Por um segundo, tudo em mim congela. O coração, a respiração… até a lógica. E ele só me encara, como se estivesse me vendo pela primeira vez.
Os traços continuam os mesmos — o maxilar marcado, os olhos azuis intensos, os cabelos escuros perfeitamente alinhados. Mas, ainda assim, Ettore está diferente. Nem sombra do garoto apaixonado que um dia me olhou como se eu fosse o centro do universo. Agora, aos 27 anos, aqueles olhos que já me adoraram me examinam como um executivo, analisando um investimento ruim. Tento não demonstrar o choque que é vê-lo depois de tanto tempo. Fingir calma é tudo o que me resta. Mesmo que, por dentro, o que eu realmente queira seja gritar, chorar, correr. Especialmente depois do dia que estou tendo. — Espero que atrasos não se tornem um hábito, Srta. Montesi — ele diz, num tom grave, impassível. Meus lábios se entreabrem sem querer. Depois de tudo que vivemos, ele vai me tratar assim? Tão frio? Tão formal? — Ettore… — sussurro, odiando o jeito frágil como minha voz sai. — Sr. Bianchi para você — ele corrige, sem piscar. — Acredito que qualquer intimidade entre nós tenha ficado no passado. Há quanto tempo mesmo? Três anos? Três anos, dois meses e dezessete dias. Não que eu esteja contando, claro. — O tempo do Sr. Bianchi é valioso, e você já o desperdiçou demais, Liz — meu pai interrompe, impaciente. — Sente-se. Obedeço no automático, como sempre fiz. Mas escolho a cadeira mais distante possível de Ettore. Ainda assim, não tem escapatória: sinto o olhar dele queimando, me dissecando. Soube que ele havia voltado para Milão dois meses atrás, depois que o pai faleceu. Foi o assunto da cidade. Mas, por algum motivo, nossos caminhos nunca se cruzaram. Até agora. — Como eu dizia, Sr. Bianchi — meu pai retoma —, a situação da Montesi & Co. é delicada, mas não irreversível com o investimento certo. Ettore folheia alguns papéis à sua frente com um tédio que beira o desprezo. — “Delicada” é um eufemismo, Sr. Montesi — ele rebate, sem levantar os olhos. — Sua empresa está à beira da falência. Os ativos mal cobrem 30% das dívidas, os investidores estão pulando do barco, e o principal projeto está três meses atrasado. Sinto meu estômago virar. Sabia que a situação da empresa não era boa, mas… falência? Como isso é possível? — Por que não fui informada disso? — pergunto, encarando meu pai. — Faria diferença? Você conseguiria reverter? — ele rebate, seco. — Mal consegue dar conta dos seus desenhos. Desvio o olhar para Ettore, esperando alguma reação ao tom cruel do meu pai. Ele odiava isso. Sempre odiou. Mas tudo o que vejo agora é indiferença. Frieza. Nada. Definitivamente, o homem à minha frente não é o mesmo que um dia segurou minha mão como se eu fosse feita de vidro. — Te chamei aqui porque o Sr. Bianchi está disposto a fazer um investimento significativo para salvar a empresa — meu pai continua. — Mas há uma condição. — Sempre há — murmuro, mais para mim do que para eles. — Liz — ele diz, num tom solene demais para ser coisa boa —, o Sr. Bianchi se dispôs a investir os vinte milhões necessários para manter a Montesi & Co. em pé. Em troca, você se casará com ele. A reação é imediata. Meus olhos se arregalam, o coração dispara, o chão parece sumir. Viro para Ettore, esperando alguma reação, um olhar constrangido, qualquer coisa que me diga que isso é um delírio coletivo. Mas não. Ele só me encara com a mesma expressão entediada de sempre. Como se estivesse decidindo qual tipo de papel usar num relatório. Então, a realidade me atinge. Meu pai está me vendendo. Para o homem que, se eu estivesse pegando fogo, usaria o extintor para apagar o charuto dele. — Isso é algum tipo de piada? — pergunto, com a voz trêmula. — Uma maneira criativa de se vin… — São apenas negócios, Srta. Montesi — Ettore me interrompe, sem qualquer emoção na voz. — Simples assim. Solto o ar num suspiro trêmulo, sentindo as lágrimas queimarem atrás dos olhos. Mas não vou chorar. Não na frente dele. — Não há nada de simples em um casamento — murmuro, encarando minhas mãos trêmulas sob a mesa. — Estamos falando da minha vida. — E da vida de centenas de funcionários. Do legado da nossa família — meu pai emenda, num tom suave que só faz a crueldade parecer ainda mais maquiada. Respiro fundo, forçando o olhar de volta para Ettore. Ele gira a caneta entre os dedos como se estivesse resolvendo uma equação. — Por quê? — pergunto, tentando manter a voz firme. — Por que você quer se casar comigo? — Meu pai faleceu há dois meses — ele começa, num tom mais contido. — E deixou um testamento com certas… exigências para que eu possa assumir o controle total do Grupo Bianchi. Uma delas é estar casado. — Então qualquer mulher serviria. — Não quero qualquer mulher. Quero você — ele responde, com uma firmeza que só vem de quem planejou isso há muito tempo. — Um casamento com a filha de uma família tradicional como a sua solidifica minha posição. Sinto um arrepio percorrer minha espinha. Diferente de Marco, a maneira como Ettore me olha deixa claro que não é apenas meu sobrenome que interessa. — Preciso de ar — digo, levantando bruscamente, antes que minhas pernas desistam de mim. Saio da sala como quem foge de um incêndio. Encosto na primeira parede que encontro no corredor e, finalmente, deixo as lágrimas virem. Elas escorrem rápido, pesadas, como se tivessem sido guardadas por anos. Casar com Ettore Bianchi. O homem que um dia me amou, e que hoje provavelmente daria risada se eu tropeçasse e quebrasse os dentes. A porta se abre antes que eu consiga limpar o rosto. Por um segundo, acho que é ele. Que vai me dizer que tudo isso é só um plano sádico de vingança. Mas não. É meu pai. E o olhar dele me atravessa com mais fúria do que preocupação. Ele não veio me consolar. Veio me dobrar. — Pare com esse drama — ele vocifera, agarrando meu braço com força. — Volte lá e aceite. Você sabe o que está em jogo. — Eu não posso, pai — sussurro, limpando as lágrimas. — Não depois do que fiz. Ettore me odeia. — E com razão — ele dispara, com o tipo de frieza que só se usa contra um estranho. — Você não pensou nas consequências quando decidiu se envolver com outro. Agora arque com o resultado. — O senhor sabe que… — Não me importa como foi — ele me interrompe. — O que me importa são os funcionários que vão perder o emprego, o nome da nossa família virando piada… e sua mãe. Ele faz uma pausa, mas é só para mirar bem nos meus olhos antes de soltar o golpe final. — Ou você acha que os equipamentos que a mantêm viva são baratos? Se você se recusar, serei o primeiro a transferi-la para um hospital público. Um soluço escapa e quase engasgo com o peso da chantagem. Ele sabe que minha mãe é meu ponto fraco. Meu tudo. — O senhor está me vendendo… A porta da sala de reuniões se abre novamente, interrompendo qualquer resposta do meu pai. Ettore sai, me encara por um segundo e, sem um pingo de emoção, se vira para meu pai. — Agradeço seu tempo, Sr. Montesi, mas parece claro que sua filha não está interessada — ele diz, com a voz fria, controlada. Profissional. — Pelo visto, não precisam tanto da minha ajuda quanto imaginei. Ele começa a se afastar sem esperar uma palavra. Meu pai me lança um olhar mortal, mas eu não consigo mais me importar com isso. Meu olhar se perde nas costas de Ettore, que se distancia, levando com ele a última esperança de salvar a empresa, os funcionários e minha mãe. A imagem dela, pálida e imóvel na cama de hospital, me atinge de maneira cruel. Sem o dinheiro de Ettore, o tratamento dela será interrompido. E sem o tratamento, as chances dela acordar serão praticamente nulas. — Sr. Bianchi, espere… — As palavras saem antes mesmo de eu entender o que estou dizendo. Ettore para, mas não se vira. Claro que não. Engulo o orgulho, o medo, o passado que tentei esquecer. — Eu… aceito.As palavras saem de mim como uma rendição, como a sentença de algo que jamais escolheria. Ettore se vira lentamente, e, apesar de seu rosto parecer calmo, seus olhos o entregam. Ele está saboreando cada segundo disso.— Excelente escolha, Srta. Montesi — ele diz, com a voz controlada, quase indiferente.Enquanto ele se aproxima, meu pai solta um suspiro aliviado ao meu lado. Satisfeito por finalmente me quebrar para satisfazer seu desejo.— Ótimo, podemos voltar à sala e finalizar…— Na verdade, Sr. Montesi — Ettore o interrompe —, acho que agora é uma questão entre minha filha e eu. Meu advogado nos espera para finalizar o contrato.— Entendo, mas como presidente da Montesi, eu deveria…— Os documentos referentes à empresa serão enviados ao seu departamento jurídico ainda hoje — Ettore interrompe novamente, com um tom que não permite argumentos. — Porém, o acordo matrimonial é uma questão privada.— Claro — meu pai finalmente aceita, claramente insatisfeito. — Liz, não me decepcione
“Ettore Bianchi”Observo a lágrima solitária escorrendo pelo rosto de Liz, caindo sobre o contrato recém-assinado. A satisfação me faz sorrir.Passei mais de dois anos ao lado dela. Já a vi chorar antes, claro. Mas é a primeira vez que não sinto o impulso de enxugar suas lágrimas.Há alguns anos, eu teria movido montanhas para evitar sua dor. Hoje, cada gota que cai é uma pequena vingança.— Parabéns, piccola — digo, deixando o apelido sair com um veneno sutil. — Acabamos de dar o primeiro passo para o nosso futuro.Ela finge coçar os olhos antes de levantar o rosto para me encarar. Aqueles mesmos olhos que, um dia, prometeram amor eterno, agora estão vermelhos, vulneráveis. Exatamente como os meus estavam da última vez que nos vimos.Perfeito.— Tudo pronto, Max? — pergunto, me levantando com calma.— Quase — ele responde, estendendo uma pasta para Liz. — Aqui está seu cronograma até o casamento. Provas do vestido, detalhes da cerimônia…Ela apenas assente, sem dizer nada, aceitando
“Liz Montesi” Mal tenho tempo de digerir o corte que Ettore acaba de me dar quando percebo que outro desconforto se aproxima. Isabella Ricci. A queridinha da mãe de Ettore. Alta, elegante, longos cabelos castanhos e um sorriso perfeito, daqueles que só servem para disfarçar o veneno. Isabella sempre representou tudo que Chiara Bianchi julgava ser a escolha ideal para o filho: família influente, comportamento impecável… ótima candidata a esposa perfeita de um herdeiro. — Isabella — Ettore diz com um sorriso educado, mas os olhos continuam frios. — Estou tão feliz em ver você — ela responde, alternando o olhar entre nós dois. — E vejo que não está sozinho. Liz, quanto tempo! — Olá, Isabella — digo com meu melhor sorriso falso. — Você está tão elegante quanto me lembrava. — Obrigada — ela esboça um sorriso que não chega aos olhos, então foca na minha aliança. — Vejo que está noiva. Parabéns. Posso saber quem é o… felizardo? Ettore coloca a mão sobre a minha na mesa, um gesto po
— Tem certeza de que é uma boa ideia fazer uma surpresa, Liz? — minha melhor amiga pergunta, pela quarta vez só nessa ligação. — Sei lá… surpresas nem sempre acabam bem. E, sinceramente? Não confio nesse seu namorado. — Você implica com o Marco desde que o conheceu, Giulia. Admita, você o odeia porque ele é sério demais, diferente de você. — E você devia desconfiar justamente por isso. — Você disse que estava feliz por mim — sussurro, estacionando em frente à empresa. — E estou, mas… só tome cuidado, ok? Gosto de ver esse brilho voltando aos seus olhos, mas odeio imaginar que alguém possa apagá-lo de novo. Sorrindo diante da proteção excessiva da minha amiga, desligo o motor do carro. Após tudo o que aconteceu há três anos, o simples fato de me envolver com outro homem já é quase um ato de coragem. — Te ligo mais tarde, amiga. Vou tentar convencê-lo a almoçar comigo. Quero comemorar esses seis meses juntos. — Bem, boa sorte, amiga. Encerro a ligação e respiro fundo antes de