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Cap. 01 - Heróis não morrem

Vitughill, lado oeste do reino do norte

Há um vínculo criado por gerações atrás, no qual o detrimento de um filho era uma dádiva dos deuses. Uma mulher sempre obteve o poder de gerar vidas, tantas que o mundo só existia por conta deste fato. Uma mulher com tamanha honra sempre seria lembrada pelos seus no futuro, lembrada pelo que deu e o que ainda viria a dar. Vitughill era conhecida como a capital das mães do seio terno, tal conotação fora dada a séculos atrás por um antecessor da família primária dos Caphossìo, Hélio o gentil.

Para Hélio Caphossìo, Vitughill era a cidade onde as mulheres mais prezavam e amavam os filhos. Nunca outro lugar fora abençoado com tanta fertilidade e amorosidade. Para muitos do contente, Vitughill era o lugar onde as mulheres eram as soberanas e por esse motivo, Ophélia Caphossìo, princesa do norte gelado do continente, precisou sair de seu conforto e mordomia para lembrar do porque era tão importante.

Era intitulada a donzela da paz, título concebido por seu pai nada afetuoso, em sinal de respeito a falecida rainha. Para Ophélia, estar fadada a uma vida amarga ao lado de um pai mais frio que o reino inteiro, e uma irmã mais nova soberba a ponto de apunha-la se assim desejasse, fazia com que a morte lhe parecesse mais agradável. Com seus vinte e quatro anos, Ophélia só queria ser livre e conhecer o mundo inteiro para que o encargo de seu pai finalmente findasse, mas saber que seu impetuoso primo Dante, assumiria a coroa que era sua por direito, fazia com ela se enchesse do mais puro rancor.

Por uma lei machista criada a milênios pelos homens que sempre ditavam as regras, ela teria que sentar e aceitar calada a decisão do pai. Mas, existia uma coisa que Ophélia odiava mais do que aquilo tudo, e isso era o fogo. Não pelo fato de que eram inimigos naturais, mas pelo jeito como o imperador conduzia seu império, a ferro e sangue… sua única filha, Calía Vatra Le Fer, era ainda pior que o próprio pai, orgulhosa, impiedosa e sanguinária.

Para Ophélia, mesmo tendo todo um vínculo de ódio entre as duas famílias, ela acreditava fielmente que a filha do imperador seria melhor do que ele, que por ser mulher, teria complacência pela paz e não amor a guerra. Infelizmente o sangue quente daquela família fazia com ela odiasse ainda mais o escárnio com que seu pai a tratava.

Para ser sincera, Ophélia sentia a mais pura inveja de Calía. Aos quinze anos ela já era declarada imperatriz de um reino inteiro, graças à morte precoce de seu pai em uma das inúmeras batalhas travadas contra os bárbaros do mundo novo. Ophélia soube que Calía ascendeu ainda mais o império do pai, a mãos de ferro e com a valentia que nenhum outro teria. Era notória que além do ódio, ela também a admirava, e um dia se houvesse a possibilidade, gostaria de sentar-se com a senhora do fogo e conversar por horas a fio sem a intercessão de um maldito homem.

Ao lado de um lago enorme aos arredores de Vitughill, a jovem deixou seu olhar percorrer todo o contra ponto da floresta atrás de si. Era inspirador estar em um lugar onde ninguém lhe dizia o que fazer.

Era quase libertador...

— Alteza?

Quase.

— General! — Ela murmura baixo. — Já estamos de partida?

O homem cuja face nunca lhe transmitia nada além de apatia, assente sem muito esforço.

— Vossa majestade quer que sua alteza esteja presente no baile em homenagem ao seu primo, Dante.

Ophélia ri incrédula. — Um baile que deveria ser em minha honraria, não em favor do parvo do meu primo. — Mais um suspirar alto. — Diga-me, meu caro Ezioh, o que devo esperar do legado machista da minha família?

O homem de cabelos escuros que sempre parecia não demonstrar nada, acaba sorrindo quase que de forma imperceptível a bela mulher à sua frente.

— Creio que palavras são mais úteis quando são postas em prática.

Ophélia ficou parada por breves segundos antes de responder o general e amigo, Ezioh Belialuin.

— As opções para mim não são muito atrativas.

Ezioh segura à mão de Ophélia, pegando a princesa totalmente de surpresa.

— Você tem apoiadores alteza, saiba em quem confiar e tudo que lhe foi tirado, será dado de volta. — Ele à solta sem muita cerimônia.

Caroenne, capital do império do Fogo

(…)

— Dourado ou negro? — Calía, questiona sua melhor amiga sentada em sua enorme cama de casal.

Maud põe uma das mãos no queixo fingindo estar realmente se importando com aquilo.

— Dourado! — Pôr fim a ruiva declara debochada. — Sabemos bem que este vestido não ficará muito tempo em seu corpo está noite.

Com a língua afiada, a imperatriz do fogo retruca: — Nunca mencionei que sua ousadia a fará perder a cabeça algum dia?

A ruiva gargalha pegando o pescoço de Calía, e lá beijando ternamente.

— Você pode tentar.

Calía sorri empurrando a outra novamente.

O dia mal havia começado, mas já tinha que lidar com audiências sem fim e toda uma burocracia chata que um império precisava para se manter.

Calía lembrava-se bem quando era apenas uma garota prestes a completar seus quinze anos, quando recebeu a trágica notícia da morte de seu pai. Para Calía, o mundo inteiro parecia estar de luto, mas só ela possuía o caos de perder o homem que mais amava na vida, seu pai. Com os dias afins, ela percebeu que não podia se dar ao luxo de chorar, pois tinha um império a governar, pessoas a dobrar e uma vingança longa a planejar. Odiava o povo bárbaro, odiava tudo que era referente a eles, odiava até mesmo o jeito como respiravam.

Quando finalmente foi declarada imperatriz do fogo, sua guerra teve início. Não só contra o povo que tanto odiava, e que pretendia aniquilar da face da terra, mas também as pessoas que cercavam seu pai e que não apoiavam a filha bastarda do imperador. Calía soube desde os sete anos que Maxon, não era seu pai biológico, mas nunca se importou com este fato! Para ela o mundo era complicado demais para tais impropérios.

Com o tempo contra ela, a imperatriz do fogo teve que acabar com cada um dos seus inimigos declarados, e com isso ganhando o respeito e o temor dos demais. Ela não queria ser lembrada pela tirania, mas se pra conseguir o que queria tivesse que agir daquela forma, ela seria a mais cruel das mulheres.

— O conselho vai questionar sua decisão!

Maud tinha tomado uma postura séria, fazendo Calía crispar os lábios.

— No dia em que o conselho me apoiar sem questionamentos, será o dia mais surpreso e estranho da minha vida. — Com tal resposta, a mulher de longos cabelos louros, suspira. — Preciso que reúna o conselho de guerra!

Maud encara confusa. — Pensei que atacaríamos somente na próxima estação.

Maud Vilenäin era a principal general dos exércitos do império do fogo. Calía, sempre apoiou sua amiga de infância, e ela ser uma mulher nunca foi um problema para imperatriz. Por mais que muitos ainda questionassem as habilidades da ruiva impetuosa, Maud já havia ganhado inúmeras batalhas em nome do fogo, e aos poucos seu reconhecimento foi chegando. Com a ajuda de seu irmão mais novo, Conran, ela havia se tornado a segunda mulher mais importante do império do sul.

Sua família era conhecida em todo mundo, e como sempre foram apoiadores e confiáveis, Calía não hesitou em subi-los ao mais alto patamar.

— Tenho a impressão de que não seremos nós a viajarmos dessa vez, minha cara general.

Com tal conotação, Maud não mais questiona sua senhora, apenas sai em direção oposta.

Calía, agora sozinha, caminha em direção ao parapeito de sua janela enorme e lá apoia ambos os braços analisando o império a sua frente. Tudo o que o sol tocava era seu, e logo mais até o gelo cederia ao fogo.

Hestia, capital do reino do norte

As ruas de Hestia estavam em pura euforia. O rei Thales finalmente passaria sua coroa a um de seus herdeiros, e o povo mal podia se conter com tamanha alegria.

O reino do norte nunca foi tão grande ou poderoso em questões militares, como o império do fogo. Mas, mesmo sendo pequeno e próspero, nunca precisou lidar com represálias de outros reinos ou afins. Aliás, antes da esposa do rei morrer, Hestia era considerada a capital do mundo, pois nunca havia enfrentado nenhuma calamidade desde sua construção. Para o povo de Hestia, o mundo era deles, pelo menos a parte rica da cidade.

— Quanto tempo até termos as margens do caos que está acontecendo em Midria? — Ophélia questiona seu emissário particular, Thomas Crowley.

O rapaz que sempre parecia hiperativo demais assume uma posição séria perante sua princesa.

— Sinto dizer-lhe alteza, mas o caos está bem pior em Aldova, próximo da fronteira com o sul. — Ele suspira. — Suspeitamos que os francos fizeram uma aliança com os bárbaros contra o Norte.

Ophélia toca a face abismada. — Os bárbaros são problema do sul, nós nunca fizemos represálias contra eles.

— Ao que parece, a imperatriz Calía realizou um cessar fogo na fronteira.

— O quê? — Ophélia bate na mesa irritada. — Meu pai já sabe disto? — Thomas engole a seco. — Ele não vai fazer nada?

A princesa parecia estupefata com tal situação. Estava claro que a intenção de Calía Vatra Le Fer, era fazer com que terceiros fizessem o trabalho que ela não podia fazer, graças a lei que não permitia guerras entre o sul e o norte.

— Talvez, lorde Dante não saiba ainda. — Thomas comenta esperançoso.

— Aquele moleque está mais interessado no prestígio do cargo, do que no peso da posição em si. — Ela balança a cabeça em negação. — Não posso deixar isso acontecer debaixo de meu nariz! Peça ao general Belialuin que venha até aqui, por favor!

Infelizmente, Ophélia só confiava naquele Belialuin orgulhoso que sempre lhe ajudava quando mais precisava.

A família Belialuin era tão prestigiada no Norte, quanto os Vilenäin eram no sul. Toda família real precisava de vassalos, e poder ia-se dizer que os Belialuin faziam aquele papel muito bem quando lhe convinham.

Desde que o irmão mais velho de Ezioh, Bardon, deserdou a algum lugar na costa oeste, que o mesmo tem sido fiel a coroa tanto quanto alguém podia ser. Ele se culpava pelo fato de seu irmão ter prejudicado tanto o Norte, seu lar, ao invés de ajudá-lo.

Com tantos anos sozinho, Ezioh havia se tornado uma pessoa monossilábica e pouco afetuosa, graças a morte precoce da mãe e a falta de atenção do próprio pai. Mas, mesmo tendo se tornado um homem um tanto quanto amargurado, ele ainda era um ótimo general de guerra e somente ele poderia ajudar o Norte naquele momento.

— Estou aqui, sua alteza!

A voz dele logo preencheu o cômodo em que Ophélia estava sozinha, fazendo ela olhar em sua direção.

— Preciso que me ajude a conter os rebeldes na fronteira próximo ao império do sul.

Ezioh arqueia uma das sobrancelhas, totalmente impassível. — Sem uma ordem direta do rei, não posso alojar nossas tropas em outro lugar além de Hestia.

— Não precisará de homens em Hestia, se a mesma não mais existir. — Ela declara irritada. — O que eu preciso fazer para que as pessoas me ouçam?

O general sorri minimamente.

— Se torne a próxima rainha do norte!

Ophélia ri desacreditada. — Sabe que não é escolha minha.

— O que eu sei, é que não existirá reino do Norte se você não tomar as rédeas da situação. — Ele a encara. — Eu sou fiel à coroa, alteza! Mas, as decisões estúpidas que o rei, seu pai tem tomado nos últimos meses, vão ser a causa da nossa queda. A queda de toda uma dinastia, a sua dinastia.

— Nós dois sabemos que ele não é meu pai, e é só por isso que não sou eu a subir naquele trono.

Ezioh pega Ophélia pelos ombros e diz: — Você é mais Caphossìo do que seu primo tolo, então seja uma mulher forte agora! Exija o que é seu por direito, torne-se uma rainha que jamais será esquecida por alguém.

— Eu não posso sozinha.

— Você não está sozinha!

Naquele mesmo dia, mais tarde...

O baile que havia sido feito em homenagem ao sobrinho do rei, estava indo perfeitamente bem. Dante carregava consigo sua velha avareza e orgulho como sempre, não demonstrava fraqueza a ninguém, e apesar do respeito de todos, o rei ainda parecia resoluto quanto a sua coroação.

Sempre soube que Ophélia era apenas uma bastarda que nunca subiria ao nível máximo naquela corte, mas também sabia que a mesma possuía admiradores de todas as partes, prontos para apoia-la caso assim desejasse. Mesmo sendo da segunda ramificação da família Caphossìo, Dante se sentia mais puro e preparado para função do que sua prima bastarda, e ele provaria naquela noite.

A melodia entoada do piano situado ao meio do salão fez logo com que a festa se animasse, e mesmo sem a presença do rei, tudo estava indo muito bem. Thales estava de cama a dias graças a uma febre que nunca passava, ele sabia que estava morrendo e não poderia deixar seu reino sem sucessão, por isso o baile para ver se Dante daria conta de tanta falsidade e hipocrisia dentro de uma corte.

Ophélia, que estava ao lado da irmã mais nova Linet, fruto do segundo casamento do pai, estava séria como sempre. Sua irmã caçula era o oposto, sempre sorridente e fabulosa, parecia que nunca tinha enfrentado nenhum problema real na vida e de fato, a única preocupação da mais nova era arrumar um ótimo casamento.

A jovem nunca se mostrou propensa a querer a coroa, e deixou bem claro seu apoio ao primo naquela empreitada, contra sua irmã mais velha. Ophélia nunca havia entendido o ódio gratuito que sua irmã destinava a si, mas também já tinha parado de se importar a muito tempo atrás com aquele fato irrelevante.

Do outro lado do salão, estava algumas das mais importantes famílias de Hestia, os Dover, os Yamhool e os BenHur. Todos apoiadores declarados de Ophélia, mas nem eles podiam contra a vontade do rei.

— Gostaria de fazer um brinde especial está noite. — Dante rouba a atenção de todos para si. — Dedico este momento a todos vocês, povo de Hestia.

Com a taça levantada, muitos sorriam eufóricos brindado suas taças, mas Ophélia já estava cheia daquilo tudo.

Com um passo pertinente, ela se aproximou do primo no meio do salão.

— Porque não deixamos os brindes e festividades para depois do caos, meu caro primo?! — Sua voz soava sarcástica, e fez com que Dante sorrisse falso.

— Não entendo em que caos está vivendo alteza, mas por aqui está tudo em ordem.

Algumas risadas foram ouvidas ao fundo, fazendo Ophélia balançar a cabeça em negação.

— Pessoas estão morrendo, você sabia?! — Ela começa calma sobre o olhar atento do general que avaliava a situação toda ao longe.

— Pessoas morrem todos os dias, deixe de ser patética.

— Tem razão, e também acho que todos nós morreremos em breve. — O silêncio reinou no salão, todos prestavam atenção na princesa agora. — Tu e meu pai estão a par da situação calamitosa que está ocorrendo neste exato momento na fronteira de Aldova com o Sul, e não estão fazendo nada! Eu acredito que você goste da sua cabeça onde ela está, então também pressuponho que você enviará as tropas que eles pediram a mais de um mês até lá. — Ophélia toca o ombro esquerdo de Dante sem muita cerimônia. — Você está fazendo papel de tolo, e eu não vou permitir que todo o norte caia, porque um tolo quer ficar com o que não é seu!

— Por Brisio, está passando vergonha alteza. — Ele comenta tentando reverter à situação, mas parecia que todos estavam sérios demais agora. — Eu serei o próximo rei do norte, não pode fazer nada contra este fato!

Antes que Ophélia abrisse a boca para retruca-lo, as pessoas em volta começaram a curvar-se em sinal de respeito à figura máxima daquele reino, o próprio rei.

Ela abaixou sua cabeça assim que seus olhos encontraram com os do pai, Dante também fez o mesmo.

— Você me disse que a situação estava controlada em Aldova, Dante. — O rei declara sério.

O moreno engole a seco antes de responder. — Estava tudo sob controle majestade, eu...

— Me disseram agora a pouco que estamos a um passo de uma grande guerra declarada, graças ao seu "controle". — O rei desce as escadas bem devagar graças a sua saúde frágil, e para rente ao sobrinho. — Eu estou morrendo, e deixei que você cuidasse de tudo para mim, mas vejo que tua capacidade é limitada a tal ponto que chega a ser revoltante.

— Tio, eu...

O rei para a fala do sobrinho com uma mão erguida.

— Ophélia?!

A morena se sobressalta pelo chamado do pai.

— Perdoe-me majestade, eu não quis aborrecê-lo. — Ela diz ainda de cabeça baixa.

Thales toca a face da filha levemente. — Eu sinto muito por ter perdido o seu e o meu tempo com seu primo, você já pode exercer o que é seu por direito.

Dante arregala os olhos estupefatos. — Não pode deixar o reino nas mãos de uma bastarda!

O rei sorri compassivo. — Ela é minha filha! — Ele beija a face de Ophélia, que já estava com os olhos lacrimejando em lágrimas. — Sua mãe sabia da sua importância, eu posso até ter me esquecido, mas você fará com que todos se lembrem de porque você é uma Caphossìo!

Ophélia sorri agradecida. — Obrigada, pai.

Tomado por uma fúria sem precedentes, Dante pega a adaga que sempre carregava consigo na bainha das calças, e num ato desesperado, enfia ela até o cabo nas costas do rei.

Tudo o que aconteceu a seguir fora muito rápido para Ophélia sequer raciocinar, a única coisa que ela notou depois do pai cair em cima de si, foi o grito estridente de sua irmã mais nova.

O rei estava morto, e agora ela era a rainha de todo norte!

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