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Capítulo 3 - A Perda da Inocência

Até então a nova funcionária da mansão imaginava que os Mendes se limitavam a existência de apenas três integrantes, seus patrões e o pequeno Pedro. Mas, para sua surpresa, após seis meses chegou à mansão um casal de jovens e foram anunciados como os filhos mais velhos de Bárbara e Edgar, seus patrões.

Como Nathália possuía acesso livre a todos os cômodos da casa tornou-se fácil o encontro diário dela com o moço recém-chegado e no primeiro contato dos dois seus olhares se encontraram de uma forma especial, causando uma estranha sensação no interior daquela linda menina de olhos azuis e cabelos longos, capaz de enfeitiçar qualquer coração.  Deixando-a sem chão, perdida em seus sentimentos.

Era a primeira vez que algo lhe deixava confusa daquela maneira, não entendia o que realmente tinha acontecido, ficou paralisada diante do rapaz, gelada, sem forças para continuar sua caminhada através do corredor da espaçosa mansão.

Por alguns segundos sentiu-se suspensa do chão e um calor intenso subiu-lhe dos pés até a cabeça. Somente com muito esforço conseguiu sair dali sentindo-se completamente invadida por dentro por aquele olhar. Luciano era um homem de vinte e cinco anos, de alta estatura.

 Corpo atlético e uma postura física capaz de arrancar suspiros de qualquer mulher. Seus olhos cor de mel e a barba bem detalhada pelo rosto encantou a jovem que pela primeira vez se viu dominada pelo charme masculino e finalmente descobriu o poder dominador da paixão.

O que a inocente menina não sabia era que o primeiro amor sempre decepciona mais que qualquer outro e traz na embalagem a marca da dor, do engano e da ilusão. Aquele brilho no olhar do jovem milionário poderia até representar a realização de um sonho para uma moça quase ingênua, que acabara de sair da pobreza para viver a fantasia de uma cinderela, mas no fundo não passava de um profundo abismo onde certamente ela cairia e desceria até bater de cabeça no final cheio de pedras e espinhos, causando a mais intensa ferida emocional em seu ser.

A menina que mal havia completado dezoito anos retornou aos afazeres ainda confusa em seus sentimentos, deparar com aquele príncipe encantado no corredor da mansão lhe deixou atônita, quando foi morar ali não imaginou que sua patroa possuísse um filho adulto e tão lindo.

Vejam só como são as coisas — pensava ela, enquanto cuidava de Pedro num outro compartimento da casa — antes vivia tentando dar um golpe num ricaço que conheceu na escola, planejou até em forçar uma gravidez e garantir um casamento milionário. O que agora dava graças a Deus por não ter dado certo, principalmente depois de ouvir o desabafo de seus pais.

 Além de descobrir que sua mãe agiu dessa mesma maneira e acabou frustrada pro resto da vida. Agora o destino a colocava no meio de uma família bem mais poderosa economicamente e diante de um rapaz encantador.

Mas a lembrança das palavras da mãe que lhe aconselhou a não pisar na bola, que evitasse envergonhar o nome de seu pai diante dos patrões, não paravam de ecoar na sua mente.

Não podia vacilar e dar motivos para Dona Luiza pisotear sobre sua cabeça, passar seu fracasso na cara de Dióstenes e ironicamente dizer: “Eu não te avisei!” Nada disso, iria saber se portar com dignidade. Saberia mesmo?

— Oi Dinda, como vão as coisas por aqui, alguma novidade?

— Doutor Luciano, que prazer tê-lo de volta a esta casa, está mais maduro, mais bonito

— Qual é, não precisa tanta formalidade comigo, você convive aqui desde que nasci e sabe que sempre fui o homem mais bonito do mundo

— Sim, eu sei, o convencido de sempre!

— Mas, me explica, quem é aquela belezura que dei de cara no corredor agora a pouco?

— Quem, a filha do Dióstenes?

— E quem é esse?

— O porteiro, rapaz!

— Ah, sei, me lembro dele. É uma moleca linda

— Olhe, não vá se engraçar da moça, ainda é menor!

— Sério? Daquele tamanho? Pensei ter mais de vinte

— E tem outra coisa, a menina vem de família pobre, lá da favela. Com certeza não é do seu nível e nem a patroa vai aprovar o envolvimento de vocês dois

— Calma, Dinda, não falei que vou namorar a garota

— Eu sei muito bem que tipo de conquistador barato você se tornou, seu danado, conheço bem de perto sua fama!

— Definitivamente as mulheres dessa casa não me veem com bons olhos

— Talvez porque meu irmãozinho seja do tipo bem safado!

— Dona Andréia, quer que eu mande preparar alguma coisa pra senhora?

—  Ai, ai, Dinda, pare com essa de senhora, só tenho vinte e três anos

— Agora que passamos uns anos na França ela nos vê como se fôssemos seus patrões

— Ora essa, e por acaso não são?

— Você está nessa casa desde que me entendi por gente, lhe vejo mais como avó que como empregada

— Olhem, vocês vão acabar me acostumando mal, quando eu começar a dá uma de avó não reclamem!

— Mas você sempre foi uma velha chata com todos nós, Dinda, pior que nossas avós

— Bem, fique de olho nesse seu irmão assanhado, viu?

— Ah é, e porquê?

— Tá se assanhando pra uma moça que trabalha aqui na mansão, acabou de esbarrar nela num dos corredores da casa

— Mas que mania você tem de sair dando em cima de toda mulher que atravessa seu caminho, meu irmão! E quem é essa tal moça?

— Ela foi contratada pela patroa para cuidar do irmão caçula de vocês

— O Pedrinho? Há, eu a vi quando fui vê-lo, realmente muito bonita essa moça. Mas não se preocupe, vou ficar de olho nesse conquistador barato

— Dinda, você não muda mesmo, tinha que me denunciar para essa irmãzinha ciumenta?

— Pois foi por isso que falei, assim ela fica de olho em você seu moleque!

— Mas olhem só, até mudou o modo de me tratar, onde foi parar o Dr Luciano?

— O gato comeu, não pediu pra que eu parasse de formalidade? Agora vamos saindo aqui da cozinha, vamos deixar os empregados trabalharem. Andem! Andem!

Joana, a quem respeitosamente aprenderam desde criança a chamar de Dinda, era a funcionária mais antiga da casa e se tornou um tipo de governanta. Os filhos dos Mendes moraram muitos anos no exterior, fazendo faculdade na França, Andréia se formou em Medicina e Luciano em Direito, apesar da pouca idade.

Nas semanas que se seguiram eram quase que constantes os encontros de Luciano e Nathália pelo amplo espaço da mansão e, quando isso não acontecia naturalmente, eles sempre davam um jeitinho para proporcionar uma maneira de se verem. Dinda e Andréia estavam de olho e ao perceber o perigo que a jovem corria em se tornar mais uma estatística na enorme lista de mulheres vítimas dos galanteios do irmão Don Ruan, decidiu adverti-la para que evitasse um fim onde lamentaria bastante a insensatez.

— Oi, já nos apresentamos, sou filha de sua patroa

— Sim, Dona Andréia, eu me lembro

— Não precisa tanta formalidade, somos igualmente jovens, me chame de Andréia mesmo

— Tá certo, me desculpe

— Nathália, não é?

— Sim

— Eu te procurei porque precisamos ter uma conversa muito séria

— Fiz alguma coisa errada?

— Ainda não, eu espero...Mas pelo que tenho percebido corre o risco de fazer e estou aqui para tentar impedir

— Está bem, então me explique do que se trata

— Trata-se do seu visível interesse pelo meu irmão. Isso é algo extremamente perigoso para sua felicidade, menina

— Desculpe, mas não estou interessada no...

— Não se faça de rogada, menina, sabe muito bem do que estou falando. Não somente eu, mas outros empregados da casa já perceberam que vocês dois andam se encontrando propositalmente pelos corredores e que não permanece mais por muito tempo no seu local de trabalho. Anda deixando meu irmão Pedro sozinho no seu quarto para circular pelos outros cômodos na esperança de encontrar Luciano, já até ouvir boatos de que andam se pegando

— Não, pode acreditar, isso ainda não aconteceu!

— Ainda? Isso quer dizer que está na eminência de acontecer, não é? Olhe aqui mocinha, preste bem a atenção no que vou lhe falar: Luciano é meu irmão mais velho, porém não tem um mínimo de juízo naquela cabeça.

É imprevisível, aventureiro e bastante irresponsável, principalmente em se tratando do trato com as mulheres. Há lá fora uma fila enorme delas chorando suas virgindades jogadas fora e você será a próxima da lista dele se não fugir o mais rápido possível desse abismo

— Não se preocupe, Andréia, vou evitar

— Entenda uma coisa: Não estou lhe falando essas coisas na intenção de lhe fazer qualquer forma de discriminação, alegando que você não possui o mesmo nível social dele, mas para evitar de ver mais uma moça sendo usada e depois descartada por um homem que parece não dar valor algum para as mulheres. Além disso, pense em todo o mal que isso irá lhe causar, como sua expulsão por minha mãe dessa casa, a demissão de seu pai e a vergonha que irá levar para sua família. Sem considerar o risco de uma gravidez indesejada

— Não, Deus me livre, isso seria terrível!

— Então crie juízo e firme seus pés no chão, nada de loucas aventuras, menina!

— Tá bem, obrigado pelos conselhos

— Não foram conselhos, Nathália, mas avisos

O sermão ouvido de Andréia foi como se fosse uma tapa na cara de Nathália que tremeu na base, parecia estar ouvindo sua mãe jogando-lhe em rosto que ela só servia para arrumar confusão por onde passava, sentiu seu sangue gelado nas veias e por um segundo viu o mundo desabar sobre sua dura cabeça. As coisas iam muito bem e não seria prudente de sua parte colocar tudo a perder.

Seu pai, Dióstenes, arriscou a boa reputação que teve durante anos com aquela família só para lhe conseguir uma oportunidade de emprego, não poderia decepcioná-lo.

Lembrava das palavras duras de sua mãe ao alertá-lo do risco que seria colocá-la ali, como poderia permitir que tivesse razão? Entretanto, seria o certo desistir daquela rica oportunidade? Afinal, quem poderia garantir que Andréia estivesse falando a verdade sobre o irmão? E se estivesse apenas interessada em fazê-la desistir dele por ser pobre? E se ele fosse de fato um canalha? Ou, se pelo contrário, no final de tudo tivesse caráter? Eram tantas dúvidas, tantas indagações passando pela sua mente confusa...

A verdade iria surgir bem diante de seus olhos no momento oportuno, mas naquele momento teria que conviver com todas aquelas incertezas, pois tudo na vida acontece no seu tempo certo. A rotina seguiu seu curso normal, cuidava do pequeno Pedro e a paz ainda reinava ao redor. Andréia e Dinda não paravam de observar os dois jovens, porém, a adolescente passou a evitar os costumeiros encontros com o sedutor Luciano pelos corredores da mansão. Bem, pelo menos por algum tempo.

— Parece que a menina baixou o fogo e anda se esquivando de Luciano

— Tive uma séria conversa com ela, dias atrás

— Ah, foi? Então tá explicado a brusca mudança de comportamento da garota. Mas Andréia você não perde tempo mesmo, hem?

— Conhecendo meu irmão como conheço, Dinda, não poderia simplesmente cruzar os braços e ver mais uma empregada ser abusada por aquele aventureiro

— Você fez a coisa certa, minha filha, tomara que ela siga seus conselhos.

E faça isso ao pé da letra e evite o pior

— Expliquei direitinho a situação, caso insista vai quebrar a cara como já aconteceu com as outras que passaram antes por essa casa e o azar será todo dela

— Sim, porque seus pais não vão permitir que ele se case com uma moça do nível dela, uma favelada

— Nem de longe, Dinda, o prejuízo será apenas dessa pobre moça

As duas conversavam enquanto observavam Pedro e sua ajudadora brincando num dos muitos brinquedos expostos no pátio da mansão, ali havia um enorme contraste entre a expressão de alegria no pequeno autista e a aparente tristeza estampada na face de Nathália.

— Mamãe tem razão, Pedrinho se encontra muito feliz na companhia dessa moça

— É, isso não podemos negar, por essa razão será uma grande perda se o pior vier a acontecer

— Não acontecerá, Dinda, não permitirei

— Sei não...

A empregada duvidava da capacidade de escape da jovem da má influência do conquistador por conhece-lo muito bem, nunca antes conheceu uma só de suas vítimas resistirem ao seu charme. Rico, de boa aparência e terrivelmente sedutor.

Um prato cheio aos olhos ambiciosos das moças pobres da cidade ou ingênuas do interior, que alimentam a péssima ideia de que um homem daqueles irá lhes dá o devido valor e colocar uma aliança na sua mão esquerda, leva-las ao altar e dividir com elas parte de seus bens.

Na verdade, a realidade é outra, famosos casam-se com famosos e ricos com milionários. Tudo é uma questão de puro interesse financeiro, o poder do dinheiro é o que fala mais alto no mundo deles, a paixão e o amor passam bem longe de seus ideais. Apesar de optar em viver na mansão, afim de poder estar mais presente junto ao garoto autista, Nathália tinha direito a um dia livre todos os meses.

 Para retornar à casa dos pais, visitar a família. Naquele domingo em particular ela saia da mansão, quando ao passar pela portaria percebeu parar ao seu lado o carro de Luciano, que se propunha a lhe dar carona. À princípio recusou, mas devido a enorme insistência do rapaz cedeu e concordou que ele a levasse até sua casa. Depois que começou a trabalhar uniu forças com o pai e o irmão, construindo uma nova morada, com mais espaço e conforto.

Foi possível dar um quarto para cada um deles e comprar móveis novos. Um fogão e uma geladeira novinha para sua mãe, além de outras vantagens. Assim, não teve a menor cerimônia de levar o novo playboyzinho até lá, o que fez a vizinhança arregalar os olhos e fazer fofocas, pois de pronto imaginaram ser seu novo namorado ou amante.

Durante todo o trajeto feito do centro da cidade até o bairro pobre localizado na periferia, Luciano tentou de todas as formas convencer a moça a lhe permitir mais espaço em sua vida, porém, lembrando das orientações de Andréia ela se esquivou como pôde. Finalmente chegaram ao destino e após agradecer a carona e se esquivar de um beijo forçado, saiu do luxuoso carro e se dirigiu à casa dos pais sob os fortes olhares dos invejosos.

— Oi minha irmã, estava te esperando, me conta as novidades!

— São muitas, um balde cheio! Oi pai, oi mãe...

— Não existe mais o “bênção pai” e o “bênção mãe”? Essa juventude de hoje...

— Bênção vô, como vai o senhor, tudo em paz?

— Hum, Deus te dê juízo sua doida!

— Ah,ah,ah, sempre mal humorado esse aí! E a minha avó, como está?

— Vai bem, não quis vir, ficou lá no interior com as galinhas e os porcos. Mandou perguntar quando que a neta preferida dela vai ter a cadência de ir lhe fazer uma visita, eu disse que vai ser somente depois que ela estiver morta e enterrada

— Qualquer final de semana desses vou lá visita-la, não vai demorar

— Vem, Nathália, quero saber de tudo...

As duas irmãs sobem ao piso superior da nova casa, mais ampla e confortável. Christina deu prosseguimento aos estudos e já cursava o primeiro ano da faculdade de medicina, conseguiu uma bolsa e estudava na maior e mais importante Universidade do Estado. Ganhou seu próprio quarto, depois da construção, e não parava de agradecer toda a ajuda que recebeu, além de se mostrar curiosa sobre a desconhecida vida atual da irmã mais velha.

— Nossa, seu quarto parece uma loja de bichinhos de pelúcia

— Ah, olha quem fala, por acaso não foi você que mandou esse monte de bichos?

— Eram do Pedrinho, filho da patroa, ele não queria mais e iam ser jogados fora, então eu pedi. Imaginou, tudo isso sendo jogado no lixo, que desperdício!

— Sem dúvida. Mas vai lá, mulher, me conta as novas!

— Nossa, minha irmã, nem te falo. Quando fui morar na mansão não imaginava que meus patrões tivessem outros filhos além do Pedrinho

— Caramba, e tem?

— Sim, um casal que estavam estudando no exterior, em Paris

— Caracas, gente importante esses Mendes, não é mesmo? É meu grande sonho conhecer a França, passear pela Torre Eiffel...

— Ei, alô, volta pra terra mulher!

— Hummm.... Me deixa sonhar um pouco!

— Você é uma mulher inteligente, estudiosa, já está se formando em médica. Daqui a poucos anos vai se dá bem e poder ir onde quiser, conhecer o mundo inteiro

— Deus te ouça...Mas, continua de onde eu te interrompi

— Acontece que agora eles voltaram pra cá e estão na mansão

— Eles, quem?

— Ai, Chris, te sintoniza mulher! Os filhos da patroa!

— Sim, sim. E daí mana, no que isso te preocupa?

— Bem, acontece que o rapaz é um encanto, um verdadeiro príncipe!

— Hum, Nathália do Valle, você tome juízo! Lembre-se de tudo que nossa mãe falou no dia em que papai decidiu te colocar dentro daquela casa, não vai deixar que ela tenha a chance de pisotear sobre ele

— Eu sei, pensei em tudo isso, mas ele não me deixa em paz desde o primeiro dia em que nos vimos

— O filho da tua patroa está dando em cima de ti?

— Menina, quando nos esbarramos num dos corredores da mansão eu quase morri de susto!

— Mas você não disse que o rapaz é a maior presença?

— Ai, mas que burrinha você ficou, hem? Cadê a minha irmãzinha genial, desapareceu?

— Desculpa, mas minha inteligência é noutra área

— O infeliz é danado de lindo, esse é o grande problema, fica difícil resistir ao charme dele! Hoje ao sair da mansão ele se ofereceu pra me trazer até aqui e foi tão insistente que não deu para recusar, acabei aceitando

— Rolou alguma coisa entre vocês enquanto vinham pra cá?

— Não, ele tentou me dá um beijo, mas recusei

— Santo Deus, minha irmã, já vi que as coisas não vão acabar bem pra você

— Não sei o que fazer, todas as vezes que me aproximo dele perco a cabeça e só penso em me atirar nos braços dele

— Será que não vê que isso é uma tremenda furada? Quando que um homem fino, milionário e pode ter a mulher que quiser na vida vai levar à sério a relação com uma pobretona como você? Perdeu a noção das coisas, foi? Ele só vai te usar e depois jogar fora

— Tá falando igualzinho a Andréia

— E quem é essa aí?

— A irmã dele, me procurou dias atrás para advertir que o irmão é um mal caráter, que tem costume de abusar das empregadas e depois sair fora

— Deus do céu, a própria irmã já afirmou que o indivíduo não presta!

— Sim, mana, mas e se ela só está tentando me afastar dele pelo fato de eu ser pobre?

— Te toca, minha irmã, se fosse essa a razão bastava ter revelado o que estava acontecendo aos pais e eles te mandariam embora de uma vez por todas

— Você acha?...

— Lógico, menina, ao meu ver ela só tentou te ajudar por conhecer as atitudes do irmão mal caráter

— Ai, Chris, estou perdida e sem saber o que fazer

— É sempre assim, a garotinha pobre sonhando em ser uma Cinderela. Acorde minha irmã, contos de fadas não existem no mundo real!

— Vou te confessar uma coisa, mana, acho que pela primeira vez estou de fato apaixonada

— Jesus, Maria e José. Agora danou-se!

— Me lasquei por inteira!

A conversa prosseguiu por várias horas, Christina tentava convencer a irmã  em desistir de tentar viver aquela perigosa história de amor e se precaver contra uma possível decepção, em contrapartida Nathália se dizia sem forças para renunciar seus sentimentos por Luciano, sentia-se completamente dominada pela paixão que invadiu seu coração desde o primeiro momento em que seu olhar se fundiu ao dele. Depois de se abrir com Chris, conversou com a amiga Virgínia, a confidente que era sua vizinha, e recebeu dela a mesma orientação de que deveria mesmo fugir de tamanho precipício.

Porém, os conselhos recebidos pareciam não conseguir achar lugar na sua mente confusa e ambiciosa pela possibilidade pouco provável de se dar bem na vida.

A verdade é que a adolescente ainda trazia lá no íntimo o desejo de se casar com um milionário e se tornar uma pessoa importante na sociedade, ela sabia que isso era possível devido a imensa beleza que possuía. Mas, o que não se dava conta era que esse propósito poderia lhe jogar no fundo do poço.

 Na segunda-feira ela retorna para o local de trabalho, onde recomeça a rotina diária. Na noite daquele dia ela já estava nos seus aposentos, quando passava das vinte e duas horas ouviu passos no estreito corredor que levava ao seu quarto localizado numa parte isolada dos outros cômodos da mansão. Acreditando ser Dinda, que costumeiramente passava por ali para verificar se todos os empregados que ali dormiam estavam devidamente acomodados, ela abre a porta para pedir a governanta permissão para ir até a cozinha em busca de algo para comer, pois inexplicavelmente sentia muita fome, apesar de ter jantado.

Porém, não se tratava da idosa e sim de uma figura inesperada que pretendia encontra-la por ali, afim de uma maior aproximação. Assim que se tornou visível na entrada de seu quarto foi empurrada de volta para dentro por duas mãos fortes, era Luciano que aproveitava o ensejo para roubar-lhe um momento de carícias ou algo bem mais sério que isso.

A moça foi empurrada de volta para o interior de seus aposentos e encostada numa das paredes, lá foi sufocada por um beijo inesperado e ao sentir o enroscar daquela leve barba com bigode nos seus lábios e o cheiro do perfume francês que exalava nas suas narinas, identificou de imediato se tratar do jovem encantador que ousadamente resolveu invadir o lugar para roubar seus encantos de mulher.

Perdida entre o susto da invasão e o prazer de ser beijada por aquele príncipe encantado, ela não sabia ao certo se gritava ou se entregava por completo. Via das dúvidas se deixou dominar e pela primeira vez foi beijada loucamente

Ele tentava jogá-la na cama, ela resistiu o quanto podia, ele persistiu sem trégua e já sem forças para recusar o que também queria o seu corpo, ardendo por dentro pelas chamas do desejo que a consumia descontroladamente, acabou permitindo ser deitada sobre o colchão macio daquela cama, enquanto era despida.

Aquelas mãos enormes e ao mesmo tempo macias acariciavam seu corpo arrepiado pela intensidade do prazer que sentia a cada toque, seus dedos deslizavam sobre sua pele quente, virgem, ainda intocado e possuído. O rapaz era experiente, sabia como enlouquecer uma mulher pelo toque carinhoso e ao mesmo tempo másculo, forte, eletrizante!

Em poucos minutos ela se encontrava totalmente nua sobre a cama, sem a camisola e as roupas íntimas que antes vestia. Se tornou uma presa fácil, amarrada pelo coração a um amante quase desconhecido que chegou na sua vida pra ficar. Estava perdida, não havia mais na sua mente qualquer conexão com a prudência nem com a realidade, caiu de vez no precipício, na vaga ilusão do primeiro amor.

Nem mesmo o fato da porta do quarto ter ficado destrancada impedia que ela  se entregasse, não se preocupava com o pior, as palavras da mãe que tempos atrás advertia daquele perigo ressoaram por alguns segundos no seu subconsciente, sua voz parecia ser real, mas o sussurro daquela boca quente ao pé de seus ouvidos eram mais fortes, mais intensos, bem mais poderosos e a controlavam.

— Ahhh...Pare...

— Não vou parar, sei que você quer...

— Santo Deus, me ajuda...

— Eu sou teu deus, teu desejo, tua paixão...

— Ahhhh...Então me possui logo, de uma vez...

Aos poucos a sua pureza se desfaz, sente-se invadida sua intimidade, ele age delicadamente, mas com toda a força que precisa para entrar por inteiro nas suas entranhas e permitir passagem para um incomparável prazer.

 Aquela primeira experiência durou apenas algumas horas, mas pareceu ter sido uma eternidade, agora ela era inteiramente dele. Mas será que ele também lhe pertencia? Essa resposta só o tempo daria a ingênua moça que cometeu o terrível engano de acreditar ser possível viver uma linda história de amor ao lado de um aventureiro, incapaz de amar e se importar com os sentimentos daquelas com quem só se divertia, sem nenhuma outra pretensão.

Aqueles encontros continuaram a acontecer durante algum tempo nas altas horas da noite, sempre correndo o risco de serem vistos por alguém, principalmente por Dinda que costumava circular pela mansão de olho nos outros funcionários. A governanta sofria de insônia e passava parte da madrugada perambulando pelos corredores.

A irresponsabilidade do jovem galanteador era tanta que sequer teve o cuidado de usar um preservativo no momento do ato sexual afim de evitar uma possível gravidez. E ela, sem nenhuma experiência no assunto, se entregou várias vezes a ele sem se preocupar com esse detalhe, pois estava segura de que caso isso viesse a acontecer se casariam, visto que certamente o rapaz não iria deixar um filho no abandono.

E, na sua estúpida maneira de pensar, mesmo que se isso viesse a acontecer seus pais não a abandonaria com um neto no ventre, pois ele seria um Mendes e esse nome tinha extremo valor, não poderia haver uma semente deles jogada na sarjeta. Percebe-se que mesmo estando ela verdadeiramente apaixonada ainda trazia no íntimo aquela velha chama da ambição que a levou várias vezes a desejar dar o golpe da barriga nos namorados ricos que teve a sorte de conquistar com sua beleza.

E essa seria a causa de sua desgraça, porque Luciano Mendes era um mal caráter que não se deixaria comover pelo fato de saber que havia um filho dentro de seu ventre e tão pouco seus pais iriam admitir tal união.

Não permitiriam que o herdeiro de todos os seus bens se unisse a uma favelada sem futuro como aquela. Bem que Andréia, a cunhada, tentou avisá-la do perigo que corria, mas ambiciosa não quis ouvi-la. Agora o erro já tinha sido cometido, era hora de colher os resultados negativos de suas atitudes.

Chegou o final daquele mês e aproximava-se o Natal, fazia dias que a adolescente andava esmorecida, sem ânimo, com a aparência decaída, pálida e com ânsia de vômitos. Porém, não reclamava nada aos patrões. Luciano desapareceu da mansão fazia mais de duas semanas, mas ela não ousava interrogar quem quer que fosse para saber notícias dele, evitando demonstrar interesse particular à sua pessoa, pois isso levantariam sérias suspeitas.

Entretanto, tomou o baita de um susto ao ouvir Andréia que comentava com Dinda sobre o repentino desaparecimento do irmão, realizando uma viagem quase que às pressas de volta à Paris. Permanecendo oculta num canto qualquer da cozinha.

 No intuito de não ser vista pelas duas mulheres e ao mesmo tempo ouvir a conversa, ela sentiu-se suspensa do chão com as declarações da suposta cunhada

— Sabe, Dinda, estou preocupada

— Há é? E com o quê?

— Como te disse, o fato de Luciano inventar esse retorno repentino a Paris está muito suspeito

— E quando aquele moleque travesso não age de forma suspeito em tudo o que faz?

— Dinda, acorda, a coisa pode ser mais séria do que pensamos

— Credo, assim você me deixa preocupada! Acha que ele andou se metendo em alguma confusão por aí?

— Não, como bem sabemos a única confusão que ele poderia ter se envolvido seria com mulheres

— Verdade

— E é aí que mora o problema. O que meu irmãozinho irresponsável andou aprontando?

As duas se olham fixamente, enquanto Andréia toma uma xicara de café bem quente que a velha governanta tinha acabado de lhe servir

— Jesus Cristo, menina, nem quero imaginar uma coisa dessas!

— Pois eu já estou pensando nessa possibilidade faz tempo. E se aquela infeliz da Nathália cedeu aos encantos dele e se entregou numa aventura que vai acabar destruindo por completo sua vida?

— Meu Deus, tomara que estejamos apenas cogitando tal possibilidade, minha filha

— Sei não, Dinda, tem observado como ela anda pálida, desfigurada e sem aquela disposição de antes? Parece até que está grávida!

— Ai, minha Nossa Senhora, nem me fale uma desgraça dessas! Pobre menina, se isso de fato ocorreu ela está perdida

— Mas se assim for ela mesma será a única culpada, pois não foi por falta de avisos

— Sei disso, Andréia, mas como mulheres sabemos do que somos capazes de fazer por amor, cometemos muitas loucuras!

— Desculpe, Dinda, mas não posso concordar com essa ideia de que toda mulher um dia enlouquece de paixão. Você me conhece muito bem, desde criança, e sabe que nunca fui dada a gostar de garotos da mesma idade que eu.

Sempre os achei muito irresponsáveis e busquei me relacionar com os mais velhos. Vivi minha primeira experiência sexual aos dezessete anos lá em Paris e com um homem que tinha o triplo da minha idade, mas pratiquei o ato consciente que era aquilo que queria e o momento oportuno. Nunca perdi o juízo por ninguém

— Sim, minha filha, mas nem todas nós somos iguais. Eu mesma fui uma das que perdeu a cabeça e se jogou numa aventura que custou minha felicidade pro resto da vida

— Você, Dinda? Ora, quem diria, pensei que nunca sequer tinha ido pra cama com um homem

— Ei, não nasci velha desse jeito sua moleca, também fui criança, adolescente e vivi intensamente minha juventude. Pelo menos até conhecer aquele traste que destruiu minha paz

— Vamos tirar uma hora pra você me falar mais sobre essa sua história, pareceu interessante. Agora deixe-me ir para a clínica, preciso trabalhar

A ouvinte, que permanecia até naquele momento escondida a ouvir a conversa, sai em direção aos seus aposentos e ali fica sentada sobre a cama onde por diversas noites fez amor com o seu sedutor, desesperada ao perceber a loucura que havia cometido. Luciano partiu de volta para o exterior sem sequer se despedir, usou e abusou dela, depois caiu fora como Andréia advertiu que faria.

E agora, o que fazer? Qual seria seu destino, quando tudo fosse revelado, como Dona Bárbara iria reagir ao saber que aquela jovem em quem confiou para morar na sua casa e cuidar do pequeno Pedro acabou por se prostituir com o próprio filho aventureiro. Qual seria a reação de Dióstenes ao ser informado da loucura cometida pela filha, como reagiria a tamanha vergonha? O que dizer a Andréia que teve a cadência de lhe advertir de tão grande perigo?

Lhe falar que por não considerar seus avisos encontrava-se naquela terrível situação? Certamente seria expulsa dali sem direito a nada, eram pessoas poderosas e nada os impediriam de coloca-la pra fora da mansão a ponta pés. Retornaria para a casa da mãe? Estaria pronta e disposta a baixar a cabeça e ouvir seus gritos, jogando-lhe em rosto que de fato era uma fracassada, uma droga de filha que só servia para causar problemas e trazer vergonha para a família? O que iria dizer à irmã mais nova que implorou para que ela tomasse cuidado e não cometesse nenhuma loucura?

Como encarar os vizinhos invejosos que viram seu crescimento financeiro e se roíam por dentro por seus filhos não terem a mesma sorte, que agora iriam rirem-se de sua queda e pisotear sobre sua falência financeira e moral? Estava perdida, caiu de ponta como uma flecha rumo ao fundo do poço mais profundo. Sentia que uma semente germinava dentro de seu útero, um feto se formava, uma vida em breve estaria pronta para vir ao mundo e ela, por sua vez, não teria a menor condição de recebe-la, nem de lhe oferecer os cuidados e o conforto do qual tanto precisaria.

Passaram-se os dias. Depois da conversa que tiveram naquela manhã, tanto Dinda como Doutora Andréia passaram a monitorar o comportamento da jovem dentro casa como se estivessem tentando confirmar suas suspeitas. Se de fato ela e Luciano tiveram qualquer tipo de envolvimento as sequelas iriam surgir mais cedo ou mais tarde. Algo grave como uma gravidez indesejada seria o mais provável, já que ele saiu fora sem se despedir até mesmo da irmã e da governanta, quem ele dava a impressão de considerar. Como médica, Andréia conhecia bem as mudanças físicas nas pessoas.

E dia após dia a aparência de Nathália era visível, seus comportamentos suspeitos, sempre que estava presente na mansão percebia que a moça parecia querer fugir da sua presença, como se evitasse ser analisada pela ótica da experiente profissional. Mas o destino é sagaz, proposital e vingativo. Ele nos conduz por caminhos nunca antes conhecidos, nos levanta e em seguida nos faz cair.

 Testa nossa capacidade até o último milésimo de forças, coloca-nos em variados tipos de labirintos e só estende a mão para nos livrar da morte se perceber que não seremos capazes de sair do buraco onde fomos jogados sem a sua ajuda. A vida é uma história sua, que escreve com caneta e tinta de ouro.

Nós somos os personagens desse romance que ele cria e permite que vivamos neste mundo, nesta terra e planeta.

 Nesse teatro cada pessoa em particular nasce com um papel para atuar nesse palco, como parte importante no contexto existencial que esse mesmo destino dá origem. Somos suas cobaias, seus bonecos, seus brinquedos. O personagem vivido na vida por Nathália do Valle trouxe na bagagem a triste missão de ser consumida pela ambição e o desejo de ser alguém importante a qualquer custo. E, pelo que se podia ver, o preço foi terrível.

Numa manhã de sexta-feira a jovem cuidava do pequeno Pedro, o menino autista, quando caiu por terra diante dos olhares surpresos da criança que por não compreender o que estaria acontecendo com sua acompanhante passou a gritar desesperadamente, chamando a atenção dos demais empregados que vieram ao seu auxílio.

Doutora Andréia recebeu em sua clínica um telefonema de Dinda que informava o ocorrido e pedia instruções sobre como proceder diante da grave situação, orientada mandou que o motorista levasse a moça às pressas para ser atendida com urgência no local que ficava próximo dali. Após alguns exames a médica comprovou o que de antemão temia, Nathália estava quatro semanas em gestação.

 Esperava um filho de seu irmão inconsequente. Ali estava a explicação pela qual ele havia partido à Paris. Sem mais perda de tempo ela reuniu-se com os pais no final da tarde e repassou a eles a informação do real estado da paciente, sem esconder a plena certeza de que aquela criança era um Mendes. Fruto de mais uma das inconsequentes relações sexuais de Luciano com as empregadas, como sempre fez desde sua adolescência.

Na verdade, aquela atitude insana do rapaz já havia se tornado frequente.

— Nós não podemos permitir que Luciano continue abusando descaradamente das moças que vem trabalhar nessa casa, temos que colocar um basta nessa situação, até quando isso vai persistir sem que se tome uma posição contrária a tamanha falta de caráter de meu irmão?

— E o que você quer que façamos, Andréia, forçar que nosso filho se case com uma pobretona como essa só porque espera uma criança com nosso sangue? O que está em jogo aqui não é apenas reparar o possível erro de Luciano, mas o futuro de todo os nossos bens, permitir o nascimento dessa criança é torna-la herdeira de uma fortuna incalculável e isso não podemos permitir que aconteça

— Possível erro? O senhor acha que há a menor possibilidade dessa gravidez da empregada ser de qualquer outro que não seja meu irmão? Quem aqui iria ser irresponsável a tal ponto? Claro que esse filho é de Luciano, meu pai, o quarto que com certeza você e mamãe pretendem mantar a moça abortar para esconder as irresponsabilidades daquele moleque!

— O aborto do feto é a melhor solução nestes casos de uma gravidez indesejada, você como médica deveria saber disso

— Sim, eu sei muito bem e até concordo se for num caso de estupro. Mas neste caso foi com o pleno consentimento dos dois, essa pobre moça confiou nas falsas promessas de amor daquele cafajeste! Dessa vez não vou fazer parte nem concordar com essa pouca vergonha, meu parecer é que tragamos Luciano de volta para assumir seus atos

— Mas nem pensar, meu filho não vai se casar com essa favelada! Maldita hora em que admitir essa moça para trabalhar em nossa casa

— Mãe, me perdoe por ser tão franca em minhas palavras, mas a senhora e o papai são os maiores culpados por esse vício imoral de Luciano, sempre passando as mãos sobre sua cabeça ao cometer alguma loucura

— Seu irmão desde pequeno é assim mesmo, meio problemático, e nosso papel como pais é ajudá-lo a superar suas falhas morais até que amadureça e se firme na vida

— A que custo, em Dona Bárbara? Em detrimento da vida e felicidade dessas pobres moças que caem na lábia daquele cretino?

— Luciano é nosso filho e seu irmão, devemos ficar sempre ao seu lado, independente de qual seja a situação na qual ele se encontra, nunca do lado oposto

— Está completamente equivocada, minha mãe, devemos ficar do lado certo, defender o que é correto!

— E o que parece correto para você neste momento, Andréia, dividirmos tudo o que lutamos décadas para construir com uma pistoleira que se entregou ao seu irmão, visando se dá bem na vida? Não percebe que essa moça só está interessada no nosso dinheiro?

— Ah, sim papai, havia esquecido qual é a única coisa que essa família considera como importante, o maldito dinheiro dos Mendes!

— Um dinheiro considerado maldito por você, minha filha, mas que tem sustentado seus estudos nas maiores e melhores faculdades de medicina no exterior, lhe proporcionou hoje se tornar uma grande empresária, dona de sua própria clínica e ser esta mulher de brilho na qual se tornou

— Sim, e preciso dizer que sou grata por tudo o que vocês me proporcionaram.

 Mas nem por isso vou ser conivente com tamanha falta de caráter, já chega de tanto jogar os erros bárbaros de meu irmão ao descaso, causando prejuízos na vida de tantas mulheres inocentes

— Inocentes? Você considera ter inocência uma moça que se entrega na bandeja para o filho de um milionário na esperança de conseguir alguma fortuna? Ou será que porventura acredita que em pleno século XX ainda exista meninas completamente inocentes em seus propósitos?

— A forma de pensar e agir de vocês dois me enoja!

 Com essa declaração Andréia se retira da sala onde confrontava os pais pela forma como colocavam panos quentes sobre as atitudes do irmão e deixa no ar um clima pesado, que levaria os Mendes a tomar uma imediata posição diante de mais uma das tantas confusões criadas pelo filho mais velho, contra suas empregadas.

— Tudo se repete, até quando vamos tapar os buracos morais cavados por Luciano?

— Até ele amadurecer, Edgar, é nosso filho e precisa de todo o nosso apoio para superar essa falha no seu caráter

— Só me pergunto até quando iremos ter que ficar servindo de suporte para esse moleque inescrupuloso sem que mude um só milímetro nas suas atitudes

— Até que ele finalmente tome jeito, o que não podemos é desistir dele

— E essas pobres moças que compramos o silêncio das famílias e os abortos que forçamos fazer afim de livrá-lo de maiores complicações, como ficam? E se fosse nossa filha, Bárbara, iriamos concordar com tanta impunidade?

— Por favor, não compare essas ribeirinhas sem futuro com nossa filha.

Andréia foi feita de outro tipo de barro, uma cerâmica especial e única, pertence a outro mundo, ocupa outro patamar na vida e jamais cometeria um ato vulgar como esse. Essas meninas abrem as pernas pro primeiro que aparece e depois reivindicam a correção pelos seus erros. Nós não vamos sacrificar nossos bens, nem o futuro de nosso filho por causa da ambição dessas vadias

— E agora, qual será o próximo passo para abafarmos mais esse escândalo causado por aquele cretino?

— Não se refira a ele dessa maneira, Edgar, lembre-se de quem ele herdou tamanha falta de caráter

— De fato na minha juventude andei aprontando algumas, mas não tanto como ele, está passando dos limites

— Não seja irônico comigo, pois só não fui mais uma de seus objetos de prazer porque me fiz de esperta e segurei a aba do seu chapéu até que se casasse comigo, além do que meus familiares lhe ameaçaram de morte ao ponto de seus pais cederem em me aceitar na família. Sem levar em conta o tiro quase fatal que levou de meu pai, através do qual quase desce pra cidade dos pés juntos, o que convenceu o velho Mendes a concordar com nosso casamento

— Está bem, está bem, reconheço que dei ao nosso filho essa maldita herança recebida de meus antepassados, todos os Mendes abusaram de empregadas domésticas e isso virou tradição na família. Mas acho bem você evitar esse comentário, pois ninguém aqui sabe de sua origem medíocre, nem mesmo nossos filhos

— E nem irão saber, isso iria me ridicularizar diante da sociedade e dos meus empregados. Ninguém pode saber que vim da lama como tantas outras. Precisamos agir imediatamente, antes que a gravidez da moça fique visível.

— Tomarei as devidas providências, imediatamente!

O casal encerra o diálogo e Edgar se retira aos seus aposentos, enquanto Bárbara sai à procura de Dinda, que havia escutado parte da conversa entre os patrões e foi às pressas em direção à cozinha, disfarçando a curiosidade. Ainda lhe foi possível ouvir as declarações da patroa ao esposo quanto ao fato de ter vindo de origem humilde, assim como todos os seus funcionários, e isso lhe deixou perplexa.

— Dinda!

— Sim, patroa

— Preciso lhe passar algumas tarefas, sente-se aqui

— Sim, patroa

— Você vive nesta casa a muitos anos e se tornou uma pessoa de nossa mais inteira confiança, acompanhou a trajetória dessa família e é conhecedora de vários dos nossos segredos

— Certamente, Dona Bárbara

— Muito bem, então terá que saber e guardar mais um deles, esperamos poder contar com sua total discrição

— Pode ficar tranquila quanto a isso, patroa

— Nosso menino cometeu outra grande travessura, Dinda, e como sempre teremos de limpar toda a sujeira deixada por ele

— Santo Deus, Dona Bárbara, mais uma empregada grávida?

— Sim, e dessa vez isso vai atingir um de nossos funcionários mais antigos

— Oh, meu Cristo, o Dióstenes?

— Sim, infelizmente sua filha agiu imprudentemente e acabou caindo na lábia de Luciano, está grávida de um mês e precisamos cancelar essa gestação o quanto antes. Assim, vou ter que dispensar os dois, pai e filha, para que não fique nenhuma raiz desse triste episódio na mansão

— É uma grande pena, pois se trata de um homem trabalhador, prestativo e de grande confiança

— Sei disso bem mais que você, Dinda, mas não podemos agir de outra maneira. Vamos conversar com ele e a filha, propor o aborto e como de costume pagar uma boa quantia em dinheiro para a família. Em seguida dispensá-los

— Pode deixar, patroa, já sei exatamente como as coisas devem ser. Conversarei com Dióstenes e lhe revelarei tudo o que está acontecendo, não se preocupe

— Muito bem, faça isso o quanto antes e depois me comunique o momento exato para entrarmos em acordo com o funcionário e a moça

— Sim, senhora

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