A filha do silêncio. Herdeira inesperada de um magnata.
A filha do silêncio. Herdeira inesperada de um magnata.
Por: Jeda Clavo
Capítulo 1. Um sacrifício por amor

A chuva açoitava as ruas com uma indiferença selvagem; cada gota era um lembrete da realidade de Amélia. Naquele dia, durante o seu passeio apressado pelo parque, uma rapariga tropeçara nela no aguaceiro implacável e, movida por um impulso de caridade ou de culpa — sabe-se lá porquê —, carregara-a para aquilo a que agora chamava casa.

—Não podes ficar ao relento... Não tenho muito, mas pelo menos estarás seca —disse-lhe a rapariga—. Sou a Núbia.

E assim começou a amizade. Ela levou-a para Brownsville, o lugar mais perigoso e mais pobre de Nova Iorque, para um quarto sufocante, com paredes que pareciam fechar-se sobre si mesmas. Quatro por quatro metros, mesmo no coração do bairro mais temido da cidade.

A sobrelotação era palpável, com os corpos e a respiração a misturarem-se no confinamento noturno. Amélia, outrora princesa dos Wallaces, estava agora relegada para um canto, numa cadeira reclinável: a cama da miséria. Mas era o único sítio onde podia estar.

E assim passava noites de insónia e choro, entre sussurros e tosses, naquele pequeno quarto cheio de sombras, onde os rostos familiares da sua infância tinham sido substituídos por olhares cansados e um ressentimento latente que emanava da mãe da sua recente amiga, como um vapor sufocante e venenoso.

—Quando é que te vais embora daqui? Não podes continuar a viver connosco —ouviu-se dias depois a voz da mulher, afiadas como punhais—. E nem penses que, quando esse bebé na tua barriga nascer, vais viver connosco. Arranja outro sítio para onde ir.

Era o pão de cada dia, e Amélia saiu à procura de trabalho, enfrentando um mundo que parecia girar sem dar pela sua existência, sem sequer ter compaixão dela. Por mais que tentasse, não encontrava nada. Os seus esforços eram inúteis; era como se tudo estivesse contra ela, e, a cada dia, sentia que estava a perder as forças.

Até que, um dia, pensou que a sorte lhe estava a sorrir: encontrou um lugar num humilde café, onde cada chávena servida era um pequeno passo para uma nova vida.

Mas a sorte era fugidia. Duas semanas depois de ter começado a trabalhar, estava prestes a receber um pedido quando a sua maliciosa companheira, invejosa por ela receber mais gorjetas, acusou-a injustamente e, com um sorriso, armou-lhe uma cilada.

—Oh, ela deitou-me abaixo! —gritou a mulher.

Fez uma algazarra enquanto os pratos caíam no chão, espalhando-se e partindo-se na queda.

Todos os olhos estavam postos nelas, e esta era a oportunidade perfeita para a mulher a acusar.

—Ela meteu o pé de propósito! —exclamou, vitimizando-se.

—Não, não foi! Eu não fiz nada! —Amélia tentou defender-se, mas, imediatamente, a dona do estabelecimento chegou e expulsou-a sem piedade.

—Estás despedida! E esquece o ordenado desta semana, pois é para pagar os danos que causaste.

Amélia saiu do local com lágrimas nos olhos, sentindo o peso do mundo sobre os seus ombros. Caminhava sem rumo pelas ruas, acariciando a barriga, perguntando-se como iria sobreviver agora. Estava novamente sem trabalho, sem o seu único meio de subsistência.

As moedas no bolso eram tão escassas como os momentos de paz, e o seu estômago conhecia melhor a dor do que a saciedade.

A preocupação aninhava-se na sua mente, um pássaro negro de mau presságio perante a iminência do parto. O seu próprio pai, outrora uma figura distante que assinava cheques para o seu bem-estar, tinha agora apagado o seu nome da folha de pagamentos da segurança social, num gesto de abandono final.

Mês após mês, a angústia crescia como ervas daninhas no seu peito. Cada tentativa de escapar ao poço da miséria parecia cair no vazio mais profundo.

E assim, enquanto a noite devorava as últimas luzes de Brownsville, Amélia derramava lágrimas silenciosas, questionando o céu com uma voz sufocada sobre a razão pela qual ele tinha escolhido enfurecer-se contra ela. Era apenas uma mulher que procurava refúgio para o seu filho por nascer, um pouco de compaixão num mundo demasiado cruel, que parecia ter-se esquecido de como amar.

O tempo foi passando. E, num instante, Amélia sentiu as contrações ficarem mais fortes, a sua respiração irregular, e o frio infiltrou-se nas solas dos seus sapatos gastos enquanto cambaleava para o beco sombrio.

As dores agudas do parto apertavam-na, uma maré implacável que se recusava a diminuir. Não podia ir mais longe e, então, ali, sob a luz pálida de um candeeiro de rua, sem outro refúgio que não fossem as paredes esfarrapadas das casas que ecoavam os seus gritos, Amélia deu à luz a sua filha com a ajuda de Núbia, que se tornou a sua âncora. As mãos firmes da amiga embalavam a nova vida que surgia na escuridão.

—É uma menina —sussurrou a amiga, com um tremor de espanto perante o simples anúncio.

Quando Amélia segurou a filha nos braços pela primeira vez, ficou maravilhada com os dedos minúsculos que a agarravam com uma força ingénua.

O amor surgiu dentro de si, feroz e protetor, mas entrelaçado com uma dor aguda.

—Não posso permitir… Não quero que a minha filha herde a dura realidade em que vivo —disse ela, a voz quebrada, embora as palavras fossem mais dirigidas a si própria.

A cada respiração trémula, Amélia jurava protegê-la da crueldade que tinha marcado a sua própria carne e espírito.

—Vou proteger-te, minha pequenina, juro que sim! —murmurou com um longo soluço.

Horas depois, na companhia de Núbia, aproximou-se do local que considerava um refúgio. Mas a visão que a recebeu destruiu qualquer ilusão de esperança.

Os seus pertences estavam espalhados como lixo na rua. A porta abriu-se de rompante e a voz da mãe da sua amiga tingiu-se de ódio.

—Desculpa, mas já não podes ficar aqui. Tens de encontrar outro sítio para onde ir!

As palavras da mulher flutuavam no ar, afundando Amélia cada vez mais na miséria e na tristeza. Ela embalava a filha nos braços e, mesmo com a fraqueza que sentia no corpo, vagueava sem rumo, as suas preces lançadas silenciosamente para o céu.

Foi então que o orfanato surgiu diante dela. A sua fachada imponente era uma promessa agridoce de possibilidade.

—Será que ela pode estar bem ali? —Amélia murmurou, a pergunta como um pedaço de gelo no seu coração. Mas não tinha escolha.

Envolveu a filha no único cobertor que podia comprar, um escudo fino contra o frio e o mal do mundo, e colocou-a cuidadosamente à entrada do orfanato.

—Desculpa, minha filha —sussurrou, as palavras sendo uma carícia frágil na bochecha dela—.Não tenho forma de te alimentar, porque nem sequer tenho leite. Não tenho forma de cuidar de ti, não tenho um teto sobre a tua cabeça… Mas juro que esta situação não vai durar para sempre. Vou ultrapassar isto e, um dia, voltarei para te vir buscar.

A sua determinação vacilou; a promessa era uma tábua de salvação lançada num futuro incerto.

Com o premir de um botão, a campainha tocou no silêncio e o seu som marcou tanto um fim como um começo. Amélia viu, com os olhos cheios de lágrimas, a porta abrir-se e braços estenderem-se para levar a filha. Virou-se antes que a porta se fechasse e a sua alma se partisse numa dor profunda —cada pedaço, uma prova do amor que sentia pela filha que deixara para trás.

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