Todos os capítulos do SOMBRAS DA MEMÓRIA: Capítulo 31 - Capítulo 40
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CAPÍTULO 27 - O RETORNO DO MEDO
Estelle já não dependia tanto dos medicamentos. Aos poucos, ela conseguia se reconectar com a rotina, participando mais da vida de seus filhos. O sorriso deles, as risadas que ecoavam pela casa, a simplicidade do dia a dia, mas com uma profundidade que ela nunca tinha percebido antes, começavam a trazer-lhe uma paz que parecia perdida. Contudo, à medida que se aproximava dos filhos, algo estava se afastando: seu marido, Paulo. As conversas entre eles tornaram-se breves, frias. O que antes eram gestos de carinho, agora pareciam distantes, mecânicos. Eles começaram a dormir em quartos separados, e embora não fosse um afastamento definitivo, era uma tentativa de recuperar o controle sobre sua vida, de dar a si mesma o espaço que tanto necessitava.Paulo protestou, sentindo-se rejeitado e ferido, mas Estelle não cedeu. Ela precisava de tempo, de respirar sem a pressão constante de uma relação que já não a fazia sentir-se segura. O peso da culpa a acompanhava, mas ela sabia que não poderia
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CAPÍTULO 28 – O PESO DAS MEMÓRIAS PERDIDAS.
Estelle acordou com um sobressalto, os olhos se arregalando em pânico. Olhou para os lados, sentindo um peso esmagador, como se algo tentasse emergir das profundezas de sua memória.— Onde... onde estou? O que aconteceu? — Estelle murmurou, tentando processar tudo.Então, ela ouviu a voz suave de Marta, que estava ao seu lado, segurando sua mão com uma ternura que só uma irmã poderia expressar.— Você teve um colapso, Estelle — explicou Marta, com voz baixa. — Não se preocupe, vai ficar tudo bem. Você está em um hospital. Mas agora é diferente, estou aqui eu e Antônio, não vamos sair do seu lado. Até você ir para casa.O cheiro de hospital, o barulho abafado das máquinas e o som distante de vozes a confundiram por um instante. Ela se moveu e, aliviada, não sentiu dores – apenas uma pressão nas têmporas. Observou as paredes; o verde suave lhe trouxe a certeza de que não estava no mesmo hospital. Estava em um lugar seguro – mas o medo ainda pulsava em suas veias.— Você está segura. Est
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CAPÍTULO 29 - LIBERTANDO-SE DAS SOMBRAS.
O turbilhão de emoções e desespero que levou Estelle até a casa de Murilo a fez cruzar a linha tênue entre a razão e a loucura. Lá fora, o silêncio imperava como um véu pesado, mas dentro das paredes, seus corações martelavam em ritmo de tambores de guerra – cada batida ecoando nas vigas da casa como um segredo proibido. Murilo não a questionou — apenas abriu os braços como um porto seguro, oferecendo palavras que ecoavam promessas antigas: “Você nunca precisou dele. Sempre fui eu.” E ela, frágil como vidro soprado, deixou-se quebrar em seus braços. Foi naquela noite, entre lençóis embebidos de culpa e desejo, que a semente de uma vida começou a crescer dentro dela. Quando o médico confirmou a gravidez semanas depois, o medo se instalou como uma faca no peito.Consumida pela culpa, ela confessou tudo a Paulo. Para sua surpresa, ele a perdoou e garantiu que não importava quem era o verdadeiro pai; criariam a criança como se fosse deles. No entanto, impôs uma condição inegociável: Es
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CAPÍTULO 30 – A LIBERTAÇÃO DA ALMA
Estelle respirou fundo antes de começar a falar. Com a voz trêmula, mas firme, ela narrou ao delegado cada fragmento de memória que conseguira recuperar. Contou sobre o cativeiro, sobre as manipulações de Murilo e Paulo, sobre os horrores que havia vivido e as mentiras que a fizeram duvidar da própria sanidade. Quando terminou, sentiu-se esgotada, como se tivesse esvaziado a alma.O delegado ouviu tudo atentamente e, sem hesitar, ordenou que uma viatura fosse enviada imediatamente à casa do casal para prendê-lo. No entanto, ao chegarem lá, não encontraram ninguém. A sensação de duplo perigo iminente permaneceu no ar, como um espectro silencioso à espreita.Paulo ligou para Murilo e, minutos depois, os dois estavam no carro de Murilo, estacionados em uma rua tranquila. O silêncio da noite parecia envolver tudo ao redor, tornando o ambiente ainda mais tenso. Paulo sabia que, no fundo, Murilo ainda alimentava uma chama de esperança, uma paixão que poderia ser facilmente manipulada.Aproxi
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CAPÍTULO 31: A DOR DE UM NOVO COMEÇO
Dias depois, com a poeira baixada e as investigações encerradas, Estelle sentiu um vazio profundo. O peso das tragédias que marcaram sua vida parecia ainda pairar no ar, como uma nuvem escura que se recusava a dissipar. A morte de Murilo e Paulo, as consequências de escolhas passadas e a dor de tudo o que havia sido perdido a faziam se sentir como se estivesse presa em um ciclo interminável de sofrimento.Foi então que Antônio recebeu a resposta da universidade, informando que, caso ele não aceitasse a vaga no próximo semestre, o departamento de química teria que ser oferecido a outro professor. Sem hesitar, Antônio e Marta tomaram a decisão de retornar à Inglaterra o mais rápido possível, sabendo que o tempo era crucial.Marta, sempre ao seu lado, havia decidido acompanhar o marido, e seu convite para Estelle acompanhá-los foi, de alguma forma, um impulso que ela precisava. Não estava pronta para recomeçar sozinha, mas sabia que, com a ajuda da irmã do cunhado, poderia encontrar uma n
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CAPÍTULO 32 – A CHEGADA À INGLATERRA
O avião tocou o solo inglês sob um céu acinzentado e uma fina garoa, como se o clima tivesse decidido refletir o estado de espírito de Estelle. Ao seu lado, Betriza bufava entediada, e Marina dormia com a cabeça em seu colo. Pablo, desperto e alerta, observava tudo com olhos curiosos.O aeroporto parecia silencioso demais. Era tudo muito limpo, muito frio, muito longe. Estelle engoliu em seco. Ao longe, um homem de cabelos grisalhos e uma senhora de postura elegante se aproximavam. Eram os pais de Antônio — e sorriam como se aquele momento fosse a chegada da própria primavera.A mãe de Antônio estendeu os braços com delicadeza e abraçou Antônio e Marta ao mesmo tempo, como quem já havia esperado demais por aquele reencontro. Estelle recebeu um abraço caloroso de Thomas Wycliffe e sentiu o impulso de recuar, mas Marina acordou bem nesse instante e, sem entender muito, caiu nos braços do pai de Antônio como se fosse o lugar mais natural do mundo. Betriza permaneceu imóvel, observando de
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 CAPÍTULO 33 — QUANDO O PASSADO B**E À PORTA
Dois anos e meio haviam se passado desde aquela madrugada de gritos, sangue e promessas quebradas. E há anos que a vida de Estelle tinha virado do avesso — desde que ela enfrentou o horror, o engano e a dor de uma escolha que nunca deveria ter sido imposta. Mas o tempo, com sua teimosia silenciosa, seguia seu curso. E Estelle também.A nova casa onde morava com os filhos ficava a poucos minutos de caminhada da residência de Marta. Era menor, discreta, envolta por um jardim com roseiras e lavandas que insistiam em florescer mesmo sob o clima cinzento de Londres. Estelle começava, enfim, a chamá-la de lar. As meninas já respondiam em inglês quando brincavam entre si. Marina falava como uma nativa, e Betriza — embora ainda se fechasse em saudades — aos poucos aceitava a ideia de que sua vida agora acontecia ali, longe das praias brasileiras.Estelle, porém, seguia em trânsito. A mente ainda cruzava pontes invisíveis entre passado e presente. O coração oscilava entre a paz que buscava e as
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CAPÍTULO 34 — ENTRE A VIDA E A CULPA
Dois anos e meio antes — Hospital Penitenciário de Florianópolis. A luz do hospital era branca demais. Fria demais. Quase agressiva. Murilo abriu os olhos com dificuldade, como se a pálpebra tivesse o peso do mundo. A dor vinha antes da memória — uma fisgada no peito, depois uma ardência no ombro, e então o silêncio espesso da sala estéril. Ele não sabia se estava vivo ou apenas sonhando em estar.Só depois, entre respirações curtas e tosses doloridas, lembrou-se do som do disparo. Do chão frio. Da confusão. E da certeza que teve de que morreria. Mas não morreu.Murilo sobreviveu.Foi preso antes mesmo de sair do hospital. Algemado à maca, sentiu pela primeira vez o peso não da bala, mas de tudo que carregava por dentro. A culpa, o amor, o arrependimento, os silêncios que permitiu, os erros que cometeu.Ele não era um homem violento. Nunca fora. Mas havia sequestrado Estelle. E isso bastava para defini-lo, ainda que no fundo soubesse: fez tudo por desespero, por amor —
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CAPÍTULO 35 – ENTRE A VIDA E A CULPA
Alguns dias antes da festa de aniversário de Marta e Antônio, ele chegou em casa com o peso do mundo sobre os ombros. O dia na faculdade havia sido denso, as aulas pareciam não ter fim, e tudo que ele queria era silêncio. Ao entrar, largou os livros sobre a mesa da sala com um suspiro longo e cansado. O som do couro batendo na madeira chamou a atenção de Marta, que conversava tranquilamente com a sogra sobre detalhes do bolo e das lembrancinhas.Ela olhou para o marido e algo em seu semblante a alarmou. Levantou-se discretamente e foi até ele, silenciosa. O olhar que trocaram dizia mais que palavras: algo estava errado. Esperou que ficassem a sós na cozinha.— O que aconteceu? — perguntou, com a voz baixa, mas firme.Antônio hesitou. Passou as mãos pelo rosto como quem tenta apagar um pesadelo. Seus olhos, quando se encontraram com os dela, já não tinham a mesma paz de antes.— A casa da Estelle foi vendida, Marta... — começou, mas a frase seguinte foi como uma lâmina — ... e quem comp
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CAPÍTULO 36 - VERDADES.
Após a partida dos convidados, Estelle permaneceu para ajudar Marta. Enquanto lavavam os últimos copos, Marta percebeu o olhar vago da irmã, perdido em algum lugar muito além daquela cozinha. Havia uma palidez súbita em seu rosto, como se a cor tivesse drenado toda de uma vez, deixando apenas o corpo — presente, mas ausente.Em um breve instante de distração, Estelle deixou o refrigerante escorrer pela pia com mãos trêmulas, como se tivesse esquecido o que fazia. Pequenos sinais. Quase imperceptíveis. Mas, para quem conhecia Estelle, eram como rachaduras em uma represa prestes a ceder.Quando teve a chance, Marta se aproximou. Segurou levemente o braço de Estelle, com aquele cuidado que só quem ama em silêncio consegue oferecer.— Estelle… você está bem?A pergunta, simples, atravessou a muralha que Estelle havia erguido ao redor de si. Ela hesitou. Mordeu o lábio com força, os olhos fugindo para os cantos da cozinha como se procurassem abrigo.Então, em voz baixa, quas
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