Teresa, ainda tremendo, tenta recuperar o fôlego. Quando finalmente se recompõe, assente com a cabeça, como se reconhecesse que havia cruzado um limite perigoso. Mas então… algo nela muda.Como se fosse outra pessoa, sua postura se altera e, com uma ousadia inesperada, ela cutuca Kira no ombro.— Você realmente não quer saber o que é? Quem foi um dia?A resposta de Kira vem sem hesitação, sem emoção, como se a pergunta sequer fizesse sentido:— Não. Quem eu fui ficou no passado. Não me importa. Se deixei de ser, é porque eu era fraca. Quem eu sou agora é o que me define. E o que quero ser no futuro é o que realmente importa.Teresa estreita os olhos. Algo dentro dela desperta, uma indignação crua e sem filtro.— E quem você quer ser no futuro? — Sua voz sai carregada de frustração. — A superarma da BioCom? Uma supersoldado da Elitech? Uma aberração viva que mata por prazer? Quem, Kira? Quem?!As palavras saem cuspidas, afiadas como navalhas, mas Kira apenas avança, sem pressa. Sem rai
Dor. Tudo em meu corpo arde, cada célula se contorcendo em agonia enquanto a transmutação acontece. Meu maxilar está travado, os músculos rígidos como se estivessem sendo arrancados e reconstruídos ao mesmo tempo. Se eu soubesse que seria assim, talvez não tivesse vindo…Mas, mais cedo… mais cedo foi tão bom. Especial.FLASHBACK — Oi, Teresa. Te chamei aqui para conversarmos sobre Kira, Analisa, Aurora... e sobre a gangue.As palavras dele pareciam distantes, abafadas pelo turbilhão dentro de mim. Segui-o até a sala que ele indicou, mas antes que pudesse pensar, antes que qualquer palavra fosse dita, meus instintos tomaram o controle. Agarrando-o sem hesitação, meus lábios encontraram os dele num beijo carregado de necessidade, de desejo acumulado por tempo demais.O mundo ao nosso redor desapareceu. Tudo que importava era o calor do seu toque, o modo como suas mãos deslizavam por minha pele, como se quisessem memorizar cada contorno. Meu coração disparava, cada batida ecoando a inte
Respiro fundo — e o ar parece mais denso, mais presente, como se cada molécula carregasse um significado oculto. Meu peito se expande com uma calma que não é ausência de medo, mas a presença plena de algo novo: confiança. Sinto o sangue correr sob a pele com ritmo firme, quase ritmado ao da Kira. Como se nossos corações ecoassem no mesmo compasso, batendo em uníssono. Não sou apenas espectadora das lembranças dela — parte de mim é o que ela foi. O que ela é. E isso me transforma. Meu olhar se volta novamente para Jair. Há algo nos olhos dele que me desnuda. Não no sentido comum — mas como alguém que vê além, que reconhece a mudança. A mesma mudança que ele já viveu, talvez de forma diferente, mas não menos intensa. A conexão entre nós é sutil, mas poderosa. Não precisa de palavras. É como se um elo tivesse sido forjado no fogo da mesma presença. A mesma origem. A mesma mulher. Kira. Ela não sabe o quanto mudou minha vida. O quanto estar ligada a ela me torna mais... inteira. Como
Acho que preciso buscar entender melhor os relacionamentos. Compreender como as pessoas funcionam, como me aproximar delas, entrar em suas mentes sem ser literal, sem que elas precisem me dizer o que querem. Quero aprender a decifrar desejos nas entrelinhas, ler os silêncios, entender olhares. Meu plano é simples, mas ambicioso: reunir pessoas boas e importantes ao meu redor. Sei que não posso enfrentar tudo sozinha. Já aceitei que preciso de aliados. Estou absorta nesses pensamentos quando paro no semáforo. Um carro pára ao meu lado, e logo percebo o clima de provocação. Sinto os olhares. Um dos homens abaixa o vidro e grita, a voz carregada de escárnio: — Vadia, vou te fazer comer poeira... e depois, vou comer tua boceta, o que acha? Ele ri como se já tivesse me vencido. A raiva se mistura com algo mais gelado e preciso dentro de mim. Viro o rosto devagar, encaro ele com frieza e respondo, com a voz cortante: — Eu aceito. Me ajusto sobre a moto, como um predador prestes a atac
O restaurante escolhido por Xiaomei tem vista para as luzes pulsantes de Manaus, como um coração cibernético batendo no caos noturno. O ambiente é de penumbra quente, com velas elétricas em cúpulas de vidro, projetando sombras que dançam sob as mesas. O som abafado e ritmado de “Locomotive Breath” preenche o ar — o dedilhar da guitarra e o sopro agressivo da flauta parecem acompanhar o fluxo dos pensamentos como uma locomotiva sem freios.Estamos sentadas em um canto reservado. Xiaomei chama atenção como sempre: o sobretudo de couro negro aberto, revelando apenas um top colado ao corpo e uma calcinha de renda escura. As luzes âmbar acariciam sua pele branca como porcelana. Ela cruza as pernas devagar, o olhar fixo em mim, como se estivesse tentando decifrar um enigma.— Cem mil eurodólares — ela comenta com um sorriso enviesado — e nem pareceu que você precisou se esforçar.— Foi um lembrete — respondo, a voz baixa, controlada — do que sou capaz. E do que posso me tornar.A batida da
Meus pais morreram. Pelo menos é o que dizem. Foi um acidente — ou pelo menos assim foi registrado. Minha mãe estava grávida, e minha irmã mais nova também estava no carro. Dizem que foi uma colisão violenta, algo repentino, brutal... suspeito. Muito suspeito.Nunca encontraram os corpos. Nenhum vestígio claro, nenhum sinal conclusivo. Apenas destroços e suposições. As autoridades disseram que a explosão foi intensa demais, que era impossível sobreviver. Mas como aceitar uma perda sem provas? Como seguir em frente sem um corpo para enterrar?A vida virou de cabeça para baixo. Eu havia começado a faculdade, cheia de planos e expectativas. Tive que trancar tudo. Agora precisava cuidar de mim... e da minha irmã — a única coisa concreta que me restou.Fiz um curso técnico, algo rápido, direto. Aproveitei o fato de já estar no terceiro semestre da faculdade para buscar alguma oportunidade, e consegui um estágio. Foi assim que entrei na Cibercom, uma das empresas de tecnologia mais avançada
Eu já estava na igreja, aguardando com o coração pulsando de alegria. Uma felicidade confusa, misturada. Era o dia da minha irmã, mas de certa forma... também era o meu. Parte de mim sonhava que, agora com Amanda comprometida, Douglas talvez olhasse para mim — me visse de verdade.Estava tão envolvida com meus pensamentos e expectativas que decidi deixar meu celular em casa. Não queria interrupções. Nada poderia tirar o brilho daquele dia. Nada... ou quase nada.De repente, o burburinho começou. Um corre-corre, sussurros, celulares tocando por toda parte. As pessoas olhavam umas para as outras, inquietas. Eu não entendia. Sem o meu celular, estava isolada no meio do caos.Foi quando Douglas apareceu ao meu lado. Ele estava... estranho. Gélido. Seus passos firmes, expressão dura, olhar vazio. Quando me encarou, senti um arrepio subir pela espinha — não havia calor, não havia alma. Apenas um vazio sombrio.— Amanda e Alessandro... — ele começou, a voz baixa, firme, cortante — sofreram u
Um ano e três meses se passaram desde Jason. Já é dezembro novamente. O fim de mais um ciclo. Dois anos desde a morte da minha irmã Amanda. Cinco desde que meus pais e irmãos foram levados naquele maldito acidente. O tempo passa, mas o peso não diminui. Ele só aprende a se esconder em cantos diferentes da alma.O clima no escritório está estranho hoje. Alessandro está mais sombrio do que o habitual — o que já é muito vindo dele. Douglas, por outro lado, parece... feliz. Curiosamente feliz. Isso me inquieta. Dezembro é o pior mês do ano para qualquer um que conheceu Amanda de verdade. Ainda assim, ele anda saindo mais cedo, sorrindo em momentos inesperados. Ouvi dizer que tem passado horas no laboratório do Dr. Schumaker. E, hoje, saiu acompanhado.Ela.Alta. Atlética. Presença marcante. Há algo de hipnotizante e ameaçador nela. Ela é lindíssima, perfeita até demais, tão perfeita que circulam boatos de que foi construída, moldada a partir de um corpo descartado, uma indigente. Há algo