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CAPÍTULO III - VOLTA DE MARIA RITA

Quatro anos longe de casa, convivendo com a saudade e a nostalgia, os dias pareciam muito longos e as horas demoravam demais a passar. Mesmo assim, com a cabeça erguida e pés no chão, conseguiu se formar e então voltar para seu berço natal.

 Terça feira, 6 de novembro de 1894, exatamente as 8:30 da manhã, chega o carteiro e entrega para Lulu, uma das criadas da fazenda, uma carta registrada com o endereço de Portugal.

— Lulu corre pela casa adentro com a carta na mão e grita; dona Margarida, dona Margarida?

— O que é Lulu?

— Uma carta, dona Margarida!

— Uma carta? Deve ser de Maria Rita!

— Ansiosa pega a carta, olha o envelope com   o nome e endereço da filha. É de Portugal. É de Maria Rita sim!

— Abre logo a carta dona Margarida, estou curiosa para saber o que está escrito nela!

— Deixa de ser enxerida menina, que coisa feia!

— Desculpe patroa, depois a senhora me conta.

— Está bem, eu conto.

Um pouco trêmula e aflita começa a ler a carta. Cada frase lida despertava certa emoção com expressa de choro misturado com sorriso. Era emoção demais pra ela!

— Lulu e as outras duas criadas vieram correndo, queren-

do saber das notícias, mas, depararam com dona Margarida beijando a carta e enxugando as lagrimas que rolavam dos olhos com o avental.

— As três abraçaram a patroa e perguntaram se a carta era de Maria Rita.

— Sim, queridas, é dela sim, ela está vindo embora de vez. Então disse para as criadas; quando Francisco chegar as três me faça o favor de ficarem caladas. Eu mesma quero dar a ele a notícia.

— As criadas começaram a pular e gritar de alegria dizendo; Maria Rita vai voltar! Maria Rita vai voltar!

— Dona Margarida guardou a carta e esperou seu esposo chegar do campo para lhe dar a as boas novas.

— Francisco, entrou na sala e perguntou para Belinha, uma das criadas, onde está Margarida?

— Ela está lá na cozinha feliz da vida. Vai lá!

— Feliz da vida, o que aconteceu?

— Não sei de nada Senhor Francisco, o senhor pergunte para ela.

— Engraçado isto! Entrou pela casa e perguntou; o que aconteceu mulher, para você estar feliz da vida assim?

— Pegou a carta, mostrou a ele e disse: É isto aqui meu velho. Nossa filha está vindo embora.

— Que coisa boa minha santa, é bom demais pra ser verdade! Nossa filha de volta, Graças a Deus!

— Foi a melhor coisa que aconteceu para a gente, meu velho, nossa filha de volta. Quanta alegria!

— É minha velha, nossa menina aqui em casa outra vez é alegria redobrada!

— Deus ouviu minhas preces! Tenho rezado tanto para

ver nossa família reunida para sempre.

— Ah, Margarida, Deus nunca se esquece de quem a Ele recorre!

— E Aníbal quando souber de sua volta, como será que ele vai reagir?

— Não se preocupe Margarida, ele já deve ter esquecido a nossa filha, faz quatro anos que ela está em Portugal.

— Sei não Francisco, andam dizendo por aí que o coitado anda nas bebedeiras e não para de dizer o nome dela.

— É melhor não pensar no pior. Vamos pensar preparativos para sua chegada.

— Isso mesmo Francisco, sua chegada está prevista para depois de amanhã no Rio de Janeiro. Depois ela toma o trem que deverá chegar às 16 horas na estação do Arraial de Cascalhinho.

— A gente vai até lá esperar por ela, não é meu velho!

— Se Deus quiser!

— Vou falar para o Tiãozinho preparar a Carruagem para buscá-la na Estação assim que ela chegar.

— Ela deve trazer bastantes coisas de lá. Muitas malas cheias com certeza.

A expectativa para a chegada de Maria Rita aumentava e o alvoroço dos criados na preparação da casa intensificava na véspera da agradável surpresa para todos que viviam na Fazenda Laranjeira. Era só alegria!

— Tiãozinho! O rapaz veio correndo e disse: o senhor me chamou patrão?

— Chamei sim, diga aos peões que cuidam do rebanho, para separar um novilho bem gordo e deixe o confinado para ser abatido amanhã bem cedinho. Quero celebrar com uma festa, a chegada de minha filha.

— É pra já, patrão, estou indo!

— Ah! Já ia me esquecendo. Cela um dos cavalos e vá à casa do coronel Lindolfo, diz a ele para vir amanhã à tarde para surpresa que vamos dar em Maria Rita.

— Sim Senhor!

Aquela tarde, véspera de sua chegada, foi de tamanha correria. As criadas trabalharam dobrado na preparação de seu quarto e também na escolha das coisas que ela mais gostava. Docinho de limão eram o seu predileto e as demais iguarias que sempre estava presente na mesa da família Xavier.

— Sexta feira, 9 de novembro naquela mesma semana as 16 horas, chega na estação do Arraial de Cascalhinho, no trem, a filha de Francisco Xavier e dona Margarida.

Além de seus pais, muitas outras pessoas da fazenda e da vizinhança, se encontravam presentes na estação esperando a chegada da querida e amada Maria Rita.

Assim que o trem encostou-se à plataforma da estação e abriu as portas para a descida dos passageiros, a moça apareceu na porta de saída com um sorriso de boas-vindas, desceu o degrau do trem com passos delicados em direção aos queridos pais com um sorriso de grande alegria e ternura.

— Dona Margarida apressou-se ao encontro da filha e as duas, mãe e filha se cumprimentaram com um fortíssimo abraço de quem almejava tanto esse agradável momento!

— Meu paizinho querido, a sua benção!

—Deus te abençoe minha filha, quanto tempo?

— Os estudos papai! Mas agora estou de volta para sempre. Prometo não mais me ausentar tanto tempo de meus queridos pais que amo tanto!

— Nós também te amamos muito, filha querida!

— Tiãozinho, meu neguinho, tu cresceste menino, está um homem feito! Pegue minhas malas, por favor?

— Já coloquei na carruagem, senhora.

— Vamos, minha filha para casa, aliás, para sua casa

Maria Rita. Sua lembrança sempre esteve em nossa casa.

            — Está bem mamãe, vamos! Estou ansiosa pra chegar e

ver tudo que me causou tanta saudade.

Tomaram a carruagem e seguiram para a fazenda. No caminho olhando para a vegetação, contemplava as belezas,recordando seu tempo de infância. Exalava o perfume das flores do campo e respirando aquele ar puro e saudável exclamou: ah, que felicidade!

Não posso acreditar que estou de volta pra casa. Rever novamente a minha gente querida. É bom demais pra ser verdade! Felicidade sem igual!

Arraial de Cascalhinho não havia mudado em quase nada, mas as pessoas, principalmente suas colegas da escola, estavam todas crescidas e algumas até já haviam se casado.

— Ao aproximar-se da fazenda, Maria Rita suspirou de alegria ao retornar a saudosa morada e disse: Quanta beleza retratando nossa fazenda!

O bougainville está florido como sempre. Pita, vem aqui minha pequena cadelinha. Ela veio correndo, cheirou os pés da recém-chegada. Maria Rita a tomou nos braços abraçou a companheira de tantos anos e em seguida a colocou no chão. Assim que entrou, procurou pelas criadas.

— As três — Lulu, Belinha e Zizi, vieram correndo e abraçaram a amiga. Que saudade Maria Rita, pensamos que não

fosse voltar nuca mais!

— Não diga uma coisa dessa gente, foram apenas quatro

Anos. Passou sem a gente perceber.

— Para a gente foi como se fosse um século!

— O que é isto, suas bobinhas! O tempo passou, senti muita falta, muita saudade também, mas o importante é que agora estou de volta e não pretendo mais ficar tanto tempo longe de vocês.

— Vem ver como ficou seu quarto. Arrumamos com muito carinho. Esperamos que goste!

— Lindo! Muito obrigada queridas! Não precisava tanto, meninas! Agora me dão licença que vou tomar um banho antes do jantar.

— Já preparamos seu banho querida, a casa é sua! Fique à vontade! Há, há, há...

Logo que saiu do banho, foram para a mesa e então se sentaram para o jantar. Presentes à mesa se encontravam apenas Maria Rita, e seus pais.

— Então ela se levantou e disse: Cadê vovó?

— Ah, ela está descansando um pouco.

— Ela está doente?

— Não! Só um cansaço por causa da idade

— Quero vê-la antes de tomar o jantar. Saiu e foi até o quarto de dona Valquíria e disse: Vovó cheguei!

— Oh minha neta, não me disseram que você ia chegar. Pensei que nunca mais iria te ver.

— Ah vovó, fui eu quem pediu para não dizerem nada, porque eu queria fazer uma surpresa para a senhora. Vem sentar-se à mesa conosco vovó e pare de dizer besteira!

— Não Maria Rita! Tomo o jantar aqui mesmo estou acostumada! Não se preocupe comigo!

— Por que isso agora vovó, não vai me fazer essa desfeita

vai?  Quanto tempo longe de vocês;

— Está bem Maria Rita, ajude-me alevantar dessa cama e vamos almoçar juntos.

— Isso! Vamos que a comida está esfriando! Puxou uma cadeira e disse: senta aqui vovó e vamos jantar.

— Que bom que a senhora veio jantar na mesa hoje ma

mãe! Estava sentindo a falta da senhora aqui conosco.

— Você está dizendo isto só porque está na presença da minha neta.

— O que é isto mamãe, eu nunca fiz pouco da senhora! Por que isso agora?

— Sei!

— Vamos parar com isso, minhas flores, vamos jantar em paz! Deixem de infantilidade!

Dona Valquíria tomou o jantar com muita disposição ao sentir a família reunida outra vez como de outrora. Provou a sobremesa que Maria Rita mais gostava — doce de cascas de limão.

Mal terminou a refeição, pediu para voltar para seu quarto. Maria Rita a acompanhou segurando seu braço.

Sentada ali naquela cadeira de balanço, ficava quase o dia todo com uma agulha de crochê nas mãos, tecendo seus agasalhos preferidos.

Ao lado de sua cama que ficava de frente a Cadeira de Balanço onde passava quase o dia todo sentada, ostentava um Altar com várias imagens sagradas. Dentre elas, a imagem de Nossa Senhora das Graças, por quem era devota assídua. A ela, eram atribuídos seus pedidos e súplicas.

— Muito guerreira a vovó querida de Maria Rita e mãe de dona Margarida.

No silêncio da solidão entre cochilos, óculos pendidos no rosto em constantes orações esperavam silenciosa sua hora derradeira, quando Deus a viesse chamar!

Sentindo o peso de seus 72 anos vividos, abraçava as lembranças do velho e eterno companheiro, já há muitos anos falecido. Severino Rocha. Fixado ali na parede de seu quarto fulgurava um quadro com um retrato dos dois tirados no dia do casamento, já amarelado pelo tempo.

Muitas vezes em suas horas de nostalgia, costumava dizer. Ah Severino, meu velho! Um dia estaremos juntos outra vez na eternidade e então esta cadeira vai sentir a minha falta!Depois que terminaram foi para a sala de visitas e começaram a contar as novidades. Maria Rita pediu para as criadas trazerem uma das malas.

 Abriu-a e começou a distribuir os presentes. Eram tantas novidades para quem vivia naquele pedaço de sertão, longe das grandes cidades. Todas as pessoas da fazenda, além de seus pais e sua avó Valquíria, receberam um presentinho de Maria Rita, os quais foram guardados como relíquia.

— Conversando com as criadas, uma delas — Belinha mencionou o nome de Aníbal dizendo: Tiozinho e eu estivemos no Arraial e vimos Aníbal bêbado gritando seu nome pelas ruas em alta voz!

  — Não me fale desse rapaz, estou sabendo de tudo que ele andou aprontando por aí. Muito audacioso!

— Coitado, Maria Rita, ele está sofrendo muito.

— Afinal de contas, não temos nada em comum. Já está na hora dele tomar uma decisão e deixar de ser criança. E por

favor, não toque mais no nome desse rapaz!

— Está bem! Não falo mais dele pra você. Se eu pudesse

fazer alguma coisa por ele, eu faria com prazer!

— Olha só! Quem te viu quem te vê! Não me vai dizer que está sentido pena dele. Ou será que...? Ah deixa pra lá.

Maria Rita questionou Lulu sobre os convidados e quis saber se vinha alguém na festa que ela ainda não conhecia. Talvez pessoas com os mesmos ideais.

— Por que a pergunta, Maria Rita?

— Curiosidade, apenas curiosidade!

— Sei! Está sentindo falta dos amigos doutorados de Portugal, não é? Tenho a impressão de que um vazio começa a importuná-la!

— Nada disso, Lulu, já disse que é apenas curiosidade, nada mais...

— As pessoas que virão ao jantar, pelo que sei são todos conhecidos.

— Está bem, vou falar com mamãe, depois eu volto

para continuarmos a conversa. Não demoro!

— Ah! Me lembrei Maria Rita!

— Se lembrou de que, Lulu?

— Robério — o filho adotivo do coronel Lindolfo e

Dona Veneranda. Você o conhece?

            — Não me lembro de nenhum Robério aqui por essas bandas enquanto vivia aqui antes de ir para Portugal.

— Não se lembra mesmo? Deve ter a sua idade. Nessa época ainda era um garoto como qualquer um.

— O que é que tem esse rapaz de tão especial para você se referir a ele quando perguntei por alguém diferente?

— Mas ele é diferente sim Maria Rita, além de ser filho do

Coronel Lindolfo, é um peão afamado e muito respeitado na região. Olha, ele é muito simpático!

— Me dê licença que vou ver vovó, volto já!

— Pensas que me engana, Maria Rita? Vai ter uma grande surpresa quando o ver.

Quero ter o prazer de vê-la se derretendo toda quando bater os olhos em Robério.

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