2. Celebração e mistério

As festas do reino de Heiwa tinham início com a chegada da aurora, por isso, antes dos primeiros raios de sol surgir, muitos já estavam de pé preparando o que ainda era preciso para festa. E nos 15 anos de Bara, não foi diferente.

Mal era cinco da manhã e a cozinha mais os corredores principais do castelo já estavam cheios de movimento, e aos poucos, todos os moradores e visitantes despertavam de seus sonos.

Bara acordara com o surgir dos primeiros raios de sol, pulando da cama cheia de alegria e disposição. Os convidados de outros reinos levantavam-se aos poucos, sempre tendo Bara como primeira visita do dia, junto de sua guardiã; aproveitando eles para parabenizar e presentear a aniversariante com joias, roupas, sapatos, enfeites etc.

Quando Bara chegou aos aposentos de Jõo, surpreendeu-se por vê-la já pronta – diferente de todos os outros que mal haviam saído da cama, quando estavam de pé.

– Bom dia Rainha Jõo!

– Bom dia Bara. Você parece estar bem animada! Teve uma boa noite de sono?

– Tive sim! E a senhora? Descansou bem? Precisou de alguma coisa? Teve algum problema?

– Não, comigo está tudo ótimo. – Jõo estava quase rindo da animação excessiva de Bara – Comigo e com meus aprendizes, pode ficar tranquila.

– Então está bem. Sintam-se a vontade para ir onde quiserem do castelo ou do reino, já que em todo lugar será festa hoje.

Bara e Acnarepse estavam se retirando quando Jõo as impediu.

– Espere!

– Sim? – Bara voltou-se para a Rainha.

– Zuline, por favor!

Zuline entregou a Jõo um pequeno saquinho de veludo verde-musgo que Jõo pôs nas mãos de Bara, dizendo:

– Meus parabéns pelos seus 15 anos. Isto pertenceu a uma pessoa muito especial para mim e... espero que goste.

Bara abriu o saquinho cuidadosamente e ao ver o broche de camafeu, agradeceu dizendo:

– É lindo! Eu amei! Vou usá-lo junto do vestido que foi feito especialmente para este dia. Obrigada! Rainha Jõo.

Bara saiu com um enorme sorriso no rosto, admirando a bela joia, deixando Jõo igualmente contente.

– Pela reação dela, a princesa realmente gostou do presente.  – comentou Zula em voz baixa.

– Pena que Nemuru não pôde presenciar isto.  – completou Zul bem mais baixo, ao ponto de só os cinco poderem ouvir.

– Realmente... é uma pena...  – finalizou Jõo observando o horizonte na janela, suspirando por seu filho.

A caminho da Torre Kendrada, Bara acabou se esbarrando em seu pai.

– Puxa minha filha! Porque não olhava para onde ia? Eu estava à sua procura...

– Desculpe papai, é que... eu estava admirando o presente que ganhei da Rainha de Kyuden e... esqueci de olhar por onde andava! Perdoe-me.

– Tudo bem. Você já tomou o café?

– Não majestade. – responde Acnarepse com os braços cheios de sacolas, caixas e cestas, enquanto Bara carregava algumas cestas e sacolas. – Bara foi dar bom dia aos visitantes primeiro, já recebendo seus presentes. Estávamos a caminho de Kendrada para deixá-los todos e terminarmos de nos arrumar. A Rainha Jõo A****n foi a última a ser visitada.

– Entendo... Bom, neste caso, deixem-me ajudá-las com estes presentes. – disse ele já pegando algumas caixas, para alívio de Acnarepse.

– Muito obrigada papai.

Chegado aos aposentos de Bara, Mahotsukai perguntou enquanto deixava os presentes que estavam consigo em um canto do quarto:

– Eu posso ver o presente que você ganhou de Jõo minha filha?

– Mas é claro papai, aqui! – respondeu ela entregando o camafeu ao pai.

– É bonito! Mas... o desenho deste camafeu...

– O que tem ele, pai?

– É praticamente o antigo brasão de Kyuden! Porque ela lhe deu uma joia assim?

– Ah, sei lá papai! Ela só disse que ele pertenceu a uma pessoa importante para ela.

– Mesmo? E disse a quem?

– Não disse nada sobre seu antigo dono, só que era especial para ela.

– Hum... interessante. Pena que não sei muito sobre o passado dela, além do que todos já sabem; e nem lhe faço questão por respeito a ela. Já é milagre nós ainda não termos tido discussão alguma até agora!

– Sério!?

– Pode perguntar diretamente a ela se duvida, minha filha.

Bara sorriu e deu um abraço demorado em seu pai, que só acabou quando Acnarepse os lembrou de que Bara precisava terminar de se arrumar e para isso, Mahotsukai teria de sair. Sendo assim feito.

Enquanto não chegava a hora do almoço, Jõo e seus aprendizes passeavam pelas praças e jardins da cidade, pois não havia um que fosse no reino que não estivesse em celebração. O aniversário de Bara era tratado como um feriado de grande alegria em Heiwa.

Ao aproximar a hora do almoço, o jardim real começava a ficar lotado de gente. Aqueles que não conseguiram lugar na grande mesa real (onde cabiam todos os nobres presentes e pelo menos mais vinte pessoas,) sentaram-se nos bancos e beiras das fontes do jardim ou em cima de toalhas de mesa, como se fosse um piquenique, ansiosos pela chegada da homenageada.

Com o soar das trombetas, todos se voltaram para onde estava Bara que, usando um vestido violeta de algodão brilhoso semelhante à seda; colete com detalhes de flores e fitas cruzadas em magenta de mesmo tecido; mangas justas violetas com sobremangas tipo boca-de-sino de fino tule lilás brilhante com detalhes de fita do mesmo magenta; sobressaia e babados no final da saia do mesmo tule; o camafeu turquesa ganhado de Jõo no centro do laço no topo do colete. E, para finalizar, um diadema de prata branca sob os longos cabelos soltos, com um rubi rosa no centro, seguido por outro amendoado de cada lado e mais um oval bem fino nas pontas, com uma madrepérola branca em gota intercalando entre os rubis.

Todos ficaram impressionados com a beleza simples porém sofisticada de Bara. Quando ela aproximou-se do lugar que ocuparia na mesa, seu pai ergueu-se e começou a discursar.

– Amigos, hoje é um grande dia! Hoje, minha filha Bara, princesa de Heiwa completa 15 anos de idade! 5478 dias de vida! E é o orgulho e alegria deste reino. Agradeço a presença e o carinho de todos aqui presentes que, assim como eu, só deseja o que há de melhor para a nossa prestigiada. Que deseja o melhor para esta linda donzela.

– Diga-lhes algo minha filha. – sussurrou-lhe Mahotsukai ao ouvido de Bara enquanto a abraçava, entre uma salva de aplausos.

Bara, emocionada, enxugou as pequenas lágrimas dos olhos e começou a falar:

– Povo de Heiwa e de reinos amigos, não sei o que dizer! A não ser: obrigada. Estou emocionada com tudo isso! Feliz com a presença de todos e... espero que todos possam desfrutar da mesma alegria que sinto agora, neste dia... e diante da presença de cada um de vocês. Obrigada por estarem aqui comigo! Obrigada por celebrarem comigo! Muito obrigada.

Bara reverenciou a todos em agradecimento ao terminar de falar. Ela foi aplaudida de pé por todos os presentes.

O almoço foi maravilhoso. Todos banquetearam uma comida deliciosa; crianças do reino presentearam e homenagearam Bara. Ela passeou pelas praças do reino, recebendo vários presentes de seus súditos e, por volta das quatro da tarde, todos comeram um gigantesco bolo de frutas com creme e chocolate magnifico.

Quando o sol começara a terminar de se por, aos poucos, as pessoas retornavam aos seus lares em meio a cantos de alegria e bons desejos para a princesa. Alguns dos nobres visitantes também viajavam de volta para casa, enquanto outros preferiram deixar para o dia seguinte.

Já em seu quarto, Bara e Acnarepse conversavam:

– Ac... esse foi o melhor dia da minha vida até agora!

– Eu sei minha querida. Todos puderam confirmar isso! E as homenagens feitas pelas crianças? Foram tão bonitas...

– Foram mesmo Ac. Viu o desenho que um grupo de meninas fizeram de mim? Ficou muito bom!

– Realmente meu bem. Mas já não está na hora de retirar este vestido, tomar um bom banho e se deitar Bara? O dia foi longo!

– Hum... tá legal. – respondeu Bara com expressão de criança que obedece contra a vontade.

Bara foi banhar-se, porém em momento algum deixava de segurar o camafeu ganho por Jõo admirando-o. Chegou a ser repreendida por Acnarepse, mas deu pouca atenção.

Antes de deitar-se, olhou pela janela do quarto e viu que era início de lua cheia. Observou também que pela posição da lua, poderia admirá-la junto do camafeu, deitada na cama. O camafeu era de formado oval com pedra branca sob um fundo verde-água, formando o desenho de uma arvore com as silhuetas de um leão e de um unicórnio, ambos coroados e de costas um para o outro em postura austera, uma coroa de louros cercava os três, o camafeu era emoldurado em ouro cheio de detalhes com uma coroa no alto tendo algumas pedrinhas encrustadas nela. Ela continuou admirando-o contra o luar até adormecer.

Alguns momentos depois, Bara começou a sonhar.

Ela sonhava com um belo jardim que não era de seu reino, mas ainda assim familiar. Caminhando pelo jardim, Bara avistou um jovem sentado na beira de uma fonte de querubins com uma grande roseira atrás, e foi falar-lhe.

– Oi!

– Olá! – respondeu o jovem surpreso.

– Que lugar é esse?

– Estamos no jardim de minha mãe, e você é...

– Mil perdões. Meu nome é Bara – ela fez uma reverência – Bara Kuroshy ao seu dispor.

– Sou Nemuru, prazer conhecê-la. – respondeu ele novamente surpreso.

– O prazer é meu e... onde está a sua mãe?

– Ela viajou, mas depois de amanhã estará de volta.

– Que bom! ... Você não tem sobrenome? – perguntou Bara tentando continuar a conversa.

– É melhor não o saber agora. – respondeu ele cauteloso.

– Ok então.

Ouve um momento de silêncio entre os dois.

Por mais estranho que pareça, o rapaz do sonho de Bara, era Nemuru A****n, filho de Jõo A****n, príncipe de Kyuden. Ele que só se demonstrava desperto em seus sonhos, não compreendeu a presença de Bara neles.

Receoso sobre aquela moça, de algum lugar do fundo de sua mente lhe veio à possibilidade de ela ser a mesma Bara que convidara sua mãe (já que tinham o mesmo nome), mesmo não tendo ideia de como aquilo era possível. Para confirmar, começou a puxar conversa:

– Você é bonita, quantos anos têm?

– Hoje, completei 15. – respondeu ela em um sorriso.

– Sério?!

– Sim. – afirmando com a cabeça e ainda acreditando que tudo era um mero sonho.

Nemuru então se voltou para a roseira de flores mescladas de violeta, magenta e lilás, as mesmas cores do vestido que Bara usara em seu aniversário, e a ofereceu dizendo:

– É para você! Como presente de aniversário.

Bara olhou para Nemuru, aceitou a rosa observando-a com cuidado, e agradeceu:

– Ela é linda! De todas as flores que recebi hoje, esta é a mais interessante.

Nemuru sorriu com as palavras dela, ao percebê-la usando o camafeu que antes era seu, perguntou:

– Que camafeu bonito. Como conseguiu?

– Foi um presente, da Rainha de Kyuden! Um dos melhores presentes que recebi. Depois desta rosa!

Nemuru deixou um riso escapar. Tendo confirmado suas suspeitas, continuou a conversa.

– Quando criança, já tive um parecido.

– Serio?! Então você é de Kyuden?

Bara estava tão cansada do dia que teve que achava que tudo de fato era sonho, Nemuru percebeu que ela acreditava nisso e decidiu apenas seguir o fluxo por hora.

– Sim eu sou.

– Hum... – Bara segurava o camafeu – Lembro-me de ter ficado o admirando junto à lua cheia...

– Lua cheia?

– Sim! Dava para vê-la pela janela de meu quarto, e quando dei por mim, estava neste jardim.

Nemuru não pode entender bem o motivo por trás daquilo.

– Posso lhe pedir um favor?

– Claro, diga!

– Sempre que for se deitar e for noite de lua cheia, você faz como hoje com este camafeu? Fica o observando junto à lua como hoje?

– Claro! Eu te prometo que farei sempre isto. Mas por quê?

Antes que Nemuru pudesse lhe responder, o céu que antes era limpo e ensolarado começava a ser preenchido por nuvens tenebrosas. Nemuru ficou de pé e quase a empurrando sem pensar muito, gritou-lhe:

FUJA DAQUI AGORA!!!

Diante do desespero de sua voz, ao som de uma forte trovoada, Bara acordou no susto.

Percebendo-se de novo em seu quarto, Bara viu que o luar havia sido parcialmente (quase totalmente) bloqueado pelas nuvens. Sem prestar muita atenção a sua volta, espetou o indicador nos espinhos da rosa que ganhara de Nemuru.

Ela pegou a rosa, observou-a bem, passou a observar o camafeu que ainda estava na outra mão e olhou para o céu de sua cama. – “Será que foi realmente um sonho?”.

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