Na terça-feira Jane me procurou após as aulas:
― Professor ― disse ela ― já estou há algum tempo sóbria; nada de drogas, bebidas, cigarros... resolvi abandonar de vez essa vida miserável, mas queria pedir um conselho ao senhor... Tem uma igreja lá na vila que já faz um tempinho eu estou indo nela; o pastor fala umas coisas que mexem lá dentro de mim e ele pergunta se eu quero receber Jesus... eu falo que quero e aí ele pede para “mim” contar a história da minha experiência nas ruas... O que o senhor acha?
Pego assim de surpresa fiquei calado durante algum tempo. O que eu diria? Apesar do verniz de educação que eu recebera desde que me mudara para a chácara, ainda tinha um ranço de ateísmo que me fazia embirrar com qualquer religião.
Jane ficou aguardando a minha resposta; como ela demorou, repetiu:
― E a&i
Afinal chegou o domingo! Eu estava bastante animado; já há algum tempo todas as vezes que me aproximava de Bela, sentia uma espécie de corrente elétrica me percorrendo a espinha. Nunca fui bom no trato com as mulheres... minha vivência resumia-se a algumas tentativas de namoro na faculdade que não se desenvolviam e deixavam-me um tanto frustrado. Mas também nunca sentira por ninguém o que eu estava experimentando por Bela... só que esbarrava na minha timidez. E quando aparecia uma oportunidade para me declarar, perdia o folego, suava frio e dava uma desculpa para me ausentar até voltar ao normal.A possibilidade de sair sozinho com ela mexia com o meu sistema nervoso, mas me dava um prazer inefável. Eu me sentia como o menino que vai pela primeira vez ver Papai Noel no shopping.Saímos às nove horas. Bela já tinha alertado Julião que iríamos passar o domingo n
Após o almoço Julião nos convidou para um passeio no sítio. Era o seu pedacinho de Mata Atlântica todo replantado por ele; sentamo-nos em um banco rodeado de frondosas árvores, espécimes raros, alguns em vias de extinção. Havia ali Jequitibás, perobas, ipês, sucupiras e até jacarandás... árvores de madeira nobre que despertam cobiça em exploradores e ladrões da floresta.Bela provocou Julião com a seguinte pergunta:― Tio, você nos deu uma profunda aula de ciência, falando de átomos, física quântica... e muitas coisas mais. Mas a ciência não engole o ocultismo... por quê? Onde está o gargalo?Julião riu bastante com a brejeirice da moça. Depois começou a responder a questão:― A pergunta “Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos?...&rdqu
A rotina na chácara prosseguia!Algumas vezes em minha folga visitei meus familiares, mas foram momentos breves com intuito de matar as saudades que eu sentia de minha mãe. Aproveitei para devolver as chaves do apartamento visto que eu não utilizava mais o mesmo e ― confesso com uma pontinha de vergonha ― foi para fazer uma raivinha a Junior. Não abri o jogo de onde eu estava nem o que fazia. Mencionei apenas que conseguira um emprego decente que me oferecia as comodidades que eu precisava.Numa segunda-feira depois que todas as aulas terminaram fui até o pavilhão para pegar um livro que eu esquecera ali. Estava justamente à procura quando Mércia entrou e, pela atitude dela, percebi que alguma coisa grave tinha acontecido.― O que foi Mércia, aconteceu alguma coisa? ― Perguntei solícito.― Aquela safada vai ver só com quantos paus se faz uma canoa... ― vociferou a mo&cce
O mês de dezembro chegou anunciando os festejos de Natal, a festa máxima da cristandade; Guida, auxiliada por Bela, dirigia e orientava a decoração da chácara, pois programava-se uma comemoração reunindo todos os participantes daquela comunidade. Dentro das minhas possibilidades também procurei ajudar da melhor maneira possível pendurando enfeites e luzes.Para mim era uma novidade! Sempre achei o Natal muito chato e minha família não tinha tradição com tais festejos, apesar de meu pai como bom carcamano cultivar a tradição cristã..., porém, trabalhando como ele trabalhava não sobrava qualquer tempo para nenhuma outra atividade que não fosse a fábrica. Por isso tínhamos no máximo uma pequena árvore em um canto escondido da sala sem qualquer destaque. Na véspera cada um ia para seu lado cuidar de seus compromisso
Acordei tarde, aliás, quase não dormi tal o deslumbramento daquele momento mágico da madrugada. A partir daquela hora bendita esqueci-me de toda e qualquer birra que eu pudesse ter quanto ao significado do Natal que passou a figurar como o dia mais feliz da minha vida.Logo que me vesti procurei Guida; ela levantara-se cedo e mesmo sendo feriado já comandava a labuta diária verificando as necessidades da chácara. Contei a ela o acontecido, exprimindo-me com toda a franqueza e sem omitir qualquer detalhe.Ela me pegou pelo braço e levou-me até a mesa na sombra onde nos sentamos. A seguir comentou:― Desde o dia em que nos encontramos na pracinha da vila eu sabia disso. Estava escrito no destino de vocês! Eu fico muito feliz, pois amo Bela e nesses meses de convívio aprendi a amar você, também. Você mudou muito Antônio; e para melhor! Que diferença do homem de onte
Eu e Bela resolvemos passar o fim de ano na praia, já que ela não se recordava de ter alguma vez rompido o ano dessa forma. Eu também precisava visitar minha mãe e, portanto, resolvemos matar “dois coelhos de uma cajadada só’. Iríamos no carro de Guida que se prontificou a cedê-lo para fazermos a visita. O duplex da família tinha direito a quatro vagas na garagem e, por isso o carro seria guardado ali sem problemas enquanto rompíamos o ano na praia que ficava em frente.Durante a semana liguei para minha mãe e verifiquei se ela iria sair. Disse-me que não, que ficaria tomando conta dos netos enquanto Junior e Amélia iriam passar o réveillon com amigos.No dia trinta e um à tardinha saímos para a residência de minha mãe. O trânsito estava pesado, principalmente quando começamos o percorrer o extenso acesso à beira-
Bela foi até o pavilhão onde eu estava dando aula para a turma:― Tia Guida mandou chamá-lo ― comunicou. ― Está esperando você na secretaria.Pedi à turma que aguardasse em sala e fui atender a diretora. Entrei na sala, um casal estava junto à Guida; ela os apresentou:― Antônio, estes são os pais do Bento. Conseguiram seguir a pista dele que os trouxe aqui. Vá lá no pavilhão converse com ele, prepare seu espírito e o traga aqui, respeitando, é lógico, seu livre-arbítrio. Se ele vier que seja em total paz, sem qualquer mágoa ou ressentimento no coração. Vá com Deus, confio em você.Voltei ao pavilhão e pedi ao Bento que me acompanhasse até o salão de jogos. Lá argui ele:― Bento ― perguntei ― você é o mais velho da turma e o mais calado. Pelo que sei você
Com a saída de Bento abriu-se uma vaga no pavilhão. Certo dia, seis horas da tarde, Guida perguntou se eu gostaria de ajudá-la a percorrer os antros onde se reuniam as tribos dos drogados e ver se encontrava quem quisesse uma recuperação.― Muitas vezes voltamos para casa sem conseguir nada ― explicou ela ― podemos esperar até um mês ou mais para achar alguém que se enquadre no perfil do viciado que possui o desejo real de se afastar das drogas. Cada viagem é uma aventura! Vamos atravessar caminhos perigosos onde não existe lei... os traficantes querem nossa cabeça e, por isso, precisamos cuidados redobrados. Não gosto de expor Bela nessas empreitadas; prefiro que ela permaneça aqui, mas agora, se concordar, tenho você para me acompanhar e, com certeza vou me sentir segura.Depois do episódio de Bento, Guida redobrara a confiança em mim. Eu fiquei muito feliz c