Capítulo 25 Mariana Bazzi — Doutora! — chamei, abrindo a porta com força. — Acho que ele mexeu os dedos! Eu juro, doutora, ele mexeu a mão. Samira se virou imediatamente, alarmada, e chamou os médicos. Em poucos segundos, o quarto ficou cheio de vozes técnicas e passos apressados. Me afastei para o canto, ofegante, o coração disparado com aquela fagulha de esperança. — Ele reagiu... eu senti. Ele apertou minha mão. O médico mais velho colocou os óculos, ajeitou o estetoscópio no pescoço e se aproximou da cama. Um segundo depois, a monitoração foi revisada, os reflexos verificados, os comandos de teste repetidos. — Pupilas normais. Sem resposta voluntária aos estímulos — murmurou ele. Depois se virou para mim com aquele olhar calmo demais, como quem já está acostumado a matar esperanças. — Foi uma impressão. Reflexo muscular, talvez. A mente dele ainda está em repouso profundo. — Não foi impressão — insisti, sentindo o sangue ferver. — Eu sei o que senti! Sami
Capítulo 26 Mariana Bazzi — Yulssef diz a verdade! Não é bem assim — pedi com o corpo todo trêmulo. — Não sei exatamente qual é o esquema com ela, porque sei que gosta dela, mas de qualquer forma é sua! — estranhei a verdade da forma como o Consigliere falou. — Cadê a Raquel? — Ezequiel pediu por ela, mudando o assunto. — Tem certeza que quer vê-la? — Yulssef questionou. — Se ainda sou eu que mando nessa porra, me traga a Raquel! — falou mais alto, embora eu tenha reparado que mal conseguia se mover. Yulssef fez sinal. — Vamos deixar os médicos dele examinarem, depois vocês voltam, ok? — eu não sabia o que dizer. Apenas segui a doutora Samira. O Consigliere saiu conosco e praticamente me escondi atrás da médica para ficar longe. — Pelo que os médicos já me disseram, ele perdeu as memórias recentes. Não sei até que ponto se lembra, mas percebi que sua mente está confusa. — Quem estava com ele quando abriu os olhos? — a doutora perguntou.
Capítulo 27 Mariana Bazzi A cozinha era grande, moderna, cheia de utensílios que eu nunca tinha usado na vida. O cheiro de cebola refogada me fazia lacrimejar, mas o que me fazia tremer mesmo era a lembrança do olhar de Ezequiel. Vazio. Frio. A doutora Samira não saiu do meu lado nem por um segundo. Quando um dos soldados se aproximou da entrada da cozinha, ela fez questão de mostrar o crachá, a autoridade. A cozinha era minha — pelo menos por agora. — Vai ficar tudo bem — ela sussurrou, cortando os legumes comigo. — Ele tá confuso. Não é você que ele quer machucar. — Mas e se for? — perguntei, sem tirar os olhos da panela. Minhas mãos tremiam tanto que quase derrubei a cenoura picada. Samira suspirou, mexendo o caldo. — Então você vai estar comigo. Eu vou te proteger. Quando a sopa ficou pronta, eu mal conseguia sentir o cheiro do que preparei. Estava zonza, tensa, com os braços doloridos de tanto conter o pânico. Ainda assim, enchi a tigela com cuidado, segura
Capítulo 28 Mariana Bazzi Assim que o médico de Ezequiel entrou, meu coração disparou como se fosse saltar pela boca. Eu ali presa a ele sem saber o que fazer ou dizer, mas se eu negasse teria mais problemas, inclusive com seus médicos. Até que o próprio doutor me salvou. — Don Ezequiel, com licença. Preciso fazer alguns exames, verificar como está e acho mais prudente a gente mesmo te ajudar a levantar, até porque machucou a coluna. Seria melhor se a senhorita Mariana esperasse do lado de fora. Quando for mais seguro ela o ajuda — ele disse, com um tom formal, sem sequer me olhar. Foi como se uma mão invisível tivesse me puxado da beira do abismo. Não precisei dizer nada. Nem pensar. Só soltei meu braço do aperto dele e saí devagar, como quem foge de um incêndio sem chamar atenção das chamas. Sem me aproximar dos médicos que também me deixam agoniada. Ao fechar a porta atrás de mim, me encostei na parede por um segundo, respirando com dificuldade. Estava suando f
Capítulo 29 Mariana Bazzi Já faz uma semana. Sete dias inteiros desde que Ezequiel acordou sem lembrar de mim. Sete longos dias em que seus olhos passavam por mim como se eu fosse apenas mais um vulto entre tantos. Como se tudo que conversamos antes do acidente tivesse se evaporado. Outras vezes, via o desejo nele, e ao me afastar o via sorrindo. E mesmo assim, quando mandou me chamar, fui. Mas continuo aqui, esperando que ele acorde com a cabeça de antes, que volte a ser o meu Ezequiel. Empurrei a porta devagar, sentindo o peso da frustração se alojar no peito. O quarto tinha o mesmo cheiro forte de remédios, mas o maracujá ainda estava ali, intacto, em cima da cômoda. A fruta começava a enrugar, esquecida. Era irônico — ele havia me dado aquilo num dos dias mais estranhos e mais doces que tivemos. Agora... agora ele nem sabia o motivo daquilo estar ali. Meus olhos se fixaram na fruta enquanto ele falava: — Se aproxime — estava com a voz mais firme do que nos di
Capítulo 30 Ezequiel Costa Júnior O beijo dela me deixou tonto. Não pela surpresa, ou pela ousadia — mas pela sensação que explodiu em mim, como se um fio mal conectado dentro da minha cabeça tivesse dado curto-circuito e reiniciado tudo. Sua boca era macia, quente, e havia um desespero tão humano naquele gesto que por um segundo não consegui me mover. Mariana me segurou com domínio e, ao mesmo tempo, com uma inexperiência que doía. Meus dedos se fecharam involuntariamente no tecido de sua blusa, como se meu corpo quisesse gravar aquele momento antes que minha mente tentasse apagá-lo também. Mas foi rápido. Ela já havia se afastado, os olhos marejados, respirando como se tivesse corrido quilômetros só para me alcançar. — Lembra de mim, Ezequiel! Por favor! — sua voz mexeu comigo. Sua boca vermelha me hipnotizou — Você precisa lembrar! Pisquei. Senti o gosto dela nos meus lábios. Algo latejou em algum lugar. Como se... estivesse ali, mas encoberto. Embaciado. Uma silh
Capítulo 31 Ezequiel Costa Júnior Yulssef entrou com a expressão contida, o corpo tenso como se já soubesse o que eu iria perguntar. — Quem matou meu pai, Yulssef? A pergunta pairou no ar como um estalo seco. Dessa vez não hesitou. — Sidnei Bazzi. Pisquei. O nome me atingiu como uma onda gelada. Um nome comum, um rosto que minha mente não conseguia trazer à tona. — Sidnei... Seria o pai da Mariana? — minha voz saiu rouca, quase incrédula. Yulssef assentiu lentamente. — Foi ele, Don. Há provas. Escutas, testemunhas, e até confissão. Posso trazer pra você de novo, sem problemas. Matou seu pai pra roubar a clientela. Queria dominar o ramo. Era um invejoso infeliz. Quis arrancar o império das suas mãos antes mesmo de você crescer o suficiente pra protegê-lo. É por isso que você trás Mariana consigo, para fazê-la pagar. Permaneci em silêncio, sentindo um nó se formar na base do estômago. Uma parte de mim se encolheu. A outra... endureceu. — Tem certeza?
Capítulo 32 Mariana Bazzi Assim que Ezequiel passou pela porta com o terno alinhado e o olhar de aço, eu senti uma onda de pânico me atravessar o peito. Mas não foi ele o gatilho. Foi o outro. O homem encostado na parede, sorrindo como quem já sabia o final da história. O Consigliere. Yulssef. Aquele olhar... Eu conhecia aquele olhar. Não era lealdade. Era cálculo, era traição. Assim que a porta fechou, me virei para a doutora Samira com urgência na voz. — Ele vai matar o Don — soltei, com as mãos trêmulas. — O Consigliere. Ele tá planejando alguma coisa. Vai matar o Ezequiel. Samira franziu a testa, surpresa com minha afirmação. — Mariana, calma. Você está impressionada. O Yulssef tem sido cauteloso, tem feito tudo certo. Até agora, ele não representou nenhuma ameaça. — Não, doutora. Eu conheço esse tipo. Eu vi aquilo nos olhos dele. O mesmo brilho que vi no meu pai antes de me entregar. O mesmo silêncio antes da emboscada com os poloneses. É traição.