CASO COM O PASSADO
CASO COM O PASSADO
Por: Inez Marcondes
Capítulo 01

             

Às vezes, me pego perdida em pensamentos... Fito o vazio e não sei onde estou!

Sei que ocupo um espaço, mas, estou longe daqui.

Percorro com o olhar e vejo a varanda, sinto o perfume das flores.

E meu corpo dividindo tudo aquilo, mas, alguma coisa me incomoda, me falta...

Ouço o gorjear dos pássaros, e a brisa desmanchando meus cabelos, suspiro profundamente sem conseguir definir o que sinto, talvez seja este o meu melhor momento, onde fico sozinha sendo eu mesma.

Sem precisar fingir, sem precisar ser forte, é como se eu libertasse o meu eu verdadeiro.

Será um estado de letargia?

É estranho, tenho tudo para ser feliz, estar bem, e, no entanto, não me sinto!

Falta alguma coisa, mas, não sei o que é!

             

             

  

             

 Aquela voz do coração, diz Lamartine, " É a única que alcança o coração"

                                                                                         Marcel Proust

          

             

Mãe! – ouço minha filha chamar!

Tenho dois filhos, Lisa de dezessete anos e Tiago de dezesseis, e um marido maravilhoso! Bem, pelo menos representamos a típica e tranqüila família feliz! Eu falo de felicidade, mas, será mesmo tão importante assim ser feliz? Digamos que felicidade seja estar bem. Completamente. Espiritualmente.

Acho que estou enlouquecendo!

Uma parte de mim parece não combinar com minha vida atual, francamente!

Vinte anos de casamento, algumas briguinhas...

Há momentos em que tenho vontade de largar tudo e sumir. Ir à busca do que me falta. 

Será que encontrarei?

Henrique gostou de mim desde o tempo da escola.

Casei-me por imposição, por medo. Sim, medo! Não fui corajosa o suficiente para assumir realmente o que desejava.

Um longo suspiro! Minhas lembranças estão numa parte que ainda dói, dói muito!

“Voltarei a lhe falar, tenho muito, muito a contar...”.

- Mãe, você está bem?

- Estou ótima querida. Quer alguma coisa?

- Você viu aquele moletom azul da escola?

- Você já procurou no lugar das roupas passadas?

- É mesmo! Esqueci de guardar as roupas que Korina passou, com certeza estará lá.

- Como sempre esquece. Diga a seu irmão que guarde as dele.

- Não sei por que a Korina não guarda as roupas!

- Não é a obrigação dela, pelo menos isso você pode fazer.

- “Saco”!

Todas as manhãs preparo o café, e espero sempre as mesmas perguntas matinais.

“Mãe, cadê aquilo?” “Mãe, você sabe quem fez o gol mais bonito da escola?”.

“Querida, o jornal já chegou?”.

Não muda. Sei de cor todas elas, como também as respostas.

Conhece aquela música que a nossa querida e inesquecível Elis Regina gravou? De Joyce e Ana Terra: “De manhã cedo esta Sra. se conforma, troca à mesa, tira o pó, lava roupa, seca os olhos, ah como essa santa não se esquece de pedir pelas mulheres, pelos filhos, pelo pão, depois sorri meio sem graça e abraça aquele homem, aquele mundo que a faz assim feliz.. De tardezinha essa menina se namora, se enfeita, se decora, sabe tudo, não faz mal... Ah,  como essa coisa é tão bonita, ser cantora, ser artista isso tudo é muito bom e chora tanto de prazer e de agonia, de algum dia, qualquer dia entender de ser feliz. De madrugada essa mulher faz tanto estrago tira a roupa, faz a cama, vira a mesa, seca o bar. Ah, como essa louca se esquece quanto os homens enlouquece nessa boca, nesse chão. Depois parece que aha graça e agradece ao destino aquilo tudo que a faz tão infeliz. Essa menina, essa mulher, essa senhora em que esbarro a toda hora no espelho casual, é feita de sombra e tanta luz que acha tudo natural...”

Com certeza sabiam como é a vida de uma dona de casa, mãe, esposa incompleta e infeliz.

Na mesa saboreando o café, observo cada um deles. Lisa com toda sua juventude, mimada demais pelo pai, pela tia, fala apressada. Tiago, com espinhas no rosto, conta suas façanhas no Clube, na escola...

São tão bonitos os dois... E Henrique, com os óculos na ponta do nariz, ora lendo, ora prestando atenção aos filhos dele? Nosso?

Por um momento, sinto-me fora do meu elemento, fora daquela cena, entrei no ato errado!

Pior ainda, estou na peça errada!

Penso comigo: “Estou sobrando!”.

Apesar de ter Korina para cuidar das roupas da casa e Sueli para a limpeza, resta-me a função de cozinhar, parece que nada funciona sem mim!

É realmente incrível a semelhança que minha querida Korina tem com aquela atriz negra Woopi Goolberg! Ela é simpática, alegre, divertida, uma ótima pessoa! E Sueli a diarista, é séria, reservada, não gosta muito de conversar.

Agora aqui, como todas as manhãs á mesa, ninguém me presta atenção, exceto quando precisam de alguma outra coisa.

Apoio os cotovelos sobre a mesa e fico olhando divertida a tão alegre cena familiar, entre pai e filhos, filhos e pai! E sem querer volto à minha infância, meus pais, Ana minha irmã mais velha, ah Ana. Miguel, meu irmão do meio, e eu a caçula.

Papai... Sempre muito sério quase não conversava.

Nós... Tomávamos café em silêncio, aliás, quando papai estava em casa nunca conversávamos, tínhamos não somente respeito, mas, também muito temor a ele!

Mamãe...Mamãe parecia conformada com a vida que tinha, submissa a meu pai, religiosa ao extremo, dizia sempre que a mulher tinha que ser uma esposa obediente, ótima dona de casa e nunca se opor ao marido.            

Eu não entendia como minha mãe agüentava aquilo tudo!

Tínhamos uma boa vida, embora sem luxo em casa, papai era, e é ainda muito sovina.

Sempre notei uma tristeza profunda em minha mãe e ainda sinto.

Creio que ela no fundo, acredita que poderia ter tido uma vida diferente!

Papai era bem mais velho quando se casou, ela tinha apenas dezesseis anos enquanto ele, vinte e seis. Naquele tempo os pais escolhiam os maridos, e deste modo meu pai foi escolhido para ser marido e Sr. de minha mãe.

“Tinha que ser assim?!”.

- Querida! Querida!

- Mamãe parece estar no mundo da lua, pai! – disse Tiago.

- Ela está sonhando acordada. Acho que ela não vê a hora de ficar livre da gente!

Ao voltar do meu devaneio, dei com três pares de olhos me olhando curiosos e divertidos.

- Desculpem-me, meus amores! É...Só um pouco de e****a... Nada mais.

- Tem certeza que ficará bem, sozinha?

- Vem com a gente mãe!

- Tiago tem razão mãe. Vem conosco, vai ser legal.                                                 

- Agradeço meus filhos, mas, vocês acham que realmente iria descansar indo com vocês?

- Crianças, mamãe têm razão! Devemos a ela um pouco de férias. Agora é minha vez de cuidar de vocês!

Tiago, com ar travesso e orgulhoso e os olhos brilhando de felicidade falou:

- Nem acredito! Depois de amanhã estarei de férias e vou conhecer o Pantanal. Meu amigo esteve lá e disse-me que “é demais de lindo!”.

- “Demais de lindo?” Seu bobo! Eu também vou!

- Aposto que vai morrer de medo! Têm jacaré, cobras... Já vejo a gritaria toda. Ah! Ah!Ah! – Tiago ria todo divertido da irmã que lhe fazia caretas.

- Crianças, estão se atrasando. O ônibus deve estar chegando.

Deram um beijo no pai e em mim, pegaram suas mochilas e se foram.

Percebi que Henrique me fitava, vi quando tirou os óculos, dobrou o jornal e colocou sobre a mesa.

Disfarçando, levantei-me e comecei a juntar as louças do café.

Henrique dirigiu-se a mim, segurou-me nos ombros, pude sentir o cheiro agradável de sua colônia:

- Helen, querida! – disse-me com doçura virando-me de frente a ele - O que há?-perguntou-me então - Alguma coisa não vai bem com você! Diga-me, por favor, o que está acontecendo... Tem certeza que não quer ir conosco?

Desvencilhei-me dele e voltei-me para a pia, continuando com as louças:

- Não tenho nada! É apenas cansaço. Este mês de férias fará bem a todos nós!

Helen! – novamente fez-me parar com as louças, levou-me para a mesa, puxou duas cadeiras e colocou-me sentada, sentou na outra de frente á mim – Helen, tenho notado já algum tempo, que você anda inquieta, pensativa, parece... Aborrecida, não sei... Doente... Sente alguma dor?

- Pensei comigo: Sinto uma enorme e profunda dor! Só não sei o que me faz sentir!

Olhei para aquele rosto... Henrique é um homem muito bonito, tem um rosto másculo, atraente, como dizem minhas amigas! E assim mesmo olhando para ele, percebo que na verdade nunca o amei! Gosto. Por ele ser bom para mim.

Até demais!

Mas, preciso confessar a verdade, sexualmente cumpro meu dever de esposa, não obtenho prazer em nenhum momento, nem na nossa lua-de-mel, ou melhor, lua-de-fel.

São os piores momentos de minha vida casada, fingindo, fingindo estes anos todos.

Vinte longos anos de fingimentos. Henrique jamais poderia me dar prazer. Não consigo sentir nada com ele!

Uma pontada de remorso senti, vendo sua preocupação. Ele me amava. Sempre disse me amar, nós não namoramos e eu não gostava dele, mas, meu pai obrigou-me á casar.

Lembro-me de suas palavras: “Helen, eu te amo! E farei você me amar, verá.” 

“Sinto. Mas, ele não conseguiu. Nenhuma outra pessoa conseguiria!”

- Ora, Henrique. Deixe de bobagens! È coisa de mulher chegando aos quarenta, não sabia? – disse-lhe forçando um sorriso, para que o convencesse e me deixasse em paz - e mais a mais... Vocês me cansam muito. Não me dão folga. Sentirei saudades, mas, creio que estas férias nos farão muito bem! Agora me deixe lavar estas louças, a Sueli não tarda a chegar.

- Está certa então que tudo está bem com você? Não quer ir realmente?

- Está tudo bem comigo. Já falei. E também tenho certeza que não quero ir. Não gosto de jacarés... Nem pensar. Vou aproveitar bem, ler livros, ir ao cinema, teatro e tudo que tenho direito.

- E este “direito” não inclui paquerar e namorar não é?

- Será que alguém ainda vai reparar em mim? – respondi brincando.

- Você é linda Helen! Sempre foi. E fica cada vez mais!

Ele me abraçou, ia me beijar quando ouvimos o bom-dia da Sueli, entrando pela porta da cozinha.

- Até a noite querida. Pois tenho um almoço de negócios hoje.

- Até mais Henrique. – respondi.

O resto do dia transcorria normal, de repente a expectativa de ter um mês todinho só para mim, causou-me uma euforia há muito não sentida, uma ansiedade desenfreada me envolveu.

Sueli, apesar de muito séria, estranhou meu comportamento.

- A Sra. está esquisita!

- Como esquisita? – perguntei-lhe divertida.

- Não sei não!

E sem me importar, deixei-a limpando a sala e subi as escadas cantarolando, e no fim da escada, olhei para um espelho na parede:

“É você mesma Helen?!” – perguntei-me.

Pensei em Korina. Iria adorar me ver assim.

“Marcarei hora no salão de beleza para sábado, estou precisando!”

E continuei na rotina do dia-a-dia.

Na sexta-feira pela manhã, uma correria tomava conta de todos. As malas prontas para a viagem, algo esquecido aqui, outro ali.

Todos eufóricos. Eles, não vendo a hora de embarcar e eu a hora de ficar sozinha!

Fui levá-los ao aeroporto e na despedida, senti uma dor no peito... Abraços, beijos. Recomendações etc.

Afinal, era a primeira vez que iríamos ficar tanto tempo longe, mas, a alegria das crianças era tão contagiante, que me comoveu.

- Oh mãe, vou ficar com saudades! –disse-me Tiago com os olhos cheios de lágrimas.

Mistura de emoções.

- Se o Caio ligar, diga pra ele mãe, que ligo de lá.

- Quem é este Caio Lisa?!

- Meu novo namorado!

- Mas, não era... Bem deixe pra lá... Obedeçam a seu pai, não abusem da bondade dele.

- Pode deixar mãe. Não abusaremos de papai.

- Querida, já sinto saudades! –exclamou Henrique me abraçando - Helen tenho tanto medo de perdê-la! Não se solte muito por aí.

Olhou-me nos olhos, havia uma sombra de tristeza em seu olhar, parecia pressentir alguma coisa e para aquele momento constrangedor, lhe disse sorrindo:

- E você... Tem muitas mulheres lindas por lá.

- Não tão lindas como você Helen!

- Pai, estão chamando para o embarque. – avisou eufórico Tiago.

- Bem, então vamos indo. Querida se cuida!

- Fique tranqüilo! E vocês dois se comportem!

- Pode deixar mãe! Eu e papai cuidaremos e protegeremos Lisa de namorados e qualquer perigo.

- Falou o super-herói.

O avião já decolava quando dei o último aceno, por uns momentos fiquei parada, sentindo-me perdida no meio de toda aquela gente apressada com suas malas, e sem esperar, um rapaz de terno elegante, bonito, chegou á mim:

- Esperando alguém ou está perdida?

- Estou parecendo perdida?

- Lindamente perdida! –dando-me um sorriso galanteador-E como o meu vôo vai se atrasar por alguns minutos, não gostaria de tomar um café, uma bebida comigo?

 Olhei-o, sorri e...

- Adoraria meu querido, mas, acontece que eu acabei de me encontrar. Tchauzinho! – e segui em frente, após alguns passos voltei-me e ele estava parado, olhando-me, meio divertido e desapontado, acenei-lhe dando adeus e fui ao encontro da minha temporada de liberdade!                                                                                                                       

Ao entrar em casa deparei-me com o silêncio, o vazio e a solidão me assustou momentaneamente, sabia que no início seria assim.

- Bem o que fazer?! – pensei em voz alta.

Fui até o aparelho de som, coloquei meu CD preferido e o som invadiu a sala quebrando o silêncio.

Deitei-me no sofá e usando os pés tirei minhas sandálias, que delícia poder ouvir minhas músicas, sossegada.

Estávamos no verão e ainda eram três horas da tarde e o forte calor me convidava para a piscina, levantei-me e corri para o quarto, tirei a roupa, coloquei meu biquíni. No espelho olhei-me e apesar dos quase quarenta, vi com prazer que ainda tinha um corpo desejável.

Localizei perto de um dos seios uma manchinha de nascença quase em forma de coração, e a recordação atingiu-me em cheio...

Ela veio forte, bruta, dilacerando-me em dor.

Acariciei-a, fechei os olhos e, pude ouvir:

“- Está vendo esta manchinha?! É como um desenho em formato de coração todas as vezes que a ver, me verá dentro dela!”

Suspirei fundo, quase desfaleci, num torpor de tontura, e o toque do telefone me assustou tirando-me daquelas profundas e dolorosas lembranças!

Trêmula atendi:

- Alô!

- Oi, Helen, e aí? Como está?- era Vera, uma amiga, que de vez em quando encontrávamos em raras ocasiões sociais que Henrique insistia em me levar - Oi Vera! Meio assustada... Mas, estou bem!

- O que vai fazer hoje?

- Agora vou ficar na piscina, a noite assistir um vídeo...

- Poderíamos sair mais tarde...

- Hoje não! Tenho hora marcada de manhã no salão de beleza, depois farei compras, á noite podemos ir ao teatro assistir uma comédia que acha?

- Boa idéia. Jantaremos depois combinados?

- Combinado ás oito então?

- Ás oito, até amanhã querida.

Passei o resto da tarde na piscina, curtindo cada momento. Eu, o jardim, num silêncio sendo quebrado apenas pelo gorjear dos pássaros, compartilhando da minha paz!

Agora em interação com aquele cenário, e não mais naquele estado letárgico.

À noite fiquei mais tranqüila quando Henrique ligou-me, dizendo que chegaram bem e que o vôo foi maravilhoso. Desliguei aliviada o telefone, eu os amava.

Mas...

Enfim, a vida é um mistério, pois tudo que poderia ser um todo na vida da gente, acaba não sendo, falta um elo, formando um vácuo, fora da compreensão, ficamos sem entender o por que. Assim continuamos em busca, sempre!

            

MESMO SEM SABER...

MESMO SEM QUERER,

MESMO SEM ENTENDER.

VAMOS AO ENCONTRO DO DESTINO!

“Diga-me, se não é o destino, o que será então?”

Já estava pronta, quando ouvi a buzina exagerada de Vera:

- Você está um “estouro” Helen! Se Henrique á visse... - falou-me abrindo a porta do carro.

- Realcei um pouco mais a cor dos meus cabelos, você acha mesmo que ficou bom?

- Está linda! E olhe que eu não sou de achar mulher bonita hein!

- Ora, Vera. – e rimos juntas.

O teatro foi ótimo, hilário, rimos muito. No restaurante encontramos outras amigas de Vera, duas eram casadas e uma divorciada.

Eram quase duas da manhã quando estacionamos em frente de casa:

- Nos divertimos muito não? – disse Vera.

- Foi uma noite maravilhosa, uma pena ter passado rápida!

- Gostou de minhas amigas?

- Aquela Gilda é demais. Três divórcios?! Meu Deus!

- A Gilda adora se casar e descasar. É realmente uma maluca, mas, uma pessoa adorável.

- É sim. Gostei de todas.

- Não se esqueça daquela exposição que lhe falei na quarta-feira, comenta-se ser um trabalho muito elogiado, estou louca pra ver.

- Não esquecerei. Estou também ansiosa para irmos. Afinal... Há muito não vou á uma exposição – dei um bocejo – Desculpe-me! Tá me dando um sono... Acho que foi o vinho, também quantas garrafas tomamos?!

- Perdi a conta. Eu tive que moderar, pois estou dirigindo. Na próxima você dirigi.

- Combinado amiga. Amanhã irei para o Interior visitar meus pais. Volto na quarta-feira antes do almoço.

- Mande lembranças minhas á seus pais. Sua mãe é um amor.

- Darei. Bem vou entrar. Ligue-me quando chegar em casa.

- Ligarei.

Quando Vera ligou, eu já me encontrava praticamente dormindo.    

O sol brilhava forte ao acordar, espreguicei-me na cama, sentindo-me relaxada e ao mesmo tempo um pouco cansada pela noite badalada. Por um instante quase me esqueci de Henrique e as crianças, havíamos combinado de nos comunicarmos de três em três dias, mas, entre um sentimento de saudade e culpa resolvi ligar para o hotel e como não se encontravam, deixei recado.

Cantarolando, tomei um banho, escolhi um conjunto de linho, saia e blusa salmão, me maquiei levemente:

“Helen você está um arraso!” Disse-me olhando no espelho.

Continuo enlouquecendo!

Antes eu vivia calada, perdida, absorta, e agora me vejo falando com espelhos!

Tomei um delicioso suco de laranja, liguei o alarme da casa e sai rumo á casa de meus pais que moram em uma pequena e pacata cidade do interior. Um povo bom, mas, infelizmente alienado completamente pelos preconceitos. Preconceitos estes que geram guerras, ódios, infelicidade, pelos os que se acham os donos da verdade.

Nos raros momentos de convívio com meus pais eu ficava tensa, pouco à vontade, principalmente perto de papai, a única que se sentia assim, pois Miguel logo que pode se alistou na Marinha saindo de casa. Ana, manipuladora, a “santinha” da casa, mamãe coitada, sempre passiva.

Austero, as ordens e vontades de papai tinham que ser cumpridas, querendo ou não, certas ou erradas não importavam.

A última vez que estivemos juntos, fora no natal do ano retrasado, fazia então um ano e meio que não os via.

Mamãe me telefona sempre, disfarçando sua angústia, sua lenta e agonizante angústia! Envelheceu, e sem escolha se conformou, se acomodou, aceitou viver numa falsa felicidade. Não sentiu, não viveu, nem pôde experimentar o sabor de uma grande paixão!       

“E quanto a mim; estou me conformando?! Acomodando?!”.  

Desviei os pensamentos e concentrei-me nas músicas que tocavam no rádio do carro.

A estrada estava livre.

Eu estava livre! Solta como o vento...

Com jeito travesso, aumentei o volume do som, pisei um pouco mais o acelerador, abri a capota automática do carro -  presente de Henrique ao receber a parte da herança do pai falecido!

Tenho uma cunhada, Dora, não nos damos bem. Na verdade nos toleramos, pois ela nunca aceitou que o irmão se casasse comigo.

Quando a mãe morreu, Dora tinha dez anos, e o irmão catorze, o pai sempre ocupado com as empresas na capital, não encontrava tempo para estar com os filhos, e Henrique se tornou um pai para ela.

Laura, filha de Dora, se dá muito bem comigo, tem dezenove anos, uma garota moderna, simples, não possui nem um pouco o glamour que a mãe adora ostentar.

Dora vive em conflitos com Laura, pois esta, não está nem aí com os desejos da mãe, que quer obrigá-la á viver segundo os padrões da chamada “elite”.

E contrário á mim, vivo em constantes conflitos com Lisa, que adora os padrões da “elite” incentivados pelo pai e pela tia.

Penso que Laura se parece mais comigo do que minha filha Lisa. No momento Laura está estudando, e trabalhando fora do país, é decidida, se mantém a própria custa, tem personalidade, oposto de Lisa, tão infantil, cheia de “frescuras” como diz meu pai.

Dora após o nascimento de Laura ficou impossibilitada de engravidar novamente e juntamente com o divórcio requerido pelo marido, tornou-se mais amarga, autoritária e infeliz, como costumam dizer, mal-amada. E depois do nascimento de Tiago, ela mal conseguiu disfarçar seu despeito e raiva, por eu poder ter tido outro filho, ou mais se quisesse...

Que culpa tenho eu?

Pois nem me sinto realizada, por completo.

Para isso eu teria que amar meu marido!      

“Impossível! Tento, mas, não consigo”.

Parei em uma lanchonete á beira da estrada, precisava de um café.

O local se encontrava vazio, exceto por um casal de jovens que ocupava a mesinha dos fundos.

Embora simples e o fato de ser á beira da estrada, era um ambiente limpo e agradável, senti na mesma hora o aroma delicioso de uma torta assando e de café recém coado.

- Que cheirinho bom! É de dar água na boca. O que é? – perguntei ao Sr atrás do balcão, que possuía feições limpas, vestia um jaleco branquinho e irradiava simpatia.

- Bom-dia Sra! Minha esposa acaba de assar algumas tortas. Temos de camarão, frango, palmito, queijo, e tortas doces, maças, banana.

- Com esse aroma delicioso de café... Hum... Vou querer um pedaço de torta de camarão e um cafezinho.

- Boa escolha Sra. é pra já.

- Vou me sentar á mesa lá fora, obrigada.

Ocupei uma mesa na varanda arejada e fiquei a esperar o meu pedido, senti que estava faminta, e lembrei-me que Lisa não pode nem com o cheiro de camarão, ela é alérgica.

Um vento fresco desmanchava meus cabelos trazendo-me recordações. Olhei aquelas árvores, os morros... Quantas e quantas vezes paramos aqui nesse lugar, quando íamos a excursões para a praia. Aqui havia um barracão feito de madeira e um sanitário onde a sujeira reinava absoluta e até tinham coragem de servir café, pão com lingüiça, água etc. E ríamos muito quando minha avó indignada desabafava: “E a sujeira Deus amou!”.

Por quê?! Por quê?! As lembranças se enraizaram dentro de mim, não me deixando em paz!

SINTO DENTRO DE MIM

UM VAZIO TÃO GRANDE,

E MINHA ALMA JAZ PERDIDA

NA MELÁNCOLIA DA NOITE...

SINTO COMO O MUNDO PARASSE LÁ FORA!

SINTO-ME SEM ENCANTO

NÃO HÁ BRILHO NA LUZ DA NOITE!

E A SOLIDÃO VEM DE MANSINHO

JUNTO COM A BRISA FRIA...

VEM PARA ME AÇOITAR, ME MARTIRIZAR, ME ENCHER DE AGONIA...

AS CRIANÇAS DORMEM, E EU SÓZINHA NESTA CASA QUE AGORA ME PARECE IMENSA.

O SILÊNCIO FERE-ME OS OUVIDOS!

A DOR FERE MEU CORAÇÃO!

QUE MOMENTOS SÃO ESTES QUE CHEGAM DE REPENTE;

SEM PEDIR LICENÇA;

SEM AVISAR,

TORNANDO-ME UM INSONE E SOLITÁRIO SER!

SIM!

QUE MOMENTOS SÃO ESTES QUE ME ANGUSTIA, ME DESPEDAÇA?

COMO SE FALTASSE ALGO...  O QUÊ?!

- Senhora... Senhora...?

- Ah... Sim... Desculpe-me.

- O seu pedido. - disse-me o simpático Sr.

Devorei aquele pedaço de torta e pedi mais outro, estava realmente deliciosa. O café fresquinho como eu gosto.

Ao pagar a conta, comprei uma torta para levar para minha mãe e aproveitei para perguntar:

- O Sr. é novo aqui não?

- Sim. Eu e minha esposa saímos da capital, muita violência. Compramos um sítio aqui atrás e resolvemos abrir este bar. As tortas de minha esposa são famosas e no fim-de-semana, fica lotado.

- Havia aqui uma barraca...

- A barraca da sujeira?! Nós quase morremos de susto e nojo ao vê-la. A Sra é de alguma cidade perto daqui?

- A próxima cidade, onde moram meus pais. Eu me casei e fui embora com meu marido! – ao dizer “marido” me soou tão distante - Sr...

- Antônio Mendes.

- Sr. Antônio, havia também por aqui, uma árvore... Um ipê para ser mais exata... O Sr a cortou?!

- Absolutamente! Jamais faríamos isso, ele está no mesmo lugar de sempre! Pode ir vê-lo. Com licença chegou freguês fique á vontade.

Sai do bar, contornei a varanda onde agora já havia mais pessoas e fui para os fundos.

E ali estava ele. O majestoso ipê! Todo coberto de flores amarelas, lindo, soberbo, a essência da natureza, deve ser sem dúvida nenhuma, um dos orgulhos de Deus!

Meu coração começou a bater forte, queria sair correndo dali, mas, ao mesmo tempo fui andando em direção ao ipê, indiferente á minha emoção, ao meu medo! O fantasma do passado rondando, me encurralando... Banco de madeira, agora acompanhado de uma mesinha, todo pintado, devagar me aproximei e ao chegar perto do tronco, não precisei procurar muito. Passados, todos estes anos lá estavam juntinhas as iniciais, dentro de um desenho em forma de coração e escrito “Até que a morte nos separe!”

Sentei-me! Não tinha forças nas pernas. Oh meu Deus! Por quê?! Por quê?!

Um calor, uma sensação profunda invadiu meu ser... E sua imagem apareceu diante de mim, seu sorriso, sua voz... Tão terna. Tão cheia de amor!

- Hei Senhora... Senhora!

Assustada, voltei das recordações ao ouvir os chamados que eram direcionados á mim, pediam licença para fotografar o ipê.

Dei graças á Deus e sai correndo, desejando fugir de sua imagem, seu sorriso e de sua voz me chamando.

Peguei a torta, despedi do Sr. Antônio prometendo voltar outras vezes, entrei no carro, dei a partida sem olhar para trás.

E por muitos metros distantes eu ainda podia ver pelo retrovisor do carro a copa florida do ipê, como me dizendo: “Não adianta fugir! Não adianta fugir!”.

Ao chegar à rua da casa de meus pais, notei que nada havia mudado neste ano e meio.

Parei em frente à casa, e pude notar que o jardim continuava maravilhosamente bem cuidado por mamãe, creio que seja o único momento de liberdade que ela tem.

Buzinei e rapidamente a porta se abriu, e mamãe sorrindo veio alegremente ao meu encontro:

- Filha! Minha querida filha! Que saudades. Ontem eu dizia de você á sua irmã.

Meus olhos se encheram de lágrimas ao abraçá-la, mamãe também chorava.

- Não chore mamãe! - e entramos em casa.

- E papai?

- Seu pai está na pracinha jogando xadrez com seus amigos. Logo ele chegará para o almoço.

Mamãe se afastou um pouco e me avaliou:

- Helen! Como você está diferente!  Está parecendo artista de cinema!

- Como diferente mamãe?! Ah deve ser os cabelos, eu... Apenas realcei mais a cor deles.

Assustada, voltei das recordações ao ouvir os chamados que eram direcionados á mim, pediam licença para fotografar o ipê.

Dei graças á Deus e sai correndo, desejando fugir de sua imagem, seu sorriso e de sua voz me chamando.

Peguei a torta, despedi do Sr. Antônio prometendo voltar outras vezes, entrei no carro, dei a partida sem olhar para trás.

E por muitos metros distantes eu ainda podia ver pelo retrovisor do carro a copa florida do ipê, como me dizendo: “Não adianta fugir! Não adianta fugir!”.

Ao chegar à rua da casa de meus pais, notei que nada havia mudado neste ano e meio.

Parei em frente à casa, e pude notar que o jardim continuava maravilhosamente bem cuidado por mamãe, creio que seja o único momento de liberdade que ela tem.

Buzinei e rapidamente a porta se abriu, e mamãe sorrindo veio alegremente ao meu encontro:

- Filha! Minha querida filha! Que saudades. Ontem eu dizia de você á sua irmã.

Meus olhos se encheram de lágrimas ao abraçá-la, mamãe também chorava.

- Não chore mamãe! - e entramos em casa.

- E papai?

- Seu pai está na pracinha jogando xadrez com seus amigos. Logo ele chegará para o almoço.

Mamãe se afastou um pouco e me avaliou:

- Helen! Como você está diferente!  Está parecendo artista de cinema!

- Como diferente mamãe?! Ah deve ser os cabelos, eu... Apenas realcei mais a cor deles.

- Não! Não! Não é só o cabelo... É você! Está com outra feição... Tão diferente da última vez que esteve aqui. Mais solta...

- Ora mamãe! Só estou feliz por estar aqui com a Sra.! Estava com saudades! –abracei-a novamente.

- Minha filha! E Henrique, as crianças, como estão lá no Pantanal? Fale-me enquanto acabo de fazer o almoço, as panelas estão no fogo.

- Ah mamãe, trouxe uma coisa que a Sra. vai adorar, espere um minuto, volto já.

Fui até o carro e peguei a torta e minha valise, trouxera poucas roupas, pois não pretendia passar mais que dois dias, amo papai, mas, infelizmente é impossível agüentá-lo, somente minha mãe para suportá-lo.

- Feche os olhos, mamãe. – disse-lhe empolgada partindo um pedaço de torta que ainda estava quentinha - Abra a boca, não vale olhar. –coloquei um pedaço em sua boca.

- Hum!Hum!...Que delícia! Torta de camarão!?

- Uma delícia, não?

- Até hoje não consigo fazer uma torta assim, tão gostosa! Onde encontrou?

- Lembra mamãe, onde os ônibus paravam para o café, banheiro... Lá na estrada?

- Ah sei. “Onde a sujeira Deus amou!” Não me vá dizer que é de lá?!

- Não! – ri - Pelo amor de Deus não! Aquilo acabou. No lugar, um casal muito simpático, montou uma lanchonete adorável, tudo muito limpo, e é a esposa quem faz as tortas.

Doeu, saber que mamãe não saia para lugar nenhum. Foram poucas às vezes que ele a levou para nos visitar, diz não suportar o barulho, os agitos da cidade grande.

- Muito gostosa... Uma delícia! – comendo a torta e olhando as panelas no fogão.

O cheirinho do feijão temperado lembrou-me a nossa infância.

- Está tudo pronto. Vamos esperar seu pai.

Fixei o olhar em mamãe.

- Não muda nunca, não é?

Pois enquanto, ele não chega, não podemos comer, e o almoço tem de estar á mesa pontualmente ao meio-dia.

- Ele já está muito velho para mudar. Mas, conte-me, tem tido notícias das crianças?

- Tenho sim. Estão encantados por estarem no Pantanal. E Ana, Miguel como vão?

- Ana está grávida como você sabe, quer um menino de qualquer jeito.

- Cinco filhos! Ana é doida! É um risco esta gravidez!

- Ela não se conforma de não ter tido um menino.

- E eu tive um, não é? E papai dizendo sempre que mulher boa é aquela que pari filho!

- Dói muito para uma mãe dizer isto, mas, a Ana sempre a invejou. – disse-me com olhar triste.       

- Vamos esquecer isso mãe!  Torcer e pedir á Deus que dê á ela um menino e que corra tudo bem no parto.

- Rezaremos filha!

- E Miguel?

- Telefonou, está namorando firme e pretende noivar. A moça também é da Marinha, mandou-lhe um beijo e pediu desculpas por não ligar para você, ele viaja muito!

- Miguel, meu querido irmão. Estou com saudades dele.

Ficamos em silêncio, olhei mamãe e notei que envelhecera mais do que a idade que tem.

- E você minha filha, como está?

Ia responder quando ouvimos a porta se abrir, imediatamente à tensão tomou conta de mim, me pondo pouco á vontade perto de papai.

Eu e mamãe levantamos juntas ao vê-lo entrar na cozinha.  Ele parou e seu olhar por um momento foi de calor e amor, cheio de saudade. Desejei que ele abrisse os braços para que eu pudesse abraçá-lo e dizer... Mas, continuou imóvel, apoiando-se na bengala e sua voz saiu como sempre fria e autoritária:

- Até que enfim, lembrou-se de nós!

Fiquei parada, sem saber o que dizer ou fazer, sentindo uma dor por dentro. Eu não me acostumei, não consegui ficar imune ao seu jeito frio, parece até que se diverte em nos tratar assim.

- Oi papai, como vai?

- Estamos indo muito bem! Eu e sua mãe!

- Ainda falando dirigiu-se para uma pia no corredor que dava para o quintal, lavar as mãos.

- Você não deveria estar com eles?! A mulher tem obrigação de acompanhar o marido!

Mamãe me olhou e abaixou a cabeça.

- Decidimos que seria melhor irem somente eles. E demais, não gosto muito das atrações turísticas do Pantanal.

- Esses homens de hoje! Bem, vamos almoçar. O que é isso? – perguntou mostrando a torta.

- É uma torta de camarão, que trouxe. Está uma delícia, prove um pedaço papai.

Pensei que fosse recusar somente para me aborrecer, mas, para minha surpresa cortou um pedaço e comeu:

- Sua mãe, faz melhor!

Mamãe e eu rimos juntas com o olhar. E em silêncio almoçamos.

Após o almoço papai foi se deitar fiquei com a mamãe ajudando-a arrumar a cozinha:

- Eu não agüentaria uma vida assim, mamãe!

- E você filha, com o Henrique te tratando como uma rainha, não me parece tão feliz, pelo contrário...

Mamãe então percebia...

- É diferente!

- Diferente?! – mamãe veio até a mim, passou carinhosamente a mão no meu rosto.

- Você acha querida que não percebo que você não é feliz?

- É tão evidente?!

- Eu te conheço minha filha!  Já terminamos a cozinha, vamos para o quintal, lá poderemos conversar á vontade!

Segui mamãe, me sentindo inquieta. Chegando ao quintal nos sentamos embaixo daquela velha árvore que tantas vezes ouviu meus prantos.

Ela me olhou nos olhos.

- Então, diga-me, que diferença faz? Por que não é feliz com Henrique?!

Eu queria fugir daquela pergunta, daquela conversa... Mas, como? Se seu olhar não deixava.

- A Sra ama papai?

- Bem, com o tempo, a convivência... Apesar do jeito do seu pai, eu... Eu... Ele não me trata tão mal, e no meu tempo... A gente se casava sem amor!

- Obrigada, não é mamãe? Foi diferente comigo?

- Mas, Henrique é oposto do seu pai, e esses vinte anos... Você deve amá-lo?

- Não! Gosto dele, mas, não o amo!

- Mas, Helen, como?! Eu não posso entender, Henrique é um bom homem, carinhoso, te dá de tudo, é direito, e também muito formoso. Vocês formam um belo par, as crianças...

- Eu sei mamãe! Eu mesma não consigo me entender. Não sinto nada por ele, nem mesmo ciúme tenho, muitas vezes rezei para que ele se interessasse por outra mulher, mas, não...

- Você está louca?! Ele te ama! Adora-te! Acha certo o que diz?! Ele não merece isso!

- E sabia que eu não o amava, quando aceitou e quis se casar comigo. Eu tentei juro, que tentei! Eu não sei o que acontece, amo meus filhos, tenho de tudo e, no entanto sinto um vazio...

- Faz tempo que venho notando o seu jeito! Até Ana percebeu.

- É acho que agora chegou num ponto em que eu não estou conseguindo evitar, esconder...

- E o que pensa em fazer?!

- Não sei! Sinceramente, não sei! A única coisa que sei, apesar de sentir saudades deles, é que estou me sentindo muito bem sozinha!

- Você não esqueceu não é?!

A crucial pergunta.

- O quê?! – perguntei-lhe com o coração apertado.

- Você sabe!

- Por Deus mamãe!

- Apesar de tudo, foi melhor assim!

- Será que foi mesmo?!

- Você agora tem seus filhos, Helen! É neles que você tem de pensar!

Foi sua resposta. E o assunto encerrado.     

Mas, nada que poderia ser dito mudaria o que sinto. Pois eu mesma não conseguia.

À noite fui à igreja com mamãe, havia uma festinha religiosa na praça principal.

Na igreja, rezei, pedi e implorei para que Deus me ajudasse a esquecer, fizesse com que eu mudasse meus sentimentos por Henrique.

Passeamos por entre as barracas de quitutes e bebidas, aquela festa e tudo mais me trazia dolorosas e saudosas recordações, a praça, nossas brincadeiras pelas ruas, os conhecidos perguntando por tudo...

Meu Deus! Eu precisava sair dali urgente.

Disse á mamãe que estava com dor de cabeça e voltamos para casa, dei boa noite para os dois e fui para o meu antigo quarto, minha cama...

Deitei-me, não conseguia dormir, novamente sua imagem, sua voz me chamando, batendo levemente na janela...

Com muito custo adormeci, mas, meu sono foi invadido pelo passado e com ele fiz amor, numa explosão de paixão... E de repente meu pai apareceu, nos separando, ameaçando-nos...

Sonhos, pesadelos... Acordei suada, trêmula, com meu corpo banhado em desejos, faminto... Como há muito não sentia!

Mamãe olhou-me assustada com minhas olheiras:

- Que isso Helen?!

- Nada mamãe! Devo estar ficando gripada!

- Foi a friagem de ontem à noite! Vou lhe fazer um chá.

- Obrigada mamãe.

Fomos passar o dia na casa de Ana.

João Luis sem a maior cerimônia disse-me que eu estava linda, com o corpo em forma e como conseguia me manter assim. Fiquei totalmente sem graça e Ana o fuzilou com o olhar e atacou-me:

- Não se esqueça! Minha irmã é madame, tem mordomias!

- Ana não comece! Vocês duas não são mais crianças! – disse papai.

- É brincadeira pai! Como vai minha irmã? E seu marido, Tiago, Lisa como estão?

As minhas lindas sobrinhas vieram fazendo a maior festa e nos abraçou. No abraço de Ana, não havia calor, não havia nenhuma sinceridade... Entristeceu-me ver que Ana não mudara nada seus “ressentimentos” íntimos pela minha pessoa.

O dia transcorreu com ela falando orgulhosa que desta vez teria um menino. E entre uma conversa e outra, enviava-me algumas alfinetadas.

Notei que ela estava louca para puxar conversa comigo, mamãe me olhava como dizendo, não ligue, e com jeito me esquivei de suas tentativas maldosas.

Após o almoço, papai tinha ido às plantações com João Luis, então fui brincar com minhas sobrinhas que, graças a Deus, penso eu, não herdaram a características horríveis de Ana.

Finalmente o dia findou e voltamos para a casa com papai resmungando sobre o meu carro:

- “Pra que gastar dinheiro com um carro tão caro! Absurdo!”.

“Oh! Meu Deus dê-me, paciência!”

Cansados, tomamos um lanche e fomos dormir.

Na manhã seguinte, alegando preocupação com a casa, preparei-me para retornar.

- Helen, minha filha. Não vá tomar decisões em que depois vá se arrepender!

- Que decisão Mamãe?! Eu nem sei o que se passa comigo!

- Bem! Quando seu marido e seus filhos voltarem, tudo voltará ao normal!

“È isso que não quero! Voltar tudo como antes, entende?”

- Fique tranqüila mamãe! Estará tudo bem!

- Diga aos meus netos que a vovó e o vovô estão com saudades!

- Direi para eles telefonarem. Até outro dia mamãe.

Num impulso cheguei até papai e lhe dei um beijo e totalmente atônita fiquei, quando meu pai me abraçou e me beijou também.

Comovida com este ato tão inesperado meus olhos se encheram de lágrimas, olhei para mamãe que também se comovera.

Carinhosamente passei a mão no rosto barbeado de papai, o bigode bem aparado, apesar da idade bem avançada, estava firme e forte.

- Papai! - e quebrando o encanto, disse-me bruscamente:

- Helen! Lugar de mulher é ao lado do marido!

E voltou-se duramente para dentro de casa.

- Não ligue! Seu pai vai ser sempre assim. É o seu jeito de amar!

- Os brutos também amam!

Abraçamo-nos e nos beijamos mais uma vez.

- Até mais, mãe! Se cuide.

- Juízo filha! Mantenha os pés no chão!

Com o coração apertado liguei o carro e fui visualizando a imagem sofrida e calada de minha mãe acenando.

Virei a esquina, pisei um pouco mais e segui como se fugisse...

Tornei-me uma fugitiva, fora dos padrões.

Fugir de algo que nos prende por dentro.

“Por favor, me ensina, me responda... Como fugir de nós mesmos, como?!”

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >
capítulo anteriorpróximo capítulo

Capítulos relacionados

Último capítulo