Capítulo IV - Chuva de Sangue

O despertador toca. São 7:00 da manhã. Ethan se levanta. Como todo jovem, a primeira coisa que ele faz é pegar o celular na cômoda ao lado da sua cama. Tem algo errado, o termômetro está registrando 9° Celsius e chuva. Mas a previsão do tempo era de 30° Celsius e um dia bem ensolarado, afinal, estamos no verão.

Ethan sai do seu quarto e caminha em direção as escadas no final do corredor. Enquanto desce, ele ouve seu pai falando ao telefone, pelo tom da voz, ele não está muito contente.

— Pai?

—  Estou na cozinha — responde Thomas.

— Estava falando com quem?

— Com as empregadas e a babá. Elas estão presas na cidade, por causa dessa chuva. Mas que droga! O noticiário não disse que faria sol hoje?

— Disse, mas pelo visto se enganaram.

— Nós estamos no verão! - Disse Thomas com um tom de voz firme. - Deveria estar calor lá fora!

— Acho que vamos ter que levá-los. Se bem que eu não consigo falar com a sua mãe, ela não atende e não responde minhas mensagens.

Enquanto Thomas tentava falar com Julia, Ethan foi até a sala para ligar a TV. Ethan pega o controle que estava jogado no sofá e liga a TV. O sinal não está muito bom, tem estática. Erika Springs, jornalista da CNN está no sobrevoando Nova York. Tem que ter coragem para fazer isso nessa chuva. É possível ver tropas do exército se movimentando pela cidade. "O que está acontecendo?", pensa Ethan.

—  Ethan!

— O que foi, pai?

— Consegui contato com a sua mãe, o vôo dela deve pousar no JFK dentro de 30 minutos. Vá se arrumar e tomar café da manhã.

— As crianças vão vir com a gente? —  Perguntou Ethan.

— Sim — respondeu Thomas. — Pelo visto vamos ficar sem empregadas e sem babá por hoje.

Ethan foi em direção ao banheiro. Enquanto escova os dentes, o som de notificação do celular toca. É Delaney. As mensagens estão incompletas, como se algo estivesse interferindo nelas. E de fato está. A internet, o telefone, o rádio, a TV... Tudo o que emite sinal está com problemas. Cientistas dizem que as ondas do Big Bang são responsáveis pelas interferências nos sinais de rádio e TV, será que essa interferência tem a ver com a grande explosão que foi detectada pelas agências espaciais?

Tem... coi... vo...

"Não consigo ler a mensagem", pensa Ethan. Talvez ele devesse ligar para ela.

— Ethan! — Thomas chama por Ethan, com um tom firme em sua voz. — Eu disse para você ir se arrumar, não ficar mexendo no celular.

— Desculpe, Pai. É que meu celular tá com problema e...

— Não quero desculpas. Anda logo!

Thomas não fala assim há... Espera! Ele já falou alguma vez assim com Ethan? Ele anda sempre ocupado. Tão ocupado que não consegue arranjar tempo para brigar com Ethan. Thomas está arrumando as crianças. Como a babá faz falta em uma hora dessas. Ethan está comendo na cozinha, quando começa a ouvir sussurros. "Ethan".

 "Nos deixe entrar".

 "Ethan, meu amor".

— Pai? — Disse Ethan. —  O senhor disse alguma coisa?

— Não! — Gritou Thomas.

Já se passou 30 minutos desde que o vôo pousou. Julia deve estar ficando estressada por ter que esperar tanto. Ethan e Thomas estão descendo para o estacionamento. O carro está no final dele. Enquanto caminham até ele, Ethan volta a ouvir sussurros. Mas desta vez, ele não consegue ouvir o que dizem.

—  Disse alguma coisa, Ethan? — Perguntou Thomas.

— O que disse?

— Você disse alguma coisa?

— O senhor também ouviu os sussurros?

— Ouvi. Não foi você?

— Não.

— Que estranho.

Sam estava nos braços de Ethan; Dan estava nos braços de Thomas. Sam começa a olhar fixamente para Ethan. Um olhar era de medo. Assustado. Seus olhos começam a se encher de lágrimas. Dan começou a chorar, seguido de Sam.

— Ei, o que aconteceu? — Disse Thomas, balançando-o. — Calma. Já estamos indo buscar a mamãe.

Ethan e Thomas colocam os meninos no carro. Se asseguram de que os cintos das cadeiras de bebês estão presos e firmes. Após isso, ambos entram no carro e saem em direção ao aeroporto. Está chovendo. Não é uma chuva forte, mas também não está tão fraca. As ruas estão um pouco congestionadas. A ponte Manhattan deve estar horrível.

— Ligue para a sua mãe, — disse Thomas — avise que já estamos chegando.

Antes que pudesse pegar o celular, o mesmo começou a tocar. É Julia, sua mãe. Ethan desliza o ícone para atender o celular.

— Alô?

— Ethan... — o áudio estava com interferência estática — me... Deus...

— Mãe? — Disse Ethan com a voz de preocupação.

— O que foi? - Perguntou Thomas.

— Estamos... t... fantasmas.

— A ligação está com interferência — disse Ethan. —  Não consigo falar com ela.

— ETHAN, VENHAM RÁPIDO!!! — Gritou Julia, no celular. A ligação cai.

— A ligação caiu.

— O que ela disse?

— Ela gritou "Venham rápido".

Jatos militares cruzam o céu de Manhattan, o que acaba assustando tanto as crianças, quanto Ethan e Thomas. Caminhões militares atravessam o cruzamento após o semáforo. Thomas liga o rádio do carro.

— Pai, tem alguma acontecendo. É melhor irmos rápido.

Mark Green, apresentador da rádio NY1, está falando. Tem alguma coisa acontecendo. Não só em Nova York, mas no mundo inteiro.

"Recebemos... rela... todo...".

 A estática está aumentando. As comunicações estão pouco auditivas.

"Não saiam de casa... procu... abrigo".

— Pai, — perguntou Ethan, assustado — o que está acontecendo?

A sirenes de alerta antiterrorista começaram a soar na cidade. Bombas e tiros são ouvidos. Mais jatos voam sobre eles. Estão atirando em alguma coisa. As crianças ficaram assustadas com o barulho e começaram a chorar. Thomas acelera o carro, desesperadamente.

— Estamos sofrendo um ataque terrorista? — Questiona Ethan.

— Talvez! E você nem se preocupou com o de Londres, não é?

Um caminhão explode do outro lado da rua. As crianças se assustam mais ainda.

— A gente tem que sair da cidade — disse Thomas.

— Precisamos buscar a mamãe antes! —  Retrucou Ethan.

— Não temos tempo para buscar sua mãe, a cidade está sendo atacada.

— O quê?! Não podemos abandonar ela.

— Eu sei, mas não vamos conseguir chegar ao aeroporto.

— VIRA A PORRA DESTE CARRO AGORA!!! — Berrou Ethan.

Ethan vira o volante bruscamente. Eles começam a brigar. Sam e Dan estão chorando. Ninguém sabe o que aconteceu com Julia, mãe de Ethan, esposa de Thomas. Que atitude egoísta. Deixar a própria esposa para morrer. Em meio ao caos, a discussão e ao pranto das crianças, Ethan se distraiu por um momento. O motivo? Ele viu alguma coisa.

— Pai... — disse Ethan, com uma voz de medo - o que é aquela...

— O quê?! — Olhou para sua frente. — Ah, meu Deus!

Thomas avista a criatura que Ethan viu. Não tinha chifres. Não tinha a escamas. Não tinha dentes afiados ou a aparência de um monstro. Era um como um fantasma. Um ser espectral e transparente. Flutuava com um bando pela cidade. Tinha corpo humanóide. Não tinha olhos, mas sim buracos pretos no lugar dos mesmos. Desaparecia e aparecia, como se fosse uma lâmpada acendendo e apagando. São eles que estão sussurrando para Ethan. São eles que estão sussurrando para todos.

— Ainda quer ir buscar sua mãe no aeroporto?

— Que...

Antes de Ethan terminar a resposta, um caminhão atinge o carro no cruzamento. O carro gira na pista. Bate em um poste na calçada. Ainda tonto, Ethan se vira para trás preocupado com os seus irmãos. O choro piorou, embora as crianças estejam bem. As crianças berram desesperadamente. Eles estavam bem presos nas cadeirinhas de criança. Ethan balança Thomas, que estava com o rosto no airbag. Meio tonto, ele vira-se para Ethan. Tenta ligar o carro novamente, mas sem sucesso. Ethan observa os fantasmas atacando uma pessoa. Estavam entrando dentro do indivíduo, como se estivessem possuindo-o. Ele contorce desesperadamente no chão, como se estivesse tendo suas entranhas sendo puxados para fora do corpo.

— Pai... — Diz Ethan, ainda meio tonto — precisamos sair daqui.

— Tá. Me ajuda a pegar as crianças.

Ethan e Thomas saem do carro. Está chovendo. Uma chuva gelada que bate em seus rostos. Ambos precisam proteger as crianças. Pessoas estão correndo desesperadamente pelas ruas. Algumas estão sendo atacadas. Ambos tiram as crianças do carro, correndo para longe dali.

— Pai, eu conheço essa avenida. Estamos perto da casa da Delaney.

— E você acha que ela ainda está lá?

— Ela é muito medrosa para sair de casa em uma situação dessas. Vamos logo!

Ethan e Thomas correm junto com a multidão. Milhares de pessoas desesperadas correndo sem rumo, lutando por suas vidas. Jatos militares cortam os céus de Manhattan, enquanto tanques e carros militares cruzam as ruas e avenidas da cidade. Eles precisam tomar cuidado com as crianças. Uma chuva gelada. Uma multidão correndo e lutando por suas vidas. Tudo pode acontecer. Ethan está com Dan, seu pai com Sam. Ambos correm pelas ruas como se o amanhã não fosse acontecer para eles. Um fantasma está mirando em Thomas. O fantasma alcança Thomas. O mesmo tropeça na calçada, caindo com Sam em seus braços. Thomas se virou de costas durante a queda para não machucar Sam, derrubando o bebê em seu peito. Ethan volta para tentar ajudar eu pai.

— Pai, se levanta. Rápido.

O choro dos meninos tende a aumentar em uma frequência cada vez mais desesperadora. Ethan volta a ouvir sussurros.

 "Me dê as crianças, Ethan".

 É o que ele ouve.

— Pai, se levanta logo! — Gritou Ethan.

— Pegue o Sam — disse Thomas, levantando-se.

— Vamos. Não estamos muito longe — afirma Ethan.

Antes que pudesse devolver Sam aos braços de seu pai, Thomas é atingido nas costas. É um fantasma. Ele foi possuído. Começa a se contorcer no chão.

— PAI!!! — Grita Ethan, desesperado.

— SAI DAQUI!!! — Grita Thomas.

— Eu não vou deixar você!

— Sai — disse Thomas se contorcendo, enquanto seus olhos se enegrecem. — Salve seus irmãos.

Ethan não sabe o que fazer. As pessoas estão correndo desesperadas. Ninguém para ajudar. Uma menina, parada do outro lado da rua enquanto os observa, corre até Ethan para ajudá-lo.

— Ei, precisa se levantar — disse a menina. — Temos que sair daqui.

— Ele é meu pai, eu não vou deixá-lo.

— Eu vi o que aquelas coisas fazem com as pessoas, seu pai não vai resistir. Precisamos sair daqui. Rápido!

A menina pega Dan em seus braços, puxando Ethan em seguida. Thomas continua se contorcendo no chão, até ser totalmente possuído. Ethan corre com a menina até chegar no prédio em que Delaney vive. Ele não consegue acreditar no que aconteceu. Ambos sobem as escadas até o 9° andar, no apartamento 97, onde Delaney mora. Ao chegar, Ethan bate na porta desesperadamente.

— DELANEY! — Ethan grita. — Abre a porta, sou eu! Sou eu, Ethan!

— Quem mora aqui? — Perguntou-lhe.

— Minha namorada.

— A propósito, eu sou Amanda.

— Ethan. Muito prazer.

A porta se abre. Ethan estava certo, Delaney não saiu de casa. Mas não foi ela quem abre a porta.

— Entrem — disse a senhora.

— Oh, graças a Deus! — Disse Delaney.

Ethan corre para abraçá-la. Sam e Dan continuam chorando. Estão um pouco machucados. A vizinha de Delaney, Sra. Sharon, corre para socorrer as crianças. A casa está cheia. Há sete pessoas além de Ethan, Delaney, Amanda e as crianças.

— Quem é ela? — Perguntou Delaney, sobre a Amanda.

— Eu sou Amanda. Eu estava correndo fugindo quando encontrei eles caídos na rua.

— Vocês caíram?! — Por isso as crianças estão machucadas?

— Sim — responde Ethan. — Também sofremos um acidente de carro. Meu pai estava dirigindo, fomos atravessar o cruzamento e um caminho bateu com tudo em nós.

— Com licença, — Disse Sharon — Delaney, onde fica a caixa de medicamentos? As crianças estão com alguns machucados.

Ethan se sentou no sofá. A TV estava ligada. Havia um pouco de estática, mas ainda era possível acompanhar o noticiário.

"Estamos mostrando imagens de várias cidades do mundo. O primeiro relato da aparição dessas coisas, foi em Londres", dizia o jornalista da CNN. "O governo decretou lei marcial e exigiu que todos os civis permaneçam em suas casas".

"Fontes não confirmadas alegam que essas coisas são responsáveis pelas chuvas. Se vocês perceberem, a chuva está em todas as cidades que estão sendo atacadas".

A TV perde seu sinal. Delaney muda de canal para ver se há sinal em outros canais, mas não sem sucesso.

— Quem são essas pessoas? — Pergunta Ethan.

— São meus vizinhos.

— Onde estão seus pais?

— Papai saiu para trabalhar hoje cedo. Minha mãe foi à padaria e não voltou.

Ethan está preocupado com as crianças. Ele se levanta e vai até o quarto ver como eles estão. Sharon, a vizinha de Delaney, está acalmando os bebês. Ele fica aliviado. Mas ainda está receoso e preocupado. A pancada do caminhão foi forte. Será que isso machucou muito os gêmeos? Não. Não tanto como deveria. Eles estão bem.

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