Acho que preciso buscar entender melhor os relacionamentos. Compreender como as pessoas funcionam, como me aproximar delas, entrar em suas mentes sem ser literal, sem que elas precisem me dizer o que querem. Quero aprender a decifrar desejos nas entrelinhas, ler os silêncios, entender olhares. Meu plano é simples, mas ambicioso: reunir pessoas boas e importantes ao meu redor. Sei que não posso enfrentar tudo sozinha. Já aceitei que preciso de aliados. Estou absorta nesses pensamentos quando paro no semáforo. Um carro pára ao meu lado, e logo percebo o clima de provocação. Sinto os olhares. Um dos homens abaixa o vidro e grita, a voz carregada de escárnio: — Vadia, vou te fazer comer poeira... e depois, vou comer tua boceta, o que acha? Ele ri como se já tivesse me vencido. A raiva se mistura com algo mais gelado e preciso dentro de mim. Viro o rosto devagar, encaro ele com frieza e respondo, com a voz cortante: — Eu aceito. Me ajusto sobre a moto, como um predador prestes a atac
O restaurante escolhido por Xiaomei tem vista para as luzes pulsantes de Manaus, como um coração cibernético batendo no caos noturno. O ambiente é de penumbra quente, com velas elétricas em cúpulas de vidro, projetando sombras que dançam sob as mesas. O som abafado e ritmado de “Locomotive Breath” preenche o ar — o dedilhar da guitarra e o sopro agressivo da flauta parecem acompanhar o fluxo dos pensamentos como uma locomotiva sem freios.Estamos sentadas em um canto reservado. Xiaomei chama atenção como sempre: o sobretudo de couro negro aberto, revelando apenas um top colado ao corpo e uma calcinha de renda escura. As luzes âmbar acariciam sua pele branca como porcelana. Ela cruza as pernas devagar, o olhar fixo em mim, como se estivesse tentando decifrar um enigma.— Cem mil eurodólares — ela comenta com um sorriso enviesado — e nem pareceu que você precisou se esforçar.— Foi um lembrete — respondo, a voz baixa, controlada — do que sou capaz. E do que posso me tornar.A batida da
Meus pais morreram. Pelo menos é o que dizem. Foi um acidente — ou pelo menos assim foi registrado. Minha mãe estava grávida, e minha irmã mais nova também estava no carro. Dizem que foi uma colisão violenta, algo repentino, brutal... suspeito. Muito suspeito.Nunca encontraram os corpos. Nenhum vestígio claro, nenhum sinal conclusivo. Apenas destroços e suposições. As autoridades disseram que a explosão foi intensa demais, que era impossível sobreviver. Mas como aceitar uma perda sem provas? Como seguir em frente sem um corpo para enterrar?A vida virou de cabeça para baixo. Eu havia começado a faculdade, cheia de planos e expectativas. Tive que trancar tudo. Agora precisava cuidar de mim... e da minha irmã — a única coisa concreta que me restou.Fiz um curso técnico, algo rápido, direto. Aproveitei o fato de já estar no terceiro semestre da faculdade para buscar alguma oportunidade, e consegui um estágio. Foi assim que entrei na Cibercom, uma das empresas de tecnologia mais avançada
Eu já estava na igreja, aguardando com o coração pulsando de alegria. Uma felicidade confusa, misturada. Era o dia da minha irmã, mas de certa forma... também era o meu. Parte de mim sonhava que, agora com Amanda comprometida, Douglas talvez olhasse para mim — me visse de verdade.Estava tão envolvida com meus pensamentos e expectativas que decidi deixar meu celular em casa. Não queria interrupções. Nada poderia tirar o brilho daquele dia. Nada... ou quase nada.De repente, o burburinho começou. Um corre-corre, sussurros, celulares tocando por toda parte. As pessoas olhavam umas para as outras, inquietas. Eu não entendia. Sem o meu celular, estava isolada no meio do caos.Foi quando Douglas apareceu ao meu lado. Ele estava... estranho. Gélido. Seus passos firmes, expressão dura, olhar vazio. Quando me encarou, senti um arrepio subir pela espinha — não havia calor, não havia alma. Apenas um vazio sombrio.— Amanda e Alessandro... — ele começou, a voz baixa, firme, cortante — sofreram u
Um ano e três meses se passaram desde Jason. Já é dezembro novamente. O fim de mais um ciclo. Dois anos desde a morte da minha irmã Amanda. Cinco desde que meus pais e irmãos foram levados naquele maldito acidente. O tempo passa, mas o peso não diminui. Ele só aprende a se esconder em cantos diferentes da alma.O clima no escritório está estranho hoje. Alessandro está mais sombrio do que o habitual — o que já é muito vindo dele. Douglas, por outro lado, parece... feliz. Curiosamente feliz. Isso me inquieta. Dezembro é o pior mês do ano para qualquer um que conheceu Amanda de verdade. Ainda assim, ele anda saindo mais cedo, sorrindo em momentos inesperados. Ouvi dizer que tem passado horas no laboratório do Dr. Schumaker. E, hoje, saiu acompanhado.Ela.Alta. Atlética. Presença marcante. Há algo de hipnotizante e ameaçador nela. Ela é lindíssima, perfeita até demais, tão perfeita que circulam boatos de que foi construída, moldada a partir de um corpo descartado, uma indigente. Há algo
Talvez seja uma medida de precaução. Talvez Alessandro queira garantir sua segurança pessoal — e, nesse ponto, ninguém seria mais eficiente do que Kira. É impossível ignorar o que ela representa: uma presença intimidadora, precisa... e, se for necessário, letal. A simples menção de que ela virá e acompanhada de uma equipe inteira de segurança apenas reforça a relevância política e estratégica desse evento. Não é só mais uma reunião de interesses, é uma disputa de poderes em escala nacional.Ainda assim, sinto um inesperado alívio ao saber que ela estará por perto. Kira me inquieta, mas também me traz uma estranha sensação de proteção. Eles chegam hoje. E, por mais que eu tente manter a racionalidade, não consigo evitar a ansiedade.Quero vê-la. Quero entender como ela está. Ela ficou um tempo fora, desaparecida, sem deixar rastros. Ninguém sabia exatamente o que estava fazendo, e o fato de Douglas ter sumido na mesma época só tornou tudo ainda mais nebuloso. Alessandro estava à beira
Montei toda a estrutura do projeto para dar vida à K'Corp. A ideia saiu do papel com uma rapidez surpreendente, como se algo maior me impulsionasse a torná-la real. Agora, com tudo pronto no papel, eu precisava de um espaço físico. Encontrei o lugar ideal: uma loja com sobreloja e subsolo, discretamente posicionada, com entradas independentes e o tipo de privacidade que um grupo como o nosso precisa. Assinei os contratos, acertei os detalhes do mobiliário, dos pontos de energia e segurança. Passei duas semanas inteiras mergulhada nisso, e o mais curioso é que eu me diverti. Quem diria que burocracia e planejamento me dariam essa sensação de realização?Mas o que mais ocupou minha mente nessas semanas… foi Alessandro.Ele não precisa me tocar. O olhar dele já é suficiente para bagunçar algo dentro de mim. A forma como me observa, como fala meu nome, como abaixa o tom de voz quando está perto demais. Às vezes parece que ele enxerga mais do que deveria. Que me conhece além da superfície.
Logan entrou em contato mais cedo, querendo saber quanto tempo vou demorar. Xiaomei prontamente se ofereceu para cuidar da K’Corp durante minha ausência — e, claro, aceitei. Ela é meticulosa, confiável e sabe como lidar com a burocracia fria das corporações. Jair, por sua vez, me perguntou se queria que ele me acompanhasse. Pedi que ficasse e desse suporte à Xiaomei. Ele assentiu em silêncio, mas o olhar denunciava seu desejo de estar ao meu lado.Teresa está imersa em uma investigação. Disse ter encontrado algo que se conecta ao projeto desenvolvido comigo — mas não da forma como imaginávamos. Segundo ela, eu não fui criada pela BioCom… eu já era uma cobaia muito antes disso. Teresa acredita que eu carrego algo dentro de mim, algo tão incomum e grandioso, que Hugo Heinz chegou a considerar me dissecar só para descobrir o que sou.Ofereci a Analisa como apoio. As duas parecem crianças em uma expedição científica — empolgadas, inquietas, tagarelas. Falam sobre uma base militar nas mont