Alexander sentiu-se a cerrar os dentes para tentar controlar a sua raiva. Os seus olhos estavam a arder com uma fúria abrasadora, do tipo que só uma afronta a algo precioso pode provocar.Ao ver a expressão dele, Lisya empalideceu. O seu sorriso zombeteiro desvaneceu-se e temeu o que poderia acontecer a seguir.—Caro primo —disse ela com uma voz suave, mas ameaçadora —sugiro que tenhas cuidado com as tuas palavras. A Anaís é minha filha em todos os aspetos importantes, e não tolerarei que ninguém a insulte, muito menos os membros da minha família.Com passos deliberados, diminuiu a distância entre ele e a sua prima Lisya até parar à frente dela. Num movimento rápido, as suas mãos ergueram-se e agarraram-lhe o queixo, apertando-o com força, cravando os dedos na sua carne, fazendo com que os lábios dela se contorcessem de dor.—Que seja a última vez que te expressas dessa forma em relação à minha filha, Lisya —disse Alexander com os dentes cerrados, a sua voz baixa, mas carregada de rai
A chuva açoitava as ruas com uma indiferença selvagem; cada gota era um lembrete da realidade de Amélia. Naquele dia, durante o seu passeio apressado pelo parque, uma rapariga tropeçara nela no aguaceiro implacável e, movida por um impulso de caridade ou de culpa — sabe-se lá porquê —, carregara-a para aquilo a que agora chamava casa.—Não podes ficar ao relento... Não tenho muito, mas pelo menos estarás seca —disse-lhe a rapariga—. Sou a Núbia.E assim começou a amizade. Ela levou-a para Brownsville, o lugar mais perigoso e mais pobre de Nova Iorque, para um quarto sufocante, com paredes que pareciam fechar-se sobre si mesmas. Quatro por quatro metros, mesmo no coração do bairro mais temido da cidade.A sobrelotação era palpável, com os corpos e a respiração a misturarem-se no confinamento noturno. Amélia, outrora princesa dos Wallaces, estava agora relegada para um canto, numa cadeira reclinável: a cama da miséria. Mas era o único sítio onde podia estar.E assim passava noites de in
Amélia via o seu bebé ser levado. As lágrimas rolavam-lhe pelas faces e as recordações do passado atingiam-lhe a mente como uma tempestade.Lembrou-se do dia em que tudo se desmoronou. O pai deixou-a à entrada do clube onde se realizava a festa de formatura.— Quando estiveres pronta, liga-me para te vir buscar — disse ele antes de sair.Ao entrar, Amélia sentiu todos os olhares sobre ela. Ouviu sussurros, uma mistura de admiração e inveja. Atravessou a multidão até chegar à sua mesa.Manuela Sarmiento cumprimentou-a com um sorriso que não lhe chegou aos olhos, mas Amélia não reparou. Pensou que eram amigas, embora o olhar de Manuela escondesse ciúme e raiva dela.A rapariga, fingindo estar satisfeita, ofereceu-lhe um copo de líquido âmbar. Amélia olhou-o com desconfiança, pensou um pouco e abanou a cabeça. Tinha ido praticamente sozinha e não lhe parecia maduro beber sem saber o que poderia ser.— Desculpa, mas não vou beber esta noite — disse ela educadamente.Os outros olharam-na c
Anos mais tarde.A luz do sol filtrava-se através das janelas de vidro do imponente arranha-céus, banhando a sala de reuniões num tom dourado que parecia reverenciar a figura de Alejandro Valente.Sentado na extremidade da mesa comprida e polida, com a sua postura ereta e o olhar penetrante fixo nos gráficos e números projetados, dominava a reunião sem grande esforço, sendo a sua presença sinónimo de autoridade e controlo.Os seus dedos tamborilavam levemente sobre a madeira, impacientes. Cada toque era um eco da sua mente analítica, que decifrava estratégias e previsões.O público, cativo da sua aura de poder, seguia cada palavra, cada pausa deliberada, com uma atenção reverente. Alejandro, sempre imerso em números e ambições, não permitia que nada perturbasse a sua concentração.Mas então, um som discreto, mas insistente, quebrou o silêncio do momento. O seu telemóvel vibrou sobre a mesa. O movimento era mínimo, quase impercetível, mas suficiente para lhe roubar uma fração de segund
Os ecos de risos e conversas ficaram para trás quando Amélia atravessou a soleira da mansão. Mas o tempo já tinha expirado; não havia espaço para despedidas elaboradas. Cada segundo pesava sobre ela como uma promessa não cumprida.Já passava das três da tarde, e ela precisava de sair daquela charada da hora do almoço o mais depressa possível.Só esperava que aqueles fossem os seus últimos trabalhos como acompanhante, pois, dentro de duas semanas, ia formar-se como engenheira de redes e esperava encontrar um bom emprego.Embora tivesse poupado dinheiro suficiente para poder reclamar a sua filha, queria ter estabilidade financeira para não ter de passar novamente pela miséria que já conhecera antes.Despediu-se do patrão com um ligeiro aceno de cabeça.—Foi uma experiência agradável —disse ao homem, com um sorriso educado que mal tocava nos olhos, esses espelhos da alma onde dançava uma ansiedade mal contida —. Mas agora tenho de ir.—Claro, Amélia. Obrigado por... simplificar as coisas
Um silêncio de pedra abateu-se sobre o gabinete. A diretora, de olhos arregalados, congelou durante alguns instantes, processando a revelação que acabara de ouvir. Amélia, por sua vez, sentia o peso do mundo a sair-lhe dos ombros, mas, ao mesmo tempo, o medo e a incerteza tomavam conta dela.—O que disse? —perguntou a diretora. A sua voz era agora mais um sussurro incrédulo do que o tom autoritário de antes.Amélia, com as lágrimas correndo-lhe pelo rosto, respirou fundo antes de continuar:—Eu sou a mãe biológica da Anaís —confessou, com a voz trémula, mas firme—.Deixei-a aqui há quatro anos, quando ela tinha um dia de vida. Na altura, não tive alternativa, não tinha dinheiro para a sustentar. Mas continuei a fazer voluntariado aqui para estar perto dela, e agora que a minha condição mudou, quero-a de volta.A diretora recostou-se na cadeira, visivelmente chocada. O seu olhar suavizou-se, mas a preocupação continuava a marcar-lhe as sobrancelhas.—Senhora Delgado, compreendo que isto
Alejandro sentiu o ar sair-lhe dos pulmões. Os seus olhos estreitaram-se, estudando a mulher à sua frente com um misto de descrença e raiva crescente.—A sua filha? —repetiu, a voz carregada de desprezo. — Atreve-se a chamá-la de sua filha depois de a ter abandonado?Amélia deu um passo em frente, a sua postura desafiadora apesar do tremor nas mãos.—Eu não a abandonei! —declarou, a voz a estalar.Alejandro soltou uma gargalhada amarga, o seu rosto uma máscara de desdém.—A sério? Então me conta como é que ela esteve naquele orfanato desde que era recém-nascida até eu a adotar? Não venha para cá tentar se fazer de mãe abnegada. Eu conheço a sua espécie, não é digna de ser mãe dela!Amélia enrubesceu perante as palavras dele, mas manteve-se firme.—Cale-se! E não diga disparates. Você não sabe nada sobre mim, nem sobre as circunstâncias que me levaram a afastá-la de mim. Não cabe a você me julgar! Agora estou em posição de tê-la comigo e vou recuperá-la! —sibilou, irritada.Alejandro d
Alejandro virou-se bruscamente, de costas para Anaís. Os seus punhos cerraram-se com força, lutando contra a vontade de ceder à rapariga. Não podia permitir-se mostrar fraqueza, não agora que tinha chegado tão longe, e, além disso, se o fizesse, perderia o respeito diante de toda a gente.—Menina Lucrécia —disse ele com voz embargada à ama que o esperava à porta. —Leva a Anaís para o quarto dela. Quanto ao facto de não querer comer, acho que ela não vai cumprir a sua ameaça. De certeza que, quando tiver fome, vai comer.Enquanto a ama levava uma Anaís silenciosa, mas determinada, Alejandro aproximou-se da janela do seu escritório.Olhou para a vasta floresta que se estendia à sua frente e passou a mão pela cabeça, desamparado. Tinha decidido adotar por duas razões: primeiro, porque era uma condição imposta pelo seu avô para lhe dar o controlo da empresa.Embora quisesse que fosse um filho biológico, dada a ambiguidade do seu pedido, aproveitou e não hesitou em adotar, pelo que o avô n