As grades frias da prisão nunca deixavam de me causar um arrepio, não importava quantas vezes eu fosse vê minha mãe, mesmo ela não merecendo minha compaixão. O barulho do portão se fechando atrás de mim ecoava como um aviso sombrio. Hoje, porém, eu trazia algo que sabia que transformaria esse encontro em um campo de batalha emocional.Minha mãe estava sentada na sala de visitas, os olhos fixos na mesa à sua frente, como se evitasse ver o mundo ao seu redor. Quando me aproximei, ela levantou o olhar, e por um breve momento, vi um lampejo de esperança. Senti o peso do envelope em minha mão e inspirei fundo antes de me sentar.— O que é isso, Raila? — ela perguntou, franzindo o cenho ao notar minha hesitação.— Um documento. — respondi, tentando manter a voz firme. — Papai pediu para eu trazer.Coloquei o envelope sobre a mesa, deslizando-o em sua direção. Ela pegou o papel com cuidado, como se temesse que ele queimasse suas mãos. Quando abriu e viu o conteúdo, sua expressão mudou. Prime
Eu sabia que aquele dia seria o marco de uma nova etapa na minha vida, mas isso não tornava as coisas menos difíceis. Sentada na sala de estar da casa dos meus avós, olhei ao redor e percebi o quanto aquele ambiente carregava anos de histórias. Meu avô, com a postura sempre ereta, estava em sua poltrona favorita, enquanto minha avó mexia em um bordado com as mãos ágeis. Meu pai e minha tia Marta estavam no sofá, ambos com expressões de apoio, mas também de preocupação.— Então é isso mesmo que você quer, Raila? — perguntou meu pai, quebrando o silêncio.Assenti, sentindo o peso da decisão. Eu tinha vendido a empresa. Aquela que meus avós tinham construído com tanto esforço, mas que, nos últimos anos, tinha se tornado um fardo insuportável para mim, mesmo não querendo admitir antes. Não era mais minha paixão, e, depois de tudo o que aconteceu, eu não conseguia sequer entrar no prédio sem sentir um aperto no peito por saber que Miguel mexeu em cada canto daquele lugar.— Quero, pai. Eu
Marcio MelloO céu estava limpo, um azul profundo que parecia se estender infinitamente. O vento soprava de leve, balançando a copa das árvores ao redor. Eu ajeitei a toalha xadrez sobre o gramado, cuidando para deixá-la esticada. A cesta ao lado estava cheia de coisas que eu sabia que a Raila adorava: morangos frescos, um pedaço de bolo de chocolate e suco de laranja. Tudo simples, mas pensado com carinho. Era o mínimo que eu podia fazer por ela depois de tudo que passamos nos últimos meses.Quando ela chegou, eu quase perdi o fôlego. Raila parecia mais radiante do que nunca. Seus cabelos brilhavam sob o sol e o sorriso, aquele sorriso, era como um bálsamo para todas as feridas que carregávamos.— Está lindo aqui. — disse ela, parando ao meu lado e olhando ao redor.— Não tanto quanto você. — respondi, sem conseguir segurar. Ela riu, aquele riso suave e sincero que eu tanto amava.Ela se sentou na toalha, e eu me ajeitei ao lado dela. Por um instante, ficamos em silêncio, apenas ouvi
Raila Salim Eu estava no mercado, empurrando o carrinho distraída, mergulhada nos pensamentos do dia a dia. Era uma tarde comum, de céu nublado, com aquele ar levemente abafado que anunciava chuva. Fui até o corredor dos biscoitos para pegar algo para o café da manhã. Enquanto escolhia entre as opções, senti uma presença estranha se aproximando.De início, ignorei. Talvez fosse só alguém procurando o mesmo produto. Contudo, a sensação de alerta persistia. Quando virei para o lado, vi um homem parado perto demais, fingindo olhar para as prateleiras. Tentei me afastar disfarçadamente, mas ele me seguiu. O coração acelerou. Não era paranoia; algo estava errado.Saí daquele corredor e fui para um mais movimentado, onde encontrei Marcio, que tinha ido buscar frutas. Ele percebeu meu semblante tenso na hora.— O que foi, Raila?— Acho que alguém tá me seguindo. Aquele cara ali. — sussurrei, apontando discretamente para o homem que agora fingia olhar para as verduras.Marcio franziu o cenho
Eu estava com o coração acelerado, minhas mãos um pouco suadas, mas o sorriso não saía do meu rosto. Era como se eu estivesse vivendo um sonho e, ao mesmo tempo, acordada. Marcio e eu... Era um daqueles momentos que você sente que tudo finalmente se encaixa, como se o universo tivesse feito uma pausa e dito: "Agora, é a sua vez."— Tia Marta, você não vai acreditar, eu estou tão... tão certa de tudo isso. — minha voz soava um pouco trêmula, mas a excitação estava clara.— Eu sei, minha querida. Eu sei. Estou feliz por ver que encontrou alguém que te faz tão bem. — a voz dela era suave, mas tinha uma firmeza que me dava uma sensação de acolhimento, como se ela estivesse me abraçando de longe.Respirei fundo, tentando processar tudo o que estava acontecendo. Eu não sentia mais medo. Não tinha mais dúvidas. Marcio me fazia sentir viva, me fazia ver o mundo com outros olhos. Como se, ao lado dele, eu pudesse conquistar tudo. Era algo tão profundo, tão intenso, que mal conseguia expressar
Marcio MelloEu estava nervoso, mas de um jeito bom. Aquele era o momento mais importante da minha vida, e eu sabia que não poderia deixar passar. Raila estava ali, ao meu lado, sorrindo como sempre, sem perceber o que eu tinha preparado. Eu a olhava e sentia uma felicidade imensa, uma certeza que não conseguia explicar totalmente. Eu a amava profundamente, e sabia que não havia mais ninguém com quem eu quisesse passar o resto dos meus dias.Convoquei as pessoas mais especiais da vida dela, queria que ela sentisse que aquele momento era único, rodeado de pessoas que a amavam tanto quanto eu. Meu irmão Diogo estava ali, sempre ao meu lado, como um apoio constante. A tia dela, Marta, foi uma das primeiras a confirmar que estaria presente. Eu não podia deixar de convidar o pai de Raila, um homem que me tratou com tanto respeito, e os avós dela, que sempre me acolheram com tanto carinho. Eu sabia que isso significava muito para ela.A noite estava calma, o cenário perfeito. Uma mesa elega
Raila Salim A casa estava quieta, a luz suave da tarde iluminava a sala e refletia nas paredes, ainda quentes do calor do dia. Olhei para Marcio, que estava sentado no sofá, com o rosto sereno, mas seus olhos brilhando como sempre. A minha tia Marta tinha acabado de nos oferecer o sítio para o casamento, e aquele gesto parecia ter nos envolvido em uma calmaria de gratidão e expectativas. Era como se, de repente, tudo estivesse se alinhando perfeitamente para nós.— Você está bem? — ele perguntou, sua voz suave, mas com um toque de curiosidade, como se soubesse o que estava se passando em minha mente.— Estou. Só... pensando em como tudo está acontecendo rápido. — respondi, deixando escapar um suspiro profundo. — a tia Marta foi tão generosa. O sítio é lindo e... acho que ainda não caiu a ficha. A gente sempre falou sobre um casamento simples, mas agora que tudo está se concretizando...Ele se inclinou para frente, colocando uma mão sobre a minha, que estava repousada na mesa de centr
O calor do dia parecia aumentar ainda mais a tensão que eu carregava no peito enquanto passava pela última porta do presídio. Minha mãe estava ali, do outro lado do vidro, com aquele olhar que já conhecia tão bem: um misto de preocupação e algo que eu nunca consegui decifrar completamente. Sentamos, e antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela colocou o envelope sobre a mesa entre nós.— Isso é para o seu pai. Entregue para ele. — a voz dela era seca, quase indiferente. O olhar, contudo, dizia algo a mais.Peguei o envelope, sentindo o peso invisível que ele carregava. Eu sabia o que era antes mesmo de perguntar, mas ainda assim, as palavras escaparam da minha boca.— É o divórcio, não é?Ela assentiu devagar, sem me encarar diretamente. Por um momento, senti a velha raiva querendo emergir, mas engoli em seco. Não era o momento para isso. Em vez disso, mudei de assunto, tentando aliviar o clima.— Vou casar, mãe.O olhar dela encontrou finalmente o meu, mas não havia o brilho de f