Parte 1...
Camila
Eu tinha acabado de chegar de uma consulta na clínica de sempre, mas era só uma rotina. Como minha perna estava me incomodado um pouco, eu achei melhor falar com o médico.
Eu ainda sentia o eco das palavras do médico na consulta, enquanto o carro percorria as ruas que levavam de volta à nossa casa.
A dor na perna era incômoda, mas suportável. O doutor, como sempre, reforçava que eu precisava manter os exercícios de fisioterapia. Às vezes, eu me perguntava se ele achava que eu era menos teimosa do que realmente sou.
Eu só parei com a terapia, tempos atrás, porque não estava me incomodando. Acho que esses dias eu exagerei na natação.
Assim que entrei na sala de estar, minha mãe estava sentada no sofá, bordando alguma peça de roupa como fazia quando queria distrair a mente. Ela ergueu os olhos e sorriu com ternura, mas não parou o bordado.
— Como foi no médico, querida? - ela perguntou, sem desviar as mãos do trabalho.
— Nada demais. Ele só reclamou da minha falta de paciência com os exercícios - respondi com um meio sorriso, indo até ela para um beijo rápido na testa.
Antes que eu pudesse subir para o meu quarto, a voz grave do meu pai ecoou do escritório. Ele abriu a porta e me chamou.
— Camila, venha até aqui. Precisamos conversar.
Havia algo no tom dele que me fez hesitar por um instante. Minha mãe levantou os olhos novamente, mas não disse nada. Soltei um suspiro, ajeitei a alça da bolsa no ombro e caminhei até a porta entreaberta do escritório.
Ao entrar, vi meu pai em pé ao lado da grande janela, as mãos cruzadas atrás das costas. Seu semblante estava sério, mas não frio, como de costume. Ele parecia estar medindo as palavras que diria.
— Pai? Aconteceu alguma coisa? - eu tentei lembrar se fiz algo de errado.
Ele se virou lentamente, cruzando o olhar com o meu. Minha mãe entrou logo depois, ficando ao meu lado, como se pressentisse que eu precisaria de apoio.
— Camila, você sabe que nossa família sempre teve inimigos. Isso faz parte do que somos, do mundo em que vivemos — começou ele, direto.
Eu senti um frio subir pela espinha. Ele sempre falava sobre a máfia de forma velada, mas naquele momento havia algo mais definitivo na escolha das palavras.
— Sei, pai. Mas... Por que isso agora?
Ele respirou fundo, como quem se prepara para um salto de um penhasco.
— Fiz um acordo com os Calderón. Alejandro Calderón, para ser mais específico.
O nome não me era estranho, mas eu o conhecia mais pelos rumores do que por encontros reais. Nunca o vi realmente.
Ele era o líder de um dos grupos mais poderosos da máfia em Valência, e sua reputação era tão fria quanto perigosa. Não sei se isso vai ser algo bom pra mim.
Olhei para baixo, para meus sapatos de salto baixo que eram confortáveis.
— Um acordo? - repeti, sentindo a tensão se acumular no peito.
Meu pai assentiu.
— Um acordo de união. Um casamento. Entre você e Alejandro.
As palavras pareciam pesadas demais para caberem na sala. Minhas mãos tremiam ligeiramente, mas cruzei os braços, tentando parecer firme. Eu só tenho dezoito anos. Nunca pensei em me casar.
— Pai... Eu só tenho dezoito anos. Não acha cedo demais para falar de casamento?
Minha mãe colocou uma mão leve no meu ombro, mas não disse nada. Meu pai, por sua vez, parecia preparado para o confronto.
— Camila, esse casamento não é apenas uma questão de conveniência. É sobre proteger você e toda a nossa família. Alejandro é um homem poderoso, e com ele ao nosso lado, teremos aliados que nos manterão seguros.
Eu sabia que ele falava a verdade, mas isso não tornava as palavras menos difíceis de ouvir.
— Eu entendo, pai. Sei que você está pensando no melhor para a família, mas... - respirei fundo antes de continuar. — Não posso me casar agora. Preciso de tempo.
Meu pai franziu a testa, mas não interrompeu. Eu aproveitei.
— Me dê até eu completar vinte e um anos. Quero terminar minha faculdade, quero... Ainda viver um pouco antes de me comprometer para o resto da vida.
Ele ficou em silêncio por alguns instantes, e a sala parecia ter parado no tempo. Finalmente, ele assentiu.
— Três anos, Camila. Nada mais do que isso. Aos vinte e um, você será esposa de Alejandro Calderón.
Minha mãe apertou meu ombro com mais força, como se quisesse transmitir apoio. Eu mantive a cabeça erguida, mesmo que meu coração estivesse acelerado.
— Obrigada, pai. Prometo que farei minha parte. - não tive muito prazer em concordar.
Ele assentiu novamente, voltando o olhar para a janela, mas não antes de dizer:
— Aproveite esses anos, filha. Mas não se esqueça do que está em jogo.
Saí do escritório com minha mãe, o peso daquela conversa ainda pairando sobre mim. Eu sabia que a decisão estava tomada, mas pelo menos tinha conseguido um tempo.
Agora, só restava descobrir como viver plenamente esses três anos antes de meu destino ser selado.
********* ***
— Mas como assim, Mila - minha melhor amiga, Malena, estava do outro lado do celular, em uma chamada de vídeo.
— Você sabe como é... - respondi um pouco desanimada — Esse tipo de... Bom, trabalho, que nossas famílias fazem, sempre exige muito.
— Eu sei, mas agora está exigindo mais ainda de você, amiga. Como assim você ter que se casar agora. Pelo amor de Deus, amiga... Você é muito nova ainda.
— É eu sei... - suspirei e me deitei na cama, olhando o lustre bonito em meu teto — Mas pelo menos meu pai não foi totalmente exigente. Ele me deu ainda um tempo.
— Ainda assim... Eu acho que três anos passam muito rápido. E quem é o noivo?
— Alejandro Calderón.
— Não! - ela se expressou com surpresa.
— O que tem ele? - me sentei, preocupada.
— Bom, eu não sei muito, mas ouço às vezes algumas coisas que meu pai conversa com os homens dele... Parece que esse Alejandro é daqueles Don no estilo de antes.
Estilo de antes não me diz muito.
— Você já o viu? - perguntei curiosa.
— Eu não, mas sei que meu pai já fez negócios com a família dele.
— Será que não tem como você descobrir algo sobre ele, com seu pai? - houve um momento de silêncio — Malena? Você travou.
— Ah, não amiga... - ela ajeitou o cabelo meio sem jeito — É que eu estava pensando aqui... Lembro que meu pai disse uma vez que ele era um homem muito inteligente, mas frio e calculista.
— Era só o que me faltava - torci a boca.
— Quantos anos ele tem?
— Não sei, mas é mais velho do que eu.
— Será que é um velho?
Eu franzi os olhos e fiz uma careta. Espero que não. Seria péssimo passar o resto de minha vida ao lado de um homem velho que poderia até ser meu pai.
— Agora você me deixou curiosa.
— Por que não faz uma pesquisa na internet sobre ele?
— E será que tem algo sobre ele?
— Deve ter - ela deu de ombro — Sabe que uma das coisas que mais eles usam, é se passarem por empresários.
— Ok... - soltei o ar desanimada — Depois a gente se fala mais.
— Está bem. Se eu souber de algo, eu te aviso. Melhora essa cara - eu fingi um sorriso e ela riu — Você tem três anos para cair fora desse acordo - piscou o olho.
Autora Ninha Cardoso.
Venha conhecer os membros da família Calderón. Para cada um deles, um amor!
Parte 2...CamilaEu estava saindo da cozinha e ao passar em frente do escritório de meu pai, parei ao ouvir a voz de minha mãe.— Eu sei da importância desse acordo, meu marido... Mas você não acha que ela deveria poder escolher?— Escolher o quê, Valéria? - a voz de meu pai era seca — Nossa filha é aleijada.— Pelo amor de Deus, homem, não fale assim dela - encostei o ouvido na porta ao ouvir minha mãe retrucar — Camila não é aleijada.— E ela manca porque motivo, então? - ouvi um som forte, como uma cadeira sendo arrastada — É um charme dela?Ouvir aquilo me deixou triste. Meu pai nunca aceitou meu problema, que nem mesmo foi criado por mim. Aliás, se existe um culpado disso dentro dessa família, ele é quem deve se sentir assim. Eu fui uma vítima.— Por que você tem que ser frio dessa forma, Hector? Ela é sua filha. Sua única filha!O silêncio que se seguiu foi tão cortante quanto as palavras do meu pai. Encostei a mão na maçaneta, hesitando entre entrar e enfrentar aquela discussã
Parte 3...Três anos depois...CamilaA música pulsava no meu corpo, uma batida forte e animada que parecia combinar perfeitamente com o ritmo da minha vida nos últimos três anos. Malena estava ao meu lado, rindo de algo que um dos nossos colegas tinha dito, e eu não podia deixar de sorrir. Essa era a liberdade que eu tinha decidido abraçar, mesmo sabendo que meu tempo estava contado.Minha taça de vinho rosé já estava pela metade quando senti Malena puxar meu braço.— Vem dançar, Camila! - ela gritou, se inclinando para que eu ouvisse.— Eu já tô indo! - retruquei, apontando para a taça como desculpa e depois para a perna.Ela revirou os olhos, mas foi para a pista mesmo assim. Eu gostava de observá-la se soltar. Malena era minha constante, meu porto seguro nesses anos de independência. Apesar de nunca sair muito, quando ela se jogava, era para valer. E eu também não era de viver em festas e boates, apenas quando tinha um bom convite. Me dediquei mesmo a fazer bom proveito de minha
Parte 4...CamilaMe ajeitei no sofá com uma resistência calculada, tentando não demonstrar a mistura de insegurança e irritação que pulsava em mim. Alejandro me observava como um predador que sabia que eu estava presa ali com ele.Meus amigos estavam lá embaixo, mas com certeza os seguranças dele não iriam deixar que subissem.— Seu pai me disse que você era aleijada - ele repetiu, apoiando o cotovelo no encosto do sofá enquanto me olhava com aquele sorriso que me dava nos nervos.Minha respiração ficou pesada. Odiava aquele termo, mas decidi que não daria a ele o prazer de me ver irritada ou triste.— É mesmo? E o que você acha agora que me viu? - cruzei as pernas.Ele inclinou a cabeça levemente, os olhos se movendo para minha perna e depois para meu rosto.— Acho que ele exagerou. Você mancou, mas não parece ser algo incapacitante.— Que alívio saber que passo no teste - respondi, com sarcasmo escorrendo de cada palavra.Alejandro soltou uma risada baixa, algo entre divertido e in
Parte 5...Camila— Fascinante? - cruzei os braços. — Você está começando a me irritar, sabia?— Não sabia que tinha o temperamento esquentado - disse ele, recostando-se novamente no sofá. — Essa informação não me passaram. Agora, me diga, o que você quer saber?— Quem foi o informante que você colocou para me vigiar? - disparei, sem pensar muito.Alejandro pareceu avaliar se me responderia ou não, mas acabou cedendo.— Um dos seus professores da faculdade. Professor Vasquez. Ele me devia favores.Minha mente girou. Vasquez. O professor de marketing. Ele sempre parecia interessado demais em saber sobre minha vida, perguntando sobre meu futuro, minha família...— Ele me reportava diretamente sobre seus progressos, seus horários, e qualquer problema que surgisse.— Você é inacreditável... Isso é errado - murmurei, sentindo um misto de raiva e incredulidade. — Ficar me vigiando.— Acredite, Camila. Não era só curiosidade. Era proteção.— Proteção? - minha voz subiu que ficou até fina. —
Parte 6...CamilaA noite estava quieta demais, como se o silêncio antecipasse o que eu ia fazer. As luzes amareladas do campus iluminavam o caminho pavimentado, mas eu me mantinha nas sombras, meu coração martelando no peito. Malena estava ao meu lado, os olhos atentos vasculhando o entorno como uma sentinela.— Tudo pronto? - sussurrei, minha voz quase inaudível. Ela assentiu.— O motorista do táxi está te esperando na esquina. As passagens estão no seu bolso, e minhas primas já sabem que você está a caminho.— Não seria melhor se eu me escondesse no fundo de um dos furgões de comida?— Eu chequei isso, não ia dar. Eles são param quando chegam na empresa que fornece a comida para a faculdade. Você ficaria presa lá dentro. O táxi é melhor.— E você? - olhei para ela, meu peito apertando com a culpa. — Não posso te deixar aqui sozinha com tudo isso.— Eu vou ficar bem. - Malena apertou meu braço com firmeza, me forçando a continuar andando. — Eu não posso sair agora, mas você pode. E
Parte 7...Camila— Eu sei que ela parece ser rude, mas é só o jeito dela, amiga - Malena me disse ao celular.— Parece que ela não gostou muito de ter me ajudado - eu estava no banheiro.— Não se preocupe, eu contei um pouco do motivo e ela entendeu. Clara teve uns problemas no passado com um ex namorado.— Mas será que ela não vai contar para alguém? Fiquei preocupada.— Não vai, não. Ela é de confiança, eu garanto. É só o jeito meio seco dela falar.— Letícia me pareceu mais solta.— E ela é mesmo - ouvi sua risada — Ela pode ser uma boa amiga sua também.— E por aí, falando em amiga... Alguém notou minha falta?— Até agora, não. Ainda é cedo pra isso.— Malena, eu não pensei na questão dos rivais de meu pai... Só me preocupei em escapar do casamento.— Agora já era... Você tem que seguir.— Eu sei, mas qualquer coisa, você me avisa. Eu não vou sair da pousada.— Faça isso. Eu vou ligar para o celular da Clara ou da Letícia.— Certo. Eu aguardo. - suspirei — Se cuida por aí... Eu..
Parte 8...CamilaA escada para o porão era estreita e rangia. O espaço era apertado, com caixas empilhadas e um cheiro de mofo impregnando o ar. Clara fechou a porta acima de nós com cuidado e se virou para mim.— Fique quieta. Qualquer barulho pode atrair atenção - ela sussurrou. — Eles vão dar um jeito nisso.O silêncio voltou, mas dessa vez era sufocante. Ouvi passos lá em cima, o som de portas sendo abertas e fechadas. Meu coração martelava no peito, e eu me peguei prendendo a respiração para ouvir melhor.— Eles estão procurando algo - Letícia murmurou, com os olhos arregalados.— Ou alguém - Clara corrigiu, com a voz fria e olhando pra mim.O som de passos ficou mais alto, como se estivessem descendo a escada.— Alguém está vindo! - sussurrei, meu coração quase saltando pela boca.Clara fez sinal para que ficássemos em silêncio total. Os passos pararam do lado de fora da porta. O silêncio era tão denso que eu quase podia ouvir o sangue pulsando em meus ouvidos.De repente, a po
Parte 9...AlejandroMeu telefone vibrou sobre a mesa do escritório, interrompendo minha conversa. O nome de Héctor brilhava na tela. Meus irmãos se calaram. Peguei o aparelho e atendi sem hesitar.— Olá, Héctor! Presumo que saiba da situação. - minha voz saiu firme, sem rodeios.— Sim... Eu já sei - ouvi um suspiro irritado do outro lado — Alejandro, essa garota nos desonrou. - a voz de Héctor era um misto de raiva e frustração. — Fugir desse casamento é um ato de traição. Mesmo sendo minha filha, isso não é aceitável... Eu peço desculpas pelo comportamento dela.Recostei-me na cadeira, deixando um longo silêncio se instalar. Héctor estava irritado, mas isso era exatamente o que eu precisava.— Estou cuidando disso, mas preciso de sua permissão para usar... Todos os meios necessários. - vi o sorriso de Ricardo.— Você tem carta branca. Não importa o que seja preciso, Alejandro. Faça o que for necessário. Essa união é crucial, e Camila precisa entender isso.— Não se preocupe, ela vai