos tempo — ele me disse, beijando minha testa. — Lembre o que eu lhe disse, em um ano e meio iremos nos ver. Sei que deve parecer muito tempo, mas pense assim: sua mãe irá comemorar seu centésimo ano no próximo inverno e já tem um tempo que seu pai completou o segundo século.
Quando nos despedimos, algumas horas mais tarde, estava mais calma, mais confiante e já ansiosa para poder voltar. Tharlion me separou uma carruagem, o que deixaria a viagem mais longa pelas estradas reais, mas me permitiria viajar mais confortável e até mesmo concluir minha leitura. Também me presenteou com um livro de história élfica escrito por sua mãe, que eu soube que muito em breve se tornaria minha coisa favorita no mundo. Lorena liderava um destacamento de elfos para nos guardar pelo caminho até a fronteira de Agulha Erudita, quando nos deixaram e um grupo de fadas azuis nos recebeu. Todas me cumprimentaram e, apesar dos olhares, ninguém comentou a nova coloração das minhas asas, se preocupando mais com o fato de que eu não estava cavalgando, algo que sempre gostara.
— Ela está ficando verde — foi a resposta que Lorena deu, debochando do meu interesse pela leitura.
Paramos à noite perto de Ortonam, em Estamina, para acampar. Kieran e eu adormecemos dentro da carruagem e surpreendi-me em conseguir dormir a noite toda, apenas acordando com o balançar da movimentação da partida, na manhã seguinte. Ao passamos por Casquete, terminei minha leitura, tanto do livro, quanto das anotações de meu pai, e precisei de toda a minha força de vontade para não começar a ler o livro escrito por minha avó; recomecei a leitura do livro, focando nas partes que tivera mais dificuldade de entender.
A releitura estava quase terminando quando chegamos à Castelo Alado. Parte de mim estava feliz por voltar, a outra estava temerosa com as reações que observaria, principalmente da minha mãe. Forcei o sorriso em meu rosto a se aumentar e prometi que ignoraria as limitações que a dor em minhas costas impunha para que ninguém reparasse. Embora a pele ao redor da base ainda estivesse bem avermelhada, de acordo com Kieran, o meu novo vestido vermelho, cedido por meu pai para minha chegada em Castelo Alado, disfarçava bastante.
No final do dia, os jardins do castelo estavam abarrotados de fadas treinando, conversando, lendo ou se divertindo e todas elas pararam ao ver a carruagem estacionar à entrada. Quando saí, percebi meia centena de olhares em minha direção. Kieran me ofereceu a mão com um sorriso tão grande quanto o meu; ele também tinha ficado melhor em fingir ou estava realmente feliz em ter chegado em casa?
Lorena se posicionou à minha frente, atenta, quando começamos a caminhar para o castelo. Sentia falta dos seus cachos torneados, mas aquele novo estilo tinha ficado muito bem nela e parecia prático para uma guerreira. Acenei com a cabeça para algumas fadas que conheci, ainda apertando a mão de Kieran e, assim, entramos em casa.
Lorena suspirou, aliviada e eu soltei um riso de nervoso preso. Nunca iria me acostumar com tanta atenção nas fadas. Em Agulha Erudita, os olhares eram de curiosidade e admiração; aqui, em casa, costumavam ser mais pesados, de preocupação e incompreensão. Soltei a mão de Kieran para passar pelos meus cabelos, contendo o gemido de dor pela movimentação abrupta entre meus lábios.
— Tudo bem? — Kieran perguntou, como se soubesse o que eu estava fazendo.
— Ótima — respondi, mas sabia que ele tinha percebido o meu deboche porque riu de lado.
Enquanto trocávamos palavras a caminho de nossos aposentos, uma das gêmeas se aproximou de Lorena e sussurrou algo em seu ouvido. Ela olhou em minha direção com um sorriso e acenou com a cabeça, a seguir.
— Bem-vinda de volta, Princesa — cumprimentou-me, enquanto se postava ao lado de Lorena.
— Tudo bem — Lorena concordou, em voz alta, antes de se virar para mim. — A rainha Kathelynn deseja vê-la, vossa alteza.
Ignorei o desconforto com mais um sorriso.
Capítulo QuatroA FestaKieran foi escoltado para seu quarto contra sua vontade, enquanto Lorena e um grupo de azuis me deixou à porta da escada que levava até os aposentos privados de minha mãe, na torre da quebra. Não muito contente em subir toda aquela escadaria, forcei-me a ignorar a dor nas costas e segui adiante, com uma pequena pausa para admirar a sacada que eu tanto gostava. Alcancei os aposentos de minha mãe e bati na porta.Fiquei esperando que ela me pedisse para entrar e deixei meu queixo cair quando a porta se abriu de supetão e ela abriu o maior dos sorrisos ao me ver.— Filha — soprou, parecendo feliz em me ver. Antes que eu pudesse pará-la, ela me puxou para um abraço e se afastou em um pulo quando não aguentei a dor e gritei. — Oh! Eu sinto muito. Está muito ruim?Ela deu a volta em mim para avaliar minhas asas. Ouvi su
Capítulo CincoA DiplomaciaEu tinha me esquecido como era ter ressaca; nunca fora uma adolescente propensa a bebedeiras, mas tinha me divertido um pouco demais algumas vezes, incentivada por Mariana e, de todas, a manhã do dia seguinte ao meu retorno à Castelo Alado foi uma das piores. Não sabia dizer se eu exagerara ou a bebida que nós tomáramos era mais forte, mas minha cabeça parecia que iria explodir enquanto minhas costas começaram a coçar, demonstrando o início da cicatrização.O fogo minimizou a dor de cabeça e Ellen me visitou logo cedo com seu tratamento alternativo, aplicando cremes naturais frescos, sem nenhum vestígio da noite anterior — e ela tinha bebido mais que todas nós juntas.— Pode arder — alertou-me.— Ah. Vai fundo, já estou acostumada — resmunguei.Ardeu, mas n
Capítulo SeisA DecepçãoAinda na mesma tarde, minha mãe comunicou o conselho sobre minha viagem, verificando se haveria objeções e, para minha surpresa, não houve.— Elas estão começando a confiar e a respeitar você — ela me disse, acariciando meu rosto. — Está se tornando uma mulher incrível, minha filha, e vai ser a melhor rainha que jamais tivemos.Agradeci aos elogios, mas não havia muito tempo. Lorena ficara responsável por preparar meus suprimentos e encontrou comigo aos jardins, pronta para partir. Kieran estava com ela, para o meu desagrado total.— Kieran, você não vai — disse a ele, emburrada.— A mamãe disse que eu podia ir — retrucou. — Você não vai sobreviver cinco minutos fora daqui sem mim.Depois de ter pedido cinco minutos e
Capítulo SeteO DescontroleMinha mente se transformou em um redemoinho de pensamentos embaralhados; esqueci tudo sobre Estamina, Melissa, o vale dos sussurros e sobre precisar parecer contida e respeitável porque era a princesa bomba-relógio que estava começando a conquistar a confiança de todos. Só corri para longe de forma desengonçada pelo campado, minhas asas sendo resistência ao vento e me atrasando.De poucas coisas claras que eu consegui pensar, uma delas se sobressaiu: eu iria estragar tudo e precisava da minha mãe.— Vento — pedi. — Avise minha mãe que... — o que eu deveria avisar à Kathelynn? — Guilherme está aqui e tem medo de mim... E eu não estou bem.O vento entendeu a urgência da mensagem com meu descontrole emocional e saiu em alta velocidade à minha frente, levantando meus pés do chã
Com Princesa e Flecha em ótimas formas físicas, pegamos a estrada real para Agulha Erudita em alta velocidade, passando pelos poucos viajantes que seguiam caminho por ela como balas de canhão. Conseguimos atravessar a fronteira ainda ao final da tarde, sem desacelerar. Deixei-me curtir o momento, minha mente tão concentrada na corrida e em guiar Princesa que me esqueci de Guilherme e sua rejeição por aquela tarde em disparada pelo meu território.Não demorou muito mais de cinco minutos desde que adentramos os vales de Agulha Erudita para que sentíssemos a presença da guarda real correndo ao nosso redor. Pelo que pude ver de suas expressões, não estavam muito felizes com nossa velocidade avançada, mas Lorena conseguiu relaxar e se divertir. Só deixei Princesa desacelerar quando visualizamos o castelo de meu pai, no topo da colina, com a cidade de Alvorada abaixo dela. Foi sem alar
Capítulo NoveO AmorCom meu pai, que era menos estressado e mais experiente na liderança, além do seu território ser menor e menos hostil que o de minha mãe, pude fazer pequenas viagens diplomáticas pelo território norte do país. Com um pouco de sorte, consegui ser apresentada ao líder dos faunos, Caverien, a poderosa líder dos centauros, Nataly e alguns líderes regionais dos anões. Percebi a hostilidade dos centauros e dos anões comigo, parte por eu ser fada, parte por ser híbrida. Os povos ao norte tinham sofrido mais na grande guerra e eram menos suscetíveis à dominação fádica porque era incomum terem uma relação mais próxima com os governos vermelhos.— Mas você é diferente — meu pai beijou minha cabeça, enquanto acampávamos na divisa entre Pon&iacut
Capítulo DezA UniãoPara desespero do trio de castelães, meu aniversário foi transformado em casamento assim que consegui traduzir para Guilherme sobre o que meu pai dizia. Faziam anos que queríamos nos casar; nossa espera era para a formatura de Guilherme e depois virou negação porque eu sabia que teria que deixá-lo, e não o deixaria preso a mim. Guilherme, porém, tinha feito todo o caminho até mim e, apesar de tudo do que eu tinha aprendido até ali, conseguiríamos realizar o nosso sonho.— Você é louca — Lorena me acusou, assim que teve um momento comigo. O castelo estava inteiro em movimento para o meu casamento-aniversário e tudo estava sendo coberto de branco e azul safira. — Aquelas velhas malucas vão surtar quando souberem que você casou com um humano.Continuei andando pelos corredores em
Capítulo OnzeO ParaísoO retiro élfico realmente existia, acabei por descobrir. Era um castelo à beira mar ao norte de Entarde, sem nenhuma vila populosa próxima e foi meu presente de união. Haviam pouquíssimos elfos trabalhando no castelo para garantir nossa privacidade, pouca segurança e alguns cozinheiros e só.Um mês se passou em nossa lua de mel, sem interrupções, sem outros problemas. Comecei a ver os benefícios de se ter uma vida extensa; tempo não era algo com que meu povo se preocupava, um mês poderia parecer apenas um dia e comecei a achar que nossa lua de mel poderia parecer quase eterna.Tive tempo para explicar para Guilherme sobre tudo o que tinha acontecido desde que cheguei a Lammertia, ao que ele ouviu com atenção e perguntas pontuais. Desde minha chegada, no conselho que decidira sobre minha vida, at&eac