01. SACRIFÍCIO

Raven

1 MÊS ANTES...

As lágrimas caíam dos meus olhos sem que eu conseguisse evitar, meus nós dos dedos estavam brancos de tanto apertar o lençol, tentando cobrir meu corpo machucado, enquanto a vergonha e o nojo de mim mesma me consumiam.

— Para de chorar como se eu tivesse te estuprado à força. Foi você quem veio com as próprias pernas se enfiar na minha cama.

— Já chega dessa atitude de mártir, você tá começando a me irritar — ouço aquela voz cínica, enquanto ele se veste aos pés da cama e me olha com aqueles olhos tão odiosos e desprezíveis.

— Então... minha irmã... você prometeu libertá-la... — digo, suplicante, enxugando as lágrimas que não param de cair, e o nó na minha garganta mal me deixa falar.

— Vamos ver isso depois — ele responde como se não fosse nada, mesmo depois de já ter me prometido que não a entregaria como oferenda, se eu finalmente cedesse ao seu assédio.

— Depois, não! Alfa, você prometeu que tiraria ela da seleção se eu... se eu me entregasse pra você... como pode voltar atrás com sua palavra agora? — começo a me levantar, com medo e desespero, segurando o lençol pra não expor meu corpo nu, enquanto caminho com passos trêmulos até ele.

Tudo me dói, mas o que mais dói é minha alma e meu próprio orgulho.

— Voltar atrás com a minha palavra? Olha como você fala, eu sou seu Alfa! — ele se virou com ferocidade pra me encarar.

— Eu disse que ia pensar no assunto se você fizesse um bom trabalho e me satisfizesse. Não te dei garantia nenhuma e, além disso, você realmente acha que fez bem?

Ele debochou, me olhando de cima a baixo, e o desespero e nojo dentro de mim só aumentaram.

— Eu sei que você era virgem e tudo mais, mas se jogar na cama dura que nem uma boneca não satisfaz homem nenhum, Raven.

— Mas talvez, da próxima vez, você faça melhor. Te espero aqui amanhã e, dependendo do seu desempenho, sua querida irmã pode até se livrar de ser um tributo — estendeu aquela mão nojenta pra tocar meu rosto, e toda a bile no meu estômago se revirou sem controle.

— Tá vendo? Esse tipo de olhar é o primeiro que você tem que mudar. Amanhã, aqui, e quero você mais disposta, ou arque com as consequências.

— Dessa vez eu vou relevar, só por causa da sua inexperiência, mas é melhor você se ligar... ou adeus pra sua irmãzinha.

Ele se virou pra sair, mas parou na porta.

— Ah! E limpa essa bagunça na cama, porque é claro que eu não vou dormir aí, com sangue e porra espalhados pra todo lado — e saiu batendo a porta.

Caí de joelhos e chorei. Chorei como nunca tinha chorado na vida, com a alma despedaçada, levando as mãos trêmulas ao rosto.

Me sentia suja por inteira, querendo morrer ali mesmo, naquele chão frio.

No que eu estava pensando quando aceitei esse maldito chantagem?

Depois do que pareceram séculos, consegui me levantar e fui, passo a passo, me apoiando na parede, até o banheiro onde me encarei num espelho enorme.

Meu cabelo castanho-claro todo embaraçado, meus olhos cor de mel, vermelhos e cheios de lágrimas, meus lábios mordidos e sangrando, o pescoço com uma marca roxa, todo meu corpo coberto de mordidas, mãos, hematomas e arranhões.

Quando tive coragem de olhar entre minhas pernas e vi tanto sangue dos rasgos e aquele líquido branco e turvo, vomitei na hora.

Vomitei na pia, segurando a barriga com a mão, curvando as costas, vomitei até o que eu nem tinha comido.

Já só saía uma substância amarelada, mas eu ainda sentia vontade de vomitar entre soluços.

Hoje eu perdi minha virgindade da forma mais vil e nojenta, com um homem cruel, que deveria proteger toda sua matilha, mas que só usava o poder que tinha pra se aproveitar de garotas inocentes como eu.

Tanto que eu resisti a isso... e no final, continuei sendo apenas uma marionete do destino.

Meu nome é Raven Greta, e fui salva por um dos guerreiros dessa matilha de lobisomens, a "Lagoa Azul", quando ainda era um bebê.

Esse guerreiro, que sempre considerei como um pai de coração, me deu um lar, com uma mãe e uma irmã mais nova.

Meus primeiros anos não foram ruins e, mesmo que tenha sido difícil ser aceita na matilha por ser uma forasteira, por respeito ao meu pai, ninguém se opunha à minha presença e, com o tempo, eu passei despercebida.

Mas tudo mudou quando o antigo Alfa morreu e o filho dele, o atual Alfa, assumiu o controle.

Desde então, minha vida só foi ladeira abaixo.

Meu pai foi enviado para uma missão da matilha, uma missão muito perigosa, da qual nunca voltou.

Poderiam ter mandado alguém mais jovem, mas todos sabiam que o atual Alfa queria se livrar dele.

Meu pai não concordava com muitos dos métodos de liderança dele e o criticava abertamente. Então, na primeira oportunidade que teve, se livrou do velho guerreiro, deixando uma família com três mulheres, sozinhas e desamparadas.

Sem um apoio forte, o Alfa da nossa matilha não hesitou em escolher minha irmã adotiva para a seleção de escravas do Rei Alfa.

Não importou o quanto imploramos. Ele não teve compaixão e apenas usou meu desespero para me chantagear, fazendo com que eu cedesse ao seu assédio doentio.

O Rei Alfa era um tirano completo, que sempre que dava na telha, exigia tributos das outras matilhas — fosse guerreiros fortes ou mulheres jovens e virgens, de preferência — para aquecerem sua cama. E depois, quando se cansava delas, as jogava para seus soldados ou vassalos como entretenimento descartável.

Essa vida de escravidão era pior do que a morte, por isso eu tinha feito de tudo para salvar minha irmã, até mesmo me vender para o Alfa da matilha como uma qualquer.

*****

Depois de me lavar um pouco e recolher os lençóis, onde ainda estava a prova de toda a minha vergonha, saí do quarto do Alfa e caminhei em silêncio, tentando não ser vista por ninguém.

Lobisomens têm um olfato muito sensível.

Era lógico que, se alguém me encontrasse, saberia na hora que eu tinha estado com o Alfa. E só o fato de eu saber o quão baixo tinha caído, já bastava.

Ouvi as vozes de algumas mulheres que passavam em direção à cozinha da casa central da matilha e escapei por uma porta dos fundos como uma criminosa, correndo com todas as minhas forças para a floresta.

Minha loba, recém-desperta — já que eu tinha completado dezoito anos há apenas algumas semanas — rosnava de raiva dentro de mim.

Claro que ela não concordava com a minha decisão de ceder à chantagem do Alfa, mas não havia mais nada que eu pudesse fazer.

Deixei que ela tomasse o controle, que todo o seu pelo cobrisse meu corpo, e minhas duas pernas se transformaram em quatro patas, porque eu já não queria mais pensar.

A dor no meu peito era tanta, que tudo o que eu desejava era mergulhar para sempre no meu mundo interior. Mas a Deusa não seria tão misericordiosa comigo.

Não sei por quanto tempo vaguei pelas terras ao redor da matilha.

Deixei Sena, minha loba, fazer o que quisesse — caçar, correr, fugir da minha triste realidade.

Mas um cheiro muito intenso me arrancou da minha autopiedade.

Uma essência deliciosa que nos atraiu até a margem do imenso lago que cercava nossa matilha.

Havia um homem lavando as mãos na beira da água cristalina e, de repente, ao nos aproximarmos, vi quando ele ergueu a cabeça e farejou o ar.

Meu coração começou a bater como um tambor de alegria — era ele. Marco tinha voltado da missão e, no fim das contas, ele realmente era o meu…

“Companheiro! Meu mate!”, confirmou minha loba com euforia, querendo se aproximar do seu parceiro destinado.

— Raven, é você? — ele se levantou da posição agachada e veio na minha direção, com um sorriso surpreso no rosto. Ele nunca tinha visto minha loba.

— É você! E é meu par! Eu sabia, pequena! Eu te disse que a gente seria um casal! Você não imagina a falta que me fez! Terminei a missão antes do tempo só pra...!

Mas ele parou de se aproximar quando estávamos a poucos passos. E eu estava tão feliz e surpresa que tinha esquecido de um detalhe muito importante — Marco também percebeu.

Eu já não era mais a Raven que ele tinha deixado meses atrás. Aquela garota inocente que tinha se beijado com ele debaixo de uma árvore com a promessa de esperá-lo, de nos tornarmos um casal quando eu completasse dezoito anos, mesmo que não fôssemos destinados.

Essa Raven morreu hoje, naquela cama, quando foi forçada a entregar sua inocência em troca de uma promessa que nem sequer foi cumprida.

— Você... por que tá cheirando ao Alfa? — seus olhos se arregalaram de surpresa, mas logo a compreensão o atingiu, e eu vi quando ele deu um passo para trás, me olhando com raiva contida e incredulidade.

“Marco, eu... me desculpa. Me desculpa tanto. Eu tava tão desesperada! Eu te esperei, juro que teria te esperado pra sempre. Mas então veio a seleção, e escolheram minha irmã pra ser tributo. Eu tava desesperada!” — comecei a tentar explicar através do vínculo, entre súplicas e pedidos.

— Muda pra sua forma humana — ele ordenou, com um tom de voz gelado que nunca tinha usado comigo.

Marco era filho do Beta da matilha e o futuro herdeiro dessa posição. Mas mesmo agora, já era indiscutivelmente um dos guerreiros mais fortes que tínhamos.

“Eu não quero mudar. Podemos conversar assim...” — olhei pra ele suplicante pelos olhos da minha loba, que tentava se aproximar do seu lobo, mas ele não deixava.

— Mude pra sua forma humana de uma maldit4 vez! — ele gritou, me fazendo estremecer de medo.

Eu estava na base mais baixa da hierarquia, era muito difícil resistir a uma ordem direta de Marco. Então, meu corpo — esse que agora me envergonhava profundamente — ficou exposto ao seu olhar atento.

Me vi ajoelhada no chão, nua, cobrindo a frente com os braços, cabeça baixa, tremendo, com o frio interno me consumindo e desejando com todas as forças poder desaparecer, só pra não ter que passar por esse momento.

— Ele te forçou? Foi à força? — ele perguntou com os dentes cerrados, destilando ódio em cada sílaba.

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