grãos de areia

   Com os ânimos já mais calmos e toda a situação devidamente esclarecida, cada um foi para o seu canto e o comboio de motoqueiros barulhentos seguiram suas trilhas pelas dunas. Já lá pelo finzinho da tarde, umas dezessete horas e quarenta minutos mais ou menos, Maria em sua cama descansando eis que ouve de longe aqueles roncos de motores e o seu coraçãozinho logo se agita, ela se coça para sair de seu quarto e ir até a porta de sua casa e observar aquela “tripulice’’ toda, mas ela é recatada, tímida e tenebrosa demais para se dar ao disfrute de se amostrar assim! – eis que sua mente de menininha logo a induz, a olhar através da fresta da janela semiaberta, ela se aguenta até que se aproxima aquele monte de cavalo de prata e ela espia até que seus olhos atentos, consegue notar o rapaz que antes mais cedo quase lhe tira o sossego ou coisa pior.

      Todos passam direto pela mesma rua de dantes, é claro já que era a rua principal de acesso para as melhores dunas do pedaço e antes que a poeirada toda caia ao chão, o tal rapaz para por alguns minutos no mesmo local onde ele havia se acidentado e como se também buscasse algo ou alguém, ele observa tudo em sua volta, mas logo sai em disparada rumo a alcançar seus companheiros.

  Dona Justa, que de boba nada tinha a coitada da velha mãe de Maria, também havia ouvido aquele bafafá todo e seu coração de mãe (como de toda mãe), não a engana e ela espera o momento certo para que sorrateiramente vá até a porta do quaro de sua filha e abrindo lentamente a porta, percebe que a Maria se encontrava meia baixada e se esquivando na janela, observando todo o lance lá de fora. Dona Justa, temia que sua filha estivesse se engraçando pelo tal Pedro, uma vez que eles tinham todo um histórico de “amigues’’ de infância e que por algum lapso do destino traiçoeiro, ela pudesse se interessar por ele.

  Maria já tinha uma idade mais do que razoável para se apaixonar e a cidade não era tão grande assim, contudo, havia um grupo muito pequeno de jovens da mesma idade, mas a Maria tinha um carinho muito grande de irmã para com todos eles e era recíproca os sentimentos de cada rapaz em um raio de dez quilômetros de distância da Maria.

   Assim poderia restar apenas uma alternativa e na infelicidade da vida, de ser o tal Pedro e isto era o que dona Justa jamais queria para sua filha. Mas Dona Justa nunca havia contado para sua filha, a real motivação para que ela e seu esposo, detestasse por anos a presença ou até mesmo falar o nome da família do Pedro dentro de casa.

        Depois que o movimento das areias no ar parou e todo aquele ronco tosco de motores se calou, Maria se volta e se joga na cama, Dona Justa já havia saído e se encontrava no quintal toda pensativa e rezando em seu silêncio para que nada de extraordinário possa acontecer entre sua filha querida e o tal Pedro.

       Meia hora depois Maria vai ao encontro de sua mãe e ao vê-la no batente da porta dos fundos, com sua cabeça encostada na portinhola, ela imagina que sua mãe estivesse encafifada com alguma coisa e então ela se senta do lado de sua mãezinha com todo jeitinho, lhe abraça delicadamente e esperando o tempo certo, pergunta à sua mãe se algo a lhe perturba: - oi mãezinha querida, tá tudo bem com você?

- Comigo? Responde sua mãe!

- Sim, você está ai toda de nhenhenhém!

     Dona Justa olha no fundo dos olhos de sua filha e sorrindo apenas lhe responde dizendo, que não era nada além de uma leve dor de cabeça, devido ao susto que ela levou logo cedo e que logo passaria. Então elas apenas ficaram ali, juntas e curtindo a lua se enfeitando com as estrelas e as poucas nuvens que iam se formando ao redor da dama de prata da noite.

 No dia seguinte às cinco da matina como de costume é óbvio, Dona Justa ia cuidar de seus afazeres e indo tirar os ovos do galinheiro, limpando o terreiro e pondo os temperos sobre a mesa para os preparos do almoço do dia. Enquanto que, Maria se preparava para ir ajudar sua velha amiga na escola e deixava sobre a cama os caderninhos de cada aluno, verificando sua roupinha para se vestir depois de um bom banho matinal, daqueles de uma hora de cuia no corpo com aquela aguinha geladinha do serão e com todo o seu jeitinho de donzela ainda separava os adornos de mulher.

 Depois do café  da manhã bem reforçado para suportar as andanças até a escola e para esperar o almoço das quinze horas em ponto em casa, Maria vai lentamente andando e sorrindo para todos em sua volta e ao chegar na única escolinha de seu vilarejo, ela se apresenta como sempre feliz e cativante para todas as crianças e logo depois sem demorar muito a professora chega, já pondo todos em suas salas e pedindo para que naquele dia, a Maria fosse para a secretaria da escola preparasse uns documentos que haviam por lá.

       Eram fichas de apoio social, onde todos os membros da escola teriam de passar por uma bateria de exames periódicos do município e que este era feito de dois em dois anos.  Maria como sempre prestativa e obediente que foi, ela logo vai para a pequena saleta que ficava nos fundos da escolinha e por lá ficou até dar o meio-dia em ponto, afinal, eram documentos do município e apenas ela tinha a delicadeza de revisar e corrigir se preciso fosse qualquer documento da escola.

     Dado o alarme da saída, nas mãos de um velho senhor que era o zelador e quiçá o faz-tudo da escola e que tinha em suas mãos sempre uma cordinha suja e na ponta um apito bem barulhento, ele corria pela escola todinha apitando e empurrando todos para fora da escola! – ele tinha sempre essa pressa toda, pois ainda tinha que andar uma légua e meia para chegar em casa, forrar o “estrombo’’ e retornar logo mais para vigiar a escola até o outro dia, tadinho desse!

   Um a um iam se jogando para fora da escola e a Maria juntamente com a sua amiga professora a Lya, elas ficavam na porta da Escola sempre controlando as crianças para que não se machucassem e neste dia em questão elas avisavam, orientando e dando nas mãos de cada criança, um aviso escrito em um pequeno pedaço de papel, que a própria Maria escreveu a punho enquanto estava na secretaria e que era uma chamda para os pais e responsáveis mandarem no dia seguinte os documentos e a carteirinha da saúde das suas crianças.

     Pois no dia seguinte estaria na escola, toda uma equipe da Secretaria Municipal de Saúde e que fariam ali mesmo uma rotina de exames básicos em todos. Quando todos já haviam saído da escola, Maria e sua amiga Lya caminham juntas até um bom pedaço do caminho de volta para suas casas, a Lya depois de seu casamento foi morar perto da casa dos pais de seu marido e que ficava um pouco mais distante de sua antiga casa, bem ao lado da casa de Maria. Elas sempre aproveitavam qualquer tempo livre para conversarem e para colocarem as suas fofocas em dia! Mesmo a Lya sendo um pouco mais velha do que a Maria, elas se tratavam como duas irmãs adolescentes.

    Naquele momento de volta para as suas casas, elas apenas falaram sobre o incidente do outro dia e durante os comentários a Lya solta uma frase capciosa para Maria: - você reparou no rosto daquele moço que quase te carregou no colo, como ele era angelical seu semblante! Exclamando para a Maria e esta logo se faz de sonsa e retifica sua amiga, dizendo: - anjo não, ele quase me matou!

Lya sorrir de volta, mas percebeu que o assunto sobre o tal rapaz lhe aquecia as ventas e os olhos. Então já perto delas se despedirem a Maria muda um pouco o assunto e indaga a Lya sobre a penca de exames para o dia seguinte, sobre da necessidade de tantos exames para o grupo de funcionários e fala: - mas vem cá amiga, me diga se são necessários tantos exames de sangue assim?

- Sim, responde Lya e complementa dizendo: - o município detectou no último censo um número altíssimo de funcionários com doenças contagiosas e tá tudo por baixo dos panos, assim minha cunhada me falou e você sabe né, essa dali o que ela não souber, pode esquecer, é mentira!

Elas então se despedem com um longo gargalhar e cada uma segue para sua casa, enquanto que duas alunas da professora Lya correndo se aproximam da Maria e seguram nas abas da saia da Maria gritando e pedindo para que elas pudessem ir juntas para casa e assim foram todas para suas casas.

     Maria deixa as meninas em seus lares e retornando agora sozinha para sua casa, ouve um galope de cavalo que segue em disparada pela picada paralela à rua de sua casa, era uma pequena via de acesso à Duna das Neves, um morrinho bem perto da casa da Maria e que dava para ser observado de longe o seu cume. O cavalo era conduzido por um certo rapaz que parecia estar com uma certa pressa em sua passagem por ali, não dava para que Maria identificasse de quem se tratava o cavaleiro, mas ela sabia que não era um morador típico do vilarejo e que então pudesse ser um daqueles tontos das motos “berrentas’’.

    Ela então tira a vista do cavalo em si e segue seu rumo à sua casa, mas sua mente ainda fixada nos últimos acontecimentos e mesclando com as jornadas do dia seguinte na escola, ela nem se dá conta de que era o tal rapaz que quase a atropela. Ele astuto vê de longe que se tratava da garota do incidente, ele segura as rédeas do cavalo e subitamente para de voar sem rumo, mas ele apenas deseja sondar onde que ela iria entrar e tomando nota da casa de onde a Maria havia entrado, ele continua seu passeio tépido e vai até à Duna das Neves.

     O resto do dia se seguiu normalmente e nada mais ocorrido então apenas os sapos, os pirilampos, os grilos e todos os insetos noturnos trataram de coisar suas orgias de sempre. A noite essa sim, foi de arrepiar a paciência e que deixou todos sem sono por aquelas bandas.

        Já era quatro da manhã e todos do vilarejo de pé, parecia dia da independência ou algo assim, quem tinha uma beca nova vestia, quem tinha seu melhor perfume punhava e quem tinha seu melhor sorriso é claro que sorria! – Maria tinha tudo isso junto e mito mais!

       As pessoas pareciam que iam para o festejo da igreja da cidade e de pronto todos os pais e responsáveis acompanhavam seus filhos e filhas no caminho da escolinha, às cinco da matina Maria, Lya e todos os membros da escola e Secretaria da Saúde já se encontravam nas dependências da escola com seus objetos e matérias de trabalho. Às oito em ponto, começou todo o trabalho de chamada por nomes, alinhamentos em filas, direcionamento de crianças para sala disso, sala daquilo, enfim... foi aquele rebuliço todo na velha escolinha como nunca havia acontecido antes, mas antes mesmo do meio-dia, eis que chegam os tais visitantes motoqueiros e obviamente trazendo com eles toda aquela banda infernal de barulho.

     Engraçado era que todos estavam trajando jalecos brancos e limpinhos, então logo se deduziu que rodados ou não, todos eram doutores. Sim! Eles eram uma equipe de amigos e médicos de várias especialidades e que juntos iam de cidade em cidade pequena, levando além de aventura e “zuada’’, um pouco de alento social.

   Entre sorrisos, agulhadas, esperas, contratempos, às vezes um choro ou outro de crianças peraltas e de um pouco de agonia do calor que fazia naquele dia. Ocorreram por várias vezes as trocas de olhares e estranhezas entre todos os envolvidos no incidente que tocava o nome da Maria.

Dona Justa olhava para ela de canto, com medo que sua filha olhasse para o Pedro; Maria olhava sem jeito para o rapaz que não parava de olhar para ela desde que chegou ali (o mesmo do incidente) e a Lya toda pimpolha não parava de sorrir por dentro e perceber todo o jogo de olhares entre todos ali.

    Eis que é chegado o Ping do momento! Já com todas as crianças cuidadas e examinadas, todo o corpo dissente da escola também se resolvido, a equipe de médicos e funcionários da Secretaria encaixotando tudo e se preparando para pegar o beco. É claro que Dona Justa não sairia de perto de sua filha e esta não poderia sair dali antes de se certificar de fechar a escola na companhia de sua fiel amiga.

    Então Pedro chama por todos que ali ainda se encontrava presentes e comunicando para todos, diz: - amigos e amigas, um minuto por gentileza. Eu quero aqui apresentar estes amigos de trabalho e dizer que somos parceiros em uma atividade social e que estamos aqui para apoio este evento, não como membros de governo, mas como doutores que somos na vida.

Aos poucos Pedro foi apresentando um pro outro e claramente que Dona Justa ia se esquivando dele, mas o mundo já é tão pequeno e o que não dizer da velha escolinha!

- Dona Justa, por favor! Este aqui é o Lucas, foi ele quem quase causou o acidente com a sua filha e ele gostaria de se desculpar com ela e a Senhora. (fala Pedro segurando firme na mão de Dona Justa).

Enquanto isto, o tal Lucas e Maria não se deixam de entre os olhos se notarem de relances e Dona Justa, tentando expulsar delicadamente os dois de perto de sua filha, retruca: - não houve nada de grave, então vamos deixar tudo isso para lá e vamos sair daqui que já estou me derretendo com todo esse calor!

     Mas a Lya não poderia deixar passar essa grande chance de sua amiga, o de quem sabe, se resolver pessoalmente e apenas tocar nas mãos do tal rapaz de fora, já que Maria suava e seus olhos brilhavam desde o momento em que ela foi quase acidentada e viu nos olhos daquele moço, um pingo de paixão no ar.

Então eis que a Lya puxa pelas mãos da Maria e a aproxima de Lucas e diz: - mas é claro que eles devem de se resolverem, não é mesmo Dona justa? Além disso, ela até hoje treme de medo só em ouvir o barulho daquela moto. A coitada da Maria não esperava por essa e, no susto que levou de sua amiga sorrir de canto e pega na mão do Lucas, ambos sem jeito apenas balançam suas cabeças e no cumprimento sutil se resolvem ali mesmo.

Depois de todo esse constrangimento feliz para uns e infeliz para outros, todos seguem seus caminhos trincados e reluzentes...

      

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo