Estava tudo escuro, não sentia o meu corpo e muito menos era capaz de dizer uma só palavra, eu estava ficando com medo... O que será que a Mary havia feito comigo?! E pior ainda, será que a Elizabeth estava bem?!
O pensamento de que aquela poderia se tornar uma situação permanente foi sumindo quando um forte odor de sangue invadiu o ambiente à minha volta, ou seja lá onde quer que eu estava. Pouco a pouco, leves sons de trovoadas e uma forte chuva foram surgindo, como o de uma tempestade que se aproxima!
Juntamente com o som de chuva e trovões veio também o inconfundível som de gritos, mas não de medo ou desespero, aquilo estava parecendo um campo de guerra! Esse pensamento foi confirmado quando o tinir de metais se chocando surgiu em meio aos gritos.
Onde exatamente eu estava? E que tipo de sonho era aquele?!
Achei que permaneceria apenas escutando aqueles sons quando um flash de luz brilhou e aos poucos foi se transformando naquilo que eu esperava ver. Eu realmente estava no meio de uma guerra! Só que... Aquilo tudo era tão arcaico! Soldados em grandes armaduras e segurando espadas e machados tão grandes quanto eles mesmos! Engraçado, aquilo até parecia um evento cosplay de RPG. Foi o que eu pensei antes de uma enorme bola de fogo passar voando sobre a minha cabeça e pousar de forma desastrosa em um grupo de homens com túnicas e cajados que gritavam enquanto seus corpos e vestes eram consumidos no fogo!
Eu olhava tão aterrorizado para aquilo, porque naquele momento não parecia mais um sonho ou algo do tipo, já que o cheiro de carne queimada fez com que o meu estômago embrulhasse. Quando finalmente consegui deixar de olhar para aquilo e me virei, um soldado que com certeza tinha o dobro do meu tamanho pulou em minha direção. Por instinto eu acabei levantando os braços e cobri o rosto, mas nada aconteceu, aquele soldado simplesmente me atravessou como se eu não estivesse ali e caiu em cima de um pobre mago, ele o socava com tanta força que com certeza aquele cara já havia morrido com o impacto do segundo soco.
Eu tentei de forma desesperada tirar aquele cara de sobre o mago, mas eu não o consegui tocar, as minhas mãos simplesmente o atravessaram como se fosse um fantasma. Foi então que eu parei e consegui observar melhor o lugar à minha volta. Uma forte chuva caía naquele lugar, raios e mais raios atingiam as cabeças de soldados e mais soldados, mas nada chegava a mim, eu estava completamente seco! Nem mesmo o sangue vomitado aos meus pés por um soldado sem os braços sujou me sujou.
Aquilo era um sonho ou... Uma visão?
Era uma verdadeira chacina. Tentei dizer a mim mesmo que aquilo não passava de um sonho ou alucinação por ter batido a cabeça forte demais no chão, mas algo me dizia que não, aquilo era real, ou em algum momento da história havia sido real.
- Você está com uma expressão confusa no rosto... - uma voz soou ao meu lado, era o meu pai, ele também estava lá! Mas não parecia surpreso com o que estava vendo.
- Pai...? - Eu perguntei desacreditado olhando em volta - O que... É tudo isso?!
- É uma visão criada através dos poderes da sua irmã... – Ele respondeu direcionando o olhar para os acontecimentos à nossa volta – É, ela melhorou bastante, parece tão real, não é? – Ele sorriu, parecia tão orgulhoso.
- Você só pode estar brinca-
Interrompi a minha fala de indignação quando um monstro começou a emergir do chão a metros de nós! Era um enorme dragão de escamas vermelhas que saiu pisoteando tudo ao seu redor enquanto cuspia um fogo de coloração amarelada. O cheiro que saía da sua boca era horrível, estava começando a sentir náuseas!
- Acho melhor te explicar desde o começo... – Meu pai falou enquanto fazia um movimento com as mãos, o que fez com que todo aquele cenário desaparecesse dando lugar a um imenso vazio - Como você sabe, nós somos os Hofirman - ele disse me olhando - O nosso sobrenome foi a única coisa que nunca escondemos de você – meu pai fez uma pausa - Se lembra de quando eu falei que um mundo de cheio de magias e coisas fora do comum é real?
- Sim... – respondi me lembrando da nossa "conversa" na sala, antes de eu apagar e me deparar com tudo aquilo.
- Ele é tão real quanto o Sol que ilumina o verão ou até mesmo o vento frio que sopra nos dias de inverno... O mundo que você e a Elizabeth irão conhecer é povoado por nós... Os "sobrenaturais" ... Há milhares de anos - ele disse se virando para o nada enquanto fazia rápidos e leves movimentos com as mãos. Das pontas de seus dedos parecia sair algo como uma sombra que se transformava em uma grande e viva pintura bem na nossa frente, dando vida às suas palavras – Os nifons, os mais poderosos e sábios seres vivos decidiram compartilhar com o restante das criaturas o seu conhecimento e poder... A princípio tudo estava bem, o planeta evoluiu rapidamente e adquirimos grande conhecimento e um poder além da imaginação, mas a ganância e soberba tornou a falar mais alto, fazendo com que muitas raças brigassem entre si para que somente um deles tivesse o poder dos nifons... E isso levou até mesmo alguns destes seres puros à corrupção...
- Enquanto aqueles que se corromperam concordaram que apenas uma raça deveria ter tal poder e conhecimento os que permaneceram incorruptíveis discordaram fortemente. Todos os nifons puros haviam se retirado do meio das outras raças pensando que se eles desaparecessem tudo voltaria ao normal... Mas a maldade cresceu cada vez mais, criando um mundo de caos, destruição e morte, onde os nifons que se corromperam procriavam com as outras raças, nascendo assim novos seres, que por diversas vezes extinguiram nações inteiras. Anos se passaram e os nifons puros retornaram, mas eles não eram mais inofensivos como antes, através de suas mãos todas as novas raças que haviam surgido começaram a desaparecer. Todos haviam sido mortos através de seu imenso poder; mas ainda assim, nifons não lutavam contra nifons.
Aquele "show de sombras" (se é que podia chamá-lo assim) que passavam à minha frente era incrível, mas também assustador, as cenas eram retratadas com tanta realidade que me davam calafrios.
- Era necessário algo para parar os nifons que haviam se corrompido; pois a cada dia suas ações prejudicavam mais o planeta... Foi aí que nossa família nasceu... O que eu irei te falar agora - ele disse se virando para mim - pode soar como falta de amor e compaixão, mas saiba que sacrifícios são necessários para que o certo venha prevale-
- Não são não - eu disse o interrompendo - Sacrifícios de vidas nunca foram e nunca serão necessários... Pelo menos não para mim...
Meu pai parou de falar com aquela frase, não sabia se o tinha deixado irritado ou orgulhoso, mas o sorriso que ele me mostrou em seguida retirou essa dúvida.
- É..- Ele disse enquanto as sombras se esvaiam em nossa frente - Você está certo, eles não são necessários... Mas antes de sair daqui - ele falou se aproximando, parecia estar angustiado - Você precisa saber que o sangue de muitas pessoas estão sobre nossas mãos... E que a Profecia coloca sobre os seus ombros o peso de toda a vida existente!
Aquela frase foi o que ele disse antes de tudo ficar escuro novamente, dessa vez não havia som nem cheiro, tudo estava quieto, eu estava só em plena escuridão.
Ponto de vista de Elizabeth Neve
- Ele já está dormindo há dois dias... - falei para a Mary enquanto estávamos sentadas em sua cama.
Faz exatamente dois dias desde que recebemos a notícia de que coisas sobrenaturais existiam e que Mary havia usado seus poderes tanto no Neri quanto em mim, mas ele estava dormindo desde que isso aconteceu, o que não tem deixado apenas eu preocupada, mas também todos naquela casa!
- Eu não entendi o que aconteceu... Usei a mesma quantidade de energia psíquica em ambos... Mas... – sua voz falhou por um momento.
- Será que ele vai ficar bem? - Perguntei preocupada.
- Ele é muito cabeça dura... – Ela deu uma risada constrangida – Não se deixaria abater por algo assim. Mas... - ela fez uma pausa que quase fez o meu coração quase parar.
- Mas o que?! - Questionei tentando me manter calma.
- Se ele continuar dormindo, vocês perderão a Cerimônia dos Clãs em WallBright...
- Eu não vou para lugar algum sem o Neri... - falei enquanto encolhia as pernas até os joelhos encostarem-se em meu rosto.
Naquele momento tudo era uma grande novidade... Nos últimos dois dias, tanto meu pai quanto a família Hofirman me explicaram grande parte do que existe neste "mundo novo", mas meus pensamentos estavam tão presos ao estado do Neri que não consegui absorver quase nada do que eles me diziam.
"Acorde Neri... Por favor..." pensei comigo mesma, "Eu preciso de você..."
Teria ficado ali naquela posição até o Neri acordar, mas meus pensamentos foram interrompidos quando a senhora Hofirman bateu na porta do quarto da Mary.
A senhora Hofirman sempre foi muito educada, mesmo quando a porta estava aberta como agora, ela batia e perguntava se podia entrar.
- Posso entrar? - Ela perguntou com um sorriso doce.
- Claro mãe - Mary respondeu enquanto se colocava de pé.
A senhora Hofirman adentrou no quarto com passos lentos em minha direção, se ajeitou na cama ao meu lado e me olhou com os mesmos olhos que o Neri possuía.
- Vai ficar tudo bem - ela disse enquanto colocava uma mecha do meu cabelo atrás da orelha - Ele é mais forte e especial do que você imagina...
- Se a mãe dele diz, quem sou eu para discordar, não é? - Respondi a olhando enquanto forçava um sorriso.
- Eu sei que eu já perguntei isso antes, mas você não consegue usar o seu poder para acordar o Neri? - A senhora Hofirman perguntou dirigindo o olhar para a Mary.
- Eu já disse - ela respondeu - Eu não usei muita energia psíquica no Neri... - seu tom de voz havia mudado, ela parecia angustiada - Mas aconteceu algo que o fez entrar em um estado de sono profundo após a visão ter sido encerrada... E eu não consigo tirá-lo de lá...
Eu estava tão presa ao meu mundo onde eu só conseguia ver a minha preocupação com o Neri que eu acabei não percebendo que os outros também estavam sofrendo com isso! Mary, o senhor e a senhora Hofirman com toda certeza estavam tão preocupados com ele quanto eu.
- Mary... - falei baixinho.
- Não é culpa sua minha filha... - A senhora Hofirman disse lentamente enquanto se colocava de pé e dava um abraço nela - O seu pai disse que o poder do Neri causou uma interferência, não foi?
- Eu sei, mas eu nem consigo vê-lo! Lá dentro está tão... Escuro... Ele deve estar com medo!
- Não se preocupe Mary - o senhor Hofirman respondeu enquanto adentrava no quarto acompanhado pelo meu pai - O Neri já acordou.
- O que?! - Eu perguntei surpresa me colocando de pé rapidamente.
- Eu tive uma visão, ele está no quarto acordado! Mas-
Ao escutar aquilo eu saí correndo do quarto da Mary e fui em direção ao fim do corredor, onde o Neri estava. Receber a notícia de que ele havia acordado depois de eu ter começado a pensar que ele ficaria naquele estado por muito tempo foi maravilhoso! Antes de receber aquela notícia eu estava dividida em duas, uma parte dizia que ele iria acordar enquanto a outra me falava que ele permaneceria daquele jeito... Por um momento eu não sabia a quem dar ouvidos... Mas minhas esperanças tinham voltado ao ouvir o senhor Hofirman dizer aquelas palavras!
Ao chegar na porta do quarto dele, o pude ver deitado na cama com um dos braços sobre o rosto. Por instinto eu bati na porta, ao me ver ele se sentou na cama silenciosamente.
- Neri... - falei dando um passo à frente.
- Eu acordei... - ele respondeu com um sorriso meigo em seu rosto.
Ponto de vista de Neri Hofirman
Eu havia acordado e estava em minha cama, à luz do Sol entrava pela janela e ofuscava a minha visão. Sentei-me com cuidado enquanto olhava ao redor à procura dos meus óculos, tudo aquilo não me parecia ter sido um sonho, mas ao mesmo tempo pareceu algo tão irreal. Foi quando tentei me colocar de pé que percebi o quão dolorido o meu corpo estava. Parecia que eu tinha sido usado como saco de pancadas de um boxeador.
Com um pouco de esforço consegui me levantar da cama e sair do quarto mesmo com o corpo atordoado, segui pelo corredor que me levaria às escadas para descer ao térreo, mas interrompi minha caminhada quando estava ao lado da porta do escritório do meu pai onde ele e o senhor Neve estavam conversando, me encostei à parede e comecei a escutar o que eles diziam.
- Ele já está dormindo há dois dias - meu pai disse preocupado.
"Dois dias?!" Pensei comigo mesmo "Uau! Isso é demais até para mim!"
- Não se preocupe - era a voz do senhor Neve - Agora que está confirmado que realmente é ele, ele não morrerá até que a Grande Profecia se cumpra!
"Profecia?" pensei, havia me lembrado de que naquele sonho (ou visão) meu pai havia dito algo sobre uma profecia! Uma profecia que colocava o peso de toda a vida existente sobre os meus ombros... Mas como era possível algo assim existir?!
- Eu sei, mas...
- Alex - interrompeu o senhor Neve – Você conhece algum outro Hofirman que não considere sacrifícios como algo necessário?! – Meu pai não respondeu, mas seu silêncio foi uma resposta clara até para mim - Ele é a nossa única e última esperança contra o Último Nifom! Tudo que temos que fazer agora é descobrir o poder dele...
- Controle do espaço - meu pai respondeu secamente.
Aquela resposta fez o meu coração bater forte.
- O que?! – O senhor Neve perguntou incrédulo – Mas... Isso é teoricamente impossível para um Hofirman!
- É, eu sei... E isso é preocupante. – O tom de voz do meu pai trazia a sensação de extrema preocupação.
- E mesmo que fosse possível, mesmo que ele tenha nascido com uma anomalia que permita isso... – o senhor Neve continuou com o mesmo tom de incredulidade de antes - O último que teve controle sobre o espaço foi o Jefrey Caos, faz décadas que não nasce alguém com esse dom! Como você descobriu isso?!
- O Neri nunca havia mostrado nenhum sinal do poder dele até sete anos atrás... Em uma madrugada enquanto ele dormia eu fui em seu quarto para ver se estava tudo bem, mas acabei escutando um som estranho vindo do lado de dentro... Quando eu abri a porta do quarto, o cômodo estava todo tomado por Trincas Dimensionais.
- Trincas Dimensionais?! – O senhor Neve perguntou surpreso - "Aquelas" Trincas Dimensionais?!
- Sim, as mesmas que o Jefrey invocava durante as guerras... O quarto inteiro estava tomado por aquilo! Eu entrei em desespero, não sabia o que fazer! Até que eu me lembrei do Colar Hofirman.
- Você ainda o tem? Achei que havia deixado com o Merlin...
- Ele se recusou a ficar com o colar - meu pai respondeu.
- É... Esses jovens de hoje estão nos deixando para trás - o senhor Neve brincou.
- Eu sei - concordou o meu pai - Só de pensar que Espaço e Tempo despertaram em pessoas da mesma geração me deixa preocupado...
- Neri Hofirman com o controle sobre o Espaço e Agnes Cronos tendo poder sobre o Tempo - disse o senhor Neve em um tom de voz entusiasmado - Será curioso e divertido ver os dois em WallBright esse ano!
- Não será curioso - meu pai falou - será perigoso! Se descobrirem qual o poder do Neri e que ele está na mesma escola que a Agnes, WallBright pode se tornar alvo daquelas pessoas!
- Tem razão - o senhor Neve não parecia mais tão entusiasmado - Se juntar o poder do Neri com o da Agnes...
- Poderá surgir um poder de nível Ômega! – Os dois falaram ao mesmo tempo.
- Isso é possível?! – o senhor Neve perguntou, agora ele parecia preocupado.
- O controle que a Agnes possui sobre o dom dela é descomunal e ainda nem sabemos a extensão do poder do Neri, mas se for do mesmo nível que o Jefrey Caos... É possível acontecer qualquer coisa! - Meu pai respondeu.
- Tirando o fato de que não temos a menor ideia do que realmente irá acontecer caso a maldição se cumpra... - o senhor Neve falou entristecido.
- Maldição? - Perguntei baixinho.
- Será que conseguimos quebrar a Maldição agora que a Elizabeth já está crescida? – O senhor Neve perguntou lentamente.
- A Elizabeth está amaldiçoada?! – Perguntei em tom de voz mais alto do que o esperado.
Droga! Acho que eles devem ter me escutado, pois não os ouvi falando mais. Quando o som de uma cadeira sendo empurrada ecoou pelo escritório e chegou aos meus ouvidos, voltei depressa ao meu quarto, provavelmente um deles foi checar quem havia dito algo no corredor.
Me joguei na cama mais uma vez, não sabia se era porque o meu corpo estava dolorido, mas ela parecia mais confortável que o normal, podia deitar lá e ficar o dia todo ali.
- Uma maldição e uma profecia... - falei baixinho – Mas que merda hein...
Quando o pensamento sobre tal profecia passava em minha mente, eu de certa forma sentia que não precisava me preocupar... Mas... Uma maldição sobre a vida da Elizabeth? E se ela se machucasse?! E se isso a ferisse?!
Esses pensamentos foram interrompidos quando ouvi alguém bater na porta do quarto, mesmo com ela aberta. Eu estava tão perdido em meus pensamentos que nem percebi que a Elizabeth estava parada lá.
Lentamente me sentei na cama.
- Neri... - ela disse dando um passo vacilante.
- Eu acordei... - respondi já sabendo o que vinha em seguida.
Ela correu em minha direção e se jogou em mim, me envolvendo em seus braços, fazendo com que nós dois caíssemos deitados em minha cama, ela chorava tanto que havia começado a soluçar, seu rosto estava afundado no meu peito e eu podia sentir suas lágrimas molharem a minha camiseta.
Levou um tempo, mas ela havia parado de chorar, seu rosto agora estava virado para a cabeceira da cama.
- Nunca mais faça isso... - ela disse baixinho enquanto sua voz falhava.
- Não se preocupe - respondi alisando seu cabelo - Eu não vou te deixar... Nunca...
Mais uma vez o pensamento sobre aquela maldição havia voltado a minha mente, não sabia o que era nem suas consequências, mas não podia acreditar que alguém teria coragem de fazer algo contra uma garota como ela.
- Você finalmente acordou - era a voz da minha mãe que vinha da direção da porta.
- Senhora Hofirman! - Elizabeth se surpreendeu e levantou rapidamente – Eu só... Estava dan-
- Eu te entendo - a minha mãe a interrompeu enquanto vinha em minha direção sorrindo. Eu havia me colocado de pé tão rápido quanto a Elizabeth assim que vi a minha mãe – Eu também estava com saudades.
Minha mãe me abraçou, um abraço tão quente e forte quanto o da Elizabeth, um abraço tão confortável que era facilmente, para mim, o melhor que existia.
- Também senti saudade! - eu disse quando ela se afastou - Aquelas cenas eram bem... - procurei a palavra certa - Desconfortáveis... Principalmente a do campo de batalha!
- É por isso que você e a Elizabeth tem de ir para WallBright o mais rápido possível - meu pai falou enquanto entrava no quarto juntamente com o senhor Neve - Para impedir que mais cenas como aquela aconteçam novamente.
Eu estava me esforçando para não questionar sobre as coisas que os escutei falando; mas aquele não era o melhor momento, então decidi perguntar outra coisa.
- O que é WallBright?
- Uma escola onde vocês irão aprender a controlar os seus poderes, e a melhor parte é que vocês só voltarão para a casa nas férias! Terei a casa só para mim! - Mary respondeu mostrando um sorriso.
Elizabeth e eu trocamos olhares antes de a olharmos com a nossa melhor expressão de nojo.
- Sabiam que vocês dois são ridículos?! – Mary falou cruzando os braços.
- Então deve ser de família, não é? – Respondi rindo.
- Está querendo dormir por um mês agora é?! – Ela retrucou.
- Não, obrigado! – Respondi dando um passo para trás – Dois dias já foram mais do que suficientes!
Eu nem mesmo havia terminado de respondê-la quando senti o olhar do senhor Neve sobre mim.
- Vocês podem terminar essa discussão de vocês dois depois? – Minha mãe interrompeu o quer que a Mary fosse dizer – Temos que almoçar! Tirando também que temos de organizar as coisas já que eles irão sair amanhã pela manhã.
- Já vamos para a escola nova amanhã? – Respondi mostrando meu desânimo.
- Sim! – Meu pai respondeu – Sairemos amanhã pela manhã! Serão quarenta minutos de carro até a estação onde irão embarcar no Trem 76-WB e mais um dia de viagem dentro do trem!
- Exatamente! – Mary acrescentou – A Cerimônia dos Clãs vai correr no dia sete, vocês têm que embarcar no trem dia seis às dez horas para não perderem esse evento!
- Muito bem - minha mãe interrompeu mais uma vez – Agora que as explicações acabaram, vamos descer para almoçar! O cheiro daquele macarrão está me deixando com mais fome que o normal!
- Eu vou ficar aqui com o Neri - o senhor Neve disse sem tirar os olhos de mim - Preciso falar com ele...
- Tudo bem! Mas andem logo!
Elizabeth me lançou um olhar confuso. Dei de ombros, mostrando não saber do que se tratava, mas eu sabia exatamente do que se tratava...
Assim que todos saíram do quanto ele esperou um pouco e foi até a porta para confirmar se já tinham se afastado o bastante.
- Tudo bem! O quanto você sabe?! – Ele perguntou assim que se voltou para mim.
- Do que o senhor está falando? - respondi sem graça.
- Você escutou a minha conversa com o seu pai, não foi? - Podia sentir o meu nervosismo crescer a cada palavra que ele dizia - Você não acordou quando a Elizabeth veio ao quarto... Você já estava acordado antes!
- Sim - eu respondi tentando me acalmar - Eu escutei a conversa de vocês...
- O quanto você escutou? - Ele perguntou cruzando os braços sem tirar os olhos de mim.
- O suficiente para saber que tem uma maldição sobre a vida da Elizabeth e uma profecia relacionada a mim...
Ele se manteve em silêncio, continuou com o olhar frio que sempre teve.
- Por que vocês nunca disseram nada? - Eu perguntei sério.
- Sobre a Profecia? - Ele perguntou visivelmente confuso.
- Vocês esconderam tantas coisas de nós... – falei enquanto cerrava os punhos – Poderes... Quem somos de verdade... Esse mundo de coisas mágicas! – Sentia uma angústia crescer em meu peito, cerrei os dentes enquanto juntava forças para dizer as próximas palavras – Por mais que eu queira saber sobre essa profecia, eu preciso saber se a Elizabeth vai ficar bem! O que vai acontecer com ela?!
O senhor Neve respirou fundo e se sentou em minha cama.
- Elizabeth não foi amaldiçoada por algo que minha esposa ou eu fizemos de errado – ele disse em um tom de voz que mostrava claramente a sua aflição – Aquela mulher simplesmente a amaldiçoou por puro capricho e prazer... – ele fez uma pausa – Elizangela e eu procuramos os melhores magos, bruxos e feiticeiros que conhecíamos, mas nenhum deles pode fazer nada! Nem mesmo o Merlin conseguia ir contra a magia da Fox... – ele se inclinou para a frente – Elizabeth nem mesmo havia nascido e já estava sofrendo...
- Ela...Pode morrer? - Eu perguntei temendo a resposta.
- Ela não pode... Ela vai morrer... Assim que der o seu primeiro beijo.
- O que? - Não entendo, como assim um beijo?! Se antes eu já estava confuso, agora a coisa havia ficado pior.
- Meio absurdo, não é? Eu sei, parece até um conto de fadas... - ele deu uma risada sem graça - Mas Fox Yaga não brinca quando usa sua magia.
- Então... É como um "beijo da morte"? – podia sentir uma grande onda de confusão dentro de mim.
- Falando a grosso modo, sim – ele respondeu me olhando – Mas vai muito além disso...
Um longo silêncio tomou conta do quarto.
- Posso pedir que você cuide da Elizabeth? – A frieza que sempre reinava em seu olhar havia desaparecido, me fazendo perceber o quão parecido ele era com a Elizabeth...
- Não é necessário nem mesmo me pedir isso... – Respondi com firmeza – Tenho feito isso desde os meus sete anos, não vai ser agora que isso vai mudar!
- Obrigado... - foi a resposta dele antes de se levantar e me dar as costas enquanto saía do quarto – Vamos, sua mãe está esperando!
O almoço estava ótimo, não sei se é porque seria uma das últimas vezes que eu comeria a comida da minha mãe nos próximos meses, mas ela realmente estava boa. O aroma do frango assado ainda pairava no ar.
Quando terminamos de comer, o senhor Neve se despediu de nós e partiu novamente, mas antes disso ele chamou a Elizabeth de canto para conversar; não sabia se ele estava falando sobre a Maldição, não... Acho que não... Mas mesmo assim ela parecia bem triste.
Por muitos anos a Elizabeth se despediu do pai quando ele ia embora, mas ela nunca pareceu se "acostumar" com isso, pelo contrário, ela ficava mais triste a cada despedida. Naquele dia ela voltou para a casa dela e pegou algumas coisas que iria levar para WallBright, mas voltaria para dormir em casa já iríamos para a estação de trem assim que acordássemos.
Quando ela voltou eu me surpreendi já que carregava apenas uma mala (e geralmente ela sempre prepara mais de uma quando viajava com a minha família). Sabia que ela não estava bem, pois no restante do dia se manteve calada a maior parte do tempo, até tentei puxar assunto com ela, mas tudo que eu conseguia eram respostas básicas como sim, não e de vez em quando um talvez. Foi na hora de dormir que decidi conversar com ela para valer.
- Elizabeth? - Eu perguntei me sentando no colchão onde iria dormir.
- Eu.
- O que aconteceu? Eu sei que você não está legal – o silêncio dela era perturbador para mim.
Ela se virou para mim ainda deitada.
- Por que ele sempre tem que ir embora? - Pude ver suas lágrimas molharem o tecido do travesseiro - A única coisa que ele fez enquanto estava aqui foi me dizer quais são os meus poderes... Nem mesmo perguntou como eu estava indo na escola...
- Seu pai pode não querer saber da sua educação; mas eu sim! Se lembra do dia que estávamos no intervalo e a Alexandra Smith veio te irritar e eu que comecei a irritá-la? - Estava tentando animá-la do melhor jeito possível (mesmo não sendo muito bom nisso) - Ou daquela vez que o Nícolas Thompson veio me bater e você ameaçou bater nele?
Ela sorriu.
- Esses dois dias foram legais... O Nícolas ficou com medo de mim depois disso.
Ela já estava visivelmente melhor, estava sorrindo, e isso era bom!
- Não foi legal eu ter levado um soco da Alexandra! O meu olho inchou... - Elizabeth começou a rir, quando ela parou, se sentou na cama e fixou o olhar em mim - Viu só? Sempre teremos um ao outro!
- Você e eu...... – ela disse a metade de uma frase que sempre dizíamos um ao outro.
- Sempre juntos... – conclui enquanto sorria.
Quando eu iria puxar outro assunto, ela começou, agora como a Elizabeth de antes.
- Você já sabe qual o seu poder? Ou poderes?
- Poderes? - Eu perguntei confuso - Achei que só teríamos um tipo de poder.
- Você eu não sei - ela respondeu orgulhosa - Mas eu tenho dois - ela fez um sinal com a mão - Isso mesmo! Dois poderes!
- Dois? Uau! - Disse sorrindo - E quais são?
- Eu posso criar e controlar gelo e a neve... Como também posso usar por um curto período de tempo o poder de alguém a quem eu tocar!
- Uau... Que incrível... - eu disse fingindo estar entusiasmado enquanto me apoiava em meus próprios braços e me inclinava para trás.
- Credo! Você não sabe nem mesmo fingir. Mas vai! Fala! Qual o seu poder?!
Não falaria para ela sobre a maldição, mas não poderia esconder dela o que escutei o meu pai dizer sobre o meu dom.
- Pelo que eu ouvi meu pai dizer, sou capaz de controlar o espaço, mas não tenho a menor ideia de como funciona...
- Controlar... O espaço? - Ela parecia confusa.
- Ah! Qual é? Você é inteligente o suficiente para entender isso.
- Mas é claro! Você é tipo o Cronos, certo?
- Cronos não controlava o espaço... Mas tudo bem, é quase isso.
- Esse poder parece ser bem legal, mas muito perigo... - ela disse se deitando.
- Perigoso? - Eu perguntei.
- Sim! - Ela disse com um tom preocupado - E se você perder um braço enquanto usa?!
- Nossa, que exagero!
- Certo, certo... Tudo bem, acho que você não perderia um braço... Talvez um ou dois dedos no máximo... Mas de qualquer forma, esse poder parece ser bem forte.
- Sim - eu disse enquanto me deitava também - Só tenho que aprender a controlá-lo...
- Só de pensar que amanhã vamos conhecer um mundo completamente novo eu fico nervosa...
- Não se preocupe - eu respondi - Vai dar tudo certo.
- É, você tem razão, agora vamos dormir porque amanhã vai ser um dia longo!
- Verdade... - eu respondi fazendo uma pausa - Elizabeth?
- Diga.
- Quem vai apagar a luz?
Ela não respondeu nada, pelo contrário, começou a roncar enquanto fingia estar dormindo só para não ter de levantar.
- Tá! Sua preguiçosa! Eu apago...
De um dia para o outro o tempo mudou drasticamente, saindo de uma noite quente para uma manhã fria e úmida. Achei que naquela manhã eu poderia acordar com mais calma, ser servido na cama com um delicioso café da manhã pelo simples fato de que passaria os próximos meses longe de casa... Mas não foi bem assim que as coisas aconteceram. A minha irmã entrou no quarto e começou a bater duas panelas uma na outra enquanto a minha mãe gritava para nós nos vestirmos pois estávamos de saída. O resultado de tudo isso? Eu acordei desesperado pensando que o mundo estava acabando e a Elizabeth caiu da cama. - O que vocês estão fazendo?! - Gritei para elas, que logo pararam com a baderna. - Se esqueceram que hoje vocês irão para sua nova escola?! – Minha mãe perguntou com uma animação fora do norm
Sabe quando você tem a impressão de que algo é maior por dentro do que por fora? Foi exatamente isso que sentimos naquele momento, mas não foi só uma impressão, aquele lugar realmente era maior por dentro do que por fora! Ao entramos nós nos deparamos com um salão bem arrumado e decorado com alguns sofás e até mesmo uma mesinha de centro em um canto, aquilo estava se parecendo com a recepção de um hotel luxuoso, bem movimentada por sinal, tudo que faltava era uma lareira e mordomos servindo um cafezinho. Havia cerca de uns vinte jovens lá, todos pareciam ter mais ou menos a nossa idade, alguns usavam vestes estranhas, que fazia parecer que tinham acabado de sair da idade média e esqueceram de atualizar o guarda-roupas deles, mas também tinham aqueles que usavam roupas iguais às minhas. Minha teoria sobre aquele lugar ser uma re
Elizabeth folheou o Grande Livro das Coisas até alguma folha em branco e perguntou sobre o Clã Wastly. Assim como antes, palavras e imagens começaram a aparecer pelas páginas. Me sentei ao lado dela e pedi para folhear o livro, para logo em seguida nós nos surpreendermos com o que vimos, ilustrações de pessoas sendo enforcadas e outras até mesmo queimadas em coletivo em grandes fogueiras. Mesmo sendo apenas desenhos (um pouco realistas até demais) ainda assim eram bem perturbadores. - A história deles não parece nada boa... - falei desconfortável. - Podemos deixar isso quieto... – Elizabeth disse colocando uma de suas mãos sobre minha perna. - A minha família causou problemas, Elizabeth... E eu tenho o direito de saber o que aconteceu. – Respondi firmemente enquanto a olhava. <
Havíamos voltado para o nosso quarto, deixando Alex cuidando da Mical, agora ela já não parecia mais simplesmente estar desmaiada, mas sim dormindo confortavelmente sobre sua cama. Ao entrarmos no nosso quarto, pudemos ver sobre a cama uma bandeja com alguns biscoitos, sanduíches, uma garrafa térmica e dois copos de vidro. - O que é isso? - Perguntou Elizabeth se aproximando da bandeja, pegando um dos biscoitos que estavam lá e mordendo. "Me perdoem por entrar sem permissão, mas não havia ninguém com quem deixar os alimentos! Estão todos fresquinhos! Ass: Camareira 65!"
Sabe aqueles castelos que vemos nos filmes de fantasia? Aqueles grandes e luxuosos castelos que existem nos contos de fadas? Então... Foi com um desses que nos deparamos quando saímos do trem. Um grande e luxuoso castelo! Ele tinha uma aparência antiga, com grandes torres que pareciam chegar aos céus e um enorme muro que o cercava de ponta a ponta, a única entrada visível era o enorme portão de madeira na nossa frente. Percorri os meus olhos por todo o castelo e seu muro, era majestoso! Eu estava deslumbrado com aquela visão. O trem deu partida e começou a voltar para trás, nos deixando sozinhos à sombra daquele castelo. Me virei e reparei na enorme floresta que estava atrás de nós, as árvores eram tão grandes quanto as torres de pedra de WallBright, era possível ouvir sons de pássaros que vinham de dentro da imensa floresta... WallBright realmente era cercada por uma floresta tão imens
Todos direcionaram o olhar para as portas do salão, então fiz o mesmo. Por elas entraram quatro pessoas, duas jovens e dois rapazes, ou pelo menos um deles era um jovem comum, já que o outro parecia um híbrido entre humano e cachorro (ou seria um lobo?). Eles caminhavam de forma rápida e contínua em direção ao palco em que Merlin estava, passando por entre as três mesas, uma jovem negra de cabelos curtos andava a esquerda da mesa de Ghollfried, acenando amigavelmente para os alunos, o garoto meio cachorro passou logo atrás de nós, em silêncio, apenas sinalizando com a cabeça, à direita da mesa de Infirt. Uma garota de cabelos ruivos a direita da mesa de Whitorn lançava alguns beijos pelo ar, pude até ver alguns garotos de Infirt suspirarem enquanto a olhavam, e, era impossível não o reconhecer, Meufrin Neve logo a esquerda da mesa de Whitorn, carregando consigo um silêncio acompanhado d
Seguimos pelo caminho que Jacob nos havia indicado. O corredor por onde andávamos estava cheio de portas, algumas fechadas, outras abertas nos revelando alunos dentro de seus dormitórios. Como Jacob havia falado realmente nos deparamos com o Afonso parado à porta do quarto onde permaneceremos. - Já estava sentindo falta da sua sombra nos seguindo! - falei enquanto nos aproximávamos. - Não é permitido... Os guardas verem a Cerimônia dos Clãs... Mas nos avisaram em qual Clã... Cada um de vocês estaria... - Você ainda não me respondeu o porquê de você falar travando desse jeito... - insisti novamente vez naquela questão, e, mais uma vez, a minha resposta foi um silêncio total - Tá... Tudo bem então... Como entramos aí? - perguntei se
Elizabeth e eu passamos os próximos trinta minutos procurando por mais três livros para o Alex, a Mical e eu, já que a Elizabeth decidiu ficar com que o que havíamos achado antes, mas falhamos miseravelmente pois não encontramos mais nenhum livro como o que a professora havia pedido, então decidimos voltar para nos encontrarmos com os irmãos Wastly. - Sabe... – falou Elizabeth – Esses últimos dias têm sido estranhos... Achei que iria me acostumar rapidamente, mas pelo visto vai demorar um pouco mais do que o esperado... - ela deu uma breve risada. - É claro que tem sido dias estranhos – respondi – Passamos quinze anos sendo pessoas comuns e de repente estamos em uma escola com pequenas estátuas vivas de madeira, uma garota que faz o tempo voltar e outro com cabeça de cachorro! Tirando o fato de que eu nem sei exatamente o que a minha