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A missão de Nahema

Nahema levantou lentamente quando anoiteceu, depois de Mamom arrancar as almas de dentro dela, ficou se sentindo imprestável. O bonito demônio que trabalhava na casa lhe serviu um coração quente,  não queria saber de quem era ou como chegou ali, o engoliu quase inteiro e assim que conseguiu, desapareceu para sua casa. Sabia que não foi bondade de Mamom o envio do “jantar”, Lily tinha um dedo nessa história. Só esperava que ela não tivesse se encrencado com ele por conta disso. 

Não era a primeira vez que desagradava ao Senhor, mas desta vez ele a deixou em frangalhos, seu erro nem foi assim tão grave. Mas as coletoras deveriam obedecer, e jamais questionar ou se intrometer. Já era difícil ser a única que nunca dormiu com ele, pensou que isso passaria com o tempo, toda vez que cometia um erro, ele a castigava, a punia ainda mais do que as outras. Como uma forma de lembrar sempre a ela, que deveria sofrer se não se curvasse. 

Tirou a autopiedade da cabeça e se vestiu, ia encontrar as meninas para acertarem todos os detalhes, a coleta seria feita na noite seguinte, hoje precisava ainda, antes da reunião com as meninas, entrar em contato com a fonte, um bispo mal intencionado, que dera todo o serviço sobre o velho e criminoso papa. E depois deveria encontrar o pai e passar informações, aguentava todo o tratamento que lhe dispensavam porque estava em missão, odiava se submeter a Mamom, aquele demônio inferior e obcecado por poder. 

Estava terminando de vestir a calça e o sutiã quando ouviu as batidas na porta de seu apartamento, o porteiro deveria interfonar para avisar, isso era estranho. Encostou o rosto na porta e focou o olho mágico, Lily sorria com seu ar irônico e sensual do outro lado. 

-Lily? - Pareceu realmente surpresa ao abrir a porta.

-Tem como você ser mais bonita, Nahema? - Mordeu o lábio e sorriu lhe dando um beijo na boca e entrando sem ser convidada.

-O que você quer? - A olhou desconfiada, fechou a porta e caminhou até o sofá onde Lily havia sentado confortavelmente. 

-É só uma visita rápida, sei que essa noite os preparativos serão intensos.

-Lily eu não posso deixar você participar disso, me desculpe, mas ele disse que você não estaria nessa missão.

-Eu sei, não vim para isso. - Respirou fundo e sorriu, agora sem ironia. - Como você está?

-Já me recuperei, o coração que me serviram era de algum psicopata ou estuprador, gostoso e revigorante. 

-Eu sei, pedi ao Damian que caprichasse no seu jantar. Seus cabelos já voltaram à cor natural, hoje você precisa comer novamente, e amanhã antes de iniciar a missão também, certo?

-Por que você está me ajudando? Ele vai se irritar com você, pode fazer alguma coisa…

-Ele não vai! - Lili levantou e acendeu um cigarro andando até a sacada do apartamento, muito maior e mais bonito do que o seu, decoração sofisticada, e uma vista melhor também. - Nahema, eu sei que vai parecer loucura, mas se precisasse do seu apoio, poderia contar com você?

-Meu apoio para que? - A olhou de lado, a filha de Lillith era misteriosa e arredia, e também ardilosa e desobediente, e todas sabiam ser a preferida de Mamom, se fizesse algo ele provavelmente não a puniria como as outras.

-Matar nosso chefe e assumir o controle de tudo. - Se virou para ela e sentou novamente em sua frente com o queixo erguido.

-Você é louca! Ou está me testando? - Como espiã, Nahema estava sempre com um pé atrás.

-Não estou testando você, e quanto a loucura, bem… - Deu de ombros sorrindo. 

-Eu gostaria que você saísse da minha casa por favor. - Levantou a encarando com os olhos assustados.

-Você não vai sequer me ouvir? - Lily não se moveu, apenas a olhou tranquila.

-Você sabe que podemos ser mortas, apenas por falar no assunto! Nem mesmo você seria poupada se Mamom descobrisse planos para acabar com ele!

-Nem mesmo eu? - Lily soltou uma gargalhada espontânea. Já tinha ouvido conversas, elas diziam que era a favorita, que era a única que já vivera na mesma casa que ele, a única que já tivera um relacionamento real com o Senhor. - Você não acha que eu sou privilegiada por já ter amado ele, acha?

-Não por tê-lo amado, mas por ele a amar.

Lily riu por um tempo, sacudiu a cabeça inconformada, elas realmente pensavam isso.

-Qual é Nahema! Ele nunca amou ninguém, a não ser ele mesmo. - Levantou indignada. - Você acha que ele me dá alguma vantagem sobre vocês? De verdade, pensa que tem alguma coisa boa em ser a foda da meia noite de um demônio imbecil e dominador!? - Passou a mão na testa e fechou os olhos, gritou a última frase com toda sua raiva. Se acalmou e sentou novamente, acendeu mais um cigarro e fez sinal para que a assustada demonia a sua frente sentasse também. - Ele quer casar comigo, quer que tenhamos um filho que devorará as almas de todos na terra, você conhece a profecia não é? - Nahema arregalou os olhos e Lily concordou triste, fechou os olhos suspirando e continuou. - Eu disse que sim, porque preciso que ele acredite em mim, vamos ao inferno muito em breve, ele quer que eu vá com ele. Que nosso casamento seja com as bênçãos do próprio Lúcifer, quer roubar almas e virar um fodão poderoso. Eu farei tudo isso, exceto a parte de procriar é claro. Provei uma alma ontem a noite, não apenas guardei, me alimentei com ela. Foi bom Nahema, doeu, mas foi muito bom… - Sorriu lembrando do poder que sentiu com aquela alma. - Eu preciso que ele confie em mim, e está dando certo, essa noite me mudo para a casa dele, e assim que vocês voltarem vamos ao inferno. 

-Por que você está me contando isso, Lily? Quer minha ajuda para matá-lo?

-Não, eu contei porque queria que confiasse em mim, ele fará todas as minhas vontades até se sentir seguro, até que me tenha para sempre. Ou até que eu tenha essa criança maldita, depois vai me descartar, como já fez antes. Eu preciso que você pegue a alma, e que a dê para mim, vou precisar dessa força para que possa acabar com ele.

-Não Lily! Ele vai me matar!

-Não vai, eu juro que não vai. Eu não vou deixar Nahema, ele vai me ouvir. Apenas guarde ela com você e me dê quando eu voltar. Atrase a missão, ele não poderá esperar mais do que um dia, arrume uma desculpa. Diga que o bispo precisou de um corretivo porque tentou enganar vocês, apenas espere, por favor!

Nahema a olhou ainda sem acreditar. Pensou no que ele faria com ela por uma falta como essa, e sentiu a dor antecipada das punições. 

-E se eu contasse a ele? Se saísse daqui agora e dissesse que você me procurou para conspirar contra ele. E que eu jamais faria isso, eu poderia até mesmo dormir, finalmente, com Mamom. Para convencê-lo de que minhas palavras são verdadeiras. - Estava avaliando Lily, queria saber qual o nível de confiança deveria ter nela.

-Neste caso Nahema, eu provavelmente seria morta, e ele seria eternamente grato a você. - Deu de ombros. - Claro, apesar de ser um dominador desgraçado, ele é ótimo na cama. Você ia adorar. Mas eu quero que pense em tudo o que ele já fez pra você, e tudo o que já viu ele fazendo as nossas irmãs, quero que se pergunte se quer realmente continuar subordinada a um ser como ele. Ou se prefere dividir igualmente um poder que a faria ainda mais forte. Vocês terão as almas que coletarem, eu terei as que coletar. Terei uma vantagem evidentemente, porque pegarei as almas dele, mais as que roubarmos no inferno. Mas posso garantir que não serei como ele, nunca. - Levantou e foi até a porta. - Pense no assunto, eu não preciso que me responda, vou saber quando você disser a ele que tem , ou não, a alma do Papa. 

Saiu dali deixando Nahema atordoada com a notícia, sequer falaram sobre contar para as outras! Deveria contar? Ou não? Ponderou sacudindo a cabeça, não contaria as colegas, mas teria informações quentes no encontro com seu pai. Andou de um lado para o outro nervosa, a hora da reunião estava chegando, tinha que se acalmar e agir como se nada estivesse acontecendo. 

Coordenaria as meninas, isso dava uma vantagem para ela, poderia dizer que não deu certo, ou que voltaria na noite seguinte. Assumiria a total responsabilidade e arcaria com as consequências, esperava realmente que Lily não o deixasse matá-la, mas não tinha esperanças quanto a quantidade de dor que sentiria. 

Foi ao encontro com a fonte e resolveu rapidamente, era certeza que o Papa estaria em seu quarto na noite seguinte, e pegou mais informações também, a lista de pecados era bem longa, as provas eram robustas, o bispo apenas deixou claro que não queria se envolver, seu cargo era importante, não queria ser comprometido. Outro pontífice viria, e ele queria manter seu status, e quem sabe? Talvez tivessem sorte com o próximo também, a recompensa era boa para ele, - uma grande quantia em dinheiro - e ainda mais para ela. Nahema achou que aquele era um homenzinho terrível, e que talvez sua alma fosse a próxima, mas não negava sua importância como fonte.

Quando chegou a reunião, estava mais calma. Ainda assim as meninas estranharam, estava bastante distante. Normalmente era compenetrada, não perdia nada e ninguém precisava explicar demais o que dizia. Mas nessa noite cometeu alguns deslizes, não entendeu algumas coisas e passou as instruções um pouco sem nexo para as colegas. Depois que se despediram foi beber com Empuza, era centrada e sincera, além de não esconder informações sobre o passado como as outras.

-O que você tem hoje? Tá nervosa com a missão? - Empuza a olhou séria como se a avaliasse.

-Não é isso, ontem falei o que não devia e o chefe resolveu pegar as almas de forma mais violenta. - Sorriu amarelo. - Acho que fiquei mais fraca do que o normal, mas amanhã estarei cem por cento, eu prometo.

-Ele é um cretino mesmo! E sempre desconta em você por não dormir com ele. Afinal, por que você nunca dormiu?

-Eu não gosto de homens Empuza, na verdade poucas mulheres me atraem, acho que prefiro as humanas.

-Eu também não gosto de homens! Mas ele é diferente, e na verdade até que faz tudo direitinho, no meu caso ao menos, foi gentil e não fez nada que eu não quisesse. - Deu de ombros. - Foi um sacrifício que fiz para que não me prejudicasse. E depois, ele só quer uma vez pra demonstrar poder garota! A única que ele quer sempre é a Lily.

-Você acha que ele a ama? - Precisava ser cuidadosa, Empuza era esperta, e não queria contar nada ou gerar desconfianças.

-Não! Acho que ele se ama, e gosta da forma como ela é na cama. Eu nunca experimentei, mas dizem que gosta de umas loucuras, sabe como é… Por que?

-Por nada, ontem quando ele fez a extração ela estava lá, chegou depois de mim. Tinham coisas para decidir, e foi ela quem me ajudou, mandou que o garoto me servisse um coração especial, fechou minha blusa e beijou minha testa. Enfim, foi gentil comigo.

-Ela é filha de Lillith, sempre vai ajudar uma irmã, o fato de te ajudar depois dele ter te maltratado é uma prova disso. Eu já vi ela se arriscar com ele por uma de nós, uma boa coletora que foi presa por ele, história antiga.

-O que aconteceu? - Pareceu curiosa, mas sem insistir. Bebeu despreocupadamente seu drink, era a mais nova das coletoras, não conhecia todas as histórias ainda.

-Ela, essa coletora que seria punida, cometeu um erro grave, mas era mais fraca do que as outras. Ele ia açoitar ela, disse que levaria 500 chibatadas, o que a partiria ao meio é claro, Lily disse que levaria a metade das chibatadas por ela, ele ficou maluco, porque Lily ainda vivia com ele na época. Mas ela estava irredutível, ele deu as 250 na garota, e também as 250 de Lily, a perdeu depois disso, evidentemente, apesar de ela sempre voltar para ele ao menos por uma noite. Ambas ficaram presas uma semana nas masmorras, sem comer nada. Quando saíram a outra foi dispensada, enviada novamente para o inferno. E Lily continuou, desde então ele nunca mais aplicou penas tão pesadas, mas ela ainda se mete nos assuntos dele, ainda protege todas que pode. Eu mesma já fui poupada na minha época, ela levou a culpa por um erro meu, e ficou presa mais um tempo nas masmorras, no fim das contas ele foi visitar ela uma noite e ela terminou a pena no quarto dele. - Torceu os lábios fazendo uma careta. 

-Então ela o ama? Se aceita ficar com ele mesmo depois de tudo o que ele fez.

-Não! Aquilo é diferente Nahema, eles são duas criaturas insaciáveis e pouco bondosas, ela é melhor do que ele, mas apenas com as mulheres como ela. As filhas de Lillith são todas assim. Sofreu com o relacionamento que tiveram e, por isso, sabe lidar com ele melhor do que qualquer outra, mas é uma boa demonia. Ela seria uma boa chefe! - Levantou o copo e sorriu piscando um olho confidente.

-Quem mais sabe Empuza? - Nahema a olhou surpresa.

-Sabe de que garota? Tá doida! - Levantou ainda sorrindo e foi embora, deixando a outra sozinha na mesa. 

Nahema também saiu do bar logo depois da colega, precisava se alimentar antes do encontro com o pai, andou despreocupada pelas ruas da grande cidade, apurou os ouvidos e sorriu fechando os olhos, gritos estridentes em algum ponto da cidade, cheirou o ar e desapareceu na direção do apartamento pequeno e sujo onde um homem bêbado gritava com uma mulher cheia de machucados. Sabia que a alma seria muito melhor do que o coração, mas não poderia pegar ela agora, não enquanto estivesse coletora. 

Se materializou e segurou a mão dele, não era uma justiceira, ia matar apenas porque seu coração teria um gosto incrível, a maldade, misturada ao medo que sentiria quando ela o levasse dali seriam muito saborosas. A mulher se livraria, e talvez até vivesse muito bem depois disso, mas não se importava, não era como Lily.

O levou para um parque arborizado e deserto, atirou o homem no chão e o olhou virando a cabeça de lado, depois piscou um olho e antes que ele pudesse falar qualquer coisa, arrancou seu coração o deixando atirado sobre folhagens, largou o líquido sobre o corpo depois que terminou, e fez o sinal que o faria queimar até que não sobrasse nada. 

Olhou o relógio e fez uma careta, ele não gostava de atrasos, e teria uma pequena viagem para fazer, precisava ir para casa e contar tudo o que sabia. Mas apesar de atrasada tinha certeza que, ao contar os planos de Lily e sua visita ao inferno, o faria esquecer de toda a espera.

-Você está atrasada. - Ele a olhou um pouco irritado, estava sentado atrás de sua escrivaninha na grande biblioteca.

-Tive alguns imprevistos, e precisei me alimentar, você sabe que caçar é mais difícil do que somente engolir almas, pai. - Sentou na frente dele cansada.

-O que você tem? Parece fraca… - A olhou de lado e levantou, contornando a mesa, colocou a mão em sua cabeça com carinho. - O que ele fez?

-Pegou as almas com mais força do que deveria, não foi nada demais. - Desviou a cabeça e fez uma expressão contrariada, não importava que tivesse mais de 300 anos, e que estivesse em missão, ele a tratava como uma criança indefesa.

-Ele vai pagar ainda minha filha, prometo isso a você.

-Ele vai realmente, mas acredito que o senhor não precisará cuidar dele. - Sorriu, prevendo a reação dele, e o orgulho que sentiria dela por trazer as informações. 

-De quem estamos falando?

-Lily foi até minha casa hoje, pediu apoio, não deverei entregar a alma do Papa para Mamom, mas a ela quando retornar, para que o mate. 

-Retornar? - Ele sentou novamente, a olhou sem conseguir esconder o sorriso.

-Ela virá com ele. - Fez uma pausa e observou o pai, raramente o via tão feliz. - Vão se casar aqui.

-Casar!? - Levantou se apoiando na mesa, ficou vermelho e cerrou os dentes. - Por que eles se casariam?

-Porque Mamom quer ter um filho com ela, cumprir a profecia. - O olhou apertando os olhos. - Por isso eu deveria espionar ela pai? Ela será a mãe do devorador?

-É claro que não! Mamom está alucinando, ele não terá o filho que dominará a terra, é um demônio fraco!

-Mas e ela? Pai, por acaso ela não?

-Não Nahema! Isso é uma bobagem, profecias, ora francamente minha filha!

-Se você diz. - Deu de ombros. - Não sei o que fazer pai, ela me pediu ajuda, e se eu a ajudar ele pode me matar. E pra ser honesta, não sei até onde ela iria com esse plano. eles tem alguma coisa, ficam juntos apesar de ela o odiar.

-Apenas não entregue a alma, deixe que eles se resolvam, quando ela retornar, se retornar, você decide se entrega a alma a ela ou se a devora você mesma.

-Se, retornar? Ela pode não retornar? Você vai acusar ela de traição? Não esqueça que eu devo a ela, não gostaria de ser a responsável por sua condenação, poucos dias após ela cuidar de mim quando estava fraca!

-Você está realizando um trabalho lá Nahema, eu pedi para me trazer informações sobre ela, este é seu trabalho, e você o está desempenhando muito bem. - Sorriu piscando um olho. - É claro que não vou prendê-la, ela é mais valiosa viva e livre, deixe que venham, se casem, - fez um gesto com a mão, enojado. - e depois eu lhe digo o que fazer. Você está liberada, deve pegar a alma do Papa, e não entregue a Mamom, deixe o resto comigo.

-Bem, talvez depois de não entregar a alma, não tenha como cuidar de mais nada. Ele provavelmente vai me matar, ou me machucar bastante, no mínimo. Ela disse que me ajudaria, mas não tenho certeza se consegue.

-Se ela disse que ajudaria, então ela vai. - Respirou fundo levantando novamente e abraçando a filha. - Você faz falta aqui minha menina, tudo é caótico quando não está por perto. - Beijou sua testa com carinho e sorriu.

-Então me diga, por que você me enviou? Você enviou demônios por muito tempo, eles falavam o mesmo que eu, mas você dizia que não eram de confiança, então eu fui, e gosto da terra, tem humanas disponíveis para todos os lados. - Sorriu piscando um olho. - Mas por que uma demônia mestiça, filha de Lillith é tão importante para você?

-Por que ela fará grandes coisas Nahema, matar Mamom é uma delas. As outras virão com o tempo, ela é importante, não é uma mestiça qualquer. 

Ela o olhou sem dizer nada, tentou decifrar seus olhos amarelos, mas não conseguiu. Ele se comportava de forma estranha quando falava em Lily, nunca o via daquela forma quando o assunto eram outros demônios e demônias. Era quase como se ele sentisse algo por ela, mas não, ele não era de sentir nada, tinha amantes, centenas delas, mas nenhuma parecia causar qualquer efeito. Talvez fosse apenas vontade de conhecer a filha de Lillith, talvez dormir com ela para ver como era, afinal, todos e todas diziam ser incrível, e ele gostava de coisas incríveis.

Ao mesmo tempo em que pensava isso, sabia que ele não era do tipo que desperdiçaria tempo, ou pessoal, em uma transa. Se fosse esse o caso, ele iria pessoalmente, seduziria ela e depois esqueceria de sua existência, era assim que fazia sempre. Lembrou de histórias, ele e Lillith talvez tivessem alguma coisa, será que Lily era sua irmã? Bem, a recomendação foi para que não dormisse com ela, e sabia que os outros demônios que enviara haviam feito isso, talvez ele não quisesse que a filha fosse promíscua. Não se metia muito na vida de nenhuma de suas filhas, nessa questão de relacionamentos. Talvez apenas não quisesse ser responsável por enviar demônios para a cama de sua filha, aquela que sequer conhecia.

Pensava tudo isso enquanto voltava para casa, não adiantaria, eram só suposições. Mas algo lhe dizia que em breve descobriria o que ele pretendia, realmente, com a tal Lily. 

...

Na noite seguinte passou as instruções finais às meninas, entraria com Empuza no Palácio Apostólico, as demais fariam apenas a ronda, e qualquer eventualidade entrariam, Empuza ficou na porta do quarto, e Nahema entrou para negociar com o velho racista. Era luxuoso, suntuoso o lar do santo padre, decoração antiquada, exagerada mesmo, dourado, vermelho e pompa, como tudo que cercava aquela religião.

-Boa noite Santidade… - Se aproximou da poltrona em que ele descansava sua idade avançada, lendo um livro.

-Quem é você? O que faz aqui?

-Digamos que eu sou uma amiga, alguém que veio lhe fazer uma proposta irrecusável! 

Sorriu para ele e sentou a sua frente, apoiando o tornozelo sobre o joelho, sentiu o cheiro do medo, aquele coração deveria ser muito saboroso, e a alma então? Suja, racista e conivente com todas aquelas maldades que seus colegas fizeram com aquelas crianças. Salivou e fechou os olhos, depois se recompôs, estava ali a trabalho.

-Você é o diabo? Veio para me tentar! Saia daqui agora, eu ordeno em nome de Jesus!!! - Ele levantou erguendo a cruz de seu pescoço.

Ela alargou o sorriso, coçou a cabeça e o olhou levantando as sobrancelhas, piscou um olho fazendo sinal para que sentasse novamente.

-Eu não sou O Diabo, mas uma de suas filhas preferidas. E acredite Santidade, a Deusa, ao contrário de meu pai, não o vê com bons olhos. - Acenou concordando para a surpresa dele. - Sim, ela é mulher, Lúcifer é homem, se serve de consolo. 

Ele levantou e correu até a porta, mas paralisou com a dor em seu peito. Nahema continuava sentada, expressão entediada e olhos revirados.

-Sente-se, vai acabar morrendo! Eu não vim para uma batalha épica, porque não seria épica, afinal você é um velho frágil, vim porque tenho uma proposta irrecusável.

Ele voltou lentamente, imaginava do que se tratava, aceitaria sua punição eterna, mas não queria o escárnio de todo o mundo, e não queria sua igreja ainda mais desacreditada do que já era.

No final, o trabalho de Nahema não foi difícil, ao contrário, foi mais fácil do que imaginava. O líder religioso aceitou a troca, uma aposentadoria com honras pela alma impura dele. Mesmo que fosse certo o paradeiro dele depois de morto, viver sem alma seria uma punição em vida, e não daria chances de se arrepender na última hora e ir para onde não deveria. Os humanos eram fracos, pensavam apenas nessa vida, mesmo os religiosos preferiam não sofrer humilhações, pobreza ou outros males na terra, ainda que para isso fossem condenados a uma eternidade de danação.

Saiu depois de algumas horas, encarou Empuza impassível e saíram de lá depressa. As demais não perguntaram nada, apenas acenaram afirmativamente com a cabeça e foram para o local de encontro combinado. Nahema as dispensou, disse que iria sozinha a casa de Mamom, Empuza foi com ela até a porta da casa e a abraçou antes que entrasse.

-Você já sabe o que fazer?

-Eu sei sim, talvez não seja assassinada, mas acredito que não nos veremos por algum tempo. - Sorriu resignada e entrou devagar, como uma condenada à forca.

Lily estava sentada com as pernas para cima lendo um livro na grande biblioteca, ouviu a campainha e fechou os olhos por um breve momento, mas não se moveu. Mamom sorriu, seus olhos brilhando animados. Era uma grande conquista, poderia esfregar na cara dos lordes, e receber os cumprimentos de Lúcifer como merecia. 

Nahema entrou muito séria e encarou Lily surpresa, como se não soubesse que ela estaria ali, depois baixou o corpo em uma reverência a Mamom.

-Nahema! Me deixou orgulhoso essa noite? - Ele sorria seguro.

-Senhor, infelizmente houve um imprevisto, o informante mentiu,  e o alvo não foi localizado em seus aposentos, esperei por bastante tempo, mas ele não apareceu.

Ele virou o rosto e espremeu os olhos, pareceu não entender as palavras dela, o choque foi momentâneo, mas intenso.

-Onde ele estava?

-Não sabemos, eu sinto muitíssimo senhor… - Baixou a cabeça fechando os olhos, e esperou o pior.

E aconteceu, Mamom voou sobre a mesa e agarrou seu pescoço com força, sua raiva nunca foi tão violenta como naquele momento. Nahema perdeu a consciência pouco depois de ouvir a voz de Lily gritando o nome dele. 

Acordou na casa de Abby, uma mansão murada e escondida no meio das montanhas, Mamom jamais a encontraria ali. Era um esconderijo para onde fugiam, Lily e Abby, quando queriam ficar longe do mundo, e dele principalmente. Resolveu ficar por ali e não se comunicar com o pai, ele entenderia. Foi ele mesmo quem garantiu para ela que Lily a salvaria, que ela estava em boas mãos confiando nela.

Lembrou novamente de suas desconfianças, se Lily fosse sua irmã, então talvez tê-la libertado de Mamom fosse quase instintivo. Se não fosse isso, não teria como entender essa confiança do pai nessa desconhecida, porque sabia que ela era uma desconhecida para ele, que nunca haviam se encontrado pessoalmente, ele perguntava coisas específicas sobre ela, coisas que denunciavam sua vontade de vê-la. Mas não questionava ordens, e passou a confiar em Lily também, o que as colegas falavam sobre ela ajudou nessa impressão.

Também começou a ter ideias diferentes das que tivera por toda sua existência, a respeito de poder, de igualdade para as demônias. Tudo porque Lily e as demais lhe abriram os olhos, lentamente, para um mundo que poderia ser diferente, melhor do que era.

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