Pantinus, do outro lado do platô que era o mundo, próximo às cachoeiras do final da tábua de Gaia, era governada por dois cônsules. Mas a cultura era diferente de Athia, acreditava-se muito mais nos Deuses. As vestes dos cônsules eram púrpura e o senado se vestia de puro dourado, demonstrando quão poderosos eram. E eram apenas doze, contando com os cônsules, face aos duzentos senadores que Athia tinha.
Maya acordou de um pesadelo. Ela tinha apenas sete anos e, quando se levantou de sua cama de palha, viu uma mancha vermelha nos trapos em que se cobria, o que significava que sua flor havia desabrochado. Mas isso era para acontecer quando tivesse mais ou menos quatorze anos. Ela correu as mãos até seu item mais valioso, um espelho, que ficava em cima de uma cômoda ao lado da vela que já havia se esquecido de ficar acesa pelo decorrer do tempo.
Hélios, o Deus Sol, espiava vagarosamente pela janela interna da casa e, quando olhou para si mesma no espelho, Maya deu um grito agudo. No grito, sua voz mudara. Num assomo repentino da mão livre, tocou-se. Agora ela tinha seios e o rosto estava muito mais velho do que deveria estar. Os cabelos vermelhos, que herdara do pai e estavam na altura dos ombros, agora batiam no meio das costas. Na noite anterior ela tinha sete anos e, agora, era uma mulher completa. De esguelha, olhou os pais dormindo na cama ao lado. Eles pareciam os mesmos. Estavam acordando assustados com o grito da filha a essa hora da manhã. Rapidamente, Maya correu até sua capa vermelha e cobriu o corpo.
- O que foi minha filha? - disse sua mãe, desesperada, e parecia que tinha se materializado para seu lado de tão rápido que dera a volta na cama com os cabelos castanhos lisos soltos e o olhar claro arregalado.
Ela olhou para o rosto da filha e viu a si mesma, como se num espelho, item que caiu das mãos de Maya para o tapete no chão. Elas estavam muito parecidas, exceto pela cor dos cabelos. Cassiana olhou o sangue na cama da filha e depois tocou-lhe o corpo sob a capa vermelha. Assustou-se e afastou-se como se Maya fosse um monstro. O pai de Maya, Kyran, com seus olhos verdes e cabelos vermelhos muito lisos, se aproximou com uma vela nova, acesa, colocou o castiçal ao lado da outra vela, apagada, e observou a cama.
- Filha, não precisa se assustar. Sua flor desabrochou, você agora é uma mulher.
- Você é estúpido, Kyran? - reclamou Cassiana. - Nossa filha, veja! De um dia para o outro, ela tem seios!
Maya abraçou o próprio corpo e, sentou-se e se encolheu na cama.
- Vocês não sabem de nada! Nada! - Maya se enrolou em seus lençóis e em sua capa vermelha.
Kyran segurou Cassiana pelo braço e a sacudiu.
- Não iremos fazer isso com o nosso bebê.
- Era para ela ter três anos! Os vizinhos vão começar a comentar!
- Diremos a eles que ela é uma prima distante de Maya e que veio de Athia. Para estudar ou algo do gênero. Não sei o que faremos, mas você não vai fazer aquilo!
- Eu não vou ser morta pela minha própria mãe! - ralhou Maya, já assentando-se na cama e colocando suas sandálias de palha. A fala da garota surpreendeu seus pais. - Você já me amaldiçoou quando eu era pequena, eu ouvi em meus pesadelos!
- Sonhos não falam nada para nós! - gritou Cassiana. - Pois eu vou-me embora de volta para Majorin! Para mim chega!
Cassiana foi pegar uma mala, em formato de baú, e Kyran se aproximou, abraçando-a de modo carinhoso.
- Então aqui nos despedimos. Não vou desistir da nossa filha.
Como um raio, Maya, encoberta por sua capa vermelha, saiu correndo de casa. Seu destino? Nem ela mesma sabia. Seu pai foi ao seu encalço.
A família de Maya, os Marconi, estavam quase em ascensão nas notáveis famílias de Pantinus, que era um grupo muito seleto de famílias. Apenas doze famílias podiam se considerar realmente notáveis:
Hanlon era a primeira família de Pantinus. Era conhecida como a mais rica e mais graciosa, entretanto pecavam na caridade. Sim, a caridade era muito valorizada, pois quanto mais caridoso se é com a pólis, mais renome é ganho pela família. O senador dos notáveis Hanlon era um homem velho e seu irmão, mais velho ainda, Brandon, era um dos cônsules da cidade. Era a única família que possuía dois membros no fórum.
Connlaoth era a segunda família de Pantinus. Farfalie era a única mulher do senado. Sozinha, viúva, resolveu não se casar novamente e não possui filhos homens, portanto, ocupou a cadeira no senado de Pantinus em nome da família.
Ansgar, a terceira família, era uma família de guerreiros. Nunca chegariam a ser a primeira família, pois a brutalidade e a guerra estavam em seu sangue e, tais atos, não valorizavam a boa conduta na pólis. Infelizmente, como Farfalie não poderia ser consulesa por ser mulher, Wagner de Ansgar era o segundo cônsul. Graças a este fato e à índole guerreira do sangue quente dos Ansgar, a maioria das guerras com Athia e outras cidades menores acontecia, fato pelo qual fazia Pantinus ter muitos inimigos por todo o platô de Gaia. Constantemente, via-se membros da família Ansgar nas arenas de luta da cidade.
Taban era conhecida como a quarta família, a mais rica em sabedoria, o bem mais precioso de toda Gaia. Conselheiros lendários, sempre estavam dispostos a ajudar. O senador Morpheu era o mais velho da vasta família Taban, que às vezes era acusada de bruxaria. Se era verdade ou não, eles sempre conseguiam se livrar das acusações e continuavam como uma das famílias notáveis de Pantinus.
Taege, ou Taige como eram conhecidos comumente pela pronúncia, eram amigos do povo. Os mais caridosos e menos ambiciosos. Chegaram ao topo, se colocando como quinta família notável, pelos bons serviços prestados à comunidade. Seu Senador era conhecido como Gael Taege, dono de uma espécie de um grande restaurante onde as pessoas não comiam no local, só iam lá para buscar o alimento.
Kylan, a mais rigorosa família de Pantinus, ficava em sexto lugar. Justiceiros, corriam contra o tempo para encontrar bandidos e acabar com a corrupção não permitida na cidade. Guilian Kylan era o primeiro da família, Senador escolhido especialmente por ter uma milícia formada em nome da pólis e, de justiceiros, passaram a fazer o policiamento oficial da cidade.
As outras seis famílias sempre variavam, pois era a ascensão que as fazia realizar o rodízio dos outros senadores. Graças a uma profunda trama política, a décima segunda família não participava do Senado - uma lei fora criada para que a primeira família ocupasse duas vagas no Senado.
De toda forma, se tudo desse certo ou na possibilidade remota de falecimento ou de algum senador ou do cônsul da primeira família de Pantinus, os Marconi seriam a primeira família com um membro de Athia a ascender ao Senado de Pantinus. Isso significava muito para Cassiana, filha de Cássia e Claudius Marconi, família de notáveis da cidade de Athia, que antes de se casar governava a pequena pólis de Majorin. Ela sabia que, do jeito que Kyran gastava, seu dote não ia durar por muito tempo e foi exatamente isso que aconteceu.
Kyran Marconi era um famoso banqueiro que casou-se com Cassiana por amizade aos notáveis Marconi de Athia, entretanto, os negócios dessa ideia revolucionária que era o banco nem sempre davam certo e, num único investimento vultuoso para a família Doreen na construção de um templo ao Deus Baco, a família, que adotara o nome Athiano dos Marconi, veio à falência. Após esta queda social, viviam de empréstimos a juros baixos, para os pobres da cidade, e essa ação era exatamente aquela que, aos poucos, estava causando a ascensão da família aos notáveis, que viam tudo aquilo como um ato de caridade para com a pólis - e isso significava tudo.
Com um pouco mais de contatos, Kyran conseguiria fazer mais dinheiro, entretanto, ele não tinha tempo de ir aos banhos mais requintados para conhecer mais pessoas ricas e oferecer seu trabalho. Ele fazia os empréstimos com o restante do dote de Cassiana, uma bela quantia, e todos pagavam, sem exceção. Ele começou a dizer que era melhor emprestar aos pobres do que aos ricos. A família de sacerdotes Doreen lhe devia uma fortuna, mas de que adiantava ter uma carta de crédito sem dinheiro vivo na mão? Era apenas uma folha de papel, não havia lugar a se descontar aquela vultuosa quantia, não que Kyran conhecesse. Então, a família se mudara para uma casa menor em uma das áreas mais distantes do pulsar político do fórum da cidade.
Correndo, logo Kyran alcançou sua filha e a segurou por um braço só, sacudindo-a.
- Onde estava indo sozinha!? - ralhou.
- Eu não sei, talvez em algum lugar que minha mãe não me jogue um feitiço para que eu morra logo.
- Eu preciso te explicar certas coisas, Maya, mas você precisa se acalmar primeiro.
As pessoas na rua já começaram a olhar, pensando que Kyran estava brigando com uma prostituta e os comentários sobre ele não tê-la pago eram sussurrados aos poucos entre os camponeses e cidadãos de Pantinus.
- Vamos para dentro de casa - disse, encaminhando a menina para dentro de casa à força.
- O que você quer!? Me deixe em paz! - ela gritou, livrando-se das garras do pai.
- Mais respeito, Maya - gritou o homem, perdendo a paciência.
Calada, Maya ficou ali, sentada numa cadeira, abraçando as próprias pernas, vestida apenas com sua capa vermelha.
- Cassiana, eu não posso deixá-la ir - disse, enquanto via a mulher retirando tudo o que podia do guarda-roupas e colocando numa espécie de mala/baú.
- Eu tenho meu dote, vou embora antes que você gaste o resto - disse, ríspida.
- Eu preciso que as duas prestem atenção em mim, agora - frisou no final, batendo uma palma que ressoou nos ouvidos delas como um apito extremamente incômodo.
As duas ficaram aturdidas e Cassiana parou imediatamente de arrumar as malas.
- Nossa família tem um dom. Não a família Marconi, a família Kyna. Quando nasce uma criança, ela tem que ter o "y" no nome.
- Isso eu já sabia, grande coisa. Mas, graças ao seu egoísmo insuportável, Maya não se chama Cássia, mesmo se colocasse o "y" no lugar do "i". Qual é a maldita novidade?
- Nossa família carrega um fardo - explicou Kyran, tentando manter a calma. - O fardo do futuro e do passado. Não estamos no presente. Viajamos para o futuro e para o passado, mas somente alguns membros da família desenvolvem este dom.
O silêncio absoluto invadiu a casa. Cassiana até deixou um de seus tecidos finos cair no chão, quão aquilo era absurdo.
- Nossa filha desenvolveu este dom. Ela é um Oráculo.
- Mas não se vê um Oráculo nestas terras por gerações! - disse Cassiana, boquiaberta. Já ouvira falar em Oráculos, mas era como se fosse uma lenda antiga. Ademais, Cassiana não era uma das pessoas mais crédulas do mundo.
- Sim, o último Oráculo é o meu avô, que mora nos confins ao sul de Athia. Maya, você precisa ir para lá. Se seu dom sair do controle, você pode acordar amanhã como uma velhinha e acabar falecendo no processo - o pai ajoelhou-se perante a filha e lhe pegou as mãos finas e ossudas. - Você precisa controlar este dom, minha filha. E eu infelizmente não sei como lhe ajudar...
Ele seguiu até o guarda-roupas, que estava completamente vazio das roupas de Cassiana, e abriu uma espécie de compartimento secreto no fundo de uma gaveta. Lá dentro, havia uma pequena caixa, uma jóia que Kyran dera a Cassiana na ocasião de seu casamento. Era um fino fio de prata com pérolas negras, quatro delas, e, no meio, um dente de leão pintado de preto.
- Ah, não! Não! Nosso presente de casamento não! - disse Cassiana.
- Isso está na família Kyran há séculos. Não se meta - definiu. Enfiou a mão na gaveta de fundo falso e pegou um pacote com moedas, as quais Cassiana nem sabia da existência.
Delicadamente, ele se abaixou e adornou o pescoço da filha com o colar. Imediatamente, as pérolas negras queimaram-lhe a pele, ela deu um gemido e sentiu a pele doer, o dente de leão lhe cravando no meio das clavículas, mas depois a dor parou e a ferida se curou, como mágica.
- Sim, você despertou o dom.
Maya ficou pensando se o tal dom precisava doer tanto.
- Vou lhe dar este saco de moedas de Athia e um burro. Você atravessará metade de Pantinus e passar por várias cidades para chegar ao sul de Athia. É um lugar bucólico e tranquilo. Você será recebida pelo seu avô, Kyle. Venho recebendo notícias de que ele está em ótima saúde e com certeza a receberá em sua fazenda. O mapa está junto com as moedas. Eu não sei porque, mas eu sabia que este dia chegaria, então me preparei.
- Certo, papai - disse, ainda infantil, o que não combinava com sua atual idade aparente. - Que dia irei?
- Parta agora. E, Cassiana, se realmente for me abandonar, por favor faça a última coisa decente que você poderia fazer e prepare comida para sua filha levar para a viagem.
- Minha viagem também será longa - disse, irritada.
- Sim, mas Maya irá sozinha. Você irá rodeada de escravos e em uma confortável biga. Sua viagem é mais curta. Faça o que eu ordeno, será minha última ordem como seu marido. Depois disso, pode-se considerar divorciada.
Cassiana ficou com cara de quem não sabia o que fazer e, claro, indignada. Ele nem sequer pedira para que ela ficasse, só falou uma única vez que não poderia deixar que ela fosse embora. Absurdo! Mas Kyran dava muito valor a seus ancestrais e rituais familiares, então não daria muita atenção para o que Cassiana estava fazendo por puro orgulho e egoísmo, ainda mais porque nos momentos mais obscuros já a vira várias vezes com uma faca na mão em frente à cama de Maya, hesitando se a mataria ou não.
Kyran já sabia das psicopatias de Cassiana. Ele não era muito letrado no assunto, mas lera sobre algumas coisas na biblioteca de Pantinus. Ela só estaria feliz enquanto ele tivesse muito dinheiro, mas dinheiro não era uma coisa muito fácil de se obter com empréstimos pequenos a juros baixos. Mesmo que este ato estava consagrando a família como uma indicação de nome aos notáveis da pólis, isso não era suficiente para ela, e ele sabia disso fazia tempo. Além do mais, sem a esposa e a alimentação dos escravos que ela fazia questão de ter, lhe sobraria mais dinheiro e ele poderia prosperar muito mais rápido em seus negócios. Se um dia ele fora apaixonado por Cassiana não se sabia, mas como a família Marconi era uma família de notáveis e deu um grande dote para o casamento, Kyran não teve como recusar. Agora sua filha Maya e seus negócios eram mais importantes que chiliques femininos.
Aliás, Kyran não tocava uma mulher há anos, nem mesmo sua esposa, que era devota de Afrodite e apenas fazia sexo com intuito de reprodução, mas, nas palavras dela, não queria gestar outra aberração como Maya. Era assim que ela chamava a própria filha: de aberração. Resumindo, Kyran estava cansado dos caprichos da esposa, mas ao mesmo tempo não poderia deixar de ajudar sua filha, que era um Oráculo. Finalmente, outro Oráculo na família. Ele sabia que o caminho seria árduo, porém, também sabia que ela tinha a fibra necessária e Kyle ficaria extasiado. Mandaria logo uma carta para avisar sobre a chegada da menina. Kyran passou o resto da tarde escrevendo a carta, cheia de orgulho por ter uma filha Oráculo. Claro que esta situação não era aberta ao público, sua família fora caçada várias vezes e isso fez com que o número de Oráculos reduzisse. Ele escrevia enquanto sua ex-esposa o rodeava, pegando seus bens, e não lhe deu nem um último beijo de adeus.
- Boa sorte, Kyran.
- Boa sorte, Cassiana. Que Afrodite te guie - deu uma agulhada.
Ela saiu, os escravos atrás dela levando a bagagem. E assim terminou a união entre a família de notáveis Marconi e a família Kyna. Não era sua intenção, mas Kyran deu um longo suspiro de alívio.
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O prostíbulo estava cheio naquele dia. Fazia seis meses que a família Ansgar "enchia a cara" para comemorar a vitória sobre Athia e eles não paravam de ir e voltar ao prostíbulo, esperando pela próxima guerra. Era a maior família, a Ansgar, graças a isso: e todos os filhos, mesmo de prostitutas, eram adotados e treinados nas artes das lutas Pantinianas.
Fazia três dias que sua filha partira, devia estar a meio caminho da casa de seu bisavô e Kyran aguardava notícias. Kyran conseguira receber de alguns clientes e foi para a casa de banho mais próxima, uma das boas. Agora que tinha se divorciado de Cassiana, precisava de uma mulher de verdade na cama. Ficar sozinho por três longos dias estava o tirando do sério e ficar trabalhando o tempo inteiro estava fora de questão.
Nu, aproximou-se da banheira onde vários homens estavam sentados, conversando, tomando vinho que os escravos serviam. Entrou na água quente e se esparramou, tentando esquecer os problemas e deixar de lado a ansiedade da viagem da filha. Em poucos instantes, alguém se aproximou dele.
- Olá, estranho - disse um homem jovial de pele castanha, cabelos e olhos negros como a noite. - Ouvi falar que és Kyran, o banqueiro, e que se divorciou de Cassiana.
- Sim, sou eu mesmo. E quem seria você? - ele perguntou, polidamente.
O sujeito entrou na água e sentou-se ao lado de Kyran.
- Meu nome é Martin de Pantinus. Eu tenho uma irmã, muito bela, mas que está prestes a se prostituir.
- Sinto muito - comentou Kyran, seco.
- Saímos do orfanato recentemente e ela começará hoje, poucos sabem. Por favor, o senhor poderia desposá-la?
- Mas me divorciei faz apenas três dias! - exclamou Kyran. Realmente, aquele pedido era fora do comum, totalmente sem contexto e desesperado.
- Por favor, apenas venha conhecê-la...
Kyran achou estranho, porém, pensou na pele castanha da moça e logo seu membro fez menção a se erguer. Fazia anos que ele não tinha relações sexuais. Conhecer a mulher devia ser interessante, nem que fosse para trocar uma noite de sexo por algumas moedas.
- Eu irei conhecê-la, Martin.
- Podemos ir agora mesmo, antes que ela seja leiloada.
- Leiloada?
- Ela é virgem, ainda não perdeu sua pureza.
Imediatamente Kyran lembrou-se de Maya e perdeu qualquer vontade de ir até lá. Porém, compadeceu-se e quis ajudar a moça. Suspirou fundo, desanimado.
- Certo. Peço apenas um quarto de hora para que eu termine de relaxar e logo iremos - disse, com medo de levantar mostrando sua virilidade à solta.
- Muito obrigada banqueiro Kyran, este favor não será esquecido...!
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Em Pantinus havia vários prostíbulos, mas o mais visitado entre as famílias dos notáveis era o Cor Floreo. Por fora, parecia um pub frequentado apenas por homens, mas por dentro da construção havia saletas de todos os tamanhos onde era possível encontrar mulheres para todos os gostos. E bolsos. Filhas de mulheres libertas de ventre livre costumavam tornar-se messalinas. Geralmente crianças do sexo feminino enjeitadas na praça pública eram recolhidas e criadas por prostitutas, para seguirem o mesmo caminho. Crianças recém saídas de orfanatos também vendiam seus corpos e este era o caso de Lya de Pantinus, a irmã de Martin de Pantinus.
Lya estava sendo preparada pelas outras mulheres da casa. Ela seria a atração da noite e os homens da família de notáveis de Ansgar estavam se contorcendo de curiosidade para saber qual era a tal novidade do prostíbulo. A divulgação da primeira noite de uma nova virgem era um evento da boca miúda, mas sempre muito interessante.
Kyran não entrava em um bordel desde que perdera a virgindade. Casara-se logo com Cassiana e tiveram Maya, nada mais. O cheiro de incenso do lugar era forte e tapeçarias decoravam as paredes. Colunas sustentavam o teto do ambiente. Tecidos finos, que cruzavam de uma coluna a outra, de várias cores, remetiam à ideia do sexo: o tecido branco enrolado a outro de tom vinho e ao púrpura. Havia divãs espalhados em todos os cantos, geralmente vermelhos ou pretos, onde os notáveis deitavam-se para conversar enquanto acariciavam as nádegas das moças disponíveis que lhes davam uvas na boca, enquanto iam escolhendo-as.
Martin olhou para a meretriz que era a dona do Cor Floreo e disse:
- Aqui está o noivo de minha irmã, Lya.
- Ah, o banqueiro. Divorciou-se faz três dias e já é noivo de outra?
- Vim apenas buscar minha Lya - disse Kyran, poupando a velha dos detalhes.
- Eu sei muito bem que Lya não tem noivo algum, você não consegue me enganar, banqueiro. O leilão já vai começar, que coincidência, você já deve conhecer regras de leilões muito bem, certo? Sinta-se à vontade para comprar a primeira noite dela. Mas a moça não sairá daqui se não desejar. E você ainda vai ter que pagar pela saída dela. As cadelas tem custos, você sabe.
- Sim, naturalmente. Vamos entrar, Martin - disse Kyran, segurando Martin pelo pulso, que estava babando de ódio de como aquela velha falou de sua irmã.
Os dois sentaram-se em divãs e várias moças de vários tipos os rodearam, querendo ser escolhidas por eles. Interessaram-se mais em Kyran, pois já tinha renome e algumas inclusive eram clientes dele.
Por mais de uma hora ficaram fumando narguilé e comendo uvas oferecidas pelas moças que se vestiam em tecidos finos translúcidos e dançavam ao som da triste lira que um bardo tocava no meio do salão, em um palco redondo da altura apenas de um degrau de uma escada. Logo a velhota apareceu e subiu no palco do bardo.
- Boa noite, senhores - disse a cafetina - espero que a noite esteja agradável para todos. Sabemos que hoje é um dia especial, estrearemos uma nova garota! Lya, a Sedutora! - os homens ficaram extremamente animados com esse nome, alguns até deram assobios - e este leilão será realmente contagiante, pois temos aqui o irmão da própria garota e um homem que se julga dono dela, o Sr. Kyran Marconi, nosso famoso banqueiro!
- Kyran Kyna - corrigiu o próprio. A cafetina fez uma cara feia para ele.
Os homens das altas rodas de Pantinus que estavam presentes fizeram comentários discretos entre si, exceto pelos Ansgar, que pareciam animados com o leilão, que se tornou uma competição mais interessante a partir do momento em que souberam que valores mais altos estariam em jogo.
- Então, preparem-se, pois os lances serão altos! Aguardem alguns minutos enquanto a Sedutora se prepara para os senhores! Ela descerá as escadas em instantes, aguardem!
Enquanto isso, vendia-se vinho, pão, frutas e outros quitutes aos homens que ali estavam e cada mulher recebia uma pequena parte da quantia do quanto havia gasto o homem que ela cortejava na noite.
Era chegado o momento. Uma dama desceu as escadas em meio ao alvoroço que os Ansgar faziam, fato ao qual Kyran ficou impassível. Lya, apesar de muito magra, fazia jus à alcunha de "a Sedutora". O leilão começou com um valor relativamente alto para uma mulher franzina, com pouco seio e baixa, mas tinha os cabelos encaracolados e negros mais fantásticos de toda Pantinus. O rosto, belamente pintado para esta apresentação, chamava a atenção pelo batom carmim que utilizava nos lábios e forte marcação no olhar de carvão, que não estava nada perdido, mas sim animado. Ela pululava de um lado para o outro, apontando os homens, vestida com um robe que era de um tecido quase completamente translúcido. O valor ia aumentando. Kyran, continuava quieto.
- Senhor, por favor, dê um lance! - disse o irmão de Lya, desesperado.
- Ela não tem nada de extraordinário - disse Kyran, sério, o que quase fez com que Martin tivesse vontade de lhe dar um soco na cara.
Os lances continuavam. A garota estava animada, falando que o valor ainda estava muito baixo para sua bela virgindade, o que deixava os homens ainda mais loucos e aumentando os lances, uns acotovelando os outros para olharem melhor para a garota dançante.
- Kyran! - disse Martin, sacudindo o banqueiro.
- Espere... - disse Kyran, calmo, sorvendo um gole do vinho que preenchia a taça à sua frente.
- Quem dá mais!? Quem dá mais!? - perguntava a cafetina, enquanto o maior lance era de um sujeito colossal dos notáveis de Ansgar.
O silêncio reinou por alguns segundos.
- Dou-lhe uma! - disse a cafetina, enquanto Lya rebolava no ritmo.
- Por favor, Kyran, faça alguma coisa!
- Ainda não... - disse Kyran, os olhos fixos em Lya.
- Cento e cinquenta pratas de Gaia! - gritou outro notável de Ansgar.
- Ahhhhhhhh!!!! - e o rebuliço continuou.
Os lances contínuos recomeçaram. Lya deslizava sobre o palco até sentar no colo do bardo, que deu um lance também, com o intuito de aumentar a competição.
- Uhhhhh, o bardo se interessou também, é? - perguntou a cafetina. - Mas você está à trabalho, querido... - ela riu. - Quem aumenta a oferta do bardo?
Outra gritaria começou.
- Cento e setenta e sete pratas de Gaia! - gritou o homem truculento.
- Alguém mais?
Houve uma pausa. Talvez os homens estivessem reavaliando o preço da garota, talvez apenas estavam sem todo aquele dinheiro no momento, talvez apenas estavam achando que o bardo era contratado para aumentar os lances, pois ele já fizera três lances em momentos críticos de silêncio no salão.
- Dou-lhe uma...
- Por favor, ou então eu vou dar um lance e você vai ter que pagar! - disse Martin novamente, tomado pelo desespero.
- Dou-lhe duas...!
- A pele de vocês é morena como a pele da família Connlaoth. Vocês têm parentesco? - perguntou calmamente.
- Kyran!? Isso é hora de pensar nisso!? Claro que não temos parentesco com nenhum notável, acabamos de sair de um orfanato e você veio me ajudar, esqueceu disso!?
- Claro que não. Cento e noventa pratas de Gaia - disse Kyran, finalmente dando o seu lance.
- Olha só, o suposto noivo da garota quer comprá-la de volta - disse a cafetina, abrindo um leque e colocando-o em frente ao rosto, deixando somente os olhos à mostra.
- Noivo? - perguntou Lya a si mesma e o sorriso em sua face desfaleceu. Ela olhou para Kyran, de modo profundo. Parecia hipnotizada.
- Duzentas pratas de Gaia - disse um outro sujeito.
- Eu dobro as duzentas - disse Kyran, a voz decidida, se levantou e foi até o palco, seguido pelo olhar completamente paralisado de Lya.
- Sério!? - reclamou um sujeito lá atrás.
- Isso eu não cubro de forma alguma! - um notável reclamou.
O rebuliço recomeçou e ninguém mais estava disposto a dar lances devido à inflação colocada propositalmente pelo estratégico Kyran, mas discutiam sobre o banqueiro de Pantinus. Ele nem devia ter todo esse dinheiro, apesar de ajudar a pólis, ele havia se separado de Cassiana, então possivelmente não possuía tal tesouro, ainda mais para gastar com uma noite de prazeres.
Em meio à confusão, ele parecia não ouvir nada. Subiu ao palco e pegou a mão de Lya, que, por sua vez, estava hipnotizada pela beleza do ruivo Kyran.
- Lya, seu irmão Martin me pediu que eu viesse aqui e lhe arrematasse a primeira noite... Mas, não. Isso não está certo.
- Por que? - perguntou Lya. Sua voz era tão fina e doce que não foi ouvida por ninguém, a não ser por Kyran.
- Porque eu estou pedindo sua mão em casamento e você tem o direito de aceitar e ter uma casa e uma família ao invés de pegar no máximo um quarto do dinheiro de uma noite para o resto da vida e ter que se deitar com homens truculentos como estes. Venha comigo, Lya. Eu dobrarei o lance quantas vezes forem necessárias, pois a vida que você terá debaixo do meu teto será de valor inestimável.
Uma lágrima riscou o rosto de rouge de Lya e ela apertou mais forte a mão de Kyran. Não conseguiu falar nada. Ele a pegou no colo.
- Hey, espera aí, ela ainda não foi arrematada! - reclamou a cafetina. - Quem dá mais?
- Não importa quem dá mais. Ela não quer mais ficar aqui.
Então, Kyran fez um sinal inconfundível para Martin e os dois saíram correndo pelo prostíbulo, alcançando a porta, com a cafetina atrás e alguns seguranças contratados correndo atrás dos três.
- Peguem essa vagabunda!!! - gritava a cafetina no meio da rua, no meio do dia.
As pessoas olharam a correria e logo começaram a fofocar sobre o ocorrido, naturalmente.
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Maya estava cansada, faminta, andando e mancando um pouco pela dor no estômago. Sua roupa estava suja. Não sabia mais há quanto tempo estava viajando à pé, perdera a conta, mas uma força interior desconhecida lhe dava energia suficiente para continuar seguindo. A carruagem do Deus Sol, Hélios, já completava sua jornada pelo céu, revelando na abóbada celeste o tecido de estrelas de Morpheus, o Deus da Noite, que acompanhava sua arauta, a Deusa Lua, Selene. Foi quando viu um acampamento nas bordas da estrada que levava à Athia. Depois que lhe roubaram o burro de transporte no caminho, sua viagem duraria mais que o dobro. Procurando refúgio, escondeu-se atrás de uma árvore bem grossa. Observou.
Havia três homens muito grandes que Maya julgou serem do dobro do tamanho dela. Bom, agora ela estava com quatorze anos, bem mais alta do que quando tinha sete, menos de uma semana atrás. Os homens conversavam animadamente e estavam assando três coelhos, bebendo vinho e comendo uvas. O estômago de Maya roncou mais uma vez e ela pensou que talvez aquelas pessoas pudessem ser amigáveis. Estavam só conversando e bebendo, que mal fariam a ela? Eles também tinham quatro cavalos, possivelmente havia outro deles. Se não fosse o caso, eles talvez poderiam emprestar um cavalo para ela. Bom, isso seria impossível, já que a melhor moeda de troca que ela tinha era o colar de pérolas que seu pai havia lhe dado de presente antes de partir: todo o dinheiro havia sido levado junto com o burro pelos assaltantes. Afinal, ela nem sabia se aquele era um colar de pérolas de verdade, então talvez podia enganá-los, caso as pedras não fossem preciosas. Com as mãos para o alto, Maya resolveu se aproximar dos homens.
- Por favor - ela mal conseguiu falar, parecia que tinha meio quilo de areia na garganta dela, devido à sede. - Faz duas noites que não me alimento, por favor, preciso de ajuda.
De repente, seus joelhos cederam. Os homens correram para acolhê-la. Quando seu capuz vermelho caiu, os homens ficaram maravilhados com a beleza jovial de Maya.
- Por favor, preciso de ajuda...
Um dos homens jogou a água, que carregava em seu cantil, na boca de Maya, que a bebeu em tom de sufoco e urgência. Ela desacordou. Uma hora depois, Maya abriu os olhos. Ela não sabia onde estava, se estava no futuro, ou mesmo se estava sonhando, olhou para as próprias mãos e viu que aparentemente ainda estava com quatorze anos. Estava deitada perto de uma tora de madeira, em cima de um monte de feno que um cavalo comia do lado dela, começando a mastigar no meio da palha os seus cabelos vermelhos. Ela abriu mais os olhos e viu um dos homens sentado perto dela.
- A garota acordou, hahaha! - ele riu, o que ela achou esquisito.
- Obrigada por me acolherem.
- Ah, você acha que iria comer dos nossos coelhos e beber do nosso vinho de graça?
- Cale a boca, Alfonsus - veio o segundo homem, o de torso mais definido. Estava somente de roupas de baixo. - Eu vou ser o primeiro.
- Eu não me lembro de ter comido ou bebido vinho, por favor, preciso de ajuda - disse a inocente Maya.
- Qual é seu nome? - perguntou o terceiro sujeito.
- Me chamo Maya. E você?
- Augustus. Seu nome é bem diferente, não acha?
- Foi meu pai quem me deu. Estou indo para Athia. Posso ir com vocês?
- Não estamos indo para Athia, vamos para Pantinus.
Maya ficou decepcionada.
- Tome. Coma e beba - Augustus lhe apresentou um prato de metal com duas patas de coelho, um pedaço de pão e um copo de madeira com vinho.
- Obrigada - disse, avançando na comida como se nunca tivesse visto algo parecido na vida.
- Eu já disse que eu quero ir primeiro, Augustus.
- Cala a boca - disse o segundo homem.
- Desculpe - interrompeu Maya -, mas eu percebi que vocês estão em três e têm quatro cavalos. Eu gostaria de poder ficar com um.
- Você vem aqui, pede nossa comida, nosso vinho, nosso pão e ainda quer um cavalo? - disse um deles, estupefato.
- Hum - disse ela, entre uma engolida e outra - Eu tenho um colar de pérolas para lhes dar em troca.
Alfonsus deu uma gargalhada medonha.
- Veja, minha querida, um cavalo vale muito mais do que um colar de pérolas - ele fitou o pescoço da jovem.
- Bom, eu estava contando com um pouco de compaixão de vocês, já que alimentar mais um cavalo por todo o caminho até Pantinus seria trabalhoso.
- Garota, acorda. Você vê quanto mato tem aqui em volta? Vamos vender esse cavalo em Pantinus e poderemos comprar mil colares de pérolas falsas, se é que essa porcaria é pedra preciosa mesmo.
- Deixe de ser idiota, Alf. Dá para ver que a menina não é burra. Cada uma dessas pérolas negras vale até mais que três cavalos.
- Ótimo, vamos trocar o cavalo por uma pedra sem procedência.
- Garanto que são valiosas. Por favor, me ajudem!
- Você pede muita ajuda e tem pouco a oferecer - disse Alfonsus, abrindo a capa vermelha de Maya e observando os seios da garota que se avolumavam debaixo da roupa suja de terra.
Ela se envergonhou e puxou a capa de volta.
- Sabe, eu troco esse cavalo por uma pérola - disse, quando a garota terminou de comer.
Augustus, que até então parecia um homem honesto, arrancou o prato das mãos de Maya e lançou longe.
- Você terá seu cavalo se me der o colar com todas as pérolas. Mas a comida não é de graça... - disse, deitando-se ao seu lado e começou a acariciar-lhe os seios.
- Não!
- Alf, segure-a.
Alf tentou abrir as pernas da garota, que chacoalhava e gritava em sua defesa. Um cavalo relinchou e os outros ficaram mais agitados.
- Não, por favor! Não! Não!
A garota gritava, mas ninguém poderia ajudá-la.
- Fique quieta que será mais fácil - disse Augustus, tentando aquietar Maya, mas ela gritou:
- Sou virgem! Não, por favor, não!
Mas de nada adiantou. Uma febre repentina cobriu a garota, amedrontada, que estava com as pernas abertas à força. Tremia de maneira incontrolável. Sentiu uma dor fortíssima quando Augustus penetrou-a e gritou muito, chorando. Enquanto isso, Alfonsus arrancou-lhe o colar de pérolas. Um sangramento se seguiu em suas partes íntimas e as coisas começaram a girar à sua volta até que, de repente, ela estava sentada em um grande salão e, à sua frente, uma grande quantidade de frutas de época estava sobre um prato de cristal.
Por cima da mesa, um pendente de cristal iluminava todo o ambiente, tornando-o mais bonito do que já era, com seus pilares em mármore e o chão brilhando lindamente, quadriculado de branco e preto. À sua frente, havia uma escadaria espetacular, que dava grande ostentação à sala.
Ela não sentia mais dor, não sentia mais medo, não sentia mais nada. Apenas estava aguardando alguém que ela já conhecia, que desceu as escadas calmamente, alta, com belíssimos cabelos negros ondulados por sobre os ombros em um vestido muito fino, negro, de muito bom gosto. Ela tinha um colar de pérolas idêntico ao que Maya possuía. Maya tocou o próprio pescoço e sentiu que ainda estava com o colar, mas havia uma pérola a menos. Quanto mais a mulher se aproximava, mais as pérolas do colar de Maya ardiam por sobre sua pele. A mulher, que exalava beleza e perfeição, desceu as escadarias e caminhou até Maya.
- Esperei tanto por este momento - disse, com a voz melodiosa.
- Carmilla - disse Maya, sem saber o porque, mas sabia o nome da mulher.
- Precisamos tratar de alguns assuntos.
A mulher sentou-se na outra ponta da mesa gigantesca. Dois escravos seguiam-na, bem vestidos e bem nutridos. Cada um se ajoelhou, ladeando sua senhora.
- Você sabe que não podemos realizar tal feito.
- Sim, podemos. Assim que recuperarmos a quarta pérola.
Então, abruptamente, Maya acordou, com uma dor intensa no abdômen e entre as pernas. Ela estava ao lado do cavalo e imediatamente colocou a mão no próprio pescoço, sentiu somente três pérolas no colar e desesperou-se. Olhou para os lados e os homens estavam dormindo. Ela havia acabado de ser estuprada e os homens estavam dormindo como se nada estivesse acontecendo. E, pela primeira vez, ela teve um sentimento que não conseguiu reconhecer. Era vontade de vingar-se.
Apoderou-se de uma das espadas. Eles estavam bêbados, nem se jogasse pedras na cabeça deles os sujeitos acordariam. Estavam como três bonecos, deitados de barriga para cima, alinhados.
Sangue. Por Juno, pelos Deuses, por ela própria: ela tinha que pagar com sangue o sangue que lhe fizeram derramar pelas pernas e já tinha coagulado em fios, como se fosse uma decoração tribal. Ela caminhou por volta deles, não se incomodando com seus cabelos que estavam completamente emaranhados. Seu olhar era sombrio e, com a espada em mãos, ela juntou toda a força que tinha e passou a espada pelos pescoços daqueles degenerados. O sangue jorrou para cima. Selene, Deusa da Lua, assistia a tudo, lá do alto da abóbada celeste. A raiva tomou conta de Maya e ela os destruiu, os estripou e cortou-lhes os membros, enfiando-os em suas próprias bocas. Depois, ela deu uma olhada no espelho e parecia ter dezessete anos.
- O futuro muda - disse a si mesma, vasculhando todos os pertences dos malditos e conseguindo a quarta pérola de volta. - Carmilla, eu tenho a quarta pérola - continuou dizendo, sozinha.
Rapidamente, a menina da capa vermelha amarrou todos os pertences dos homens aos cavalos e partiu levando tudo, sem olhar para trás.
Continua...Ao norte de Athia e a leste de Pantinus, Cassiana estava chegando na cidade de Majorin. De longe, dava para ver que a cidade havia crescido na paisagem. Seu primo, Rubeo Marconi, aparentemente estava cuidando muito bem da pólis. Porém, ao chegar, não ficou muito encantada com o que viu. Era dia, o comércio estava fervilhante na entrada da cidade e, como de costume, Cassiana ordenou que o escravo diminuísse a velocidade, de modo que ela leu alguns epitáfios dos túmulos que ali estavam na entrada da cidade, como sempre fazia quando passava pela entrada de uma pólis. Várias lápides eram de pessoas que ela conhecia quando comandava a cidade. Fazia três anos que não passava por lá, mas achou estranho que alguns túmulos estavam revirados, a quantidade de homens nas ruas era muito maior que a quantidade de mulheres e novas covas estavam sendo abertas para receber corpos dos camponeses. Aquela visão, de alguma forma, lhe aturdiu. Ordenou que o escravo andas
Ao fim do dia, os senadores estavam indo para casa pensando em quem votariam ser o próximo cônsul no lugar de Petrônio. Petrônio, por sua vez, pediu uma audiência com Damião em seus aposentos particulares. Não foi necessário esperar. Petrônio, discretamente, o convidou em voz baixa, segurando tão forte no braço de Damião que parecia querer quebrá-lo. Seguiram com discrição para os aposentos do cônsul. A saleta de Petrônio era de tamanho razoável, naturalmente maior do que as saletas dos senadores. O pé direito alto e a decoração rebuscada trazia motivos bucólicos. O cortinado branco fazia com que a luz do sol se espalhasse pelo cômodo de forma tênue. Nas prateleiras, pergaminhos enrolados e muito bem organizados por tamanho davam o tom de profissionalismo ao local de trabalho do cônsul.- Fique à vontade -
A residência dos Domenicus estava agitada desde cedo. Os escravos andavam de um lado para o outro, organizado e arrumando todos os preparativos para a festa que estava para acontecer naquela mesma noite. Os divãs estavam distribuídos pelo átrio da residência principal. Enormes tecidos finos multicoloridos foram presos por todo o teto do salão, que seguiam com caimento até o piso do salão, adornando também as paredes com tecidos menores entrecortando uns aos outros em variado drapejamento. Tapetes se espalhavam por todo o piso, demarcando espaços. Um pequeno palco estava sendo montado. Flauta, lira, cítara e percussão estavam sendo checadas. Na cozinha, o cheiro delicioso de comida podia ser sentido de longe.Petrônio havia enviado seus escravos para ajudar na organização festa. Afinal de contas, ele estava patrocinando a campanha eleitoral de Damião. De certa forma, o interesse de Petrônio era, através de Damião, continuar no poder. Ah, o poder! Aquela pequena parcela de energia permis
Foram os Deuses quem construíram este planeta. Gaia, que se nomeia. Em Gaia as coisas funcionavam devagar. O dia passava devagar. A noite vinha a se arrastar. Phebo, o Deus sol, irmão gêmeo de Diana, a Deusa da lua, conversavam entre si numa vagareza sem igual, porém poucas vezes marcavam encontro à luz do dia. A natureza de Gaia era exuberante: árvores frondosas espalhadas por todo lado, florestas e campos largos cheios de grama verde, mas também havia o espaço designado ao deserto e aos rios. Os animais viviam em pura harmonia. Aves, insetos, felinos, répteis, peixes, baleias, entre outros. Tudo era perfeito, cada qual em seu lugar, porém todos conectados entre si por forças invisíveis. Entediado, Júpiter, o Deus dos Deuses, resolveu criar um outro tipo de animal. Um mais parecido com os Deuses. Fortes, com duas cabeças e quatro pernas, quatro braços e inteligência além do comum das raças já existentes em Gaia. Entretanto, quando Júpiter criou os homens, mal sabia
Athia era uma pólis muito movimentada, especialmente na parte sul, onde Camila estava. O comércio de barro, peixes, frutas e verduras era gigantesco, vez que a maior parte dos agricultores ficava ao sul da cidade. Então, se alguém queria algo fresco para o almoço ou o jantar, era ali que iria encontrar. O burburinho da feira era vibrante e o aroma de condimentos se espalhava pelo ar. A quantidade de escravos de famílias notáveis no local era enorme e era ali que eles tinham algum descanso. Podiam demorar-se quanto tempo desejassem nas feiras sulistas, desde que trouxessem os melhores produtos para a casa. Havia até leilões de javalis gigantescos partidos ao meio. Monte estava num dos leilões, parado entre os outros concorrentes, o carrinho de mão que empurrava já estava cheio dos vegetais e frutas mais apreciados por sua senhora e, quando ele arrematou o javali, a compra do dia estava completa. Havia troco em suas mãos. A tentação era grande, mas roubar de um senhor