MILENA CHRISTIAN
O vento carrega consigo uma temperatura úmida e morna, fazendo os meus cabelos esvoaçarem com a brisa. A paisagem se vangloria em tons de laranja, amarelo e vermelho, tornando a época extremamente agradável e bela.
Memórias distantes fazem-me afirmar sempre que outono é minha época preferida do ano, nem sequer a primavera e nem mesmo o inverno tem o mesmo encanto que o outono.
E, ao mesmo tempo, doces e velhas lembranças tomam a minha mente em nostalgias leves, que de certa forma me fazem sorrir.
O que considero extremamente inapropriado agora.
Suspiro e fecho a janela de vidro, notando que algumas folhas úmidas entraram no cômodo quente e pousam na carpete bege que toma todo o piso da sala.
Sento na mesa, e o álbum de fotos aberto descansa ao lado do envelope na mesa de escritório — como se fosse apenas um objeto, se é que ele não passasse apenas disso — ou pelo menos deveria.
Suspiro e passo os dedos, delicadamente, sobre a peça dourada que adorna o meu dedo anelar, e embora eu me arrependa amargamente por continuar com ele, eu não posso evitar o sentimento de solidão que manifesta no meu coração sempre que eu o retiro.
E mesmo que o tal sentimento não seja nenhuma novidade para mim, e sendo que já se passaram dois anos, eu imaginava que já o havia ultrapassado.
Eu repetia como um mantra para mim, me torturando uma e outra vez.
Mas agora é diferente, apesar de tudo eu ainda esperava o dia em que finalmente voltaríamos ser uma família normal, que ele fosse mais...
Fecho os olhos e também duramente o álbum de fotos.
Toques são dados na porta de repente e em seguida aberta pela Sra. Bunion.
Os seus cabelos estão presos num coque formal e veste no seu corpo um terno com saia de cinza opaco — como sempre —.
A sua afeição está relaxada, mas a postura rígida como sempre evidencia a sua classe e autoridade.
Com certeza não é um bom momento para você entrar aqui, Elisabeth.
— Srta. Christian, imaginei que estivesse de folga hoje — disse e fechou a porta, caminhando até a janela, ela olhou demoradamente para a paisagem oferecida pelo bom posicionamento da minha sala. — Por que não veio ter ao meu gabinete quando ouviu a minha convocação?
— Perdão, Sra. Bunion, eu estou um pouco ocupada — apontei ligeiramente para os projetos distribuídos no estirador do outro lado da sala.
Mas o olhar da mulher correu em direção ao buquê de tulipas jogadas no lixo e ela se aproximou de modo a tocar nas pétalas vermelhas, pouco depois avistou também o documento aberto, mas rapidamente o coloquei dentro do seu próprio envelope.
A minha mãe sempre foi apaixonada por tulipas, e o meu pai fazia questão de a presentear sempre nos seus anos, e mesmo enquanto o câncer a levava de nós, o meu pai fez questão de decorar todo o seu quarto do hospital com as mais diversas e belas tulipas.
E hoje, mesmo com a amarga informação guardada no bendito envelope, ele trouxe-me especificamente as vermelhas que significam amor verdadeiro e eterno.
Filho da mãe insensível.
— Percebo — a mulher endireitou-se e me encarou brevemente antes de caminhar em direção à saída. — Enrique a aguarda na recepção, presumo que não o queira deixar à espera, certo? — e saiu da sala.
Esperei alguns segundos antes de levantar da cadeira e fiz questão de encarar profundamente no envelope.
As flores permanecem onde as deixei e o álbum também, eu não tenho intenção nenhuma de os carregar comigo.
Além disso, eu tenho as minhas próprias dúvidas com a pessoa que está à minha espera ansiosamente na portaria.
Talvez eu esteja a ser muito pessimista, talvez as coisas não sejam tão ruins quanto pareça, ou ao menos não fiquem.
Vesti o sobretudo escuro que descansava no pendurador ao lado da porta, e alcancei tanto o documento quanto o meu celular para finalmente sair do meu escritório.
Várias mensagens de Ruby caem e muitas ligações também caem na caixa postal. Ela precisava de mim, pelo menos é o que o seu desespero diz-me e também a sua preocupação, inclusive a Sophia e o meu pai, me apertando profundamente o coração.
Mas de momento preciso de um tempo para resolver o meu atual problema com o Enrique, meu ex-marido.
Não só sei que as minhas amigas irão surtar quando eu as contar, como também irão julgar-me.
E o meu pai... céus! O meu pai ficará tão decepcionado comigo.
Eu nunca escolhi ou cogitei afeiçoar-me tanto a Enrique, mas ainda assim ele era estranhamente o meu lar, o único sítio onde eu tinha conforto e refúgio, ele sempre foi meu porto seguro.
Mesmo que no final ele também era a única causa das minhas insónias, prantos, dúvidas e consequentemente todo o meu vazio.
Respirei fundo e cruzei o corredor que dá para a saída da empresa.
Havia chovido bastante durante toda manhã, mas agora só resta a queda de chuviscos e um clima instável.
A brisa morna faz alguns fios rebeldes cobrirem o meu rosto assim que abro as portas de vidro da entrada principal do edifício, observo atentamente o único carro branco no vasto parque de estacionamento enquanto ajeito os fios do meu cabelo para trás da minha orelha.
Você não pode ser covarde agora — eu disse confiantemente para mim mesma.
Demorou alguns segundos até sair de lá alguém, no caso, o motorista que atravessou até chegar a porta de trás, abrindo assim para o seu chefe.
E do carro surge o homem alto, muito mais alto que eu, a nossa diferença de altura é gigante e é impossível não se intimidar sempre que o vejo.
O seu corpo é escondido pelo terno formal preto acompanhado por seus belos sapatos envernizados da mesma cor, o seu relógio reluzente o faz perceptível de que se trata de um homem de negócios.
E Enrique é absolutamente lindo, possui curtos cabelos pretos com alguns fios cinzas que se destacam na mata escura, assim harmonizando com a sua pele branca amorenada.
Os seus olhos verdes são a ruína de qualquer mulher que ousa querer se aprofundar neles.
E como eu poderia não me aprofundar neles?
Respirei fundo em resposta ao sorriso apaixonante que ele me ofereceu.
Será que ele não sabe que dessa forma torna tudo ainda mais doloroso? Tudo mais difícil?
Os seus passos são graciosos até chegar ao pé de mim que estou parada o esperando, e então posso inalar o seu cheiro particularmente maravilhoso.
Soltei a respiração que havia prendido inconscientemente, mas continuei o encarando.
— Olá, Mila — ele disse.
MILENA CHRISTIANSem chuva, sem flores...Quando eu tinha dezanove anos, eu era apenas uma simples jovem garota, não tinha muita noção das questões profundas que envolviam o coração e a vida em si.Portanto, a chegada de um homem maduro não foi indiferente para mim, eu poderia aprender com ele a ser uma mulher madura, afinal ele com certeza tinha muito mais experiências da vida do que eu.Lembro que Enrique chegou como um furacão, derrubando qualquer muralha que houvesse. Ele era estonteante para um diretor do departamento de projetos arquitetônicos na faculdade de artes.E por céus, bastante inteligente e charmoso, fazendo questão de demonstrar todo o seu esplendor em qualquer lugar por onde passasse.De fato, eu fui a primeira em conquistar-lhe, mesmo sabendo que a competição em chamar a atenção do galã era enorme.Mas independentemente de tudo, foi para mim que os seus olhos brilharam, foi para mim que aquele sorriso cheio de segundas intenções foram direcionados, foi tudo exclusiv
EDWARD PORTMAN— Para ser sincera, eu aprecio as minhas terras e a Ruby sabe se cuidar perfeitamente tal como tem se cuidado nos últimos anos — Giullia enfatizou e um resmungo nada delicado escapou da minha boca.— Eu sei disso tão bem quanto você, mammina, é tão ruim assim sair um pouco da Itália para se aventurar nos bons ares de Nova Iorque? — tentei convencê-la uma vez mais.— Você tem o sentido de humor tão aguçado quanto o do seu pai, arrivederci, Edward.— Arrivederci, mammina — despedi de volta e desliguei o aparelho, guardando no bolso da calça.Convencer ela a sair da Itália é igual a tentar dar banho em gato, só o fazemos quando necessário, e mesmo assim, sempre que preciso voltar para a minha terra natal — com um certo desagrado — tento convencer a Giullia a ir comigo, porque eu sei que o pai jamais iria se a minha mãe não fosse junto.E aparentemente, o nosso desagrado pela bela cidade é mútuo.E mesmo que eu adore profundamente a minha irmã mais nova e ela partilha do mes
MILENA CHRISTIANEncontro-me em meio a um vendaval de emoções, uma tempestade que parece não ter fim. A notícia da gravidez já me havia trazido à tona sentimentos confusos e contraditórios. Alegria, medo, esperança e incerteza misturaram-se dentro de mim com as cores desbotadas numa tela desgastada pelo tempo.Desde o momento em que soube que carrego um ser no meu ventre, o meu coração encheu-se de amor incondicional. A ideia de ser mãe encheu a minha mente com sonhos de um futuro repleto de risos infantis, abraços apertados e um amor que transcende qualquer explicação.A minha mãe morreu muito cedo e desde então o meu pai não colocou nenhuma outra mulher na nossa vida, ao menos, não a ponto de gerar outro filho que pudesse fazer-me companhia.Tive uma boa infância, não posso negar, mas sempre sonhei em ter uma família grande, e isso estendeu-se para o meu casamento mais tarde, sempre desejando ter filhos de Enrique.No entanto, essa felicidade foi rapidamente ofuscada por uma sombra
MILENA CHRISTIAN Bati a porta com urgência, e por momentos sinto-me muito mal, mas Ruby abriu quase que imediatamente, como se o Universo deixasse claro que eu não deveria dar meia volta e ir embora. A primeira imagem que tenho é das minhas duas melhores amigas me encarando com extrema preocupação, já que fiquei o dia todo incontactável. Sem muita força para explicar, não que precisasse, estiquei os meus braços e elas acolhem-me rapidamente, sendo o porto seguro que eu estava procurando para descarregar todo esgotamento emocional. ........ Um pouco mais calma, sentei-me no aconchego do sofá, a sala iluminada por uma luz suave que emanava das velas dispostas sobre a mesa de centro. O aroma tranquilizante preenchia o ar enquanto eu esperava as duas mulheres, Ruby e Sophia, se sentarem junto a mim. O meu coração estava pesado, e a confissão que estava prestes a fazer pesava como uma âncora na minha mente. Enquanto as outras duas se acomodavam no sofá, procurei respirar fundo, sent
MILENA CHRISTIAN Durante a semana que fiquei em São Francisco, o meu pai teve a gentileza de não questionar mais nada acerca do “pai” do seu futuro neto, o que, convenhamos, não me deixou menos preocupada. Eu realmente precisava desfrutar dessas folgas que Elisabeth cedeu para mim, mas manter-me em casa só é uma oportunidade para eu me afogar nas minhas preocupações e ansiedades, portanto nada melhor do que trabalhar, certo? Errado! Sinto-me como se fosse um coelho enjaulado e que a qualquer momento um predador irá devorar-me, estilhaçar-me completamente. Abro a porta da sala fechada por algumas semanas. A minha sala é um refúgio de tranquilidade no meio do frenesi da empresa de arquitetura. Cada detalhe foi escolhido com carinho para criar um ambiente acolhedor e inspirador. A luz do sol entra através das grandes janelas, enchendo o espaço com uma luminosidade suave que reflete nas paredes de um tom neutro e calmante. Uma estante de prateleiras abertas exibe modelos em miniatu
MILENA CHRISTIAN Depois de um tempo, a sensação de mal-estar começou a se dissipar lentamente, deixando para trás apenas uma leve sensação de exaustão. Respirei fundo, tentando reunir forças e determinação antes de subir de volta para a sala de reuniões. Ainda havia uma discussão pendente, mas agora eu precisava concentrar-me no meu trabalho e deixar as emoções tumultuadas de lado. Ao entrar na sala ainda vazia, os meus olhos pousaram imediatamente em Enrique e Elisabeth, que estavam envolvidos numa conversa animada. Elisabeth, com o seu sorriso caloroso e olhos cheios de carinho de mãe, percebeu a minha chegada e acenou para mim. — Milena, querida, venha se juntar a nós! — ela convidou-me, estendendo a mão num gesto acolhedor. — Você já está melhor? O ar fresco fez-lhe bem? Respirei fundo novamente, reafirmando a determinação, e aproximei-me da mesa onde eles estavam sentados. Enrique lançou-me um olhar breve, e eu pude perceber uma sombra de preocupação nos seus olhos, como se el
EDWARD PORTMANO despertador soou com o seu toque suave, rompendo o silêncio da manhã. Abri os olhos, sentindo-me ainda um pouco sonolento, mas logo a consciência retornou, trazendo consigo a lembrança de onde estava e das reviravoltas da noite anterior.Olhei ao redor, encontrando o espaço vazio ao meu lado. Merith já não estava ali.Suspirei e alonguei os braços, sentindo os músculos se esticarem após uma noite de sono agitado. Passei a mão pelo cabelo desgrenhado, tentando organizar os meus pensamentos. Era estranho acordar sozinho na minha própria penthouse, especialmente depois de tudo o que aconteceu.Decidi que uma banheira quente era o que eu precisava para começar o dia. Levantei-me da cama, sentindo o chão frio sob os meus pés descalços. Caminhei em direção ao banheiro, onde a luz suave do amanhecer entrava pelas janelas.Enquanto abria a torneira da banheira, deixando a água começar a encher, os meus pensamentos voltaram para Merith. O encontro da noite anterior havia sido
EDWARD PORTMAN Enquanto dirigia pelas ruas de Nova Iorque, os meus pensamentos oscilavam entre a revelação sobre Merith e o caos da cidade que me cercava. Atravessando a Ponte de Manhattan, a imponente vista do horizonte de arranha-céus parecia uma selva de concreto que se erguia em direção ao céu. Era uma beleza brutal, uma paisagem que impunha respeito, mesmo que as minhas preferências pessoais não concordassem. Percorrendo as avenidas movimentadas, os meus olhos ocasionalmente se desviavam para os vendedores ambulantes nas calçadas, os táxis amarelos apressados, as pessoas que iam e vinham em uma coreografia frenética. Era uma dança caótica de pessoas com pressa, uma dança que eu preferia observar à distância. Atravessando o Central Park, uma ilha de tranquilidade em meio ao caos, pude ver os tons suaves de verde se destacando contra o cinza dos prédios ao redor. Era um lembrete de que, mesmo em meio à agitação, havia lugares de refúgio, onde se podia encontrar um momento de p