02

Intrigas

Chega a sua casa cansada e vê seus pais brigando outra vez. Seu pai se juntava com alguns “amigos” à noite, bebia um pouco demais e às vezes chegava meio alterado em casa, brigando, discutindo com sua mãe.

Foge para a cozinha e encontra seu irmão sentado num canto, lendo um livro, se entreolham com rostos de desanimo, ele sempre fora um ótimo amigo, e ajudava a segurar a barra nesses momentos difíceis.

André:—Como foi hoje?

Kimy:—Cansativo, estou pensando seriamente em mudar de área.

André:—Tenha paciência, em breve vai se formar como psicóloga. (Ri)

Kimy:—Haha, não consigo nem resolver meus próprios problemas, e resolver os de outros então, sei lá. Eles estão brigando há muito tempo? (Se referindo aos pais)

André:—Sim, ele pisou na bola feio desta vez.

A mãe entra na cozinha, dá um beijo nos filhos se despedindo e sai de casa, desta vez ela estava nervosa, pega um taxi e vai para casa da avó, que morava numa cidade próxima.

Apesar dessa situação desagradável, seu pai era um homem bom, muito generoso e amigo, por isso era doloroso para eles vê-lo nessa situação, no fim, o que acontecia com ele servia de lição para ela e seu irmão ficarem longe de vícios e más influências. O pai vai para o quarto e fecha a porta ruidosamente, André se levanta para conversar com o ele.

André:—Bom, chegou minha vez de falar com ele.

Kimy:—Você é um anjo, não teria essa paciência.

André:— No mundo não existem pessoas perfeitas, mas pessoas que fazem a diferença em meio as imperfeições.

Kimy:—Nossa!

Ele pisca para ela e sobe a escada, para falar com seu pai, aquela frase a faz pensar em Aragon, se seria tão sábio e amigo como seu irmão, imagina Aragon como um velho, de barba cinzenta encostada no chão, usando uns óculos com lente fundo de garrafa, passando o dia todo lendo livros empoeirados, ri ao visualizar alguém com 100 anos, fica curiosa sobre ele, e aproveitando que o Aragon estava a fim de saber mais sobre ela, resolve ir em frente:

“  Olá Aragon,

Antes de a gente continuar...

Eu tenho uma pergunta, se não quiseres responder eu entenderei... Acontece que ainda não sei teu nome,... É Aragon mesmo? Seria diferente, mas parece nome meio medieval, não? Tipo daqueles filmes antigos em que o servo chega ao trono do rei se ajoelha e diz:Vossa Majestade Aragon os presos estão fazendo uma rebelião no calabouço, o que devo fazer: jogá-los à sorte dos crocodilos? (Haha desculpe)          LOL

Meu nome é Kimy, ficaria mais fácil nossa comunicação se eu soubesse teu nome?

 

Aperta o botão ENVIAR muito rápido e se arrepende por alguns segundos de não ter revisado melhor o texto, fica imaginando qual seria o temperamento de Aragon, e que talvez ele não gostasse muito desse tipo de abordagem, mas se sentia bem em ser sincera. Para sua surpresa ele responde logo em seguida, como se estivessem falando ao telefone, dizendo:

“    Oi Kimy,

Vc não é a única pessoa a ter uma ideia "antiquada" de mim, me chamo Fábio, envio uma foto em anexo para que vc não pense que sou um "homem das cavernas"... rs

Eu estou em Sampa, Gostaria de saber de onde vc está teclando ?       

Fica surpresa mais uma vez, ele era jovem e bonito, com olhar sincero e meigo, mas que dialogava de uma forma muito madura, ela sempre quis conhecer São Paulo, mas por ser muito longe de sua cidade, passa a achar que um relacionamento com ele não daria certo, por isso fica receosa de continuar aquele diálogo, estava prestes a compartilhar assuntos íntimos com alguém que tinha surgido do nada, mas era uma experiência nova continuar a conversar com um cara que parecia ser legal, e além do mais, tinham interesses em comum.

Responde, mas se sentia um pouco estranha por estar sendo tão amiga dele, pois nunca o vira pessoalmente, mas não importava se morava a centenas de quilômetros de sua cidade, era mais um amigo a ser conquistado, o que não tinha ideia era quão especial esse amigo se tornaria com o decorrer do tempo.

Indefesa

No fim de semana à noite, Kimy se encontra com seus amigos numa danceteria badalada da cidade, ela vestia calça jeans, camisa xadrez, botas e chapéu de cowboy, bem animada fazendo aqueles passinhos de dança country no salão, sentindo a emoção de ver aquela galera toda no mesmo compasso, um rapaz passa a acompanha-la na dança com o mesmo entusiasmo e quando começa um remix da música “I hate this part” (da Nicole Scherzinger), a empolgação aumenta e ele começa a ficar mais “colado” nela, pegando-a pela cintura e fazendo-a girar, ela passa a ficar um tanto incomodada com aquela proximidade, então quando ele tenta abraçá-la, ela afasta os braços dele, pede licença e vai para sua mesa, o rapaz faz uma cara de não entender o que teria feito de errado. Talita que acompanhara toda a cena vai até a mesa sentar com a amiga:

Talita:—Aí, está tudo bem?

Kimy:—Resolvi descansar um pouco só isso.

Talita:—Meu, qual é a sua, aquele cara é super gente fina, não precisavas tratá-lo daquele jeito!

Kimy:—Achei que ele estava avançando demais o sinal, está bem?

Talita:—Já sei, está comprometida com alguém, só isso podia justificar sua atitude.

Kimy:—Na verdade tem um cara sim e não consigo tirá-lo da cabeça.

(Vira o olhar pensando em Fábio)

Talita:— Está saindo com o Edu?

Kimy:—Não quero falar sobre isso agora, acho que vou indo.

Talita:—Espera mais um pouco, vamos juntas com a turma?

Kimy:—Melhor ir sozinha, preciso esfriar a cabeça.

Talita:—Cuidado na rua, hem?

Kimy sai da danceteria, e começa a andar a passos rápidos para casa, se recrimina por ter tratado mal o rapaz, Talita tinha razão, ela havia sido rude, por vezes acha até melhor voltar e tentar resolver isso, mas desiste e continua a andar rumo à sua casa. Ao atravessar uma pequena ponte, vê dois rapazes encapuzados fumando cigarro, um deles assobia para ela, deixando-a assustada e o outro começa a falar alto:

—Hei, chega aqui.

Ela olha para trás e vê os rapazes saindo da ponte e vindo na direção dela, ela acelera o passo e para seu desespero a calçada a frente estava em reforma, obrigando-a a cortar o caminho por dentro da praça, se sentia como uma ovelhinha entrando no covil do lobo.

Desta vez resolve correr, olha para os lados tentando avistar alguma alma viva para pedir ajuda, e para piorar o salto de sua bota entorta, fazendo-a torcer o pé e começar a mancar, mesmo assim, continua a andar, tentando se recompor, mas ao chegar próximo da calçada torce o pé de novo, desta vez sente a dor da contusão e se apoia numa árvore para não cair no chão, então fica apavorada, sente-se indefesa ao ver os dois encapuzados andar devagar na direção dela,  como se tivessem domínio da situação.

Continua a ouvir suas vozes:

—Não precisava ter fugido.

—Hei guria, a gente só queria trocar uma ideia.

Kimy começa a chorar sentindo dor no pé, e continuava incomodada ao ouvir suas duvidosas intenções, então nesse instante um carro aparece, vindo na direção deles com os faróis altos. Kimy acena para o carro com esperança que ele pare.

Aparências

 O carro freia abruptamente perto deles, fazendo os rapazes recuarem para trás, o motorista sai do carro e vai ajudar Kimy. Pergunta:

—Oi Kimy, o que foi?

—Eduardo, que bom que apareceste. Torci meu pé, está doendo.

Enquanto Eduardo ajuda ela a se levantar e a sentar no banco do carro, os outros rapazes ficam observando, falando baixo, resmungando. Eduardo pergunta:

—Qual é a de vocês?

—Tentamos ajudar a guria, mas ela estava meio apavorada.

Eduardo acena para eles manterem distância, entra no carro e sai dali, Kimy pede para levá-la em casa, no caminho conversam:

Edu:—Quer ir no PS?

Kimy:—Não precisa, já está melhorando.

Edu:—O que aconteceu lá na rua?

Kimy:—Achei que eles estavam me seguindo e aí tentei fugir e torci meu pé, quando você apareceu (...)

Eduardo pega o celular e liga :

Edu:—Tio, tem dois Nóia na praça, pede para o Luizão dar uma conferida (...)

(Kimy interrompe)

Kimy:—Hei, não faz isso, posso estar enganada sobre eles.

Edu:—Não se preocupe, eles só vão conversar com os caras, e além do mais eles poderiam fazer o mesmo com outra garota.

Kimy:—Acho que tem razão, não sei o que seria de mim, se você não tivesse aparecido. Obrigada!

Edu:—Foi uma coincidência mesmo. Hei, qualquer dia podíamos sair para dar uma volta, o que acha?

Kimy:—Está legal, pode ser sim.

(Ruboriza com o convite inusitado)

Eduardo chega a casa dela, André vem até o carro e agradece o Eduardo, iniciando ali uma amizade com ele, trocando até seus números de celular, Kimy agradece a Edu com um beijo no rosto:

—Obrigada Du, me salvaste dessa. Nem sei como agradecer?

—Vai surgir uma oportunidade. (Sorri)

Despede-se dos irmãos e sai de carro.

André:—Cara legal!

Kimy:—Pois é, ele apareceu do nada.

André:—Tem bom gosto Kimy!

Kimy:—Hei, não tem nada entre a gente. (Ruboriza)

André:—Não tem nê, só quando você agradecer na “próxima oportunidade”?

Kimy:—Ah, mas que bobo. (Soca o braço dele)

André corre para dentro da casa com Kimy atrás, querendo bater nele. Enquanto isso, do outro lado da rua, um misterioso rapaz de boné, termina de gravar aquela cena com o celular e envia o vídeo para seu contato. Longe dali, num posto de conveniencias, Eduardo fala com seu tio pelo “viva voz” do carro:

—Me explica tio, como você sabia que a moça estava na praça?

—Já te disse, tenho bons contatos.

—Então, foi melhor do que eu esperava. Conseguiram pegar aqueles marginaizinhos?

—Sim, deixa eles comigo, não vão mais incomodar ninguém.

—Ótimo, depois nos falamos! (Desliga)

O tio de Edu desliga o celular, pega um envelope do bolso e entrega para os dois encapuzados que haviam perseguido Kimy na saída da danceteria.

—Valeu Velho!

—Agora caiam fora.

—Vamos nessa...

O tio fica observando aqueles dois se afastarem, enquanto confere as novas mensagens do seu celular.

Portal dimensional

Exausta, Kimy vai para o quarto, deita na cama cansada e fecha os olhos. Após um tempo, se incomoda ao sentir o ambiente ficar carregado, e seu coração dispara ao sentir a presença de alguém no quarto, como uma sombra, envolvendo-a, se levanta, olha para trás e se assusta ao ver um vulto sair pela janela, desce da cama, vai até a janela e enxerga uma praia de areias-brancas abandonada, e ao longe vê uma pessoa olhando para o mar. Aquela cena lhe traz um “Deja-vu”, o sentimento de haver uma profunda conexão de sua vida com esse lugar.

Atravessa uma passagem dimensional, não vê mais sua casa atrás de si, e sente como se estivesse saindo de uma caverna. Curiosa com aquele lugar inusitado vai na direção daquela pessoa na areia da praia e ao se por de frente fica perplexa ao ver que se parecia muito com ela, apesar dela aparentar ter uns 40 anos. Enquanto olhava para o mar , vários fios de luz flutuavam em torno dela, formando uma aura.

De súbito ela vê uma árvore diferente, que irradiava luz de dentro para fora, sabia que aquela árvore era importante, porém não se lembrava porquê, então se dirige até ela cuidadosamente. Nesse instante uma anciã vestida de branco aparece à sua frente, ela possuía um corpo translucido e iluminado, e posiciona-se entre Kimy e a árvore, bloqueando sua passagem.

Diegese

Intervalo atemporal

Aquela misteriosa anciã continuava à sua frente, mas Kimy percebe que ela não tinha o propósito de impedi-la passar, ou de tirar seu livre arbítrio, ela estava lá com o proposito de ser uma Guia, ajudá-la a entender aquele lugar e assim orientar suas ações. A Guia percebe a perplexidade de Kimy diante desse cenário incomum, então inicia:

Guia:—Bem vinda de volta a esta lacuna no tempo controlada pelo sistema “mar de Vidro”

Kimy:—Já vim aqui antes?

Guia:—Sim, costumas vir aqui durante os sonhos. (sorri)

Kimy:—E o quê venho fazer aqui?

Guia:—Talvez para lembrar que pertences a um futuro distante, e que te permitiram voltar ao passado para obteres uma visão espiritual mais ampla.

Kimy:—Mas porque eu iria querer isso?

Guia:— Fazes por amor, daí aceitastes esta retrospectiva para reencontrar teu marido após esta vida (...)

Kimy:—Mas eu não casei ainda... (confusa)

Guia:—Muita coisa está para acontecer Kimy!

Kimy:—Porque não deixas me aproximar da árvore?

Guia:—A árvore é o portal de saída desta dimensão de treinamento, as areias brancas são o intervalo atemporal, o mar é a eternidade e a caverna representa tua retrospectiva do passado.

Kimy:—Então, devo voltar para a caverna?

Guia:—Sim.

Kimy:—Quando poderei atravessar o portal?

Guia:—Deve primeiro terminar a retrospectiva e ao final de tua vida mortal retornaras naturalmente até a árvore, onde por fim reverás teu amado, podendo viver com ele um Romance Celestial.

Kimy:—Hei, já ouvi isso antes. O que significa esse Romance Celestial?

Guia:—Significa que ao passares para a próxima vida terás o direito de estar junto a teu marido, e ambos terão alta maturidade espiritual, possuindo poder Celestial para criar novos mundos que serão habitados por tua  posteridade.

Kimy:—Posteridade, nossos futuros filhos? (confusa) Mas como faremos isso? (Pausa)

Guia:—Ensinando-lhes as experiências vividas no passado.

Kimy:—Porque o passado é tão relevante?

Guia:—Os erros cometidos no passado influenciam as decisões sábias que tomamos no presente.

Apesar de não entender claramente o que estava acontecendo, fica admirada com a sabedoria daquelas palavras, e aquelas instruções lhe soam verdadeiras, desse modo resolve obedecer a Anciã Guia e voltar para casa, e quando Kimy entra na caverna aquela mulher de branco desaparece como se houvesse sido levada pelas ondas.

Retorno

O brilho da lua se intensifica dentro do quarto produzindo uma luz tênue: azul clara. Acorda assustada, lembrando-se vagamente do que acontecera naquele estranho sonho, tinha a respiração acelerada, imaginando a real possibilidade de alguém ter entrado em seu quarto pela janela, ajeita o cabelo, vai até a janela e olha para a lua, onde materializa o rosto de Fabio, igual ao da foto que ele mandara. Recrimina-se por estar esnobando outros rapazes, quando mal conhecia seu amigo da internet.

—Nossa, não consigo dormir, tenho que parar de pensar nele.

Não podia se conformar em continuar a pensar tanto em Fábio, tranca a janela, volta para a cama, fecha os olhos e dorme profundamente.

Aura de cada um...

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