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CAPÍTULO II - FAZENDA LARANJEIRA

Bem ali no coração da área mais plana e fértil, ocupando a melhor localização e mais beneficiada pelos mananciais de água, sediava uma grande fazenda com traços bem antigos, benfeitorias ainda com estilo colonial e mão de obra por descendentes de escravos e imigrantes de diversas nacionalidades.

Era esta, a propriedade do senhor Francisco Xavier e dona Margarida Rocha, principais responsáveis pela maior parte da economia da região. Muitas eram as pessoas que ali trabalhavam e tiravam de lá seu sustento.

Era Francisco, o tipo de pessoa que não deixava nada para depois. Sempre fazia com que tudo fosse resolvido a seu tempo, mas, às vezes, antecipava as coisas, quando estas requeriam certa urgência com relação as necessidades devidamente a serem tomadas.

Era um tanto brincalhão e hospitaleiro. Sua casa estava sempre cheia de visitas tanto de parentes, amigos, como também estranhos que sempre apareciam pedindo trabalho ou hospedagem. Não era fumante nem apegado a nenhum tipo de bebida alcoólica.

Gostava na verdade, de tomar, vez por outra, um golinho de aguardente que ele fabricava em seu próprio alambique. Como era de costume, nos fins de semana, acontecer aquela rodada de truco. Seu parceiro predileto sempre fora o Coronel Lindolfo. Os dois tinham um código de sinalização o qual fazia que cada um deles soubesse quais manias (carta de pontuação no jogo) que cada um tinha nas mãos. Na maioria das vezes saiam vencedores.

Um cafezinho bem quentinho saia a todo o momento do bule apoiado na chapa quente do fogão de lenha que estava sempre aceso. Este vinha sempre acompanhado com as deliciosas quitandas caseiras feitas por dona Margarida.

Era alto, claro, barba cerrada, bigode grosso e cabelos lisos acamados de frente para traz. Ágil cavaleiro e bom de laço. Francisco era daqueles que não costumava deixar tudo por conta dos peões. Sempre era o primeiro a entrar em ação quando surgia algum problema difícil de ser resolvido.

Sua esposa, dona Margarida, um pouco mais jovem, era uma mulher de fibra. Acostumada desde menina na cozinha com sua mãe, era responsável pela direção da casa e dos serviços em geral. Os criados, Tiãozinho, braço direito de seu Francisco, era o rapaz de confiança do velho. Sempre obediente e responsável.

As criadas, Lulu, Belinha e Zizi, eram como filhas para ela. Obedientes, trabalhadeiras e responsáveis. Faziam sob as ordens da patroa, para que tudo mantivessem sempre na ordem perfeita.

Lulu, filha de um funcionário da fazenda, era alegre, espontânea e muito verdadeira. Balinha, ah, essa era morena clara, alta, meiga e muito simpática, filha de dona Laura amiga de infância de dona Margarida. Zizi era a mais velha das três, filha de uma escrava alforriada que já havia falecido. Sempre calada, falava pouco, mas tinha um grande coração e grande dedicação no trabalho.

Uma casa grande com muitos cômodos bastante espaçosos compunha a anatomia dessa aconchegante fazenda. Toda ornada com exuberantes trepadeiras debruçadas sobre as muretas feitas de pedras. Folhagens de variadas cores compunham o matiz dos arbustos e ramagens atraindo insetos que vinham de longe e migravam-se àquele florido jardim.

O perfume de agradável odor atraia inúmeras espécies de minúsculos seres transformando o lugar em verdadeiro cenário de cores e vida silvestre.

Palmeiras centenárias esparsas por toda a propriedade, desde os corredores até as encostas dos montes, atraía aves de várias espécies como; araras, papagaios, periquitos e muitas outras espécies de aves menores.

Os guachos barulhentos construíam pendurados sobrem as folhas das palmeiras, seus ninhos, formando uma grande colônia para a perpetuação da espécie.

No gramado natural fora dos currais, estendia-se uma camada verde de lisas gramíneas. Fazia ali seus ninhos para a reprodução, os quero-queros mal-humorados e sempre zangados com a presença dos transeuntes pelos arredores da casa grande, em defesa de seus ninhos. O ar puro e perfumado trazia até as dependências do casarão, o cheiro e o frescor das matas ao seu redor. Os campos, cobertos de flores nas mais variadas cores, formavam um verdadeiro tapete colorido com diversas e incontáveis variedades de plantas agraciadas pela natureza. Uma fachada voltada para o oriente recebia os primeiros raios do sol ainda despontando no horizonte. Era feita com madeira nobre— aroeira, peroba-rosa, jacarandá, vinhático, bálsamo e muitas outras espécies.

Imponentes janelas enfileiradas na frente e dos lados da casa formavam um design tipicamente colonial. Por elas entrava a luz do sol e a brisa que oscilava ao redor da casa, purifican-

do suas dependências.

As portas teciam uma combinação de várias cores com métodos artesanais, fazendo com que diferentes madeiras moldassem um desenho assimétrico.

Luminária sustentada por correntes prateadas, fixas no teto dos principais cômodos da casa, fazia a iluminação.

O teto, o assoalho e o madeiramento, eram feitos de peroba-rosa e jacarandá. Também as escadarias que se dava para o pomar exibiam o uso de madeira nobre.  O telhado nem se fala. Coberto com as tradicionais telhas coloniais, sustentado por uma armação das mais puras madeiras como vinhático e peroba.

Cadeiras de palha trançada com armadura de madeira nobre como pau Brasil, peroba-rosa e bálsamo, espalhadas por toda a casa. Bancos, baús e mesas de pranchas maciças contornavam todas as salas do casarão. A varanda com dois metros e meio de largura voltada para os currais abrangia toda a frente do casarão. Cercada com muretas de pedras revestidas com mármore italiano, contornava a frente e os lados da casa grande, servindo de assento para as pessoas

Os currais onde era feita a ordenha, compunham-se de várias repartições para separar os bezerros das vacas.

Sempre repleto de rezes entrando e saindo pelas cancelas.

 Apesar de ser uma época ainda bem distante da atualidade, demonstrava traços de uma construção sofisticada.

Como meio de transporte, usavam-se Carruagens e cavalos adestrados para cela. Também, para a colheita dos grãos, usavam-se carroção, posteriormente, carros de boi. Dezenas de pessoas trabalhavam e cuidavam dos afazeres da propriedade.

O casal tinha apenas uma filha que se chamava Maria Ri-

  1. Era o orgulho dos pais. Criada com muita estima e cuidado cursava uma faculdade em Portugal e se formou em Direito, mas, seu sonho e desejo era voltar e lecionar na escolinha da fazenda.

Desde pequena sempre foi aquela criança meiga de uma beleza incomparável. Alta, esbelta, cintura fina e sorriso aberto. Olhos azuis, cabelos pretos e lisos, faziam dela uma das moças mais bonitas e delicadas da região.

Alfabetizar não só aquelas crianças da redondeza, mas também muitos jovens e adultos que por ventura, não tiveram a oportunidade de apenas aprender a ler nem tampouco assinar o nome.

 Era grande a expectativa para sua chegada pelas pessoas que trabalhavam na fazenda, como também por todos que funcionários da casa grande além de seus pais. 

Dilema de Aníbal

Vizinho do senhor Francisco, havia também um fazendeiro o qual se chamava Joaquim Viana e tinha um filho por nome Aníbal. O velho, homem bom e honesto, era bem visto por todos, mas, Aníbal seu filho, era folgazão e gastava de farrear com os amigos da sua idade.

Era jovem com seus vinte e poucos anos de idade costumava arranjar encrenca quando estava embriagado. Por causa de suas atitudes, era malvisto pela sociedade de Cascalhinho, tendo o como irresponsável e beberrão.

O velho Joaquim Viana andava muito desgostoso com as atitudes do filho que era apaixonado por Maria Rita. Ela, porém, não gostava nem de ouvir falar o nome dele. Por essa razão, foi que ela resolveu deixar a fazenda e ir estudar no em Portugal.

 O rapaz vivia de bar em bar afogando as mágoas pelo fato de não ser correspondido, embora fosse um jovem endinheirado, porém não merecedor de seu amor.

 Ali, no arraial de Cascalhinho, há uns doze quilômetros da fazenda Laranjeira de propriedade do senhor Francisco, todo mundo o conhecia sempre nas bebedeiras.

Apesar da vida que doravante levava, tinha boas amizades. Com relação a tantas intrigas causadas pelo rapaz, talvez em consideração aos seus pais, as pessoas evitavam denunciá-lo pelas suas inconveniências, contudo, sabiam que seu descontrole emocional era causado pelo ciúme.

Coronel Lindolfo

Mais distante na parte sul da região, havia outro fazendeiro amigo de Francisco e de Margarida. Chamava-se Lindolfo, ou melhor, Coronel Lindolfo esposo de dona Veneranda a qual vivia ao lado do coronel desde quando se casara há mais de trinta anos.

 Era uma bela fazenda cheia de gado nas invernadas e muitos hectares formados em plantações. Também usava mão de obra de escravos alforriados e seus descendentes.

Senhor Francisco e ele eram parceiros nas rodadas de truco nas noites dos fins de semana. Também não deixavam de lado a tradicional pescaria nos rios que eram abundantes na redondeza. Francisco não fumava tradicionalmente. Só queimava alguns cigarrinhos quando estava na beira do rio pescando. Dizia que era para espantar os mosquitos. Já o Coronel Lindolfo não passava meia hora sem ascender o cigarro de palha. Era fumante assíduo contador de histórias.

O traquejo do gado ficava aos cuidados do jovem Robério. Um rapaz que ele criava desde menino. Este havia perdido seus pais biológicos num acidente e ficara então órfão de pai e mãe, sendo que não tinha nenhum parente próximo que pudesse adotá-lo

Por ser um homem bom, o coronel tratou logo de adotar o menino e o registrou como legitimo filho. Robério cresceu no lombo dos cavalos em companhia do pai adotivo conduzindo o gado pelas estradas da região. Cresceu e aprendeu com o velho todas as regras e habilidades de um bom vaqueiro. Agora, homem feito, prático e conhecedor do assunto, era o braço forte do velho que andava com a barba molhada de tanto babar quando falava de Robério. Sempre o chamava de filho e depositava nele toda confiança de um pai.

Coronel Lindolfo dona Veneranda viviam, desde o casamento em perfeita harmonia, fidelidade e respeito, um pelo outro. Jamais tiveram qualquer tipo de desentendimento durante toda sua vida conjugal.

Apesar da convivência, tanto como pessoa e também como marido e mulher, não tiveram a sorte de ter filhos. Portanto, Robério surgiu na vida do casal como uma dádiva de Deus. Por essa razão, não descartaram a sorte de abraçar aquele presente que chegou em boa hora!

Maria Rita nasceu e cresceu na fazenda Laranjeira até aos 16 anos de idade em companhia e proteção dos pais. Estudou na escolinha do Arraial de Cascalhinho desde os sete anos de idade.Conheceu Aníbal durante o tempo em que estudavam

juntos na escola do Arraial e teve um breve namoro com o ra-

paz. Foi coisa passageira. Coisa de adolescente. Aníbal, porém, pouco mais velho, não aceitou terminar o namoro e caiu numa depressão profunda, destruindo sua juventude nas bebedeiras nos bares de Cascalhinho.

Por esse motivo, seus pais decidiram mandá-la para Portugal, terminar lá seus estudos. A viagem de Maria Rita para o Exterior foi, para Aníbal a gota d’água.

 O rapaz entrou em choque por causa de sua ausência pela falta de consideração e fidelidade por parte da ex-namorada. Não se conformava com a idéia de viver longe da pessoa amada.

Lamentavelmente ninguém podia fazer nada por ele a não ser a preocupação e cuidados de seus pais. Tornou-se uma pessoa amarga e desinteressada pelos negócios da fazenda apesar de possuir um bom rebanho bovino que ficava aos cuidados do pai. Sempre zelava pelo futuro do filho sem perder a esperança de vê-lo um dia recuperado do terrível vicio que consumia aos poucos, a sua saúde.

Foi para ele quatro anos um tanto sofrido o período em que Maria Rita esteve fora. Alimentava seu amor por ela mesmo sem esperança de tê-la novamente em seus braços.

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