Henrique
— VOCÊ precisa ser homem, meu filho — Essa foi a frase que o meu pai me dissera até o seu último suspiro. Eu sabia que precisava ser homem, mas ele nunca me explicou o que necessariamente significava ser homem para ele. Minha mãe, durante as poucas ocasiões em que chorei à sua frente, me dizia, rispidamente, que chorar não era atitude de um homem de verdade, mas sim dos desviados. Eu tinha seis anos quando ela me falou isso pela primeira vez. Eu tinha sofrido uma queda e machucado os meus joelhos. No momento em que fui para os seus braços eu esperava que ela cuidasse de mim e não proferisse àquelas palavras.
De algum modo, por muito tempo, eu associei ser homem com não demonstrar o que sentia. Toda essa face social de um homem impassível se quebrou no instante em que conheci Camila. Ela me desperta o desejo de expor os meus sentimentos, de não silenciar minha alma e coração. Nos últimos dias tenho me perguntado o que o meu pai acharia do homemCamilaMESMO sabendo disto, eu não pude deixar de tomar um leve susto quando, ao acordar, vi minha barriga como se ainda tivesse com seis meses de gestação. Queria poder ter voltado para o meu apartamento ontem mesmo, mas Helena tinha alguns exames de rotina para fazer durante a manhã e seria mais confortável para nós duas se permanecêssemos por mais algumas horas na maternidade.Como já era esperado também, o meu ciclo menstrual não voltou regularmente. Eu apenas tenho tido leves corrimentos, e provavelmente, continuará desse modo enquanto eu estiver amamentando; o que pretendo manter até os dois anos de idade da minha filha. Henrique dormiu desconfortavelmente na poltrona ao lado da minha cama. Minha mãe se ofereceu para passar a noite comigo, mas ele recusou firmemente. Apesar de não tê-lo dito, sentir sua presença ao meu lado durante todo o trabalho de parto me ajudou de uma forma que não consigo expressar. Algumas pessoas dizem que os homens só se sente
CamilaNOS últimos 45 dias a minha rotina tem se resumido em dar de mamar para Helena, me alimentar, trocar as fraldas de Helena, dar banho em Helena, colocá-la para dormir, vinte minutos, no máximo, para ir ao banheiro e tomar banho, e assim sucessivamente, uma e outra vez.Algumas vezes peço para que Rita me ajude quando não consigo fazê-la arrotar após a mama ou quando Helena tem cólica. Não mais que isso. Sei que por Rita, ela cuidaria de Helena por toda a tarde. Mas, não sei... A ideia de deixar que outra pessoa cuide da minha filha no meu lugar não me agrada. Ainda que essa pessoa seja a Rita, que é uma das quem mais confio.Logo que saímos da maternidade minha mãe e tia Malu vinham todos os dias ao meu apartamento. Minha tia tentava me distrair, fazer com que eu tirasse um pouco da minha atenção de Helena. Enquanto minha mãe só deixava eu ficar com a minha filha quando ela precisava mamar. O restante do tempo Helena permanecia com ela.A
CristinaHÁ algo curioso entre aprender a ser forte e ser a condutora da própria vida: Você começa a pensar que não pode fraquejar, não pode demonstrar ter medo, não pode querer deitar em posição fetal e chorar por algumas horas.Eu me sinto como se estivesse sendo testada, como se a qualquer momento alguém fosse me dizer que eu não sou capaz de me sustentar e cuidar de duas crianças quase pré-adolescentes. E, talvez, eu não fosse revidar. Ficaria calada, abaixaria a cabeça e choraria em silêncio, porque uma parte de mim gritaria: "Você tem razão".É curioso também pensar que eu estou ocupando a posição de pessoas que em alguns meses eu precisarei entrevistar e auxiliar nos seus processos de adoção. Uma das assistentes que me entrevistou possuía um olhar distante, do tipo que dizia já ter visto tantos processos que agora se tornara indiferente aos sentimentos daquele que estava suplicando pela sua aprovação. Considerando as estatísticas, eu já deveria ter sid
CristinaQUANDO eu perdi o meu bebê, ninguém além de mim sentiu a sua perda. Meus pais e senhora Pérola me lançavam olhares acusatórios, e Henrique, ainda que nunca tenha me culpado, em nenhum momento demonstrou tristeza pela perda do bebê. Eu não cheguei a completar dois meses de gestação e os médicos o chamavam de um embrião mal desenvolvido. Era o meu bebê. Era uma nova vida que eu carregava e não uma coisa sem importância.Eu estava começando a pensar nos possíveis nomes para o meu bebê quando o vi ir embora por entre minhas pernas. Alguns meses depois, a dor terrível que me possuiu e que me fez acordar no dia seguinte com a notícia de que um mioma crescia dentro de mim e que o meu útero precisou ser retirado fez com que eu me enxergasse como um nada; como se a minha existência não tivesse o menor sentido.Eu me perguntava todas as noites como tudo isso aconteceu tão de repente sem que eu sentisse nada com antecedência. Sem ter a menor possibilidade
CristinaFELICIDADE é uma palavra que eu desconhecia. Acho que no máximo eu conseguia estar bem. Mas feliz... É algo que só nos últimos meses eu tenho descoberto o seu significado. Eu encontrei a felicidade conhecendo e explorando o meu corpo, estudando o que gosto, apreciando as coisas e momentos simples da vida e me aproximando de Vitória e João. É difícil estabelecermos uma comunicação duradoura quando somente eu falo oralmente, porém eles estão me ensinando a reconhecer e compreender outras formas de comunicação e linguagem. Sejam pelos seus sorrisos tímidos ou pela forma como seus olhos se tornam atentos quando lhes conto algo.Depois de termos tido mais algumas visitas supervisionadas, a equipe técnica liberou as crianças e Alberto ajuizou a adoção. O juiz me concedeu a guarda provisória e Vitória e João foram autorizados a morar comigo. A equipe técnica continuará nos fazendo visitas domiciliares para avaliar as adaptações deles e minha até que o juiz me dê su
CristinaEM tese, é muito fácil amar alguém que nasceu de você, que foi gerado em seu ventre. Existe um laço criado entre você e o pequeno ser que trouxeste ao mundo. Mas numa adoção não é assim. Esse laço precisa ser construído.A princípio eu tive medo que Vitória e João não me enxergassem como sua mãe. Eles têm toda uma vida antes de mim, têm na memória recordações suas com seus pais biológicos. No entanto a nossa convivência têm se dado da melhor forma possível.É curioso e instigante observar seus jeitos e gostos e vê-los fazer o mesmo comigo. Eles não nasceram de mim, não foram gerados no meu ventre, mas são os meus filhos. O amor que sinto por eles é tão forte que me falta palavras para descrever.Pode ser muito fácil amar alguém que nasceu de você. E é muito fácil para mim amar os filhos que eu escolhi para serem meus.Sorrio ao vislumbrar as tentativas do meu pai em vencer Vitória e João num jogo on-line. Gosto do fato de ele que
HenriqueATRAVESSO a porta de entrada da Casa de Prazer, sendo recepcionado por uma batida de reggaeton e pelo mar de vozes animadas de mulheres e homens. Há pouco mais de um ano eu adentrei a esse lugar com um olhar muito diferente do que eu tenho hoje. Na minha cabeça, a Casa de Prazer não passava de um bordel fétido com mulheres que vendiam os seus corpos por quaisquer quantias ínfimas de dinheiro. Mas hoje eu sei que a minha visão machista, como diz Camila, me fazia enxergar como degradante a tudo aquilo que estava fora do meu mundo.A boa localização no Jardim Europa juntamente com a arquitetura e decoração sofisticadas fazem da Casa um ambiente mais que agradável para o desfrute e apreciação de todas as formas de prazer.Há algumas semanas Camila voltou à sua rotina normal de trabalho. Durante o dia ela vem com Helena para a Casa de Prazer a fim de resolver questões administrativas do espaço e também vai participar de reuniões da imobiliária da su
CamilaEXCETUANDO os feriados, a Casa de Prazer funciona normalmente sete dias por semana. Antes de conhecer Henrique, eu passava praticamente todo o meu dia na Casa. Era a minha casa, literalmente. Não que eu vivesse em função do meu trabalho, mas sim porque lá sempre fora um espaço em que me senti livre para ser e dizer sem me importar com a opinião alheia. Porém com Henrique eu venho descobrindo que posso ser livre para ser e dizer ao lado dele. Ainda que não concordemos em tudo, nós sabemos que nos amamos e que não desejamos mal um para o outro, muito pelo contrário.Com a chegada de Helena o nosso apartamento se tornou o nosso refúgio, nosso recanto de amor. E fazemos questão de estarmos juntos durante o fim de semana. Sem preocuparmo-nos com o trabalho ou com os problemas da sociedade que nos cerca. Somente nosso amor e nossa filha importam.Helena desprende seus pequenos lábios do meu seio; sua mãozinha agarrada firmemente ao tecido do meu vestido.