Capítulo 5

Comando de Operações e Defesa Aeroespacial (C.O.D.A.)

Tempo transcorrido após o primeiro contato: 48h e 30 min

- Dra. Barnett, favor comparecer ao Setor 18. Repetindo, Dra. Barnett, compareça ao Setor 18. Obrigada.

A voz anunciada pelos alto falantes espalhados por todo o complexo do C.O.D.A. é de Rebecca Santos, ou apenas Becca para os amigos. Rádio Operadora e responsável pela comunicação entre os setores do Comando.

Assim que o anúncio é encerrado, a porta dupla de vidro temperado do Setor 18 se abre, dando passagem à Erika.

- Estou aqui, pessoal. Como estamos? – A engenheira se dirige diretamente para uma sala, ao lado da entrada, onde estão mais dois engenheiros trabalhando.

- Dra. Barnett, a previsão de envio da carga é de cinco minutos. Estamos apenas aguardando a confirmação do CICLOPE. – Quem responde é Janet White, Engenheira Assistente do setor e responsável pelo despacho dos envios de cargas, ou, como sua função é carinhosamente apelidada pelos outros colegas, a Estivadora.

O Setor 18 do C.O.D.A. se difere bastante em relação ao resto do Comando. Responsável por operar e manter funcional a Linha do Dragão, seu domínio se resume a um único compartimento localizado no nível mais baixo dos grupos de laboratórios.

O espaço é relativamente grande. Dezenas de cabos e mangueiras interligando equipamentos e suprimentos ao redor da repartição decoram o local, com todos convergindo em direção a um dispositivo central que recebe toda a atenção dos trabalhadores do setor.

O aparelho é composto por três grandes pilares metálicos interligados por um único anel móvel horizontal, também metálico, em seu topo. O conjunto é montado sobre uma base circular, que por sua vez é acessada através de uma plataforma de um metro e meio de altura. Para impedir que os mais desatentos caiam de sua borda, a plataforma é toda rodeada por guarda corpo pintados nas cores zebradas de preto e amarelo.

Por debaixo da elevação metálica, entram e saem intermináveis metros de cabos elétricos, mangueiras de alimentação e mangotes corrugados de aço inoxidável. Por sua aparência enxuta, um observador leigo poderia vir a pensar que o equipamento é bastante simples, mas o que há por debaixo de suas carenagens de chapas de liga de alumínio e compostos cerâmicos são anos e anos de pesquisas e milhões de dólares em tentativas de finalizar o projeto que hoje recebe o nome de Linha do Dragão.

Os técnicos que trabalham ao redor do dispositivo e nos ajustes finais do equipamento nem parecem perceber, ou pelo menos não dão muita importância, quando luzes amarelas de sinalização, do tipo giroflex, espalhadas por todo o setor começam a sinalizar, intermitentemente, junto com uma sonora buzina a aproximação do elevador de carga.

Do lado mais afastado do setor uma enorme plataforma surge deslocando-se no sentido diagonal, de cima para baixo, trazendo a carga que será enviada. Com sua grande cremalheira emitindo estalos toda a vez que o transportador passa por uma junção dos trilhos, o elevador move-se lentamente até finalizar sua viagem. Grandes cilindros hidráulicos amortecem e absorvem o impacto da plataforma com o piso. Em seguida, o operador desenergiza os dois poderosos motores indutivos que tracionam o elevador e, por precaução, com um toque de leve, pressiona o botão vermelho da parada de emergência, desligando todo o sistema e fazendo com que as luzes e a buzina de alerta sejam silenciadas.

As grades de aço que limitam a área de segurança são baixadas e finalmente um técnico operando uma empilhadeira movida a gás natural apanha a enorme bomba de armazenagem do centro do elevador e a conduz até o centro das três colunas, sobre a plataforma circular. Uma vez que a carga esteja posicionada, todos os trabalhadores começam a se afastar da máquina principal.

- Dra. Barnett, recebemos a confirmação do CICLOPE. Ele já está posicionado e aguardando. Essas são as coordenadas. – Janet deixa a cadeira em que estava e se dirige para outra, à frente de um painel de comando auxiliar. – Recebendo mapeamento tridimensional do MMS. Confirmada a posição final do satélite. Tudo certo para começar.

- Muito bem. Coloque-me em contato com o pessoal da Manutenção, Will.

- Eles já estão on line, doutora.

- Ok. Obrigado. – Erika começa a operar o sistema. – Qual o status?

Boa tarde, Doutora. – Quem responde, com muito entusiasmo, é uma voz masculina e jovial. – A rede trifásica está operando com 378 volts. Estou abrindo agora o sistema de evacuação e... pronto. Sem oscilações de corrente, capacitores carregados e os sistemas contra incêndio já estão pressurizados.

- Janet, - Barnett se vira para sua assistente -, dê o sinal.

"- Atenção Setor 18, procedimento de liberação." – Janet retira sua mão do botão do interfone e volta sua atenção para um monitor. Após alguns segundos, um dos técnicos sinaliza, através da câmera de monitoramento com um sinal positivo. – Liberação confirmada. Iniciando processo de energização.

- Dra. Barnett, os núcleos de temblórium começaram a ser excitados.

- Perfeito, Will. – Erika se volta ao rádio. – Podem iniciar a evacuação.

- Entendidodoutora. – A mesma voz responde pelo rádio. Em segundos a pressão interna do laboratório cai quando os exaustores são ligados. Grandes ventiladores que pendem do teto começam a trazer ar do lado externo do complexo através de uma rede filtrada. – Doutora, pressão estabilizada.

- Will, e os núcleos de temblórium? – Barnett se vira na cadeira e começa a acompanhar a excitação dos núcleos através de três monitores superiores, cada um deles focando em um dos dispositivos. A transmissão em tempo real dos núcleos dá a sala de controle uma luminosidade avermelhada, em função da luz vermelha no interior das câmaras de excitação.

- Núcleos 2 e 3 prontos. Núcleo 1 em 96%. – Will não desvia seu olhar do monitor. – 97, 98, 99... Os três núcleos estão prontos!

Erika Barnett adora esses momentos. Já era experiente no manuseio da Linha do Dragão, mas todos os cálculos envolvendo a trajetória a ser traçada, as probabilidades e até mesmo os riscos atrelados ao uso da super tecnologia a faziam se sentir mais viva do que qualquer outra coisa. Se sentir fazendo parte de algo maior é o que a doutora sempre sonhara. E esses momentos faziam todo o seu sacrifício ter valido a pena.

Barramentos auxiliares isolados! Filtro de partículas ativado. – A voz do jovem responsável pela manutenção dos sistemas auxiliares traz Barnett de volta de seus pensamentos.

- O Buraco de Minhoca já está traçado e estável. As Bobinas de Disparo já estão carregadas. – Os olhos de Janet buscam os de Erika. – Estamos prontos.

- Certo. Vamos abrir. – Erika dá o comando com um aceno positivo com a cabeça.

Will lentamente empurra uma alavanca no console central. Com o movimento ascendente da alavanca, uma coluna de indicadores luminosos segue o movimento. Nos primeiros dois estágios, luzes vermelhas brilham no painel. O próximo estágio é atingido, indicado por uma luz laranja e, finalmente a luz verde indica que o último estágio fora completado com a alavanca atingindo sua posição final.

O anel metálico sobre as três colunas no centro do laboratório começa a ser energizado. Um brilho azulado no lado interno do dispositivo confere ao anel uma aparência mágica. Arcos voltaicos começam a saltar entre o anel e as três colunas, completando o visual sobrenatural do equipamento. Daí surgiu o apelido para o dispositivo circular que agora gira em uma velocidade quase imperceptível à visão humana, o Olho de Thundera.

Conforme a corrente elétrica passa através das bobinas, um campo eletromagnético é gerado, fazendo com que o Olho de Thundera passe a girar cada vez mais rápido em seu eixo, no sentido horizontal enquanto levita no centro da máquina.

- Janet, pode descarregar os núcleos. – Erika sabe que não precisaria orientar sua ajudante. Assim como ela, a Engenheira Assistente já dominava todo o procedimento. Mas por fins de segurança e protocolo, a ordem verbal era necessária.

- Sim, doutora. – Sem tirar os olhos dos monitores, Janet puxa o microfone para perto de sua boca. – CICLOPE, vamos iniciar a transferência.

- Positivo, senhora. O Buraco de Minhoca já está ancorado. – A voz da operadora de rádio do satélite é limpa e clara.

- Descarregando os núcleos de temblórium. – Agora movendo uma alavanca adjacente àquela usada por Will, mas no sentido contrário, os barramentos do metal espacial dentro das colunas começam a liberar sua energia subatômica. Os raios elétricos que saltavam entre os pilares e o anel metálico agora passam a brilhar em um tom esmeralda e, por fim o anel começa a descer.

Conforme o Olho de Thundera se move para baixo, o reservatório de combustível vai desaparecendo, até que o deslocamento do anel termina e todo o material que se encontrava no centro da plataforma foi teleportado para a outra extremidade do Buraco de Minhoca.

A centenas de quilômetros acima do C.O.D.A., na área de docagem do satélite observatório CICLOPE, um laboratório idêntico ao Setor 18 está recebendo o envio de milhares de litros de combustível à base de hidrogênio. Nesse dispositivo porém, o Olho de Thundera se movimenta de baixo para cima e, conforme avança em direção ao seu fim de curso superior, o tanque de combustível vai surgindo, até que o anel metálico encerre seu deslocamento.

- Dra. Barnett, confirmaram o recebimento do material. Não houve nenhuma perda de massa ou volume na entrega.

- Entendido, operador. – A doutora se vira para sua equipe. – Iniciar processo de retroalimentação. Preparar rede binária. E lembrem-se que estamos operando sem a ponte retificadora. Vamos fazer um duplo check na carga dos inversores de frequência.

O procedimento de desligamento do sistema é tão ou mais perigoso do que todo o processo de teleporte. Se os barramentos de temblórium receberem uma descarga muito alta, poderão fundir seus núcleos, convertendo toda a sua massa em antimatéria e iniciar uma reação em cadeia que culminaria na formação de uma supernova, que por sua vez, se transformaria em um buraco negro. Em teoria.

A tensão em todo o laboratório cresce exponencialmente. Mas todos confiam na capacidade e liderança de Erika. Afinal, fora a doutora em astrofísica quem ajudara a adaptar o projeto final da Linha do Dragão. Se existe alguém capaz de finalizar o procedimento de desligamento do sistema em segurança, é essa equipe sob o comando dela.

"- Vamos lá bebê, não me desaponte agora".

- Muito bem pessoal, desviam a alimentação das bobinas para os super condensadores. Vamos dar um gelo nesse cara.

- Positivo, doutora. Super condensadores já estão bombeando. Temperatura dos núcleos em 1500 graus e caindo. – Suprimento de hélio líquido em 80%. – Will, nascido William Bishop Júnior, é o melhor operador de sistemas que Erika já trabalhara. O intelecto do jovem afro americano lhe dá o status de gênio juntamente com a sua habilidade de administrar todas as facetas daquele gigantesco painel de controle e suas inúmeras informações, atualizadas todo segundo, como se fosse um simples joystick de videogame. Não à toa o C.O.D.A. o recrutou diretamente do americano MIT, com apenas 18 anos. – 800, 780, 760 graus... estamos abaixo da temperatura crítica. Os núcleos continuam estabilizados!

- Espessura externa dos núcleos estão em menos 2 microns. – Completa Janet.

- Perfeito. Ainda podemos usá-los mais um par de vezes. – Erika puxa o microfone para perto de si. – Manutenção, já podemos desligar os no breaks. Olho de Thundera já está no berço. – Ela solta o botão do interfone. – Injetem os núcleos.

Com um simples comando de Will, os três pilares se abrem, revelando em seu interior três cilindros metálicos esverdeados; os núcleos de temblórium. O material mais raro e mais caro do mundo.

A névoa formada pelo super resfriamento causado pelo hélio líquido se dissipa pelo laboratório enquanto que vagarosamente os técnicos do Setor 18 voltam a percorrer a área, preocupados apenas em executar suas tarefas rotineiras.

Dentro da sala de operações, Erika recebe a ligação de Roger Whittaker, o Diretor Geral do Comando. E, após reportá-lo à respeito do procedimento, ela desliga o telefone.

- Turma, - uma pausa -, arrasamos!

            Todos os presentes se saúdam com abraços e apertos de mão. Mas ninguém está mais aliviada que a doutora em astrofísica e Engenheira Chefe do Setor 18, Erika Barnett. Talvez também porque ninguém mais, além dela, saiba do real perigo que acabaram de passar ao operar o sistema Linha do Dragão.

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