As Hibernações (parte 3)

Ponto de vista de Isabela.

— Lisa! Lisa, sua vagab... Ahn? Ela entrou na sala das câmaras. — disse Hector após notar a porta forçada.

— Eddie! Isa? Despertaram tão cedo? — disse Hector ao vê-los despertando ainda, com voz arrastada como a de um bêbado.

— Hector? — disse Eddie entre tosses e gemidos — onde está Lisa?

— Ela estava indisposta e preferiu hibernar antes que despertassem — disse ele em tom contestável, após olhar para sua câmara.

— Suponho que você fosse logo em seguida, não Hector? — questionou Isa duvidosamente.

— Não. Tenho alguns assuntos para resolver aqui ainda. — disse Hector deixando a sala.

— Eddie, algo está errado! Vamos atrás dele. — disse caindo de minha câmara, voltando a mexer meu corpo lentamente.

Eddie e eu fomos até a cabine de comando e não encontramos Hector.

— Eddie, tente as câmeras da nave! Descubra pra onde ele foi! — sugeri apreensiva.

Após alguns segundos vasculhando as câmeras, Eddie encontrou Hector saindo de sua unidade com uma faca enorme, indo em direção à ala dos cavalos.

— Isa! Encontrei ele! — disse Eddie repentinamente — ele está seguindo para a ala dos cavalos, com uma faca enorme! — concluiu apavorado.

— O quê ele pretende? — perguntei pegando um bastão no armário de canto e saindo da sala. Eddie levanta e pega também um bastão eletrificado e me segue.

— Hector causando problemas novamente?! — disse Eddie ainda se recompondo.

— Ele não muda. Simplesmente não muda! — disse complementando a fala de Eddie, irritando-me cada vez mais.

Chegamos até a ala dos cavalos e lá estava ele terminando de abrir o ambiente em que Dirceu estava se recuperando, isolado dos outros.

— Hector! — chamou Eddie, a fim de atrair sua atenção. Ele simplesmente ignorou seu chamado.

— Hector! — gritei furiosa — Afaste-se do cavalo agora! Ou terei que ser mais incisiva?

— Eddie, vamos! Ele não vai parar. — intimei-lhe rapidamente.

— Afastem-se — gritou Hector — já!

Neste instante foi evidente que ele estava bêbado. Eddie adiantou-se.

— Já que você é tão valentão, porque não vem aqui me dar uma surra, seu bêbado! — ousou Eddie — Seu covarde!

— Isso Eddie, está funcionando! — comentei em baixo tom — atraia-o para você que eu dou um jeito nele.

— Está bem, mas seja rápida! Eu não dou conta dele! — disse Eddie com medo do militar.

— Fique tranquilo. Serei rápida! — disse com sorriso maroto.

Hector largou o pescoço do cavalo, saiu do pequeno estábulo e veio em nossa direção, foi então que nos afastamos um do outro. Hector tentou acertar Eddie com sua faça, lançando um golpe forte com o braço direito. Eddie esquivou, mas não havia muito para onde correr naquele hall das celas, um ambiente quadrado.

— Isa! Dê um jeito nesse cara! — gritou Eddie apavorado.

Acerto um golpe com o bastão eletrificado, mas não é o suficiente para derrubá-lo. Ele então da um jogo de corpo desengonçado e me derruba ao chão.

— Eddie, cuidado! — alertei-lhe.

Eddie esquiva novamente dos golpes de Hector e acerta o bastão em sua perna direita, a perna de apoio, enquanto eu acerto um golpe em cheio em sua nuca. O militar bêbado cai desmaiado ao chão.

— Ufa! — suspiro em sinal de alívio — conseguimos.

— Ainda bem! — diz Eddie também entre suspiros — não sobrevivi à mortons para isso aqui.

— Venha Eddie. Vamos colocá-lo em sua câmara. Ele vai dormir por muito tempo! — afirmei incomodada.

— Com certeza vai! — concorda Eddie.

— E depois, vamos descobrir o que houve entre ele e Lisa...

***

Ponto de vista de Isabela, ano de dois mil e quarenta.

No dia seguinte, antes de tudo, fui rápido dar uma olhada em Bubu, pois Rick e Ami acordariam em breve. Bubu estava confortável e tranquilo ocupando a unidade de Saeed como se fosse sua.

— Bom dia, Eddie! Animado para contar as “novidades” a eles? — perguntei curiosa com sorriso bobo no rosto.

— Na verdade não Isa, não estou — disse Eddie sincero demais.

— Me diga o motivo desse sorriso? Não me lembro de termos motivos para ficar tão alegres assim… — prosseguiu Eddie intrigado.

— Você está certo Eddie — concordei — mas logo você saberá o motivo dele! — deixei-o curioso.

A este ponto já estávamos na sala de hibernação aguardando pelo despertar de Rick, Ami e Gorilla que eu mesma reprogramara, e minutos depois elas, as câmaras, começaram a trazer seus corpos de volta à realidade.

— Rick! Meu amigo! É bom te rever... — disse Eddie um tanto aliviado.

— Que sensaç... [gemidos de dor] Aaarrrgg! Que sensação horrível! — disse Rick caindo ao chão na primeira tentativa ansiosa de levantar-se.

— Pai! Cuidado! ­— corri para socorrê-lo — você já não é o mesmo garoto de antes... Tem que ter mais cautela!

— Ah! Se acalme, Isabela... Estou apenas começando a envelhecer! — disse meu pai, forte e teimoso. Eu tinha de fato a quem puxar.

— Ami?! Como você está? — perguntei após ouvir fortes tossidas seguidas de gemidos.

— Estou voltando... Estou voltando... — respondeu ela lentamente — Que droga! Parece que sentimos a dor de anos de uma só vez!

— Uuuaaargh! — ouvimos quase que literalmente um “Gorilla” despertando do sono profundo, e desajeitadamente caindo ao chão fazendo um estrondo.

— Estou bem! — afirma Gorilla ainda no chão.

— Está certo. Vemo-nos na cabine central em quarenta minutos. Sem atrasos! A situação é muito séria! — Adiantei e saí, seguida por Eddie.

— Como vamos contar isso ao Rick? — questionou Eddie receoso.

— Deixa comigo Eddie... Eu conto a ele — disse segura e otimista.

— Esse é meu medo, Isa. Suas ideias me preocupam! — disse Eddie coçando a cabeça — lembra quando tivemos que contar a ele sobre o abrigo em Nova York? Deixamos o lugar explodir e perdemos duas naves para os mortons! — exclamou ele estressando-se.

— Eddie! Fique calmo! — parei-o segurando em seu braço — sim, explodimos o lugar, perdemos duas naves para os mortons... Mas esqueceu de que salvamos todos os sobreviventes? — disse irritada.

Eddie me deu o olhar de aborrecido.

— Isa... Foram apenas três pessoas... E não havia necessidade de explodirmos o local! — comentou Eddie enquanto eu prosseguia à frente.

— Tudo bem! Deixa que eu conto... Ok?! — disse encerrando o assunto.

Eddie foi para a cabine de comando e eu fui até a unidade de Saeed verificar Bubu. Para minha surpresa ele estava lá, fazendo suas bagunças, igual a uma criança de cinco anos, e estava se acostumando comigo, pois ao ver-me, alegrou-se. Era melhor que Rick soubesse de sua existência na nave por minha pessoa, pois ele certamente mataria Bubu por seu grande trauma. Meu pai perdeu boa parte de sua família em um dos primeiros ataques dos mortons... Por essa razão ele dificilmente perdoaria sua presença na nave, ainda que fosse um bebê. Meu pai era um dos que mais havia sofrido naquela nave. Ele sempre demonstrou ter uma mente muito forte a favor do bem, ainda que tudo se reclinasse para o lado ruim. Direcionei-me à cabine de comando pouco antes para relembrar exatamente nossa situação a fim de passa-la ao meu pai, o comandante, como Hector gostava de chama-lo.

Conversei alguns minutos com Eddie que se manteve ali os esperando, e após poucos minutos eles entraram no recinto.

— Eu já estava cansado de dormir! — comentou Rick — uma perca de tempo, em minha opinião...

— Eu dormiria por mais dez anos! — exclamou Ami — só resolvemos problemas mesmo...

Gorilla simplesmente bocejou sem muita reação.

— Muito bem senhores, vamos ao que nos importa! — disse cortando-os — tivemos problemas sérios e desvios não planejados na rota. — fiz breve e firme relato.

— Como assim, desvios na rota, Isabela? Que desvios? Meteoros? — questionou Rick confuso.

— Não pai... Hector. Hector causou um estrago enquanto esteve acordado com Lisa. — meus nervos afloravam enquanto explicava o que sucedera.

— Ram... Deveríamos ter previsto que aquele brutamonte daria problemas — falou Rick pensativo encarando Ami.

— Eu nunca confiei nele, Rick, você sabe muito bem disso! — exclamou ela. — E também, não da pra imaginar que uma pessoa tão bem preparada para sobrevivência iria querer acabar com tudo...

— Prossiga Isa — ordenou ele.

— Hector alterou a rota da nave, e perdemos um ano de combustível. Isso restringe ainda mais nossas possibilidades de buscas do outro lado do buraco de minhoca — expliquei com o coração na mão. Ao dizer isso Gorilla concluiu seu despertar estalando os olhos bem abertos.

— Droga! Esse soldado realmente conseguiu piorar nossa situação! — disse Gorilla levantando-se, ansiosamente caminhando de um lado para o outro, aparentemente pensando em alguma solução.

— Aquela antiga e eterna lei de Murphy, o que tem que dar errado vai dar errado! — disse Eddie bem humorado.

— Obrigado por lembrar, Eddie... — comentou Gorilla sem dar uma piscadela sequer. Eddie desmanchou o sorriso rapidamente tomado pela tensão que invadira a sala de comando.

Gorilla andou de um lado ao outro por dois minutos até que começasse a dar suas incríveis sugestões.

— Pelos meus cálculos, um ano de perca de combustível nos deixa apenas com uma possibilidade... — disse Gorilla, ainda um tanto pensativo.

— E qual é, Gorilla? — questionou Rick ansioso.

— Isso é com vocês! — disse Gorilla ao parar tudo e olhar para Rick.

— Como assim? Somente uma possibilidade? Não entendi qual é a nossa única possibilidade! — indagou Rick novamente.

— Quis dizer que teremos combustível suficiente somente para irmos até um dos planetas de que temos conhecimento do outro lado do buraco de minhoca. — elucidou Gorilla.

— Isso torna nossa escolha mais fácil. — disse Ami, invadindo os nossos ouvidos com sua voz.

— Como isso facilita, Ami? — indaguei curiosa.

— Podemos ir para o planeta mais próximo da saída do buraco. Assim, teremos garantia de chegar a algum lugar com a Arca de Funjoy. — Disse Ami sugerindo um plano simples e objetivo.

— O que acham? — perguntou Rick.

— Acho que não temos muitas opções, como ela mesma disse... — falou Eddie, concordando com o plano.

— E se nesse planeta que aterrissarmos não houver a atmosfera ideal para nós? Pensaram nisso? E se houver vida hostil? Pensaram nisso também? — indagou Gorilla friamente calculando todas as possibilidades, pois essa era sua função naquele momento.

— Não... Havia me esquecido desses detalhes... — disse Ami desviando o olhar de Gorilla, desanimando-se.

— Não estamos brincando de viagem espacial aqui! Isso é sério! Façam seus cálculos, levantem os dados, pois só teremos uma chance! — disse Gorilla extremamente sério ao sentar-se em sua cadeira de piloto.

Todos assentiram com a cabeça.

— Muito bem. Há algo mais de que devamos tratar neste conselho? — questionou Rick olhando por alto.

Segurei a respiração, pensei em expor Bubu e sua existência em nossa nave, mas visto as circunstancias considerei razoável não dizer algo naquele momento.

— Não. Creio que já tenhamos tratado de tudo, pai. — falei olhando para Rick, tentando esconder minha ansiedade.

— Certo. Ami e eu daremos uma volta pela nave para ver como está seu funcionamento. Em dois dias voltaremos a tratar deste assunto antes de voltarmos à hibernação. — Informou ele.

— Está bem, Rick! — concordou Eddie.

— Gorilla? Pensando melhor, não gostaria de nos acompanhar nesta caminhada? — sugeriu meu pai.

— Rum... Tenho mesmo que fazer isso? — resmungou Gorilla, preguiçoso.

— Vamos logo! Vai ser bom para seu corpo! E fazemos tudo de uma vez só! — comentou Ami, o incentivando.

— Está bem. Estou indo... — falou ele caminhando desajeitadamente sentido à única porta da cabine.

— Isa?...

— Isabela? ...

— Isabela Price? Não está me ouvindo? — perguntou Eddie fitando-me nos olhos.

— Oi?! O quê? O que disse? — falei devolvendo meus pensamentos a realidade e atendendo aos chamados de Eddie.

— Vamos cuidar da nossa rotina? Os animais? — lembrou-me ele.

— Claro! Estava pensando exatamente sobre isso! — respondi imediatamente.

Saímos da cabine e fomos rumo aos nossos setores designados àquele dia, cuidar das criaturas que nos ajudariam a reconstruir nosso novo planeta, nossa nova Terra, pois elas eram tão importantes quanto nós neste recomeço.

Dois dias depois...

— Tudo pronto! E vocês, estão prontos? — Perguntou Eddie posicionado próximo às câmaras de hibernação.

— Estou ansioso para dormir novamente! — comentou Gorilla animado.

— Estamos prontos. — respondeu Rick por ele e Ami.

— Bom descanso novamente, pessoas! — exclamei ao acionar suas câmaras e enviá-los para seu sono profundo novamente.

— Isabela?! — chamou-me Rick ao fechar de sua câmara — tome cuidado!

As câmaras agora se fechavam. Erámos novamente Eddie e eu, até que a próxima dupla assumisse o turno.

O tempo não parava, não retardava e não retrocedia. Não. Ele tinha somente um sentido, e esse sentido era o futuro.

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