Capítulo 2

Comando de Operações e Defesa Aeroespacial (C.O.D.A.) - 2º 22' 39 52'' S 44º 23' 57 71" W

- Sabe, Thomas, acho que vou fazer um mochilão. O mês inteiro. Ou um cruzeiro, talvez. Pelas ilhas gregas. Não me decidi ainda. É muito dinheiro para gastar em tão pouco tempo. O que você acha?

- Acho que você deveria ter planejado as suas férias há muito tempo. Agora, que tal parar de viajar e vir aqui me dar uma mão?

Os sites dos provedores do C.O.D.A. são localizados em uma grande sala com atmosfera controlada. É um local frio e escuro. A pressão positiva do aposento impede que poeira e insetos invadam o seu interior. O ruído eletrônico dos mais de duzentos processadores trabalhando e o sopro do ar condicionado são, normalmente, os únicos sons ouvidos no aposento. Isso durante a maior parte do tempo, quando não há nenhuma falha de sistemas ou erro em alguma placa mãe a ser reparado.

Quando um código de erro é emitido, o local se transforma. Técnicos de manutenção trazem consigo aos sites não apenas seu senso de urgência em localizar e consertar o defeito das máquinas, mas também, barulhentos salgadinhos em embalagens de alumínio e latas de refrigerante, indo contra a regra de não portar ou consumir alimentos e bebidas dentro do site.

Scott conhece muito bem essa regra. Mas já no clima de férias, isso talvez seja a última coisa que passa por sua cabeça no momento. Ele sabe que seu Cheetos ou sua Coca não podem causar muitos danos aos equipamentos de processamento de dados, ainda mais porque ele não tem intenção nenhuma de ajudar Thomas, seu colega do setor de T.I.

- Ei, não me venha pedir ajuda agora. Olhe, minhas mãos estão todas engorduradas. – O sarcasmo no rosto do jovem técnico em informática nem é percebido por Thomas, que concentrando, busca incessantemente a origem da falha no provedor, imergido em um manual com centenas de páginas. – Eu cuido dos softwares. E você, meu amigo, do hardware.

Scott se levanta da cadeira em que esteve sentado pelos últimos quinze minutos e sai pela porta dupla da sala a procura de uma lixeira, enquanto esfrega as mãos sujas de farelos na calça. Thomas agradece pelos poucos minutos de silêncio que terá enquanto seu colega fanfarrão não volta.

"- Acho que descobri." – Um leve sorriso se abre no rosto do técnico e, ao substituir um ventilador do cooler por outro que estava em sua mochila e perceber que o código da falha fora resetado, ele se levanta prontamente do chão, arqueando suas costas e finalizando seu serviço. – "Se esse merdinha tivesse me ajudado eu não teria perdido o horário da janta".

Thomas deixa o site, e suas milhares de luzes piscantes, para voltar ao seu setor, no andar imediatamente abaixo à central dos provedores.

Ao chegar à sala destinada à T.I., ele nota que seu colega já está sentado em sua mesa, analisando uma nova mensagem de erro.

- Ei, T, o que é esse código aqui? Tem letras no meio dele. Nunca vi esse tipo de erro antes. – Scott folheia rapidamente sua apostila em busca do erro correspondente, mas encontra apenas códigos compostos por números.

- Que estranho. Também nunca vi esse tipo de alarme. Nem sabia que era usado. De onde está vindo?

- Do MMS.

- Monitoramento de Missões? Mas a Aliança não tem nenhuma missão no espaço, tem? – O tom na voz de Thomas passa do confiante para o indeciso. – Vamos descer para dar uma olhada.

Dois lances de escada, um corredor deserto e pronto. O caminho é percorrido em poucos minutos. Ao chegarem até a sala do MMS, tudo parece estar em perfeita ordem. Todas as luzes que indicam o status de funcionamento dos equipamentos de monitoramento de cada corredor estão apagadas, pois de fato, não existe nenhuma missão espacial em andamento. O único canto que tem equipamentos em funcionamento 24 horas por dia é o espaço destinado aos satélites. E lá estava tudo em ordem.

Scott decide percorrer alguns corredores em busca de um sinal. Thomas permanece parado no centro da bifurcação criada pelos armários de CPUs.

"- Estranho. Se não me engano, muito tempo atrás foram usados códigos de erros que mesclavam letras e números. Mas faz pelo menos vinte anos que usamos apenas números."

Por desencargo de consciência, o técnico pega o corredor à sua direita e sobe até o mezanino por uma escada com degraus de chapa de metal. No final dela, uma porta de vidro se encontra fechada. Através dela é possível ver um conjunto de luzes piscando e uma impressora funcionando, rabiscando em folhas de papel por meio de um braço articulado o que parecem ser sinais vitais de algum suposto tripulante de alguma também suposta missão.

- Achei, Scott. Mas meu cartão de acesso não está abrindo a porta. Tenta com o seu.

Scott também sobe o lance de escada e passa seu cartão. Felizmente seu nível de acesso no C.O.D.A permite que ele abra a porta. Thomas percebe que alguns farelos de salgadinho ainda estão presos à barba mal cuidada de seu colega, mas por vingança pela falta de cooperatividade do colega, decide por não avisá-lo.

Quando a porta termina de correr, ambos os técnicos entram na sala. A primeira coisa que percebem é que faz tempo, muito tempo, que ninguém entra ali. O manual de operações dos equipamentos ainda é do lote que fora impresso em preto e branco, em uma impressora de qualidade muito duvidosa, com suas folhas já um pouco amareladas pela ação do tempo.

Scott puxa o teclado e começa a digitar alguns códigos operacionais enquanto Thomas, sentado sobre a mesa em que estava o manual, rapidamente o folheia, mais por curiosidade do que por objetividade.

- Estranho, T. Não achei nenhum erro no funcionamento disso. Está funcionando perfeitamente bem. É velho. Mas funciona.

- Mas então o que ele está monitorando? – Thomas se coloca à frente do monitor. Seus óculos refletem a luz esmeralda emitida pela tela. – E de quem são esses sinais vitais que estamos recebendo?

Sem muita paciência para pensar em possíveis causas, o técnico de softwares se dirige para um telefone próximo da entrada.

- Quem é o supervisor de plantão? – Scott tira o telefone de seu suporte, quase à altura de sua cabeça e começa a discar. Em instantes uma voz feminina do outro lado da linha é ouvida.

- Sala de rádio. – A pessoa que responde está claramente empolgada com a ligação. Talvez por saber o quão raro é receber uma ligação no C.O.D.A. durante o turno da noite.

- Fala, Beca. Tudo certinho? Scott falando.

- Tudo bem, Scott? O que manda para mim hoje?

- Você sabe me dizer quem é o supervisor de manutenção do T.I. que está de plantão hoje?

- Só um momento que vou verificar.

- Ouvi dizer que esses equipamentos de monitoramento não conseguiam acompanhar nenhuma missão além de Marte. Vê se pode! – Scott, cobrindo com a mão o microfone do telefone se vira para Thomas com o desdém de sempre. Seu colega não parece ter dado muita importância, pois segue imerso no manual de procedimentos da sala.

- Oi, Scott, está aí?

- Estou sim, pode falar. - Rapidamente o técnico recoloca o telefone no ouvido.

- Então, hoje o plantão é do Kraemer. Quer o contato dele?

- Não. Está tudo bem, eu tenho o número dele aqui. Valeu Beca!

- Disponha.

Scott encerra a ligação e se vira novamente para o seu colega, já retirando o celular do bolso da calça e resmungando alguma besteira que passa despercebido por Thomas.

- Aqui. Achei! – Thomas se levanta da mesa e aponta com um dedo a informação no manual. – O procedimento não prevê nenhuma medida, apenas informa um número para contato.

- Já é, então! Vamos ligar logo. Não estou nem um pouco a fim de levar uma enrabada do Kraemer por acordar ele. Com certeza deve ter jantado como um porco e agora está escondido em algum banheiro dormindo, com um rolo de papel higiênico como travesseiro!

Ao discar o último número, os dois técnicos se entreolham esperando por alguém atender do outro lado da linha.

A resposta é incrivelmente rápida. Após chamar somente uma vez, a ligação é atendida.

- Alô. Quem é? - Scott nunca admitiria, mas sua timidez sempre o deixava nervoso e meio estabanado ao falar com alguém pela primeira vez. Mesmo que por telefone.

- O que foi? – A voz do outro lado é firme. Fria.

- Ahm então, aqui é do setor de T.I. Achamos esse número no manual de procedimento do MMS. Parece que um dos equipamentos de monitoramento de missões espaciais está recebendo algumas leituras, mas pelo que sei não temos nenhuma miss...

- Está bem. Vamos averiguar. Pode encerrar a Ordem de Serviço e voltar para suas tarefas. – Em seguida a ligação é encerrada.

- Nossa. Desligou na minha cara!

- O que foi que disseram?

- Nada. Apenas que iriam verificar e que voltássemos para o setor.

- Sério? Que estranho.

Thomas, ao contrário de Scott sempre procurava saber de tudo que acontecia no C.O.D.A. que tivesse relação com o seu serviço. Ele sabia que os equipamentos que se encontravam naquela sala em particular foram usados há muito tempo para monitorarem os sinais vitais de astronautas nas primeiras missões de exploração espacial além da Lua. Por isso achava tão estranho que eles estivessem recebendo qualquer tipo de leitura. Há décadas que haviam se tornado obsoletos.

- Bom, vamos voltar então. Scott lidera o caminho de volta, sem olhar para trás para ver se Thomas o acompanhava. – Então, acho que decidi por um mochilão pela Europa mesmo.

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