Kate Ferreira Cheguei na casa da Clara em prantos, com o coração em frangalhos e o corpo trêmulo como se estivesse saído de um acidente. Assim que ela abriu a porta e me viu daquele jeito, não disse nada. Apenas me puxou para dentro e me envolveu num abraço apertado, daqueles que dizem “tô aqui” sem precisar de nenhuma palavra.— O que aconteceu, meu Deus? — ela sussurrou no meu cabelo, enquanto me embalava como uma criança assustada.Eu não consegui responder. Só chorava. Chorei até faltar o ar, até minha garganta doer e meus olhos queimarem. Clara me conduziu até o sofá, pegou um cobertor, me envolveu nele e ficou ali do meu lado, em silêncio, me dando o tempo que eu precisava. Esse era o tipo de amizade que eu valorizava: aquela que entendia o silêncio, que não exigia explicações imediatas.Quando finalmente consegui respirar com um pouco mais de calma, me sentei mais ereta, embora o peso no peito continuasse esmagador.— Eu vi ele com ela, Clara… — minha voz saiu num fio. — Com a
Ricardo Santana Saber que Kate estava com Clara foi como um sopro de alívio em meio ao caos. Era como se, por um segundo, eu conseguisse respirar sem que o peito doesse tanto. Eu conhecia Clara bem o suficiente para confiar que ela cuidaria da Kate. Que a protegeria de tudo — inclusive de mim, se fosse necessário.Depois da ligação, Clara me mandou algumas mensagens. Disse que Kate estava com ela, mas que eu não deveria tentar vê-la. Alertou que ela não podia se estressar, mas não explicou o motivo com clareza. A maneira como escreveu me deixou com a pulga atrás da orelha, mas mesmo assim, respeitei. Não insisti. Eu já tinha causado sofrimento demais."Ela precisa de espaço", Clara escreveu. "E você precisa de provas."E foi exatamente isso que ficou martelando na minha cabeça.Provas.Palavras, naquele momento, não seriam suficientes. Dizer que Eliana tinha armado tudo não mudava os fatos aos olhos da Kate. A cena no meu quarto… eu mesmo teria acreditado, se estivesse do lado de for
Kate Ferreira A casa parecia mais vazia do que nunca.Enquanto recolhia minhas coisas, o silêncio me abraçava de forma incômoda. Não havia música tocando, nem Merlin correndo atrás de alguma besteira pelo corredor. Apenas eu, o zíper da mala e o peso do que estava deixando para trás — ou pelo menos tentando deixar.Entrei no quarto e respirei fundo. Peguei algumas roupas confortáveis, minha nécessaire, os exames, o teste de gravidez e coloquei tudo com cuidado na mala. Passei os olhos pelo ambiente uma última vez, como se pudesse absorver algum tipo de conforto dali. Mas só encontrei o reflexo cansado de mim mesma no espelho.Merlin miou atrás de mim, como se percebesse o clima pesado no ar. Acariciei sua cabeça devagar, pegando sua caixinha de transporte logo em seguida.— Vamos, meu amor… vamos sair um pouco daqui.Fechei o apartamento, desci, coloquei Merlin no banco de trás e, com o coração apertado, peguei a estrada rumo a Santos.O caminho era familiar, mas, naquela manhã, tudo
Ricardo Santana Já fazia uma semana. Sete dias desde que tudo desmoronou. Desde que vi o brilho desaparecer dos olhos da Kate enquanto ela me olhava como se eu fosse o pior erro da vida dela.Desde então, viver tinha deixado de fazer sentido.As noites eram um tormento. O sono não vinha, e quando vinha, era cheio de pesadelos e lembranças fragmentadas daquela última noite. Eu me revirava na cama, a mente repetindo, em looping, a imagem dela indo embora. O apartamento estava silencioso demais, frio demais… vazio demais.Comer? Um sacrifício. Só o cheiro da comida já me dava náuseas. Se não fosse por Erick, provavelmente eu já teria desmaiado de fraqueza.Ele chegou em São Paulo dois dias depois do ocorrido e, desde então, tem sido meu alicerce. Me arrasta para a mesa nas refeições, me obriga a sair para respirar, mesmo que eu só queira me encolher na cama e desaparecer do mundo.Naquele dia, almoçávamos em silêncio. Eu mexia na comida, sem vontade real de comer, mas tentando não irrit
Kate FerreiraDesde o momento em que abri os olhos naquela manhã, soube que seria um dia difícil. O tipo de dia em que o peso do mundo inteiro parece repousar sobre o peito da gente, tornando até mesmo o ato de respirar algo doloroso. A luz que entrava pelas frestas da cortina parecia zombar do vazio dentro de mim, como se o mundo lá fora estivesse seguindo em frente enquanto eu permanecia estagnada, afundando em mágoas que se recusavam a me deixar.Prometi a mim mesma que não me deixaria afundar. Que essa dor não me consumiria. Que eu era mais forte do que isso. Mas naquele dia… a tristeza me venceu.Não saí do quarto. Ignorei o sol, ignorei o som das panelas na cozinha, ignorei o mundo.Minha mãe precisou insistir mais de uma vez até que eu aceitasse comer alguma coisa. Ela bateu na porta com suavidade, entrou carregando uma bandeja com arroz, feijão, legumes e filé de frango grelhado, e olhou pra mim com aquele jeito de mãe que sabe exatamente o que dizer para nos derrubar — ou nos
Ricardo SantanaA caminho de casa, com o volante firme entre as mãos, minha mente repassava cada detalhe do plano que acabara de montar com Erick e os investigadores. Era estranho pensar que, no fim das contas, um simples conselho dele me levou a enxergar tudo por outra perspectiva. Em vez de agir por impulso ou partir para o confronto direto com Eliana, eu optei pelo caminho da justiça. Um caminho mais difícil, mais demorado, mas, no fim, mais eficaz. Era o certo a se fazer.Eliana ultrapassou todos os limites. Me dopar, se aproveitar da situação, tirar fotos comprometedoras e ainda ter a audácia de espalhar mentiras… Tudo isso apenas para me afastar de Kate. Para me "reconquistar". Obsessão é pouco.Na delegacia, minha denúncia foi registrada com seriedade. Eles já conheciam o uso da substância que ela colocou no meu vinho. Um agente me explicou que era uma droga comumente usada para dopar vítimas em casos de violência sexual — algo completamente ilegal fora de contextos médicos. Ao
Ricardo Santana O peso que carregava nos ombros parecia ter se dissipado no instante em que vi Eliana sendo levada pela polícia. Aquela imagem era a representatividade perfeita do fim de um pesadelo que durou tempo demais. Pela primeira vez em semanas, eu conseguia respirar sem sentir um nó no peito. Conseguia pensar em Kate sem sentir dor. Finalmente, havia chegado o momento de recuperar o que o destino, ou melhor, Eliana havia tentado destruir.Saí da delegacia com duas coisas de valor inestimável: uma cópia das gravações que comprovavam a confissão de Eliana e a cópia do laudo oficial de Rodrigo, atestando a substância encontrada no vinho. Era mais do que suficiente para provar minha inocência. E, mais importante ainda, era a chave que me permitiria reconquistar a mulher da minha vida.Peguei o celular e disquei para Clara. A ansiedade batia como um tambor no meu peito.— E aí? Conseguiu fazer ela confessar? — foi a primeira coisa que ouvi quando ela atendeu.Sorri antes mesmo de
Kate FerreiraO dia na praia com Júlia havia sido leve, quase terapêutico. Rimos, corremos na areia, deixamos o vento bagunçar nossos cabelos e as preocupações pra depois. Por algumas horas, tudo pareceu simples de novo.Mas tudo voltou com força quando virei a esquina da nossa rua e vi o carro dele.Meu coração parou. Não diminuiu o ritmo. Parou.— O que ele está fazendo aqui? — murmurei, como se a resposta estivesse no vento.Júlia, que estava ao meu lado, acompanhou meu olhar e franziu o cenho, tão surpresa quanto eu.Estacionei apressada, meu corpo inteiro já tenso. Assim que descemos do carro, fui direto, determinada a arrancá-lo dali. Mas tudo desmoronou quando o vi.Ricardo.De costas, ao lado de Erick. Meu peito se apertou, como se cada batida quisesse explodir de dor e saudade. Meus passos se firmaram no chão, mas meu coração... ele cambaleava.— O que você está fazendo aqui? — perguntei, tentando parecer forte, mas minha voz saiu mais baixa do que eu gostaria.Ele se virou.