MILENA CHRISTIAN
Sem chuva, sem flores...
Quando eu tinha dezanove anos, eu era apenas uma simples jovem garota, não tinha muita noção das questões profundas que envolviam o coração e a vida em si.
Portanto, a chegada de um homem maduro não foi indiferente para mim, eu poderia aprender com ele a ser uma mulher madura, afinal ele com certeza tinha muito mais experiências da vida do que eu.
Lembro que Enrique chegou como um furacão, derrubando qualquer muralha que houvesse. Ele era estonteante para um diretor do departamento de projetos arquitetônicos na faculdade de artes.
E por céus, bastante inteligente e charmoso, fazendo questão de demonstrar todo o seu esplendor em qualquer lugar por onde passasse.
De fato, eu fui a primeira em conquistar-lhe, mesmo sabendo que a competição em chamar a atenção do galã era enorme.
Mas independentemente de tudo, foi para mim que os seus olhos brilharam, foi para mim que aquele sorriso cheio de segundas intenções foram direcionados, foi tudo exclusivamente para mim...
E então, com dezanove anos, eu me casei com Enrique Bunion, o homem mais cobiçado da faculdade, um sonho realizado.
Coiban Christian, meu pai, sempre detestou o meu ex-marido, e diversas vezes me dizia que ele apenas queria se aproveitar da minha ingenuidade.
Mas como eu poderia acreditar nisso se tudo o que Enrique me dava era amor e felicidade? Ele era meu lar, meu conforto, minha vida, eu devia absolutamente tudo a ele.
Confesso de fato que eu sempre coloquei ele num pedestal muito alto, mas ele também foi o meu primeiro homem, o que me ensinou todos os prazeres e confortos que a vida pode oferecer.
Mas quando cresci as coisas começaram a mudar bastante.
Sempre me considerei uma excelente esposa, fazia de tudo para cuidar da minha casa e do meu marido, fazia de tudo para sustentar a nossa relação que de rompante entrou em queda.
Foi exatamente nessa época que tive um sentimento que eu não soube explicar exatamente o que era, solidão.
E eu sabia também que isso só acontecia quando eu percebia as manchas de batom adornando a gola das suas camisas brancas imaculadas, e de como o seu belo sorriso começava apenas a ser direcionado às mensagens que ele recebia durante a madrugada.
Como eu poderia reclamar? Mesmo depois de seis anos, Enrique continuava o mesmo, belo, inteligente e charmoso, eu é que havia mudado.
E mesmo assim, eu lembro de nós colocarmos os pés na grama depois de uma noite de chuva de primavera e apreciar com devoção o dia com um belo vinho e falar sobre amenidades da vida e planos para o nosso futuro.
Das nossas belas viagens e todo o amor tórrido que fazíamos nos lençóis de algodão enquanto ele proclamava o quanto me amava.
Era a única coisa que não podiam tirar-me, pelo menos é o que eu pensava...
De repente tudo mudou mais ainda, como se não bastasse a sua ausência, ele determinou que deveríamos ficar afastados, dar um tempo para avaliarmos a nossa relação.
Eu não entendia muito bem as suas razões e também procurava não me importar tanto, mas foi inevitável não me sentir posta de lado quando a única pessoa que deveria espantar aquele sentimento era a causadora dele.
Nessa mesma época arrumei as minhas coisas com enorme pesar e chorei fartamente no silêncio das paredes frias do nosso quarto.
Mas ainda havia um resquício de esperança em mim de que voltaríamos ao que éramos há seis anos.
Tão ingénua...
Não passou nem um mês e o pedido de divórcio veio, e pouco depois, o anúncio do seu casamento com a filha de um dos sócios da empresa da sua mãe.
Amo a minha sogra mesmo com a sua personalidade fechada, eu sei que o seu sentimento é mútuo, tanto que ela ofereceu-me a minha primeira grande oportunidade de emprego — mas como eu poderia não guardar um pouco de rancor dela ao ver-me sofrendo e mesmo assim ignorando aquilo tudo?
Um ano decorreu após Enrique casar e após isso a minha completa ruína e vergonha.
Como eu poderia negar aquele homem ao ver-lhe ajoelhado diante da minha porta dizendo ter saudades minhas? E então cedi, cedi, cedi e cedi repetidamente, mesmo sabendo que ele tinha esposa e um filho o esperando em casa.
E toda vez prometia para mim mesma que seria a última vez, mas nunca era, eu dizia que daria um fim nessa situação e esqueceria o passado, mas até hoje carrego o bendito anel de casamento no meu dedo.
Como passei de esposa para amante?
Caminhámos até ao seu carro e o motorista abriu a porta para ele e em seguida para mim.
Quando o carro entrou em movimento, eu percebi que Enrique se encontrava distraído enquanto digitava alguma coisa no seu celular.
Tenho tantas questões e dúvidas que não me permito ficar confortável, ora, nenhuma das situações é confortável.
E como se lesse os meus pensamentos, os seus belos olhos esverdeados pousaram em mim de forma analítica para então tentar envolver-me num beijo suave na minha testa.
— Você está me deixando nervoso, Mila — ele disse e colocou a mão por cima das minhas, mas rapidamente fiz questão de me desenvencilhar do seu toque.
Limitei-me a olhar para a janela do carro e fingir que as gotas que escorrem pelo vidro são muito mais interessantes do que a sua presença, e pelo menos ele respeita isso.
O meu condomínio não é distante da empresa, portanto, após alguns minutos o seu carro passou pelos portões e logo podemos avistar a minha residência.
O carro parou à frente da entrada principal e o motorista saiu dele para nos abrir a porta, procurei avidamente as chaves de casa na bolsa enquanto mantinha o envelope prensado contra mim.
Pigarreei e inseri a chave na fechadura tentando não demonstrar o quanto estava nervosa e confusa.
Enrique seguiu-me despreocupado até ao andar de cima que levava ao meu quarto, mesmo que em qualquer local da casa eu pudesse abordar essa conversa.
Mal entrei no meu quarto para Enrique me virar na sua direção e beijar-me com avidez, e quase sem fôlego, me afastei rapidamente de si.
— Pode-me explicar o que raios está se passando com você? — ele tocou o meu pulso e puxou-me, fazendo assim o meu corpo encostar no seu quente, de novo. — Estou preocupado, Milena.
Respirei fundo e desvencilhei-me do seu aperto mais uma vez, esticando quase que imediatamente o envelope na sua direção.
Ele pegou confuso o documento e abriu cuidadosamente, lendo e ocultando perfeitamente todas as suas emoções.
— Mila eu... — ele começou olhando para mim e clareando a garganta. — Eu não sei o que dizer.
— Enrique... — tentei o tocar assim que notei que felicidade não era com certeza aquilo que ele estava sentindo, mas o homem repeliu-me como se estivesse a ver três olhos no rosto.
— Amo a minha esposa, Milena — disse de repente e entregou-me de novo o papel. — E nós temos uma família feliz, eu não posso assumir essa gravidez, eu lamento.
E como se fosse novidade em tudo que Enrique faz, sinto uma dor lasciva no meu coração.
Amo a minha esposa...
Amo a minha esposa...
Sinto que essa frase irá assombrar-me para o resto da minha vida.
— Enrique, eu não fiz esse filho sozinha — engoli em seco.
— Eu sei, eu sei, maldição! — elevou a voz e a única coisa que consegui fazer é virar de costas para si. — Milena, você um dia terá que me perdoar e compreender a minha posição, eu tenho uma reputação para manter, e sabe disso.
Fiquei algum tempo olhando algumas das árvores caducas e outras que continuam bem enfeitadas com folhas em tons de amarelo, tentando digerir tudo.
— Por favor vá embora — respirei fundo mais uma vez. — E de preferência não volte nunca mais.
Ele não respondeu e depois de alguns minutos ouvi apenas o barulho da porta a ser fechada.
Você disse que sempre me protegeria, infelizmente esqueceu de me proteger de si mesmo, Enrique.
EDWARD PORTMAN— Para ser sincera, eu aprecio as minhas terras e a Ruby sabe se cuidar perfeitamente tal como tem se cuidado nos últimos anos — Giullia enfatizou e um resmungo nada delicado escapou da minha boca.— Eu sei disso tão bem quanto você, mammina, é tão ruim assim sair um pouco da Itália para se aventurar nos bons ares de Nova Iorque? — tentei convencê-la uma vez mais.— Você tem o sentido de humor tão aguçado quanto o do seu pai, arrivederci, Edward.— Arrivederci, mammina — despedi de volta e desliguei o aparelho, guardando no bolso da calça.Convencer ela a sair da Itália é igual a tentar dar banho em gato, só o fazemos quando necessário, e mesmo assim, sempre que preciso voltar para a minha terra natal — com um certo desagrado — tento convencer a Giullia a ir comigo, porque eu sei que o pai jamais iria se a minha mãe não fosse junto.E aparentemente, o nosso desagrado pela bela cidade é mútuo.E mesmo que eu adore profundamente a minha irmã mais nova e ela partilha do mes
MILENA CHRISTIANEncontro-me em meio a um vendaval de emoções, uma tempestade que parece não ter fim. A notícia da gravidez já me havia trazido à tona sentimentos confusos e contraditórios. Alegria, medo, esperança e incerteza misturaram-se dentro de mim com as cores desbotadas numa tela desgastada pelo tempo.Desde o momento em que soube que carrego um ser no meu ventre, o meu coração encheu-se de amor incondicional. A ideia de ser mãe encheu a minha mente com sonhos de um futuro repleto de risos infantis, abraços apertados e um amor que transcende qualquer explicação.A minha mãe morreu muito cedo e desde então o meu pai não colocou nenhuma outra mulher na nossa vida, ao menos, não a ponto de gerar outro filho que pudesse fazer-me companhia.Tive uma boa infância, não posso negar, mas sempre sonhei em ter uma família grande, e isso estendeu-se para o meu casamento mais tarde, sempre desejando ter filhos de Enrique.No entanto, essa felicidade foi rapidamente ofuscada por uma sombra
MILENA CHRISTIAN Bati a porta com urgência, e por momentos sinto-me muito mal, mas Ruby abriu quase que imediatamente, como se o Universo deixasse claro que eu não deveria dar meia volta e ir embora. A primeira imagem que tenho é das minhas duas melhores amigas me encarando com extrema preocupação, já que fiquei o dia todo incontactável. Sem muita força para explicar, não que precisasse, estiquei os meus braços e elas acolhem-me rapidamente, sendo o porto seguro que eu estava procurando para descarregar todo esgotamento emocional. ........ Um pouco mais calma, sentei-me no aconchego do sofá, a sala iluminada por uma luz suave que emanava das velas dispostas sobre a mesa de centro. O aroma tranquilizante preenchia o ar enquanto eu esperava as duas mulheres, Ruby e Sophia, se sentarem junto a mim. O meu coração estava pesado, e a confissão que estava prestes a fazer pesava como uma âncora na minha mente. Enquanto as outras duas se acomodavam no sofá, procurei respirar fundo, sent
MILENA CHRISTIAN Durante a semana que fiquei em São Francisco, o meu pai teve a gentileza de não questionar mais nada acerca do “pai” do seu futuro neto, o que, convenhamos, não me deixou menos preocupada. Eu realmente precisava desfrutar dessas folgas que Elisabeth cedeu para mim, mas manter-me em casa só é uma oportunidade para eu me afogar nas minhas preocupações e ansiedades, portanto nada melhor do que trabalhar, certo? Errado! Sinto-me como se fosse um coelho enjaulado e que a qualquer momento um predador irá devorar-me, estilhaçar-me completamente. Abro a porta da sala fechada por algumas semanas. A minha sala é um refúgio de tranquilidade no meio do frenesi da empresa de arquitetura. Cada detalhe foi escolhido com carinho para criar um ambiente acolhedor e inspirador. A luz do sol entra através das grandes janelas, enchendo o espaço com uma luminosidade suave que reflete nas paredes de um tom neutro e calmante. Uma estante de prateleiras abertas exibe modelos em miniatu
MILENA CHRISTIAN Depois de um tempo, a sensação de mal-estar começou a se dissipar lentamente, deixando para trás apenas uma leve sensação de exaustão. Respirei fundo, tentando reunir forças e determinação antes de subir de volta para a sala de reuniões. Ainda havia uma discussão pendente, mas agora eu precisava concentrar-me no meu trabalho e deixar as emoções tumultuadas de lado. Ao entrar na sala ainda vazia, os meus olhos pousaram imediatamente em Enrique e Elisabeth, que estavam envolvidos numa conversa animada. Elisabeth, com o seu sorriso caloroso e olhos cheios de carinho de mãe, percebeu a minha chegada e acenou para mim. — Milena, querida, venha se juntar a nós! — ela convidou-me, estendendo a mão num gesto acolhedor. — Você já está melhor? O ar fresco fez-lhe bem? Respirei fundo novamente, reafirmando a determinação, e aproximei-me da mesa onde eles estavam sentados. Enrique lançou-me um olhar breve, e eu pude perceber uma sombra de preocupação nos seus olhos, como se el
EDWARD PORTMANO despertador soou com o seu toque suave, rompendo o silêncio da manhã. Abri os olhos, sentindo-me ainda um pouco sonolento, mas logo a consciência retornou, trazendo consigo a lembrança de onde estava e das reviravoltas da noite anterior.Olhei ao redor, encontrando o espaço vazio ao meu lado. Merith já não estava ali.Suspirei e alonguei os braços, sentindo os músculos se esticarem após uma noite de sono agitado. Passei a mão pelo cabelo desgrenhado, tentando organizar os meus pensamentos. Era estranho acordar sozinho na minha própria penthouse, especialmente depois de tudo o que aconteceu.Decidi que uma banheira quente era o que eu precisava para começar o dia. Levantei-me da cama, sentindo o chão frio sob os meus pés descalços. Caminhei em direção ao banheiro, onde a luz suave do amanhecer entrava pelas janelas.Enquanto abria a torneira da banheira, deixando a água começar a encher, os meus pensamentos voltaram para Merith. O encontro da noite anterior havia sido
EDWARD PORTMAN Enquanto dirigia pelas ruas de Nova Iorque, os meus pensamentos oscilavam entre a revelação sobre Merith e o caos da cidade que me cercava. Atravessando a Ponte de Manhattan, a imponente vista do horizonte de arranha-céus parecia uma selva de concreto que se erguia em direção ao céu. Era uma beleza brutal, uma paisagem que impunha respeito, mesmo que as minhas preferências pessoais não concordassem. Percorrendo as avenidas movimentadas, os meus olhos ocasionalmente se desviavam para os vendedores ambulantes nas calçadas, os táxis amarelos apressados, as pessoas que iam e vinham em uma coreografia frenética. Era uma dança caótica de pessoas com pressa, uma dança que eu preferia observar à distância. Atravessando o Central Park, uma ilha de tranquilidade em meio ao caos, pude ver os tons suaves de verde se destacando contra o cinza dos prédios ao redor. Era um lembrete de que, mesmo em meio à agitação, havia lugares de refúgio, onde se podia encontrar um momento de p
MILENA CHRISTIAN Assim que acordei com o sol tentando espreitar entre as cortinas claras, senti uma energia incomum percorrendo o meu o corpo. Era como se todas as preocupações e incômodos típicos da gravidez tivessem decidido dar-me uma folga neste dia especial. Com quatro meses de gestação, eu já havia enfrentado alguns altos e baixos durante a manhã, mas hoje parecia ser uma exceção bem-vinda. Afinal, eu estava ansiosa para o jantar com as minhas amigas, Ruby e Sophie, e também para conhecer o irmão mais velho de Ruby, alguém que ela falava com tanto carinho e admiração. Era uma oportunidade perfeita para relaxar, deixar os problemas de lado e conhecer novas pessoas. Enquanto me espreguiçava na cama, pude sentir um sorriso se formando nos meus lábios. Levantei com um ânimo que há tempos não sentia e dirigi-me ao banheiro para minha higiene matinal. O chuveiro estava convidativamente quente, e a ideia de um banho relaxante envolveu-me como um abraço caloroso. Deixei a água esco