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Episódio 02 – O Garoto e o Djinn

Erick ficou paralisado. Um homem musculoso, com pele azul, túnica branca, braceletes dourados nos braços, uma barba preta forte, um turbante na cabeça e olhos brilhando surgiu de uma lamparina de óleo antiga em meio de feixes de luz e fumaça. Um turbilhão de coisas passava na cabeça do menino, mas depois que conseguiu dizer “Bem-vindo a Piracema”, Erick tremia e encarava o Djinn.

Djinn ou Jinn são antigos seres místicos, também conhecidos como Gênios da Lâmpada. Erick sabia o que aquele homem era antes mesmo de se apresentar, e não aguentou mais o silêncio constrangedor:

– Você é real? Desde quando você existe? Você conhece Aladim? Como ele era? Como você conhece minha língua? Ah! – Erick não estava assustado, estava animado.

– Como... Quem... O quê?! –  O Djinn ergueu uma sobrancelha, com a reação do garoto. – Antes de tudo... O que é uma Piracema?! Qual é o seu nome e onde eu estou?!

– Ah! Certo! – Erick limpou a garganta. – Meu nome é Erick Martins Hassan, tenho 14 anos e estamos em um armazém. Piracema é a cidade em que estamos, no interior de São Paulo, no Brasil.

– Hm... – Massin Al’Amus levou uma mão ao queixo, e cerrou o cenho. – Eu não sei o que é Brasil. Ou metade do que você falou. Parece que fiquei mais tempo do que esperava em minha lâmpada.

– Qual foi o seu último mestre? O que ele vestia e que língua ele falava?! Eu posso ajudar! – Disse Erick, entusiasmando, quase perdendo o fôlego. – Tipo, dá para especular que você pode ser da antiga Síria, mas como muita coisa aconteceu por lá, você pode ser de qualquer época.

– Você... quer me ajudar? – Massin soou surpreso, inclinando-se para frente, olhando com um olho maior que o outro. – Por que um humano ajudaria um Djinn?

– Ah... – Erick olhou para todos os lados, percebeu que pode ter ofendido o ser místico. – Porque você parece que precisa de ajuda. E eu ouvi... – Erick começou a se encolher e falar mais baixo, envergonhado.

– Menino. – Massin colocou sua enorme palma diante de Erick, com um gesto de parar. – Eu sou um ser mágico de mais de dois mil anos, formado pela luz e as sombras do fogo. Tenho poder para criar qualquer objeto que imaginar..., mas você que me ajudar?

– Bem... – Erick piscou e respirou fundo. – Sim. Eu quero te ajudar, como eu puder. – Ele encarou o gigante azul por um segundo e sentiu um arrepio em sua espinha, como se tivesse esfregado os pés no tapete.

– Julgamento de Gênio. – Massin Al’Amus colocou seu dedo indicador na testa de Erick e o polegar no peito. Ao dizer aquelas palavras, o armazém sumiu em meio a uma forte luz e as sombras que se moviam como fumaça pelo chão.

Erick caiu e começou a rolar por areia. Estava em um grande deserto que se estendia pelo horizonte, com um céu estrelado acima dela. Ele rolou até uma parte mais rasa, onde conseguiu se levantar. Mas ao abrir seus olhos, Erick se lembrou de quando era criança.

Era uma noite chuvosa, com trovões de sacudir as janelas. Um pequeno Erick, de apenas 7 anos, abriu a porta do quarto dos pais e pediu para se encolher entre eles. Ricardo permitiu, mas Erick não voltou a dormir. Pegando o filho no colo, ele levou o pequeno até a sala e começou a ler um livro, um conto sobre um garoto, uma caverna e um gênio da lâmpada

Erick cresceu adorando as histórias que seu pai lhe contava, mas essa era uma de suas preferidas. E enquanto crescia, também crescia seu interesse por mitologia e histórias. Ele via filmes e jogava jogos sobre isso. As brincadeiras que ele criava com Lucas eram quase sempre de guerreiros, piratas e aventureiros, que ele lia com o pai.

Em um piscar de olhos, Erick retornou ao deserto e viu Massin Al’Amus diante dele. O Djinn levou a mão que tinha posto na cabeça de Erick ao rosto, como se estivesse com dor de cabeça. Erick quase caiu desequilibrado, sem entender o que acabara de ver:

– O que foi isso? – Erick recuperando o equilíbrio. – Onde estamos?

– Bem-vindo a sua alma. – Disse o Djinn, abrindo os braços e mostrando a areia dourada e o céu azul escuro estrelado.

– O que... – Erick começou a olhar em volta. Ele não acreditou de início, mas de repente viu em um monte de areia, a cena em que seu pai lhe contava a história para voltar a dormir. – Aquele sou eu...

– Sim. Tudo aqui é você. Esse é o espaço onde você deposita sua vida. Suas lembranças, identidade e personalidade. – Disse o Djinn, como aquilo fosse normal, como uma lista do supermercado.

– Legal... – Erick tinha os olhos arregalados e boca aberta. Olhando para outra duna, viu uma lembrança de quando ainda estava tentando aprender a andar de skate e caiu de um lance de escadas. – Eu ainda tenho aquela cicatriz. – Disse ele, olhando para braço, onde tinha uma marca da queda.

– Sim. É aqui que eu aprendo mais sobre o mundo em que acordei. Peço perdão por lhe atordoar, mas achei que isso seria mais rápido do que você me explicar séculos do avanço da humanidade.

– Sem dúvida. – Erick soltou um sorriso. Aquele ser azul que flutuava parecia bem amigável, mesmo sendo desconfiado pelos primeiros momentos que tiveram. – Desculpe, você pode me falar seu nome de novo.

– Massin Al’Amus. Sou um Djinn Marid.  – Disse ele, com uma leve reverência. – Estou ao seu dispor, para realizar seus desejos.

– Massin... Al’Amus. – Erick foi quem colocou a mão no queixo. – Esse nome é complicado para dizer. Posso só te chamar de Massin?

– Ah... isso é um desejo? – Perguntou o Djinn, dando os ombros.

– Haha! Não, é só... um pedido. Se não quiser, eu posso tentar chamar você pelo nome completo. – Foi a vez de Erick dar os ombros.

Massin fitava Erick, como se ele tivesse falado algo em outra língua. O Djinn pensava nas memórias e conhecimento que viu na alma de Erick.

Um mundo modernizado, humanos proliferando, a ausência da magia no mundo. Tantas coisas aconteceram desde a última vez que esteve no Mundo Humano. E ainda tinha as várias memórias de Erick, de seus pais, amigos, momentos da infância e da adolescência.

Massin Al’Amus percebeu que Erick era diferente dos outros humanos para quem ele serviu, não só porque vive em uma situação diferente da deles, mas também:

– Por que você me trata como um igual?

– Ah... – Erick olhou para os lados, tentando fugir da pergunta, mas não estava na sala de aula, estava no meio de um deserto, dentro de sua cabeça. Que confuso!  – Por que não? E outra, você quem pediu ajuda...

– Eu não pedi ajuda... – Massin murmurou aquilo, e Erick não pareceu entender. – Você me encontrou porque ouviu alguém pedindo ajuda?!

– É... eu ouvi uma voz pedindo socorro. Não foi você?! – Erick coçou a cabeça confuso.

– Por favor... faça seu primeiro desejo. – Ordenou Massin, e Erick engoliu em seco.

Erick ficou pensando por um bom tempo. Poderia pedir os novos livros que ele queria ler, mas seus pais ainda não compraram. Um novo skate. Talvez ele poderia pedir que o gênio mudasse suas notas ruins em matemática e física.

Erick não sabia o que pedir para si mesmo, mas então pensou em seus pais, que lhe deram tudo que ele podia querer. Pensou em seus amigos, que sempre foram legais com ele. Se ele não sabia pedir algo para ele...

– Eu desejo... poder ajudar, entende? Isso conta como um desejo?

Massin abriu um largo sorriso e começou a gargalhar. Erick deu umas risadas constrangidas, mas porque não queria ficar em silêncio, mas ele não entendia o que era tão engraçado:

– Você, Erick Martins Hassan, com certeza é o humano mais interessante que eu já conheci! Seu desejo é uma ordem para mim, por isso, quero garantir, que a decisão que tomarmos aqui, será definitiva!  – Urrou o Djinn, fazendo a terra parecer infinita e o céu um teto de vidro.

– Tá certo... – Erick engoliu em seco, mas pisou firme na areia (o mais firme que conseguia) e cerrou os punhos. – Eu quero fazer isso.

Ele se lembrou da conversa com os pais. E com Lucas, e Sarah. Em todas, ele sentia aquela pontada de que estava faltando alguma coisa. Ele não sabia o que era, mas queria descobrir.

E aquele Gênio parecia saber do que Erick precisava. Os dois trocaram olhares confiantes e concordaram.

Massin Al’Amus apontou para Erick com as mãos abertas. Erick fechou os olhos e levou as mãos ao rosto, para tentar se proteger da luz ofuscante. Quando abriu os olhos, ele estava de volta ao armazém do museu. Seu desejo foi realizado!

– Ahn? – Erick não entendeu. De repente Massin havia sumido, e ele sentiu-se mais quente, mais pesado, mais... tudo.

(Acalme-se Erick. Está tudo bem.) – Disse a voz de Massin Al’Amus. – (Eu estou aqui.)

– Você... leu a minha mente? – Erick fechou os olhos e lá no fundo, viu o Djinn ainda no deserto.

– Eu lhe entreguei os meus poderes de Djinn, unindo nossos corpos, almas e mentes. Com eles, você pode realizar seu desejo, e usar a magia que possuo para algo realmente relevante. No passado, criei ouro, armas, bebidas e todas as coisas que tornaram homens egoístas em reis e imperadores. Mas você... do primeiro momento em que apareci, você não fez uma atitude egoísta ou gananciosa. Eu vivi tempo demais naquela lâmpada. Você perguntou se poderia me ajudar?! Agora, eu estou conectado com você. Use meus poderes Erick, e com eles poderá ajudar mais a humanidade que qualquer outro mestre de Djinn jamais pôde.

Erick sentiu uma energia revigorante passar por todo seu corpo. A luz e a fumaça rodeavam seu corpo. Logo seus olhos brilhavam como os de Massin Al’Amus, e suas mãos tinham a fumaça saindo de seus punhos.

Ele sentiu seus braços mais pesados, e até seu corpo mais cheio, como se estivesse mais forte. Depois que tudo se acalmou, ele reparou nos braceletes dourados, por baixo de sua camiseta, e a lâmpada parou de radiar magia. Na verdade, Erick conseguia enxergar a magia.

Uma aura colorida que cercava certas coisas. Estava cercando ele, de uma cor azulada, da mesma cor da pele de Massin Al’Amus:

– Uau! Isso é incrível! Eu me sinto ótimo! Que sensação! – Erick sorria de alegria enquanto se avaliava.

– (O que está fazendo?). – Perguntou Massin Al’Amus, da mente de Erick.

– (Eita! Você ainda está aqui?! Que da hora!). – Erick ainda estava muito animado para raciocinar.

– (Eu te disse que nossas almas e mentes estariam conectadas, não disse?).

– (Disse! Mas... eu só não esperava por isso! Quer dizer que eu sou um Djinn agora?!). – Erick não conseguia conter o entusiasmo em sua voz, mesmo que não falasse em voz alta.

– (Mais ou menos. Tecnicamente, você é um híbrido agora. Um humano com os poderes de um ser etéreo.). – Argumentou o Djinn, em um tom reflexivo.

– (Que demais!) – Pensou Erick, empolgado. Quase caiu ao dar um passo. – (Mas... eu ainda tenho muitas perguntas. Tipo: Por que você me deu os seus poderes assim? Não vai se sentir preso dentro do meu corpo? E como eu uso os seus poderes?!

– (Haha! Eu sabia que tinha feito uma boa escolha confiando em você. Você foi o primeiro humano a se preocupar com um Djinn Marid. Pelo menos que eu saiba. E eu fico aliviado de estar longe daquela lâmpada. Ela é uma prisão escura onde fiquei trancado por anos, esperando outra criatura me encontrar para realizar desejos. Eu ainda sou seu servo, ficarei feliz em guia-lo pela sua jornada. O primeiro mestre que tenho orgulho de servir!). – Discursou Massin, com sua grave voz, mas suave aos ouvidos internos de Erick.

Erick chegou a lacrimejar. Segurou o choro, pois não queria mostrar ao novo amigo que era emotivo. Mas não adiantava, pois Massin Al’Amus estava interligado com suas emoções. O Djinn também se sentiu feliz, ao ver que Erick o considerava um amigo, e não um servo.

– (Bem... E agora? O que eu faço?). – Perguntou Erick, segurando o choro.

– (A vida é sua, mestre, viva como quiser.). – Respondeu o gênio.

– (Ah! A inauguração!). – Erick lembrou-se que ainda estava no museu. – (Aliás, pode me chamar de Erick, não acho muito legal você me chamar de mestre. Haha!). – Disse Erick voltando para a parte principal do museu.

– (Como quiser.). – Disse o gênio, aliviado.

Enquanto Erick corria pelos corredores, de volta para a inauguração da exposição, ele olhava para as peças do museu com novos olhos. Olhos mágicos.

A aura azul que ele via em si mesmo havia sumido na pele, mas ele percebia aquele mesmo véu colorido cercava diferentes artefatos do museu. Queria explorar o museu inteiro de novo, mas provavelmente seu pai estava louco procurando-o. Mas outro adulto foi quem encontrou com ele, na verdade, foi Erick que deu um encontrão no homem, derrubando os dois:

– Ai! – Erick caiu de bunda no chão de madeira. Mas o barulho que mais o incomodou foi da bengala que quicou duas vezes no chão antes de parar. – Diretor?! – Erick arregalou os olhos ao ver o homem careca com uma expressão de dor e raiva, levando as mãos ao joelho.

– Argh... – O Diretor Almirez abriu apenas um olho, enquanto tentava se levantar, rangendo os dentes de dor. – Erick... Achei que já fosse grande o suficiente para não correr nos corredores.

– Carlão, não seja tão duro no moleque. – Disse outro homem ao lado do Diretor, que o ajudou a se erguer. Tinha cabelos castanhos claros, e era bem musculoso. Erick o reconheceu, pois era pai de seu amigo, Gabriel.

– Sorte a sua que não estamos na escola. – O Diretor pegou sua bengala, e ajeitou a camisa bege e as calças pretas, que ficaram um pouco amassadas.

– Desculpa. Não foi minha intenção... e eu não sabia que vocês foram convidados para a abertura da exposição. Espero que tenham gostado. Oi, senhor André. – Erick gastava a coleção de “boa educação” que sua mãe lhe dera.

– Bem, o buffet está excelente. – Disse André, batendo de leve na barriga. Ele usava uma camisa azul clara e calças jeans.

– Às vezes, Erick, mesmo com as melhores intenções, nós podemos fazer algo que nos arrependemos. – Disse o Diretor, andando para longe deles, mancando com sua bengala.

Erick e o oficial Macedo, Delegado da Polícia, trocaram olhares confusos. O garoto se desculpou mais uma vez e o policial deu os ombros. Erick seguiu para o saguão principal e André voltou para o buffet, já que o Diretor Almirez já tinha sumido de vista.

Enquanto Ricardo e Alexandre discursavam sobre sua expedição para o Oriente Médio e explicava a importância de cada peça da exposição, Erick procurou por Lucas ou Sarah. Ele notou que a amiga estava junto da mãe, a elegante Michelle, que tinha uma aura mágica impressionante. Erick ficou confuso, e começou a perceber um fino véu mágico em Sarah também. Ele achou Lucas, perto de sua mãe Ana, e da mãe dele, Luana.

– (Como todas essas pessoas tem essa energia e não sabem?). – Erick ficou curioso. Era de se esperar, conhecer a magia seria algo novo para o rapaz.

– (Pelo que entendi desse novo mundo, os humanos não estão mais ligados a magia. O próprio mundo não é o mesmo. Em algum momento, a magia formou o próprio reino, um mundo novo. Acredito que ainda exista energia mágica nesse lugar, devido que humanos ainda tenham essa energia, e muitos objetos mágicos ainda estão aqui.). – Esclareceu o Djinn.

– (Nossa! Então tem um lugar cheio de criaturas mitológicas e lendas?). – Um brilho nos olhos de Erick surgiu ao ouvir a explicação de Massin.

– (Sim, Erick. Cada povo tem um nome para aquele lugar. Um dia, você o visitará). – Disse Massin, novamente com a voz suave.

– (Que legal!) – Erick ficou mais animado com a magia. Quando ele percebeu estavam todos aplaudindo, então ele aplaudiu também.

Erick queria contar para alguém sobre Massin Al’Amus, mas não sabia se o levariam a sério. Então ele resolveu esperar.

Quando todos estavam se despedindo, Erick e Lucas tiveram que ficar ao lado dos pais. Deram as mãos ao Prefeito, Emerson Visconde, ao Diretor Almirez, e ao pai de Gabriel, Delegado André.

Por fim, tinha a mãe de Sarah. Michelle caminhou até a porta com a filha, despediu-se formalmente de Ricardo e Alexandre, e quando chegou a vez de Erick, ela ficou alguns segundos analisando o menino. Ele engoliu em seco e estendeu a mão para ela novamente:

– Foi um prazer conhece-la. – Disse Erick. Ao estender o braço, os braceletes dourados refletiram um pouco na luz, e Michelle percebeu.

– O prazer foi todo meu... – Ela apertou a mão dele e fez um rosto de espanto. – Sarah, filha, vamos indo! Eu estou com enxaqueca, quero chegar em casa logo. – Ela pegou na mão da filha e puxou-a para fora do museu, levando-a até seu carro luxuoso. Sarah apenas acenou com a mão para Erick e Lucas. – (O que foi aquele poder? Como ele conseguiu aumentar sua magia em uma noite?). – Pensou Michelle, já no carro.

Erick e Lucas ficaram confusos com a atitude de Michelle, pois eles não fizeram nada de estranho para a mãe de Sarah sair daquele jeito. Talvez ela realmente estivesse com uma enxaqueca.

As duas famílias finalmente puderam voltar para suas casas e Erick finalmente pode ver seus braceletes de gênio. Ele os admirou por alguns segundos em seu quarto, mas ao ver que já passara da 1h da madrugada, e estar com sono, decidiu apenas experimentar a magia na manhã de sábado. Sem ele perceber, já estava deitado e de olhos fechados:

– Massin? – Erick viu-se de volta no deserto com céu estrelado. Diante dele, estava o Djinn azul. Ele estava deitado no meio de uma tenda, com almofadas e tapetes para se deitar.

– Agora... isso é que é vida. – Disse ele, bebendo um líquido branco de uma taça de bronze.

– Você... como... – Erick estava confuso, mas decidiu se sentar e fazer uma pergunta de cada vez. – De onde surgiu tudo isso?!

– Bem... Magia, obviamente. – Disse o Djinn, e sua taça sumiu de sua mão em fumaça. – Eu posso criar qualquer objeto que eu consigo imaginar. Esse é o poder mágico dos Djinn: Criação. Para que possamos atender aos seus pedidos. Claro, podemos fazer muito mais, só que Criação é como nosso sexto sentido.

– Que da hora! – Erick ficou com os olhos brilhando, como se seu pai acabasse de contar um novo conto mitológico. – E você estava bebendo o que? Pensei que era um ser etéreo.

– Ainda sinto sede, fome, calor e frio. Os Djinn são capazes que existir tanto como sombra quanto luz. Isso significa que posso tocá-lo. – Ele deu um peteleco na testa de Erick, que tentou fazer o mesmo, mas foi como tentar acertar um tapa numa mosca. – Mas nem sempre você vai poder me tocar.

– Acho que entendi... – Disse ele esfregando a testa, onde fora acertado. –  E quantos seres como você existem? Tipo, mágicos?!

– Essa é uma pergunta muito aberta. Eu não seria capaz de contar os grãos de areia nesse deserto, muito menos cada criatura viva deste planeta. Mas se está perguntando dos Djinn; existem diferentes tipos de minha espécie, os mais comuns sendo os Marid, os juízes e servidores celestiais. Somos o peso bom da balança. Existem os Ifrit, Jinn sem mestre, que vagam pelo planeta. Eles são a haste da balança. E existem os Shaytan, o peso ruim, os que atormentam e buscam equilibrar os bem-favorecidos. Como para toda luz, existe uma sombra.

Erick deixou a ficha toda cair. Sempre achou que oposto de luz eram as sombras. Mas aquele enorme homem azul, deitado em várias almofadas tinha razão.

De alguma forma, aquilo era um sonho, e ele estava consciente disso, mas para outra pessoa, aquilo poderia ser um pesadelo. Ele se ajeitou em sua almofada e continuou a conversa:

– Eu ainda não tô acreditando em tudo isso. É muito surreal, sabe? – Disse Erick, fazendo um desenho na areia com o dedo.

– Acho que essa é a reação normal. Afinal, você acreditava que magia era só um exagero das lendas. Eu vi suas memórias, mas posso te garantir, Erick, que isso é tão real quanto seus sonhos.

– Ah... Sonhos não são imagens do subconsciente? Como magia pode ser tão real quanto um sonho? – Perguntou o confuso garoto, e fez o seu amigo Djinn revirar os olhos e bufar.

– Eu não te disse que essa é a sua alma? Aqui é a fonte da sua magia. O deserto é um lugar onde tudo pode acontecer. Deve ser por isso que gostei de você quando usei o Julgamento.  Seu corpo e mente te bloqueavam daqui, mas agora que consegue acessar esse lugar, começará a sentir a magia, e saberá do que estou falando. – Explicou o Djinn

Erick acordou suavemente.  Ao se levantar, viu logo de cara os braceletes dourados em seus pulos e ficou pensando no que Massin havia dito em seu sonho. 

Começará a sentir a magia.

Era verdade. Era aquele calor que você sente logo quando acorda, aquele formigamento pelos pés ao pisar com força no chão.

– (Vejo que está se adaptando rapidamente a sua energia.). – A voz de Massin ecoou pela mente de Erick.

– (Sim. Obrigado por me mostrar tudo isso, Massin.). – Disse Erick, levantando e trocando de roupa.

Eram 9h30 da manhã de sábado, e seus pais ainda estavam dormindo. Afinal, a noite anterior foi longa para eles.

Erick não queria acordá-los, mas não conseguiu conter a ansiedade. Sentia aquela sensação boa de tomar algo gelado num dia quente de verão, ou algo quente num dia frio e chuvoso:

– Me ensine a usar a magia! – Disse Erick, estendendo os braços.

– (Concentre-se no que quer fazer. Sua energia vai começar a fluir pelo seu corpo, e quando isso acontecer, visualize o objeto que quer criar. Quando isso acontecer, libere sua energia para fora.). – Instruiu o Jinn. E assim Erick fez.

Ele pensou em várias coisas a se fazer, enquanto a aura azul cobria seu corpo. Seus cabelos bagunçados ficaram eriçados, todo seu corpo arrepiou e suas pupilas dilataram.

Ele pensou naquele tapete, o que conversou com Lucas e depois com Sarah. Era lindo, com detalhes negros no tecido dourado. Também pensou nas toalhas que ele e Lucas usavam como capas para suas brincadeiras na infância, então:

– Criação: Tapete Mágico! – Um enorme carpete dourado escuro surgiu na frente dele. Era parecido com aquele da exposição, mas era bem mais leve que um tapete comum. Parecia mais uma toalha mesmo. E a melhor parte, ele se movia sozinho. – Minha Capa!

Logo Erick sentiu seus pés tremerem e seus olhos vacilarem. Toda aquela sensação boa de acordar motivado se transformou em querer deitar de novo. Sua cabeça ficou leve e ele ia cair de cara no chão, se seu novo tapete mágico não o segurasse em pleno ar, flutuando sobre o chão.

– (O que... O que aconteceu?). – Perguntou Erick, com sua voz fraca em sua mente.

– (Seu idiota.) – Falou Massin, com tom surpreso. – (Você usou magia demais pela primeira vez. Sem falar que deu um nome a ela. Capa. Agora ela possui um pouco da sua energia mágica). – Disse Massin, como se cruzasse os braços, explicando o que para ele era óbvio.

– (Eu... tenho que dormir de novo?). – Perguntou Erick, quase babando em Capa.

– (Há outras consequências para uso excessivo de magia. Teve sorte de ser apenas uma exaustão. Logo ficará bem, mas sim, aconselho que volte a dormir por enquanto.). – Respondeu o Djinn, balançando a cabeça.

– (Ok... me acorde em meia hora.). – Disse Erick, voltando a dormir, só que agora em cima de seu tapete mágico chamado Capa.

Enquanto isso, Sarah e Michelle ensaiavam juntas seus instrumentos. A mãe no piano, e a filha no violino. Faziam uma linda melodia, ecoando pela grande casa.

O casarão em que elas viviam ficava em um dos poucos condomínios fechados de Piracema. Piso de mármore, uma piscina e uma árvore grande no quintal, decoração com lustres e cristaleiras prateadas definia os cômodos da casa. Quando elas finalizaram a música, aplausos também ecoaram pela casa:

– Bravíssimo! – Batia palmas à professora de música de Sarah, Thalita Caballero. Ela tinha cabelos morenos, olhos castanhos profundos, um nariz mais acentuado, lábios exaltados pelo seu forte batom, e usava um terno e saia feminina. – As duas unidas criam uma harmonia perfeita!

 – Não precisa nos bajular tanto, Thalita. – Disse Michelle, levantando-se do banco do piano, com um sorriso. – Pedi que viesse neste sábado para avaliar nossa música. Quero que me diga em que erramos. Eu e minha filha não tocamos juntas há um bom tempo.

– Mas eu não tenho o que criticar. Sarah evolui em suas técnicas musicais a cada ensaio... E você no piano é fabulosa. – Disse a professora, ajeitando seu terno cinza.

– Obrigada! Mas sempre há espaço para melhorias, não é filha? – Perguntou Michelle, virando-se para a filha.

– Sim, mamãe. – Disse Sarah, guardando o violino. Ela estava pouco animada com o ensaio. Michelle puxou Thalita para mais perto e sussurrou ao seu ouvido.

– Você se importaria de ficar um pouco mais de olho na Sarah? A empregada diz que ela só fica no quarto dela fazendo as coisas da escola, e ontem conheci dois dos colegas dela da escola. – Disse Michelle, enfatizando um tom grave quando falou dos colegas de Sarah.

– Isso não seria invasão de privacidade? – Sussurrou a educadora.

– Não se ela te contar tudo como uma amiga. E eu vou te pagar a mais por minuto que passar com minha filha. Acho que ela poderia se beneficiar com uma amiga mais velha que ela. Entende?

– Ah! Sim... Claro... – Thalita ficou constrangida quando sua chefe lhe chamou de “mais velha”, mas nem ligou, pois iria receber mais dinheiro.  – Quanto exatamente a mais você quer que eu fique com ela?

– O quanto achar melhor. Após as aulas, uns quinze minutos devem ser suficientes. E lembre-se, haja naturalmente e não deixe que ela perceba. Ok? – Michelle acompanhou Thalita até a saída da casa, onde poderiam falar sem Sarah ouvir. – E mais uma coisa, se ela citar o Erick, eu quero que me diga assim que possível. Erick! Guarde este nome.

– Entendido! Pode deixar. – Thalita não sabia se era a coisa mais ética de se fazer, mas ela aceitou pelo aumento. – Obrigada mais uma vez pela oportunidade.

Assim, Michelle voltou para casa e Thalita entrou em seu carro para ir embora. Sarah já tinha voltado para o quarto e começara a ler um livro em sua cama. Michelle passou pela porta do quarto da filha, e a deixou em paz, lendo. O gatinho de Sarah, um siberiano com pelos castanhos longos, chamado de Milo, deitou-se ao lado da dona, que fez carinho atrás da orelha dele, e seu bichano começou a ronronar. Ela sorriu para o gato e continuou lendo seu livro.

Quando Erick acordou de novo, viu dois rostos familiares, com expressões distintas. Seu pai, ajeitava os óculos quadrado no rosto com uma mão e coçava a barba com outra. Sua mãe, tinha as duas mãos contra a cabeça, olhos arregalados e a boca aberta, mas sem emitir som. Ao sentar-se, Erick percebeu do que eles estavam tão intrigados:

– Ah... – Erick percebeu que estava dormindo em um tapete dourado escuro, que eles nunca viram antes, no meio de seu quarto, ao invés de sua cama. – Eu posso explicar.

– Erick... – Disse a mãe, indicando que ele não começasse. – Se você me disser que esse tapete enorme, que é quase idêntico ao que estava na parede do museu ontem, sempre esteve aqui... eu vou te colocar em castigo para sempre!

– Não era isso que eu ia falar. – Erick engoliu em seco o mais rápido que pôde, e sua voz afinou ao responder a mãe.

– Jura... e esses seus braceletes de ouro nos seus braços são a nova moda?! – Perguntou Ricardo, continuando no mesmo tom que a mãe.

– Ah... – Ele tentou esconder os braços, como se seus pais já não tivessem visto os braceletes.

– Erick Martins Hassan... – A mãe de Erick deixou as palavras escaparem entre seus dentes, de tão nervosa que ela estava. Erick sabia que ela estava zangada, mas não “me chamar pelo nome completo” zangada.

– Comece a se explicar rapaz. – Disse Ricardo, cruzando os braços, e franzindo a testa. Erick quis dizer a verdade, mas não sabia se seus pais acreditariam.

– Bem... E se eu contasse para vocês, que ontem à noite, eu escutei uma voz na minha cabeça, pedindo por ajuda. – Começou Erick, cauteloso. – E no lugar de alguém em perigo, eu tenha achado uma lâmpada de bronze árabe antiga, que tinha um Gênio, e ele me concedeu os poderes dele... E agora eu posso usar magia e criar qualquer objeto que eu pensar.

– O QUÊ?! – Gritaram Ricardo e Luana em uníssono.

– Espera! Eu posso provar! – Erick fechou os olhos e focou o pensamento. Aquela espada. A cimitarra que seu pai lhe mostrara na segunda. – Criação: Espada!

A espada persa surgiu nas mãos de Erick com um flash de luz. Ele sorriu ao segurar a lâmina, maravilhado. Também sentiu gosto de metal na boca, mas não iria revelar isso para os pais. Falando neles, eles estavam boquiabertos, a mãe deu um tapa no ombro do marido:

– Ele tem Magia! – Disse Luana, brava com o marido.

– Eu estou vendo! – Disse Ricardo, batendo contra a própria testa.

– Espera... VOCÊS SABIAM?! – Erick foi quem gritou agora e a família ficou trocando olhares.

Aquele foi com certeza, o café da manhã mais constrangedor da vida de Erick. Ele não tinha arranjado uma namorada e seus pais estavam perguntando cada detalhe dela. Não tinha feito alguma besteira colossal que fizesse ele perder o direito de sair de casa para sempre. Dessa vez, era ele que estava dando a bronca nos pais:

– Por que vocês nunca me contaram antes?! – Perguntou Erick, terminando de comer seu pão com manteiga.

– Não é todo mundo que aceita bem isso, Erick. – Explicou Ricardo. – Me levou quase oito meses para fazer sua mãe acreditar.

– Então vocês fazem parte de uma sociedade secreta de feiticeiros?! – Perguntou Erick, tanto animado com a possibilidade, quanto furioso por não saber disso antes.

– Não! Não conseguimos fazer magia... não como você. – Disse Luana, olhando desconfiada para os braços do filho.

– Eu consigo ver magia desde os 16. Sua mãe sentiu isso quando nos conhecemos, mas ela não aceitou o termo “magia” de primeiro. – Disse Ricardo, terminando sua xícara de café.

– As pessoas não acreditam mais em feitiços e magia, filho. Chamam de outros nomes; ilusionismo, milagres... e tem o fato de que a ciência nos ajuda a entender tudo o que não é magico. De acordo com a pesquisa do seu pai, a magia, de verdade, sumiu do mundo há séculos atrás.

– Pai... – Erick olhou diretamente para o rosto barbudo do pai, e encarou–o nos olhos. – Seus livros... todas aquelas histórias que você me contava sobre mitologias e lendas. Você sabia que elas eram de verdade?!

– Isso ainda não foi comprovado. Nada disso não passa de uma hipótese.

– Hipótese?! – Erick se levantou da sua cadeira, e sua aura azul cresceu sobre ele. – O Massin não é uma hipótese!

– Erick... – Os dois começaram a tossir. – Fique calmo!

Os dois pais de Erick caíram contra a mesa, fazendo uma bagunça com os pães, manteiga e o café. Erick arregalou os olhos assustado e tentou acordá-los, mas eles pareciam em um tipo de transe.

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