Ambições de uma Adolescente
Ambições de uma Adolescente
Por: ABDENAL CARVALHO
Capítulo 1 - Pobreza

Era uma família da periferia, semelhante a todas as outras com suas dificuldades sociais e econômicas que a impedia de ostentar luxo e riqueza. A vida cotidiana de seus membros era pautada na necessidade de tudo, o que causava falta de esperança em alguns e total revolta noutros. Esse era o caso de Nathália, uma adolescente completamente amargurada pela pobreza que a cercava por todos os lados.

 — Droga! Mãe, viu aquela bermuda jeans que ganhei de presente da tia Marta?

— Como vou saber se quem usa não sou eu?

— Bela resposta, ajudou bastante! E agora, onde foi parar aquela porcaria? Chris, viu minha bermuda Jeans?!

— Deve de tá no cesto de roupas sujas, princesinha. Você é do tipo que nunca lava as roupas que veste!

— Mas que grande porcaria! E agora, o que vou usar para ir falar com aquele traste, é a melhor roupa que tenho?

— Vá nua, ele com certeza vai adorar!

— Vá se danar, moleca nojenta!

Como ocorre na maioria dos lares suburbanos a comunicação entre os familiares era escassa de gentileza, feita sempre com enorme rispidez. Nathália do Valle era tão linda como o próprio nome propõe, transmitindo a ideia de fama e poder, porém, ela não passava de uma adolescente inconformada com sua realidade.

Foi sua mãe quem escolheu lhe dar esse nome, retirado de uma atriz famosa das novelas que costumava assistir na televisão. Talvez por isso a menina trouxesse tanto orgulho e arrogância dentro de si, era como se não fizesse parte daquele mundo miserável em que nasceu.

— Vai encontrar aquele garoto branquelo lá da escola?

— Aquele garoto branquelo tem nome, viu, e muita grana!

—  E ele faz ideia do quanto és uma pobretona?

— Olha aqui, garota, vai te danar!

— Minha irmã você ainda vai se dá muito mal em viver tentando dar golpes nesses bacanas

— Fica na tua, Chris, não te mete em coisa de gente grande. Vai estudar teus livros e vê se deixa minha vida em paz. Ah, me empresta aquele tênis que o papai te deu de presente, o meu já levou o farelo faz tempo

— Ah, agora sou útil?

— Quer saber, ó santinha do pau oco, me dá logo a droga desse sapato e fica aí de cara enfiada nos cadernos que eu tenho mais o que fazer!

Havia um enorme contraste entre aquelas duas irmãs, uma visível diferença.

 Enquanto Christina era apaixonada pelos estudos e batalhava por um futuro promissor, Nathália era totalmente o oposto, sonhava com uma vida feita de grandeza e poder, porém, buscava isso de maneira obscura, errônea, enganosa e desleal.

 Apesar de seus propósitos serem bons, suas atitudes eram más. Queria a todo custo tornar-se rica, importante e ficar para sempre longe da origem humilde pela qual tanto sentia desprezo. Pensava em viver no conforto de uma boa casa, possuir todo o dinheiro que precisasse para comprar tudo aquilo que antes nunca pôde possuir, ser diferente, fugir para bem longe daquela família brega com quem viveu toda sua infância e adolescência.

— Nossa, mas que demora!

— Desculpe, princesa, tive uns contratempos

— Ainda bem que vem de carro porque se fosse de busão levaria um século para chegar até aqui e eu não iria perder mais tempo, esperando

— Deixe de irritação, já estou aqui, não é?

— Onde vai me levar? Não vamos voltar naquele maldito Zoológico? Já estou cansada de ver aqueles bichos imundos todo domingo

— Menina irritada, você, hem?

— Já você é lerdo demais pra conta!

— Olhe aqui, se está reclamando por até agora não ter levado você para conhecer meus pais sinto em lhe dizer que não é minha culpa, eles são muito ocupados

— Tá, então vamos ficar nessa de ir todo final de semana ver bichos fedorentos no Zoológico? Que merda!

— Não. Hoje vamos ao cinema

Ela não nasceu com a capacidade de amar, via esse sentimento com desprezo e ironizava ao ver pessoas apaixonadas. Seu propósito em namorar aquele jovem rico era simplesmente na intenção de que pudessem se casar e garantir o futuro. Afinal, ele era o único herdeiro de uma grande fortuna, se tornaria o dono de todos os bens da família após a morte do pai, um grande empresário com importante nome no mundo dos negócios. Sua ambição não tinha limites.

Graças a extrema beleza que lhe era peculiar acabou por conquistar o coração de Vinícius, que mesmo pertencendo a Elite estudava na mesma escola que ela, numa época em que a rede pública de ensino deste país era mais conceituada que a particular. Entretanto, era visível o contraste existente entre os dois.

Pois, se por um lado ele buscava viver uma grande história de amor, do outro ela queria apenas tirar proveito naquela relação

— Você me traz para a droga desse cinema e nem me deixa ver o filme, ficou o tempo todo me beijando!

— Mas esse era o plano meu bem, beijar no escurinho do cinema

— Plano uma ova, se queria ficar me amassando a gente devia ir logo de uma vez pro motel!

— Lá vem você novamente com esse papo

— Vem cá, Cara, você por acaso é gay? Poxa, todas as minhas amigas já transam só eu estou encalhada!

— Às vezes me pergunto como uma garota da sua idade vive convidando o namorado pra transar, quando o óbvio seria que eu fizesse essa proposta a você.

— Verdade, é mesmo estranho que o Cara com quem namoro seja assim tão molenga!

— Você não existe...

— Quer saber, me deixa lá na minha rua que é melhor, já vi que desse mato não sai coelho!

Enquanto Nathália era grosseira e só se expressava gritando, Vinícius Sales era um jovem metódico, respeitador, voltado aos princípios herdados da educação recebida dos pais, pertencente a uma família cristã ortodoxa, daquelas que ensinam aos filhos o oposto daquilo que os demais jovens vivem lá fora, como a liberdade sexual e as irresponsabilidades características da mocidade sem freio. Tinha como regra o compromisso com a santidade do corpo, nunca praticando o sexo fora do casamento.

    Ela tinha profundo entendimento sobre o assunto, pois sua tia Marta era evangélica e lhe explicou os pormenores da religião. Assim, vivia incitando o namorado a ir pra cama afim de poder engravidar e forçar um compromisso mais sério. Entendia que por ser defensor dos conceitos morais jamais abandonaria uma mulher grávida de um filho seu. Mas, para seu descontentamento ele se recusava a ceder a seus insistentes apelos.

Havia momentos em que lhe faltava a paciência ao ter que lidar com tamanha lentidão, dele não agir como um macho de verdade, indo logo ao ponto. Entretanto, as expectativas quanto a isso estariam bem longe de se concretizar, pois o rapaz era completamente avesso à prática do sexo de maneira irresponsável.

— Hum, de carrão com namorado chique, hem?

— Tira o olho, vizinha, inveja mata!

— Sei não, Pedro, mas essa aí vai ser a vergonha dessa família, tá na cara que vai virar puta. Isso se já não for!

— E por acaso isso é da tua conta, mulher? Vá se preocupar com a nossa filha, isso sim!

— Ei, alto lá, viu? Minha Brenda é uma menina de ouro, vive com a cara enfiada nos livros e ainda vai nos dá muito orgulho. Tá bem longe de se parecer com essa aí, Deus que me livre!

Morando num bairro pobre, localizado na periferia da cidade e aparecer de repente acompanhada de um bacana, desfilando num carro do ano, não poderia dá em outra coisa senão cair na boca dos fofoqueiros de plantão, ganhando de saldo o título de prostituta.

— E então, que tal o encontro?

— Uma tremenda droga!

— Misericórdia, mas nada presta nessa vida pra você, minha irmã?

— E lá tenho culpa se as coisas nunca dão certo pra mim, Chris?

— Não fale bobagens, onde que existe por aqui outra garota na sua idade que tem a sorte de namorar um rapaz de família rica como aquele?

— Tremendo molenga, isso sim. Acho que nunca vou conhecer seus pais!

Dias depois daquela conversa aproximava-se o sétimo mês daquele ano, período onde entrariam de férias e uma viagem pro interior seria ideal para fugir da rotina dos centros urbanos. Como de costume o rapaz teria que acompanhar seus familiares e seria o momento ideal para apresentar a nova namorada aos pais.

 Porém ele temia que ela não fosse facilmente aceita, visto ser de nível social inferior ao dele.

— E será que ele vai te levar junto nesse passeio?

— Lógico que sim, sua boba, porque não levaria?

— Ei, acorda mulher, tu não passas de uma favelada!

— Não precisa humilhar, viu?

— Não é essa a minha intenção, mas encarar a realidade de vez em quando evita certas decepções, esse rapaz está apaixonado  pela tua beleza física sem levar em conta a diferença social que existe entre vocês, minha irmã, mas não se iluda quanto ao que poderá acontecer  depois       que isso vier a ser revelado aos pais dele

— Pelo que me falou a família dele é evangélica e sem preconceitos quanto à diferença social das pessoas. Portanto, acho que vão me aceitar numa boa

— Maninha, o coração de um homem pode ser conquistado com um corpinho lindo, mas seus familiares não serão influenciados por sua carinha de anjo

— Droga, Chris, dá uma força ao invés de ser do contra!

— Desculpe se pareço pessimista demais, acontece que não acredito em contos de fadas, tenho a cabeça no lugar e meus pés no chão

— Eu, hem, vai pra lá urubu!

Não adiantava quem quer que fosse tentar mudar a forma de pensar e agir de Nathália.

 A adolescente estava mesmo decidida a concretizar sua ambição e se tornar uma mulher bastante influente na sociedade de sua época.

Como não teve um berço esplendido buscava em Vinícius essa possibilidade.

Claro não ser tola o bastante para não perceber o imenso abismo existente entre ela e a realidade na qual se encontrava, o namorado vinha de uma base social extremamente alta em relação a sua, mas tinha um trunfo nas mãos, ele tinha caído de quatro diante de sua imensa beleza e em pouco tempo não seria mais preciso ficar catando moedas em casa para comprar um hamburguer no carro de lanches de seu tio Chico, no início da rua.

— Pai, me dá uns trocados para merendar lá no tio!

— Mas todo dia é isso, minha filha, você não comeu nada hoje?

— Almocei, mas não quero o jantar, é a mesma coisa sempre!

— Essa aí tem espírito de grandeza, pai, só gosta do que é bom

— Vai morrer pra lá, Chris!

— Parem com essa arenga agorinha mesmo!

— É essa intelectual que não se cansa de pegar no meu pé!

— Aí, sua grossa, dá para falar um pouco mais baixo? Só sabe se expressar gritando

— Vai te danar, eu falo como quiser!

— Já mandei as duas pararem com essa briga!

— Não estamos brigando, mãe, é que Nathália só sabe gritar

— Tanto faz, parem com isso agora mesmo! E você, homem, fica aí no meio dessa confusão calado e não serve nem pra m****r as duas se calarem?

— Eu falei, mas elas nunca me ouvem...

— Falou nada, parece um morto vivo!

 Homenzinho inútil, esse com quem me casei!

— Não fala assim de papai, mãe!

— Defende ele porque vive te comprando com esses trocados

— Deixa disso, mulher, nada a ver! E então meu velho, vai me pagar um lanche ou não?

— Tudo bem, vamos lá

Dióstenes era um homem pacato, sua inércia era tanta que tinha até preguiça de falar. Luiza, a esposa, costumava dizer que só começaram a namorar e se casaram porque ela tomou todas as iniciativas necessárias, caso contrário nada teria acontecido.

Tinha boa aparência, era um esposo e pai presente, carinhosos, atencioso e sabia ouvir todos quanto o procuravam para seus desabafos, talvez por essas qualidades conquistou o amor e a atenção da família que formou, apesar da inevitável pobreza em que viviam. Cada um de seus filhos herdaram parte de suas características: Nathália, apesar de ter maior semelhança da mãe ao falar gritando, ser ambiciosa e tudo fazer visando algum benefício próprio, trazia do pai a determinação, nunca desistia de seus propósitos.

Cristina ficou com grande parte da inteligência, pois ele era um homem com vários atributos profissionais, exercia diversas profissões que lhe permitiam nunca ficar desempregado, apesar de sempre ganhar pouco em troca de seus esforços.

Nathan, o filho caçula, desde cedo aprendeu o ofício da mecânica e aos dezesseis anos já trabalhava na oficina de Seu Dantas, um conhecido mecânico do bairro.

Naquele final de tarde, como de costume, pai e filha foram lanchar juntos. Colocar em dias as novidades do dia.

 Nathália tinha toda a liberdade de se abrir e revelar a Dióstenes tudo o que estava vivendo na sua insistente missão de se dar bem na vida, apesar de as vezes ter que ouvir certos sermões para seu próprio bem

— Não sou contra sua vontade de melhorar de vida, minha filha, até concordo que busque sair desse marasmo em que nos encontramos e mude para melhor, pois evoluir é sempre muito bom, porém com certas medidas em tudo o que fazemos

— Como assim, pai?

— Nunca dê um passo além do tamanho de sua perna, ou seja, planejar cada detalhe de nossas ações antes de tomar certas decisões é fundamental para sairmos vitoriosos

— Entendi

— Há um grande abismo entre nós e nossos sonhos, nem sempre será fácil atravessar o rio de obstáculos que nos separa dos nossos objetivos sem que antes corramos o risco de nos afogarmos e é exatamente nesse momento crucial que devemos estar preparados para não naufragar e chegarmos inteiros do outro lado

— E o que fazer para evitarmos esse naufrágio?

— Muita cautela!

Nunca se arrisque além da capacidade que sabe ter de contornar cada situação, que certamente irá surgir durante sua caminhada

— E como saber se estarei pronta para compreender todas essas coisas, antes de confrontá-las no futuro?

— Uma pergunta bastante inteligente, minha menina, é aí onde será de grande importância a maturidade em tudo o que decidir fazer.

E como amadurecer na vida, quando não passamos de adolescentes nada sabemos do amanhã. Saber ouvir e ter humildade para colocar em prática tudo o que os mais experientes nos ensinam é o primeiro passo.

— Poxa, pai, como o senhor é inteligente! Sinto muito orgulho de ser sua filha

— Primeira e mais importante lição para sua caminhada em direção ao futuro que lhe aguarda, minha pequena, nunca admire as qualidades alheias. Antes, busque conhecer profundamente suas próprias qualidades e procure coloca-las em prática. Não perca tempo na vida, admirando a importância das outras pessoas, mas se esforce para externar as suas e ao invés de ser fã de alguém conquiste seus próprios seguidores

—Nossa, meu velho, quanta sabedoria!

— O que foi que acabei de lhe ensinar? Pare de admirar as qualidades alheias e comece a explorar as suas!

— Tá certo. Pai, começarei a fazer isso!

— Então comece agora, a partir desse momento

— Certo, farei isso!

— E aí, Dióstenes, como vão as coisas?

— A mesma rotina de sempre...

Os dois irmãos passaram a conversar sobre suas vidinhas limitadas enquanto a adolescente permaneceu sentada à mesa, saboreando o delicioso lanche, aproveitando para refletir nas palavras do pai.

Considerando todo o ensinamento que dele aprendeu naquele início de noite. Era, sem a menor sombra de dúvida, um grande privilégio ser filha de um homem com tamanho conhecimento, não suportava a existência medíocre que ele parecia estar conformado.

Bem como todo o restante de seus familiares, mas o admirava por tudo o quanto era capaz de lhe ensinar.

— Pai, vamos!

— Sim, meu anjo

—Minha benção tio!

— Deus te abençoe, princesa, até amanhã

O s dias se passavam e a alma de Nathália se angustiava ao perceber que nada de novo acontecia, era a mesma rotina de sempre, até que a vizinha lhe traz uma novidade naquela manhã.

— Telefone pra você menina, o rapaz parece apressado!

Ao atender o telefonema recebe a melhor notícia da sua vida e dá um pulo de alegria. Era Vinícius, confirmando sua ida junto a ele ao passeio de férias que faria com a família. Aos poucos tudo parecia estar se encaixando.

— Aiii Dona Maria, vou viajar!

— Que bom, menina Nathália, divirta-se!

Maria adorava Nathália, apesar de ser mole para ajudá-la nos serviços domésticos. Desejava imensamente que um dia ela e seu único filho se entendessem, passassem a namorar. Queria tê-la como nora, mas parecia ser algo impossível, pois a menina sonhava alto.

 Buscava namorados em lugares bem distantes dali. Ela retorna para casa reluzente e desperta a curiosidade da irmã, sempre alerta para tudo o que lhe acontecia.

— E então, maninha, quem te ligou, o branquelo rico?

—  Ele mesmo!

— Com certeza para te levar novamente ao zoológico

— Não, sua invejosa, dessa vez vamos viajar pra um sitio que ele e a família possuem no interior, vou passar minhas férias tomando banho de igarapé numa boa

Nathália estava feliz por perceber que finalmente iria ter a chance de conhecer aos futuros sogros, mas o que não sabia era que eles estavam alheios sobre sua existência, pois o namorado nunca mencionou sobre a relação deles. No Final de tudo não passaria de mais uma das várias amigas do playboy. Para não causar qualquer inconveniente o rapaz levou a moça ao shopping e lhe providenciou roupas e calçados novos, tudo para que sua origem humilde não fosse imediatamente percebida por seus pais.

A viagem se deu num final de semana e uma quantidade enorme de pessoas ocuparam um luxuoso ônibus que transportou a todos para o sítio Rio dos Vales, de propriedade da riquíssima família.

 Muitos outros jovens do colégio Gonsalves Dias, onde Vinícius estudava também foram convidados a participar do passeio, tudo para que a presença da favelada não fosse vista com grande importância.

— Não sabia que vinha essa galera toda com a gente, pensei que você havia me convidado para essa viagem no objetivo de ser apresentada a seus pais!

— Não, primeiro vou tentar aproximar você de minha família e, no momento mais oportuno, falo a eles sobre nosso namoro

—Já entendi, está com medo que eles não me aceitem só porque sou uma pobretona, não é?

— Não é nada disso, meu bem, é que essas coisas são complicadas, precisam ser bem elaboradas antes de colocar em prática

— Não vejo complicação alguma, Vinícius, basta chegar com seus pais e dizer que sou sua namorada!

— Você não entende...

— Não tem o que entender.

Se não está com vergonha de mim pelo fato de ser pobre me dê outra explicação para esse mistério todo! Poxa, fiquei feliz da vida, quando me convidou para vir nessa viagem, pensei que já tinha falado de mim pros seus pais e eles queriam me conhecer. Ao chegar aqui encontro todos os colegas da escola e passo a ser vista apenas como mais uma de suas amigas no meio dessa multidão!

—Você mesma reclamou que eu a mantinha distante de meus familiares, então tive a ideia de trazê-la comigo, agora reclama?

— Acontece que eu não queria estar aqui na condição de sua amiguinha da escola e sim como sua namorada!

— Mas todos aqui sabem que namoramos

— Sim, os colegas da escola, mas sua família sequer sonha com essa possibilidade!

Ao chegarem no local ficaram à vontade para se divertirem.

Havia um belíssimo igarapé com águas cristalinas, muitas arvores frutíferas e um amplo campo de futebol. Porém, durante toda a semana Vinícius manteve-se estranho e evitava ser visto por seus familiares ao lado da moça, que reagia indignada com a situação.

— Porque você se mantém assim distante de mim, Vinícius.

Só quer ficar comigo às escondidas, por detrás das arvores ou em locais onde não podemos ser vistos, por acaso está com vergonha de mim?

 Não é nada disso, meu bem, impressão sua

— Impressão uma pinoia! Você passa o tempo inteiro com seus amiguinhos e eu fico de escanteio, só vem falar comigo quando bem acha conveniente, estamos aqui a dias e ainda não me apresentou a seus pais. Qual é a tua afinal, vai ou não falar a eles que estamos namorando?

— Que saco, menina, pare com tanta pressa?

— Pois olhe aqui, seu medroso, se é covarde ao ponto de não conseguir falar pra eles que estamos juntos eu falarei!

— Tá louca, menina, nem pense nisso!

— Vinícius vou te dá um ultimato: Ou você assume de uma vez nossa relação diante de todos aqui ou estará tudo acabado entre nós, te decide!

— Santo Deus, mas que guria terrível!

Nathália encerra aquela conversa decidida a colocar um ponto final no namoro se o rapaz não tomasse uma decisão definitiva quanto ao caso, ela queria ser reconhecida como parte da importante família. Havia entre os rapazes ali presentes um que vivia encarando a linda adolescente.

Poderia ser sua grande chance de encostá-lo na parede e conseguisse despertá-lo para tomar uma decisão mais rapidamente.

Ela viu nisso a possibilidade de pressionar o namorado, causando-lhe ciúmes e passou a dá uma atenção especial ao novo pretendente, que não perdeu tempo e logo se aproximou daquela menina linda, de cabelos longos e olhos esverdeados. Ao perceber o clima entre os dois Vinícius ardeu em ciúmes e partiu para a violência contra aquele que flertava sua garota.

 Os dois travaram uma acirrada troca de socos e uma multidão de curiosos fizeram um círculo, enquanto os jovens se esmurravam. O espetáculo durou apenas alguns minutos e foi logo contido por alguns dos homens que faziam a segurança do local. Por serem pessoas importantes mantinham o lugar sob rigorosa vigilância. Em seguida os pais do rapaz quiseram explicações do porquê de sua atitude violenta, visto que nunca antes agiu de semelhante maneira.

— Pode começar a se explicar rapazinho, que violência foi essa?

— Verdade, meu filho, que aconteceu para agir dessa maneira com o pobre rapaz?

Nós nunca vimos você furioso desse jeito!

— Esse é um assunto que diz respeito apenas a mim e aquele imbecil, por favor fiquem de fora!

— Como é, rapaz? Nós somos seus pais e você nos deve explicações!

— Pai, será que a gente poderia conversar sobre isso outra hora? É que agora não estou em condições de lhes dar explicações

— Preste a atenção, Vinícius, amanhã mesmo reúna todos os seus amigos e volte o mais rápido possível pra Belém. Acabou o passeio, estamos entendidos?

— Droga!

O jovem se retira insatisfeito com a decisão tomada pelo pai, naquela noite ele e Nathália não se falaram, um clima ruim pairava sobre o casal. Na manhã seguinte todos já entravam no ônibus de volta para a cidade e eles permaneciam sem a menor comunicação. O silêncio durante a viagem de volta era rompido apenas pelo barulho do motor do veículo e pelo rasgar dos ventos que assobiavam na lateral das janelas entreabertas.

O que devia ter sido uma diversão terminou de forma violenta e desagradável. Mas tinha um ponto positivo em tudo aquilo, agora a adolescente havia despertado no namorado a certeza de que caso não se posicionasse diante da relação poderia perde-la. Virginia era uma das poucas garotas da escola com quem Nathália conversava e trocava confidências.

 Viajavam sentadas lado a lado e ela decide iniciar um diálogo com a amiga para entender o sentido de tudo o que aconteceu na tarde do dia anterior.

— Dá pra você me explicar o que diabos aconteceu ontem? — indagou enquanto a outra adolescente permanecia com o olhar fixo através da janela.

Como se estivesse perdida em seus pensamentos, bem longe dali — Porque você ficou flertando com aquele garoto se sabia que isso ia acabar em confusão?

O silêncio foi sua única resposta, então insiste com a pergunta

— Ei, dá pra responder, por favor?

— O que disse?

— Perguntei o que deu em você para fazer ciúmes ao Vinícius com aquele garoto, viu no que deu sua atitude inconsequente?

— Às vezes você fala igualzinho a minha irmã, cheia de razão!

— Fale baixo, não precisa que todos no ônibus escute nossa conversa

— Não sei falar baixinho como você!

— Pois tente porque já está na hora de se educar, afinal, se quer conquistar seu espaço na sociedade da qual pertence seu namorado é imprescindível que se eduque

— Me cansei de perder tempo com esse molenga.

Pensei que ele iria aproveitar essa viagem para me apresentar como namorada aos pais, porém essa nunca foi sua intenção. Se soubesse que ele iria me colocar numa posição de mais uma de suas amiguinhas do colégio nem teria vindo!

— Eu já disse que você está forçando demais a barra, querendo ser inclusa nessa família na marra

— O que não posso é perder tempo, preciso resolver minha vida logo de uma vez!

— Fale baixo, droga...

— Vai te danar, tá bom?

— Nossa, mas quanta estupidez numa pessoa só

— Se sabe que sou assim, estúpida, porque ainda insiste em conversar comigo?

— Sou sua amiga e amigos são assim mesmo, uns imbecis que vivem tentando ajudar os outros e levando bofetadas na cara

— Desculpa, vai, sou uma casca grossa mesmo!

— Nossa, você me pedindo desculpas?   Vai chover forte hoje...

As duas trocam risos e a viagem continua por mais uma hora, em seguida todos já estavam em terra firme, retornando a suas casas. Nathália decide ir com a amiga e passou o restante daquele dia em sua companhia, depois vai pra baixada encarar sua triste realidade de favelada. Quanto ao namorado, sequer sabia no que ia dar depois de toda aquela lastimável confusão, afinal, ele não quis mais papo com ela depois do ocorrido.  Mas tudo bem, não se arrependeria da atitude que tomou, pois era necessário pressionar o playboy, agora era esperar pra ver no que ia resultar tudo aquilo.

Os pais do jovem insistiam para que ele se explicasse.

— Vinícius, precisamos terminar aquela nossa conversa, eu e se pai precisamos entender o que aconteceu lá no sitio entre você e aquele rapaz

— Tá certo, mãe, eu explico. É que percebi ele dando em cima da minha garota e não me contive, parti pra violência

— Mas que garota é essa, meu filho, desde quando você tem namorada? Bem, pelo menos que nós saibamos

— O nome dela é Nathália, ainda não lhes tinha apresentado porque existem uns detalhes a serem expostos antes

— E como a conheceu se quase nunca sai de casa?

É alguma moça da nossa igreja, pertence ao nosso mesmo nível social, é filha de alguém que conhecemos ou faz parte daquele grupinho de amigos que você decidiu levar no passeio ao sítio?

— Não, pai, ela não pertence ao nosso círculo social e nem é filha de pessoas ricas ou importantes

— Jesus Cristo! Meu filho nós sempre lhe demos a melhor educação e lhe orientamos com quais tipos de mulheres queríamos que você se envolvesse

— Mãe, a senhora mesma disse que por sermos cristãos não devemos fazer acepção de pessoas, o preconceito não condiz com nossa fé

— Não misture as coisas, rapaz, não se trata de preconceitos com essa ou aquela pessoa, mas não podemos permitir que nosso único filho e herdeiro de toda nossa fortuna acabe caindo nas mãos de uma aproveitadora

— Então é isso, vocês não estão preocupados com meus sentimentos e sim com o dinheiro que possuem? E minha felicidade, onde fica?

— Seu pai está com toda razão, meu filho, não construímos todo esse patrimônio com tanto sacrifício para agora você desperdiçar com suas aventuras amorosas

— Aventuras? Mãe eu amo essa jovem e pretendo me casar com ela

— Nem pense em tamanha loucura, rapaz, isso nunca irá acontecer!

— O ditador de sempre, não é meu pai? Todos devem aceitar suas imposições sem discutir...

— Pense como quiser, mas não permitirei que cometa essa loucura

Nem que para isso tenha que manda-lo embora daqui para outro Estado ou até outro país!

Não criei filho para entregar nas mãos de pistoleiras como essas, pode ir tirando essa interesseira da cabeça. E ponto final, não se fala mais sobre esse assunto nesta casa! O jovem aprendeu desde cedo a respeitar as decisões de seus pais, mesmo quando elas não coincidiam com seus ideais, assim, calou-se e não levou a diante sua própria defesa.

 Ele conhecia bem a postura imperativa do pai e entendia ser perda de tempo tentar mudar suas opiniões sobre qualquer assunto. Porém, sua mãe com aquele jeitinho especial de esposa sempre conseguia domá-lo e precisava convencê-la a aceitar Nathália, assim haveria a esperança de conseguir sua inclusão na família.

Enquanto isso, na favela:

— Poxa, quer dizer que o playboy ficou roxo de ciúmes e armou o maior barraco?

— Pois é!

— Jamais podia imaginar que com toda aquela pinta de grã-fino ele descesse o nível e partisse pra violência!

— Pois desceu, isso prova que todos somos iguais. Ricos ou pobres, quando perdem as estribeiras cometem as mesmas loucuras. Será que ainda vai vir te procurar?

— Querem saber? Que se dane! Azar o dele se não vier!

— Minha filha, Deus escreve por linhas tortas e se por acaso o namoro de você com esse rapaz acabar é porque foi o melhor

— Obrigado, mãe, pois a senhora não é muito de apoiar minhas atitudes

— Foi erro de sua parte querer causar ciúmes no rapaz, então no mínimo deveria pedir desculpas

— Não vou rastejar, minha irmã, ele que se toque e venha atrás de mim. Avisei que se não oficializasse nosso namoro com os pais dele eu terminaria tudo!

— Bom, a cada cabeça uma sentença. Se pensa dessa forma, assim seja

— Pois vai ser desse jeitinho!

O mês das férias coincidia com o forte verão da região Norte e nessa época do ano cessam as chuvas quase por completo, o clima esquenta e o calor torna-se quase insuportável. Nathália e a família foram várias vezes a praia e se divertiram como podia.

 Visto que o dinheiro sempre apertado mal deu para manter a casa e os trocados que sobraram foram usados para pagar as passagens do transporte coletivo e comer alguns lanches baratos que eram vendidos por lá.

Apesar de manter uma postura firme quanto a ideia de que não estaria preocupada com a permanente ausência do namorado, no fundo a moça estava extremamente preocupada e algumas vezes pensou de ligar para o rapaz em busca de uma explicação que lhe permitisse concluir se ainda iriam continuar juntos ou não. Entretanto, se manteve firme na posição de mulher inflexível e fiel ao seu propósito de não se humilhar ao namorado, como disse que faria.

Apesar de ser uma favelada precisava ter um mínimo de dignidade, não iria rastejar. Findou o mês de Julho e na semana seguinte retornaria as aulas na esperança de poder rever Vinícius na escola, chegou a hora da verdade, ali seria revelado seu destino.

O primeiro dia do mês de Agosto começou debaixo de uma forte chuva, findou o verão e recomeçava a rotina do inverno que geralmente durava os onze meses do ano. Estudar na parte da manhã tinha suas desvantagens numa região onde se acorda sob fortes tempestades. Saia sempre na companhia do pai que ia cedo pro trabalho e garantia sua segurança.

Naquela segunda feira os dois se reencontrariam depois de quase trinta dias sem se verem. Chegando à escola a primeira pessoa com quem manteve contato foi Virginia, sempre interessada nas novidades.

— Oi, amiga, finalmente de volta às aulas

— De volta ao sacrifício, isso sim!

— Sempre reclamando da vida...

— Sabe muito bem que detesto estudar!

— Acontece que sem estudo não há futuro garantido pra ninguém, minha amiga, precisamos estar bem preparadas para encarar o mercado de trabalho

— É mais fácil ficar rica e não precisar trabalhar!

— Ah, sempre sonhando!

— Não é sonho, ainda vou me dá bem na vida e vou te mostrar que com bastante dinheiro vou ter muitos empregados, ao invés de ter que suar a blusa!

— Sei, e como pretende conseguir tanto dinheiro, ganhando na Mega Sena?

— Que nada, boba, vou descolar um casamento milionário!

— Sério? Bom, só se for com outro ricaço, porque com o Vinícius acho pouco provável depois do que aprontou no passeio. Olha ele ali de papo com a Rafaela, parecem bem íntimos

— Onde?

Os dois jovens conversavam animadamente, apesar dos fortes respingos da chuva matinal que insistia em cair, estavam a alguns metros de onde as adolescentes passavam em direção ao colégio.

Todos os demais que sabiam da relação entre eles e do ocorrido no sítio comentavam o fato dele estar de papo com outra e não com a namorada. Nathália ficou vermelha, num sentimento misturado com raiva e ciúmes. Confusa, apressou os passos.

 Ela adentrou o mais rápido possível para o interior da sala de aula afim de evitar que seus olhos continuassem a contemplar a cena que inexplicavelmente a incomodava, já que nunca teve a menor paixão pelo namorado. Virgínia percebeu sua aflição e não perdeu tempo, indagando como sempre.

— Nossa, amiga, que deu em você? Pensei que ia dar de cara no portão da escola de tanta pressa

— Claro, não vê que está chovendo?

— Deixa de papo, mulher, a gente vinha andando tranquilamente pela rua e foi só você ver o Vinícius de papo com a Rafaela saiu quase correndo

— Está enganada, pouco me importei com o que vi! Ele é que sabe, se quiser me trocar por aquela branquela aguada que fique com ela, não estou nem aí!

— Hum, sei...

O professor entra em sala e os quarenta alunos ali presentes fazem o devido silêncio para ouvir seus ensinamentos.

Era a aula que a adolescente inimiga dos estudos considerava mais chata. Detestava todas elas, mas as que envolviam números, cálculos e fórmulas eram ao seu ver as mais abomináveis.

— Ninguém merece...Matemática logo na primeira aula depois das férias?

— Psiu! Silêncio sua doida...

Vinícius e Nathália não permaneceram na mesma sala no segundo semestre, foram colocados em locais diferentes. Durante todo o tempo em que os professores ministravam as matérias em classe seus pensamentos estavam lá fora, voltados a descobrir onde o rapaz estaria.

 Num colégio imenso como aquele, era o maior da rede pública. Fazia planos de na hora do recreio sair à sua procura, contava os minutos para o intervalo.

Enquanto os demais alunos se esforçavam para acompanhar o entendimento das matérias em questão, ela dava pouca atenção a aula e permanecia de olhar fixo na porta, como se esperasse que de um momento para o outro ele pudesse surgir e convidá-la para conversar, fazerem as pazes. O que estaria acontecendo com ela? — Pensava enquanto rabiscava a página em branco do caderno — Estaria apaixonada pelo playboy?

Não, era impossível acreditar que naquela altura do campeonato fosse ser contagiada por um sentimento medíocre como aquele. Havia aceitado namorá-lo apenas no objetivo de arranjar um casamento milionário, se tornar uma mulher de muitas posses e sair daquela vidinha miserável lá da favela. Amor? Paixão? Que droga era aquilo que agora incomodava seu coração e sacodia sua alma todas as vezes que imaginava ele de papo com a branquela aguada?

— Ei, quer parar de ficar aí voando?

— O que foi?

— Você não está prestando atenção na aula, não escreveu nada no caderno, te liga menina. Desse jeito vai repetir de ano...

— Ah, depois pego do seu caderno!

Finalmente o recreio. Mal tocou a campainha e ela saiu apressada para o corredor da escola com seu olhar inquieto, buscando ver o jovem em alguma parte do amplo lugar. Caminhava à sua procura como se estivesse em busca de algo muito precioso, era a primeira vez que tinha interesse em revê-lo, nem quando estavam numa boa desejou tanto poder ficar frente a frente com ele.

Bastaram alguns minutos e o encontrou, porém não foi da maneira que esperava. Virgínia, que se manteve o tempo todo por perto tentou confortá-la.

— Sinto muito, amiga, mas acho que ele já está noutra

— Tudo bem...

Vinícius estava encostado da parede próximo ao jardim do colégio, dando uns amassos em Rafaela, uma jovem metidinha que fazia parte do grupo de ricaços e não se relacionavam com os mais humildes.

Apesar da rede pública naquela época englobar moças e rapazes de todas as classes sociais elas eram como o óleo sobre uma porção de água, não se misturavam.

Parecia que ele havia escolhido satisfazer a opinião dos pais e namorar uma mulher de nível social igual ao seu, rompendo com a linda jovem da favela. Ao término da aula ela retorna para casa completamente desmotivada, apesar das palavras de incentivo da amiga tagarela que não parava de tentar reanima-la.

— Não sei porque você ficou assim, tão pra baixo, me disse que não amava ele.

— Eu nunca amei ninguém, nem faço ideia do que possa ser esse tal de amor ou paixão!

— Então explica o porquê de estar assim, tão triste!?

— Sei lá... Até eu estou confusa, nunca tinha sentido isso antes

— Isso aí é amor, você gamou no playboy minha amiga

— Tá louca? Isso nunca!

— Gamou sim, e vou logo te avisando uma coisa muito séria...

— O quê?

— Você tá ferrada!

— Nem me fala...Se isso for verdade me lasquei toda!

— Pois é, porque ele agora tá noutra

— Quer saber? Que se dane!

As duas moravam no mesmo bairro e suas casas localizavam-se numa e noutra rua, ou seja, seus quintais eram um só, separados apenas por velho cercado de madeira. Depois de um almoço feito à base de feijão, arroz e peixe seco com açaí, as duas costumavam sentar debaixo de um enorme jambeiro, para comer dos frutos maduros e desabafar suas frustrações.

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